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Ginecologistas têm um papel fundamental no acolhimento e direcionamento dos adolescentes vítimas de abuso e exploração sexual

Membros da Comissão Nacional Especializada de Violência Sexual e Interrupção Gestacional Prevista em Lei da FEBRASGO explicam a importância do especialista o enfrentamento deste tipo de violência

 

A campanha Maio Laranja foi oficializada pela Lei Nº 14.432, de 3 de agosto de 2022. Essa legislação determina que, durante todo o mês de maio, em todo o território nacional, sejam realizadas atividades efetivas de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes. O objetivo é conscientizar a população sobre esse tema e contribuir para o enfrentamento dessa grave problemática, que causa danos irreparáveis na vida de milhares de crianças e jovens anualmente.

 

Dentro desse panorama, os membros da Comissão Nacional Especializada de Violência Sexual e Interrupção Gestacional Prevista em Lei da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), liderada pelo Dr. Rosires Pereira de Andrade, juntamente com os membros da Comissão de Ginecologia Infanto Puberal, esclarecem as principais dúvidas relacionadas ao tema e enfatizam a importância do médico ginecologista no enfrentamento dessa forma de violência.

 

 

Sinais físicos mais comuns de abuso sexual em adolescentes

 

Os sinais físicos de abuso sexual em crianças e adolescentes podem variar, muitas vezes a violência é crônica e o agressor não deixa marcas. Na adolescência os sinais podem passar despercebidos e confundidos com atividade sexual comum na faixa etária. Os pais, familiares e educadores devem estar atentos nas situações abaixo:  

  • Presença de lesões genitais ou anorretais como hematomas, lacerações, inchaço ou sangramento na região genital ou anal. Marcas de mordida ou outras lesões em áreas não expostas normalmente a traumas acidentais, como a parte interna das coxas. 
  • Crianças que relatam dor ao urinar ou defecar, ou que apresentam constipação crônica ou enurese (urinar na cama) sem uma causa médica aparente. 
  • ⁠Crianças que demonstram um conhecimento sexual inadequado para a idade ou comportamentos sexuais explícitos podem ter sido expostas a abusos. 
  • A presença de sangue, sêmen ou outras secreções nas roupas íntimas da criança pode ser um sinal direto de abuso sexual. 
  • Sinais associados a presença de IST (condilomas, herpes genital, gonorreia) especialmente em crianças pequenas, é um sinal altamente sugestivo de abuso. 

Outros sinais de alerta tanto em crianças como adolescentes: mudanças súbitas no apetite, problemas gastrointestinais sem causa médica definida, bem como insônia ou pesadelos frequentes, sintomas depressivos, medo ou pânico, dificuldade de concentração, ansiedade, lembranças intrusivas ou pensamentos recorrentes, comportamento agressivo, isolamento social podem ser uma resposta física ao trauma.  

É importante frisar que esses sinais não são definitivos de abuso sexual, mas podem indicar que algo está errado e merece investigação cuidadosa e sensível.  

 

Abordagem médica recomendada ao tratar uma vítima de abuso sexual em adolescentes

 

A abordagem médica depende de uma boa anamnese para detecção da violência sofrida que muitas vezes não é a queixa principal.  Às vezes é necessário estar a sós com a adolescente para melhor abordagem do abuso. Este atendimento requer a formação de um vínculo de confiança implicando muitas vezes em analisar sintomas e sinais que não são muito bem definidos. Às vezes é necessária uma abordagem multiprofissional onde o/a psicólogo/a exerce um papel fundamental na equipe.  

A assistência à adolescente deve ser diferenciada, levando-se em consideração todo o processo psicológico que envolve esta fase de vida. O profissional precisa obter a confiança da adolescente para que esta possa verbalizar a sua realidade. Para isso, é necessário um momento de privacidade. Os familiares serão arguidos na consulta somente após o atendimento da adolescente e a análise do seu relacionamento com genitores, lembrando que muitas vezes a violência pode ser causada por familiar. 

 

Os desafios mais comuns enfrentados pelos profissionais de saúde ao lidar com casos de abuso sexual em adolescentes

 

A assistência à vítima de violência requer do profissional preparo emocional, pois o tema da violência pode vir carregado de preconceitos. O profissional deve demonstrar interesse em assistir a adolescente, pois é necessário estabelecer um vínculo para que as condutas tenham êxito. Deve ser levado em conta a complexidade de se falar sobre a violência sofrida e para isso o profissional precisa estar atento à postura da adolescente, sem pressa, com acolhimento. 

Os profissionais de saúde precisam cada vez mais estarem capacitados para atender estas jovens em situação de violência. Como o atendimento na maioria das vezes ocorre em plantões sobrecarregados, o profissional pode não estar disponível para uma demanda tão complexa que exige tempo e disposição de escuta. Há barreiras relacionadas a abordagem da sexualidade da adolescente, de atendê-la numa perspectiva de proteção, mas também como sujeito de direitos sexuais e reprodutivos. Há uma tendência ainda em desacreditar da palavra da vítima. E há ainda a objeção de consciência em realizar o próprio atendimento e ainda de realizar o abortamento previsto em lei. São muitos os desafios, mas que estão relacionados à formação desse profissional, principalmente na graduação e na residência médicas. 

 

Medidas preventivas podem ser implementadas nas consultas ginecológicas para identificar sinais de abuso sexual

 

A consulta ginecológica implica em abordar sintomas clínicos, bem como avaliar hábitos e comportamentos da adolescente, como o sono, humor, relações sociais, assim como a sexualidade. Abordar sobre sexualidade e afetividade é fundamental para introduzir e fortalecer a autoestima, o autocuidado e a autonomia, alertando para o perigo de relações abusivas, assédio e violência. Promover informações e diálogo sobre cuidados de prevenção, sexualidade saudável e prazerosa e sexo seguro é fundamental para que a própria adolescente compreenda e denuncie uma abordagem abusiva! 

 

Como os profissionais de saúde podem apoiar adolescentes que foram vítimas de abuso sexual

 

O apoio se inicia no primeiro atendimento, no acolhimento no serviço, com uma boa escuta, garantindo a privacidade, respeitando o tempo daquela adolescente e inserindo-a na dinâmica de atendimento, com equipe multiprofissional. Importante entender as vulnerabilidades na qual ela está inserida, mas principalmente, fortalecer vínculo com o profissional e a autonomia dessa paciente, estimular a autoestima e reduzir o stress pós-traumático que representa a situação vivenciada.  

 

Quais recursos estão disponíveis para adolescentes que foram vítimas de abuso sexual e suas famílias

Podemos contar com a rede de apoio que trabalha junto aos serviços de referência nos estados e municípios e contar com os conselhos tutelares. Estes serviços, mesmo em caso de suspeitas são de suma importância, principalmente para análise do contexto social em que a adolescente está inserida. Podemos contar com a contribuição de assistentes sociais, psicólogos e é fundamental que os serviços de referência tenham toda a articulação com a rede de apoio e ainda o acompanhamento dessas adolescentes com equipe multiprofissional no próprio serviço. É importante lembrar aos médicos que aquela consulta pode ser a única possibilidade de poder ajudar a adolescente, em todas as situações que alguma dúvida ocorrer. 

 

O papel do ginecologista no combate ao abuso sexual adolescentes 

Dar atenção à adolescente e procurar um momento de privacidade para que ela possa falar mais abertamente. Muitas vezes o abuso pode estar relacionado com familiares. Lembrar que adolescentes a partir dos 12 anos podem ser atendidas sem a presença de pais ou responsáveis, sendo-lhe garantido o sigilo e a confidencialidade.  

Não se omitir de atender adolescentes por medo de repercussões legais (principalmente se forem menores de 14 anos), pois deixar de atender adolescentes ou mesmo investigar a história sexual, deixará estas meninas desamparadas e situações de abuso deixarão de ser identificadas. As adolescentes podem ser atraídas para atividade sexual com adultos bem mais velhos em troca de favores e bens. 

Ao abordar aspectos relacionados à sexualidade – procurar saber idade do/a parceiro/a. No caso de grande diferença de idade entre o casal investigar se o relacionamento é consentido ou se há algum tipo de coação.  

Afastar situações de vulnerabilidade para a oferta de resistência como consentir a relação sexual em estado de embriaguez, efeito de drogas, déficit cognitivo ou mesmo ser coagida ao ato por pressão do namorado ou de amigos, entre outras. 

Falar sobre a idade mínima para consentimento sexual no Brasil (14 anos). Muitas adolescentes e mesmo seus pais parecem desconhecer ou ignorar o crime de estupro de vulnerável (art. 271-A do Código Penal, 2009). 

Falar com as adolescentes sobre consentimento, cuidados com o corpo, atitudes abusivas. 

O ginecologista precisa se despir de julgamentos e saber conversar com a adolescente de modo não impositivo, mas que provoque a reflexão (“plantar a semente”). 

Crianças e adolescentes com conhecimentos, habilidades e atitudes estarão capacitadas a cuidar de sua saúde, do seu bem-estar, da sua dignidade e estarão aptas a identificar e denunciar comportamentos inadequados. 

Para finalizar: 

Fortalecimento dos serviços de atenção à violência; 

Educação continuada em sexualidade saudável; 

Investimento na graduação e pós-graduação de medicina e outros cursos da área da saúde, com a temática de adolescência -sexualidade -violência sexual -direitos sexuais e reprodutivos;  

Campanhas educativas;  

Rodas de conversas com grupos de adolescentes na atenção básica.  

 

As informações contidas neste documento foram desenvolvidas pela Comissão Nacional Especializada de Violência Sexual e Interrupção Gestacional Prevista em Lei da e revisadas pela Comissão Nacional Especializada de Ginecologia Infanto Puberal, ambas da FEBRASGO.

 

Síndromes Hipertensivas da Gravidez

As síndromes hipertensivas da gravidez representam a segunda principal causa de mortalidade materna em escala global, com predominância das hemorragias como a principal causa. No Brasil, são a principal causa de mortalidade materna. Entre os anos de 2010 e 2021, os números absolutos de morte materna atribuídos a essas síndromes tiveram uma variação mínima, oscilando entre 311 e 338 casos. Esses dados ressaltam a importância de medidas eficazes de prevenção, diagnóstico precoce e controle adequado das complicações relacionadas à hipertensão na gestação para reduzir o impacto dessas condições na saúde materna e perinatal.

A pré-eclâmpsia, principal forma de manifestação das síndromes hipertensivas da gravidez, é uma condição multifatorial (tem influência genética, ambiental, imunológica) e multissistêmica, caracterizada por ativação inflamatória que afeta todo o organismo materno. Entre as potenciais complicações maternas, destacam-se o acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca, edema pulmonar, crise convulsiva, insuficiência renal, coagulação intravascular disseminada e óbito materno. Em relação ao recém-nascido, observam-se elevadas taxas de complicações decorrentes da prematuridade, que é uma das principais causas de óbito intrauterino e neonatal. Essas complicações ressaltam a importância da vigilância e do controle adequado da pré-eclâmpsia para garantir a saúde e segurança tanto da mãe quanto do feto durante a gestação e o parto.

 

Diagnóstico

 

A aferição precisa da pressão arterial e a determinação da concentração da proteinúria durante a gestação desempenham papel crucial na detecção precoce e no controle adequado de complicações hipertensivas, como a pré-eclâmpsia. Essas avaliações são essenciais para identificar potenciais riscos à saúde materna e fetal, permitindo intervenções oportunas que visam prevenir complicações graves. Portanto, a correta mensuração da pressão arterial e a análise da proteinúria são componentes essenciais do cuidado pré-natal.

Na gestação, considera-se hipertensão arterial o valor de pressão arterial sistólica (PAS) ≥ 140 mmHg e/ou de pressão arterial diastólica (PAD) ≥ 90 mmHg, determinados após período de repouso, com técnica sistematizada descrita abaixo. Os valores pressóricos elevados devem ser confirmados após quatro horas após a primeira verificação anormal. Se os valores de PAS forem ≥ 160 mmHg e/ou PAD ≥ 110 mmHg, a verificação deve ser repetida em 15 minutos (e não quatro horas), pois se os valores forem mantidos ou se elevarem deve-se administrar tratamento oportuno que será discutido posteriormente1,2.

          A técnica ideal de aferição da pressão arterial na gestante deve seguir a seguinte sistematização:

  • Gestante sentada, com pés apoiados no chão e pernas descruzadas;
  • Braço elevado na altura do coração, livre de roupas, palma da mão para cima e cotovelo ligeiramente fletido;
  • A gestante deve estar calma, com a bexiga vazia, não ter praticado exercícios há 60 minutos, não ter ingerido bebidas alcoólicas, café, se alimentado ou fumado até 30 minutos antes;
  • O manguito de tamanho usual deve medir 13 cm e ser colocado confortavelmente a 03 cm da artéria braquial;
  • Palpar o pulso radial e inflar o manguito até o desaparecimento da pulsação, para a estimativa do valor de pressão arterial sistólica e desinflar novamente.
  • Após aguardar um minuto, inflar rapidamente de 10 em 10 mmHg até ultrapassar 20 a 30 mmHg o nível estimado da PAS e proceder a deflação com velocidade constante.
  • Determinar a PA:
  • - Sistólica: primeiro som (fase I de Korotkoff)

               - Diastólica: desaparecimento do som (fase V de Korotkoff)      

 

Considera-se proteinúria significativa a presença de pelo menos 300 mg em urina de 24 horas ou da relação proteína/creatinina urinárias ≥ 0,3 (as unidades referentes a proteína e creatinina devem estar em mg/dL) ou da presença de pelo menos uma cruz em amostra de urina isolada (dipstick). Entre esses três critérios a relação proteína/creatinina urinárias é um exame de execução fácil, de menor custo e mais confiável.

 

Classificação

 

A classificação mais utilizada das síndromes hipertensivas da gestação estabelece a possibilidade de sua manifestação sob quatro formas: hipertensão arterial crônica, hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia/eclâmpsia e hipertensão arterial crônica sobreposta por pré-eclâmpsia.

Recentemente, a International Society for the Study of Hypertension in Pregnancy (ISSHP) admitiu a possibilidade de se incluir outras formas clínicas de hipertensão arterial durante a gestação, porém a Rede Brasileira de Estudos sobre Hipertensão na Gravidez (RBEHG) incorpora apenas a síndrome do jaleco branco, adotada pelos protocolos/diretrizes clínicos, por ser considerada fator de risco para o desenvolvimento de pré-eclâmpsia.

 

 Manifestação de hipertensão arterial na primeira metade da gravidez:

  • Hipertensão arterial crônica: presença de hipertensão arterial relatada pela gestante como manifestação prévia à gravidez ou identificada antes da 20ª semana. Segundo a literatura pode ser estratificada em primária ou essencial (90% dos casos) e secundária a outras patologias (10%) como síndrome da apneia do sono, doença renal crônica, doença renal parenquimatosa, hipertensão renovascular, hiperaldosteronismo primário, doenças do colágeno, coarctação da aorta, síndrome de Cushing, feocromocitoma, hipotireoidismo, hipertireoidismo, hiperparatireoidismo e acromegalia.
  • Síndrome do avental branco: presença de hipertensão arterial durante as consultas pré-natais em consultório, que não se mantém em avaliações domiciliares.

 

Manifestação de hipertensão arterial na segunda metade da gravidez:

  • Hipertensão gestacional: em gestante normotensa, manifestação de hipertensão arterial após a 20ª semana de gestação, porém sem proteinúria ou disfunção de órgãos-alvo. Essa forma de hipertensão deve desaparecer até 12 semanas após o parto. Assim, diante da persistência de valores pressóricos elevados, deve ser reclassificada como hipertensão arterial crônica, que provavelmente teve suas manifestações pormenorizadas em decorrência dos efeitos das modificações fisiológicas da primeira metade da gestação. Entretanto, é preciso estar sempre atento à possibilidade de evolução desfavorável de casos inicialmente diagnosticados como hipertensão gestacional, pois até 25% dessas gestantes evoluirão para pré-eclâmpsia.
  • Pré-eclâmpsia/eclâmpsia: em gestante normotensa, manifestação de hipertensão arterial identificada após a 20ª semana de gestação, associada à proteinúria significativa ou disfunção de órgãos-alvo como trombocitopenia (contagem de plaquetas < 150.000/mm3), disfunção hepática (transaminases oxalacética ou pirúvica > 40 UI/L), insuficiência renal (creatinina > 1,2 mg/dL), edema pulmonar, iminência de eclâmpsia ou eclâmpsia. Ressaltando-se que, a associação de hipertensão arterial com sinais de disfunção placentária, como restrição de crescimento fetal e/ou alterações dopplervelocimétricas fetais, também deve chamar atenção para o diagnóstico de pré-eclâmpsia, mesmo na ausência de proteinúria;

Importante salientar que houve modificação nos valores de plaquetas, creatinina e transaminases a serem considerados para o diagnóstico da pré-eclâmpsia, entendendo-se que com os novos valores é possível realizar uma melhor assistência em casos limítrofes de pré-eclâmpsia, antecipando diagnósticos e evitando desfechos adversos. (2)

  • Pré-eclâmpsia sobreposta à hipertensão arterial crônica: esse diagnóstico deve ser estabelecido em algumas situações específicas: 1) quando, após 20 semanas de gestação, ocorre o aparecimento ou piora da proteinúria já detectada na primeira metade da gravidez (aumento de pelo menos três vezes o valor inicial); 2) quando gestantes portadoras de hipertensão arterial crônica necessitam de aumento das doses terapêuticas iniciais ou associação de anti-hipertensivos; 3) na ocorrência de disfunção de órgãos-alvo.

 

Fatores de risco e prevenção

 

A predição da pré-eclâmpsia permanece um grande desafio na prática clínica. A fisiopatologia complexa dessa síndrome envolvendo tanto a disfunção placentária quanto condições pessoais relacionadas à resposta inflamatória e disfunção endotelial, características da pré-eclâmpsia, faz com que a expressão de cada fator de risco seja diferente em diferentes populações. Portanto, os métodos de rastreamento, sejam clínicos ou laboratoriais não se mostram efetivos para todas a populações.

O método de rastreamento baseado na identificação de fatores de risco clínicos se apresenta como a abordagem de mais fácil aplicação. A associação entre fatores de risco clínicos e pré-eclâmpsia foi investigada em uma revisão sistemática e meta-análise de estudos de coorte. Entre os vários fatores analisados, a síndrome do anticorpo antifosfolípide foi associada à maior taxa agrupada de pré-eclâmpsia (17,3%), seguida por hipertensão arterial crônica (16,0%), diabetes (11,0%), índice de massa corpórea pré-gestacional >30 (7,1%) e concepção a partir de reprodução assistida (6,1%). O maior risco relativo de pré-eclâmpsia foi observado em mulheres com pré-eclâmpsia prévia (RR 8,4, IC 95% 7,1 a 9,9), hipertensão arterial crônica (RR 5,1, IC 95% 4,0 a 6,5), diabetes (RR 3,7, IC 95% 3,1 a 4,3), índice de massa corpórea pré-gestacional >30 (RR 2,8, IC 95% 2,6 a 3,1) e concepção a partir de reprodução assistida (RR 1,8, IC 95% 1,6 a 2,1). Sendo assim, a utilização dos fatores de risco clínicos deve ser recomendada para identificar mulheres de maior risco para desenvolver pré-eclâmpsia.

A tabela 1 apresenta os fatores de risco mais importantes que devem ser avaliados durante a primeira consulta pré-natal ou quando a gestação é diagnosticada. Os fatores de risco presentes nessa tabela são agrupados em ALTO e MODERADO. Para interpretar a presença desses fatores de risco recomendamos que ao identificar pelo menos 1 fator de risco alto ou pelo menos 2 fatores de risco moderados, o profissional de saúde deve indicar as formas de prevenção da pré-eclâmpsia.

 

Tabela 1. Fatores de risco para decisão quanto a prevenção da pré-eclâmpsia

Risco considerado

Fatores clínicos e obstétricos

ALTO

(um fator de risco)

História de pré-eclâmpsia, principalmente acompanhada de desfechos adversos

Gestação múltipla

Obesidade (IMC > 30)

Hipertensão arterial crônica

Diabetes tipo 1 ou 2

Doença renal

Doenças autoimunes (Ex: Lúpus erimatoso sistêmico, síndrome antifosfolípide)

Gestação decorrente de reprodução assistida

MODERADO

(≥ 2 fatores de risco)

Nuliparidade

História familiar de pré-eclâmpsia (Mãe e/ou irmãs)

Idade ≥ 35 anos

Gravidez prévia com desfecho adverso (descolamento prematuro de placenta, baixo peso ao nascer com > 37 semanas, trabalho de parto prematuro)

Intervalo > 10 anos desde a última gestação

 

Exemplo 1) Primigesta de 8 semanas de idade gestacional, com IMC pré-gestacional >30. Interpretação: A gestante possui um fator de risco ALTO e deve receber as formas de prevenção

 

Exemplo 2) Primigesta de 9 semanas de idade gestacional, com 36 anos de idade. Interpretação: A gestante possui dois fatores de risco MODERADO e deve receber as formas de prevenção

 

Outra forma de realizar o rastreamento de mulheres com maior risco para desenvolver pré-eclâmpsia é a associação dos fatores clínicos com marcadores biofísicos e bioquímicos:

Marcadores biofísicos: Pressão arterial média e a Dopplervelocimetria das artérias uterinas

Marcador bioquímico: Dosagem sérica ou plasmática (depende do método utilizado) da molécula PLGF (do inglês; Placental Growth Factor)

Essa forma de rastreamento apresenta grande sensibilidade para identificar as gestantes com maior risco de desenvolver pré-eclâmpsia precoce, principalmente pré-eclâmpsia precoce (abaixo de 34 semanas), mas não possui sensibilidade para identificar as gestantes que irão desenvolver pré-eclâmpsia tardia (após 34 semanas) e principalmente aquelas que irão desenvolver pré-eclâmpsia no termo (após 37 semanas).

Neste tipo de rastreamento, o profissional da saúde precisa utilizar um software de computador para realizar um cálculo de risco para definir se a gestante deverá receber as formas de prevenção. As informações que deverão ser colocadas neste software são:

  • Fatores de risco clínicos identificados durante a anamnese com a paciente
  • O valor de pressão arterial média obtido durante a consulta
  • A média obtida entre os índices de pulsatilidade das artérias uterinas
  • O valor da dosagem de PLGF obtida preferencialmente entre 11 e 12 semanas de idade gestacional

A avaliação deve ser realizada entre 11 e 14 semanas de idade gestacional. O ponto de corte que recomendamos para definir se uma paciente é considerada de risco elevado e, portanto, deve receber as formas de prevenção da pré-eclâmpsia é maior do que 1:200.

Sem dúvida a forma de rastreamento de mais fácil implementação é o rastreamento apenas a partir da identificação apenas de fatores clínicos, sendo recomendada principalmente para os locais com menores recursos econômicos e infraestrutura. Admitimos que um maior número de mulheres receberá as formas de prevenção ao realizarmos o rastreamento a partir de fatores clínicos, mas não consideramos isso um problema, pois a gravidade e o potencial da pré-eclâmpsia em determinar desfechos maternos e perinatais justificam essa conduta.

As intervenções recomendadas e que podem resultar em redução dos riscos de desenvolver pré-eclâmpsia são: Atividade física regular, ácido acetilsalicílico e suplementação de cálcio.

Atividade física: as gestantes devem ser orientadas a praticar atividade física de maneira regular. Com intuito de facilitar a organização por parte da gestante, recomendamos que esta realize exercícios de intensidade moderada, como: caminhada rápida, hidroginástica, ciclismo estacionário com esforço moderado e treino de resistência. Esses exercícios devem ser divididos ao longo da semana, totalizando pelo menos 140 minutos de atividade física semanal.

Ácido acetil salicílico (AAS): recomendamos a tomada diária de 100mg de AAS, à noite, a partir de 12 semanas de idade gestacional. Ressaltamos que essa recomendação seja feita até 16 semanas de idade gestacional, com intuito de aumentar sua efetividade. Entretanto, se não houve oportunidade para realizar essa recomendação, porque a gestante não iniciou o pré-natal ou houve alguma contraindicação para o uso antes de 16 semanas, o AAS ainda pode ser iniciado até 20 semanas de idade gestacional.

É importante entender que o AAS será utilizado para reduzir os riscos de pré-eclâmpsia, mas que, de forma alguma, a doença poderá ser completamente evitada. Sendo assim, se ocorrer o diagnóstico de pré-eclâmpsia o AAS deve ser suspenso, a fim de se evitar sangramentos durante o parto emergencial.

Observações:

  • se a paciente reportar alergia ao ácido acetil salicílico, a medicação não deve ser prescrita e não há medicações que possam ser utilizadas como substitutas;
  • se a paciente apresentar intercorrências durante a gestação, como quadros hemorrágicos (Ex. placenta prévia, sangramento gengival de repetição) ou possuir indicação de tratamento cirúrgico (Ex. procedimentos dentários) deve-se ponderar a suspensão do ácido acetil salicílico.
  • O ácido acetil salicílico deve suspenso na suspeita ou diagnóstico de dengue.

 

Suplementação de cálcio: esse suplemento alimentar deve ser indicado principalmente para as gestantes com baixa ingesta de alimentos ricos em cálcio (Ex. leite e derivados, carnes, sardinha, frutos do mar e verduras como brócolis, couve, espinafre). Entretanto, a população brasileira em idade reprodutiva é vista como uma população com baixa de ingesta de cálcio. Recomendamos a ingestão diária, junto às refeições, de 500 mg a 1 g de carbonato de cálcio ou 1g a 2g de citrato de cálcio, este último constitui a forma recomendada para pacientes com baixa acidez estomacal, doença inflamatória intestinal ou distúrbios de absorção.

A identificação precoce dos fatores de risco é uma das etapas fundamentais para conseguirmos evitar desfechos maternos e perinatais desfavoráveis decorrentes das síndromes hipertensivas. No cenário da hipertensão arterial no ciclo gravídico-puerperal o principal motivo de encaminhamento para o pré-natal de alto risco será quando a hipertensão arterial crônica for intercorrente à gravidez, pois, nos casos em que há suspeita ou comprovação da instalação da pré-eclâmpsia preconiza-se uma avaliação o mais breve possível, em unidade que possa verificar a curto prazo a condição clínica e laboratorial da grávida, além da vitalidade fetal, o que geralmente só é possível com esta celeridade, quando a gestante é atendida nas Maternidades ou em Unidades de Pronto Atendimento. Portanto, deve-se evitar que mulheres com pré-eclâmpsia busquem agendamento eletivo ambulatorial. Para que o encaminhamento seja eficiente, a articulação na Rede (atenção primária, secundária e terciária) que presta suporte à Linha de Atenção Materno-Infantil deverá estar organizada, o que exigirá uma coordenação assertiva por parte da gestão, mas que também inclua uma atuação comprometida dos profissionais de saúde da equipe multidisciplinar, conhecendo os locais de atendimento e informando claramente à gestante e familiares a necessidade de tal recurso, justificando que representa um legítimo cuidado com a mulher, considerando os eventuais transtornos do deslocamento.

 

Comissão Nacional Especializada Hipertensão na Gestação.

 

Bibliografia

 

  1. Pacagnella RC, Nakamura-Pereira M, Gomes-Sponholz F, Aguiar RALP, Guerra GVQL, Diniz CSG, Campos BBNS, Amaral EM, Moraes Filho OB. Maternal Mortality in Brazil: Proposals and Strategies for its Reduction. Rev Bras Ginecol Obstet. 2018 Sep;40(9):501-506. doi: 10.1055/s-0038-1672181. Epub 2018 Sep 19. Erratum in: Rev Bras Ginecol Obstet. 2019 Jan;41(1):65. PMID: 30231288; PMCID: PMC10316915.
  2. Sá MFS. Maternal Mortality and the Public Health Service in Brazil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2021 Sep;43(9):645-647. doi: 10.1055/s-0041-1736537. Epub 2021 Oct 20. PMID: 34670297; PMCID: PMC10183838.
  3. American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). ACOG Practice Bulletin No. 202: Gestational Hypertension and Preeclampsia. Obstet Gynecol. 2019; 133:1.
  4. Magee LA, Brown MA, Hall DR, Gupte S, Hennessy A, Karumanchi SA, et al. The 2021 International Society for the Study of Hypertension in Pregnancy classification, diagnosis & management recommendations for international practice. Pregnancy Hypertens [Internet]. 2022; 27:148–69.
  5. Peraçoli JC, Borges VTM, Ramos JGL, et al. Pre-eclampsia/Eclampsia. Rev Bras Ginecol Obstet 2019;41(5):318-332. (In eng). DOI: 10.1055/s-0039-1687859.
  6. Peraçoli JC, Costa ML, Cavalli RC, de Oliveira LG, Korkes HA, Ramos JGL, et al. Pré-eclampsia – Protocolo 03. Rede Brasileira de Estudos sobre Hipertensão na Gravidez (RBEHG), 2023 [Internet]. Available from: www.rbehg.com.br.

 

Câncer de Ovário: sintomas da doença podem ser confundidos com outras patologias e resultar em um diagnóstico tardio

Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), estima-se que entre os anos de 2023 e 2025 sejam diagnosticados anualmente mais de 7 mil novos casos dessa neoplasia

 

Maio é o mês dedicado à conscientização sobre o câncer de ovário, classificado como o sétimo tipo mais comum e que representa a nona causa de morte por câncer entre mulheres em todo o mundo. Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), cerca de 75% dos casos de câncer de ovário são diagnosticados em estágios avançados, e a estimativa anual até 2025 ultrapassa 7 mil novos casos no Brasil. Diante deste cenário, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) faz um alerta sobre a importância da atenção aos sintomas e da visita regular ao ginecologista.

 

O presidente da Comissão de Ginecologia Oncológica da FEBRASGO, Dr. Eduardo Candido, explica que o câncer de ovário é uma neoplasia invasiva (maligna) das gônadas femininas, ou seja, uma replicação desordenada de células malignas que invadem primeiro o ovário e depois podem se espalhar para os órgãos da pelve e abdome superior, assim como vísceras como fígado ou pulmão.

 

O câncer de ovário pode progredir com poucos sintomas, tais como sensação de aumento do volume abdominal, empachamento e alteração do hábito intestinal. O especialista destaca que estes sinais e sintomas podem ser confundidos com outras patologias mais comuns e que muitas vezes não se considera a possibilidade da presença desta doença, o que dificulta a detecção em estágio inicial. “Tal situação resulta em mais de 2/3 dos casos diagnosticados em estágios avançados, comprometendo a qualidade e a expectativa de vida das pacientes”, afirma.

 

Outros sintomas do câncer de ovário são muitas vezes vagos e pouco específicos, geralmente relacionados ao crescimento do tumor no ovário ou à presença de líquido na cavidade abdominal. Entre os sinais que merecem atenção estão náuseas, vômitos, perda de peso e dor pélvica. Além disso, podem ocorrer sangramentos uterinos anormais, sintomas de virilização e problemas urinários. “É importante notar que alguns tipos de câncer de ovário podem progredir rapidamente, destacando a necessidade de um curto intervalo entre o surgimento dos sintomas, o diagnóstico e o tratamento”, explica o médico.

 

Embora não seja possível prevenir todos os tipos de câncer de ovário, fatores como gravidezes, lactação e o uso de contraceptivos hormonais estão associados a uma redução do risco. A laqueadura ou salpingectomia (remoção das tubas uterinas) combinadas com a histerectomia são métodos mais invasivos, porém associados à redução dos carcinomas ovarianos. Para que o diagnóstico da doença seja realizado o quanto antes, é importante estar atento aos sintomas e consultar regularmente o ginecologista.

Pré-eclâmpsia: diagnóstico precoce pode prevenir complicações durante a gravidez

Cerca de 80 mil mulheres perdem a vida em decorrência da condição todos os anos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde

 

No Dia Mundial da Pré-eclâmpsia, 22 de maio, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) faz um alerta sobre a importância da adoção de medidas de rastreamento e prevenção. A condição consiste em um quadro clínico de altos níveis de pressão arterial em mulheres grávidas e contribui para 10% a 15% das mortes maternas diretas globalmente. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Rede Brasileira de Estudos sobre Hipertensão na Gravidez (RBEHG), estima-se que anualmente a doença seja responsável por 80 mil mortes maternas e 500 mil mortes fetais.

 

O presidente da Comissão de Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia da FEBRASGO, Dr. Jorge Leão, destaca as complicações potenciais da pré-eclâmpsia quando não tratada adequadamente. Estas incluem risco de morte materna e complicações obstétricas graves, como hemorragia cerebrovascular, edema pulmonar, lesão renal aguda, ruptura hepática, descolamento prematuro da placenta e eclâmpsia. Além disso, há riscos para o feto, como restrição de crescimento e oligoidrâmnio, podendo levar à prematuridade.

 

“Os principais sintomas que podem ser identificados pelas gestantes são: dor de cabeça persistente e/ou intensa, anormalidades visuais (como escotomas, fotofobia, visão turva ou cegueira temporária), dor abdominal superior, retroesternal e epigástrica, estado mental alterado (como confusão, comportamento alterado, agitação), e nova dispneia ou ortopneia”, alerta o médico.

 

O especialista da FEBRASGO explica que o diagnóstico é feito através de avaliação médica, com a medida da pressão arterial sistólica acima de 140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica acima de 90 mmHg em pelo menos duas ocasiões - com pelo menos 4 horas de intervalo - após 20 semanas de gestação em uma paciente com níveis de pressão arterial consideradas normais. Além disso, é considerado o novo aparecimento de um ou mais dos seguintes critérios:

  1. a) Proteinúria ≥0,3 g em uma amostra de urina de 24 horas ou relação proteína/creatinina ≥0,3 (30 mg/mmol) em uma amostra de urina aleatória ou tira reagente ≥2+ se uma medição quantitativa não estiver disponível.
  2. b) Contagem de plaquetas <100.000/microL.
  3. c) Creatinina sérica >1,1 mg/dL (97,2 micromol/L) ou duplicação da concentração de creatinina na ausência de outra doença renal.
  4. d) Transaminases hepáticas pelo menos duas vezes o limite superior das concentrações normais para o laboratório local.
  5. e) Edema pulmonar.
  6. f) Cefaleia de início recente e persistente não explicada por diagnósticos alternativos e que não responde às doses habituais de analgésicos.
  7. g) Sintomas visuais (por exemplo, visão turva, luzes piscantes ou faíscas, escotomas).
  8. h) Disfunção útero-placentária (por exemplo, descolamento prematuro da placenta, desequilíbrio angiogênico, restrição de crescimento fetal, análise anormal da forma de onda Doppler da artéria umbilical ou morte fetal).

Quanto ao impacto da pré-eclâmpsia na saúde da mãe e do bebê, inclui restrição de crescimento fetal, prematuridade e descolamento prematuro da placenta.

 

Fatores de risco associados à Pré-eclâmpsia

 

  • Nuliparidade
  • Pré-eclâmpsia em gravidez anterior
  • Idade superior a 40 anos ou inferior a 18 anos
  • Histórico familiar de pré-eclâmpsia
  • Hipertensão crônica
  • Doença renal crônica
  • Doença autoimune (por exemplo, síndrome antifosfolípide, lúpus eritematoso sistêmico)
  • Doença vascular
  • Diabetes mellitus (pré-gestacional e gestacional)
  • Gestação gemelar
  • Obesidade
  • Grupo racial ou étnico minoritário ou de outra forma desfavorecido
  • Hidropisia fetal
  • Hipertireoidismo mal controlado
  • Restrição de crescimento fetal, descolamento prematuro ou morte fetal em gravidez anterior
  • Intervalo intergestacional prolongado se a gravidez anterior foi normotensa; se a gravidez anterior foi pré-eclâmptica,
  • Um curto intervalo entre gestações aumenta o risco de recorrência
  • Fatores relacionados ao parceiro masculino (novo parceiro masculino, exposição limitada ao esperma)
  • Uso anterior de contracepção de barreira
  • Fertilização in vitro
  • Respiração desordenada do sono
  • Nível elevado de chumbo no sangue
  • Transtorno de estresse pós-traumático

 

ESTRATÉGIAS DE RASTREIO DA PRÉ-ECLAMPSIA

Recomenda-se o rastreamento de todas as gestantes para identificar aquelas com risco aumentado de PE para que possam receber as medidas preventivas e a maior vigilância materno-fetal durante a gestação.

As melhores estratégias para o rastreio da PE envolvem vários parâmetros em combinação a partir de um algoritmo de cálculo de risco. A decisão sobre quais parâmetros maternos e fetais devem ser incluídos depende da disponibilidade de recursos nos diferentes cenários.

O cálculo de risco para a PE usa a combinação de fatores maternos, pressão arterial média, índice de pulsatilidade média das artérias uterinas, proteína plasmática A associada à gravidez (PAPP-A) ou fator de crescimento placentário (PlGF) no soro materno entre 11 e 14 semanas, usando o modelo de risco concorrente desenvolvido pela Fetal Medicine Foundation.

Pacientes com alto risco para PE, ou seja, risco superior a 1:100 entre 11-14 semanas, devem iniciar o uso de ácido acetilsalicílico (AAS) em dose acima de 100 mg, idealmente de 150 mg. O uso deve ser iniciado antes de 16 semanas e mantido até 36 semanas.

 

Tratamento

O médico explica que as opções de tratamento disponíveis para mulheres diagnosticadas com a condição incluem o uso de aspirina em baixas doses. Quando iniciada após a 12ª semana e antes da 16ª semana de gestação, essa medida demonstrou reduzir a incidência da pré-eclâmpsia, assim como os resultados adversos da gravidez associados, como parto prematuro e restrição de crescimento fetal. “Estudos indicam que essa terapia pode diminuir esses riscos em aproximadamente 10 a 20 por cento em pacientes com risco moderado a alto da doença. É importante destacar que a aspirina em baixas doses apresenta um perfil de segurança favorável tanto para a mãe quanto para o feto", ressaltou o Dr. Jorge.

Depois da enchente - cuidados com a saúde da mulher

A FEBRASGO, juntamente com a SOGIRGS, lamenta profundamente os danos físicos, materiais e emocionais causados pela enchente na população do Rio Grande do Sul. Foi disponibilizada uma plataforma para inscrição de colegas voluntários no atendimento e assistência a mulheres gaúchas, seja na forma de orientação, consultas ou aconselhamento. Agradecemos desde já. Para facilitar o melhor entendimento da situação, listamos a seguir os principais problemas ginecológicos e obstétricos enfrentados por mulheres em abrigos após enchentes:

 

  1. Acesso limitado aos serviços de saúde: As enchentes frequentemente danificam ou destroem instalações de saúde, dificultando o acesso das gestantes aos serviços de cuidados pré-natais,, levando a piores desfechos de saúde[1].

 

  1. Aumento do risco de mortalidade e complicações: A falta de atendentes qualificados para o parto, estações de parto não higiênicas e serviços pós-natais inadequados aumentam o risco de mortalidade e complicações durante o parto[1].

 

  1. Alterações menstruais e manejo durante as catástrofes: Mulheres em abrigos frequentemente carecem de espaço, instalações e necessidades para gerenciar sua menstruação mensal de maneira segura, privada e digna[1].

 

  1. Aumento do risco de violência contra mulheres: Desastres como enchentes podem exacerbar a violência baseada em gênero, incluindo exploração sexual e abuso[1].

 

  1. Problemas com a amamentação: A amamentação pode ser difícil em abrigos devido ao estresse, deslocamento e má nutrição, levando a dificuldades com a lactação e a saúde do bebê.

 

  1. Taxas mais altas de doenças inflamatórias pélvicas, distúrbios menstruais e fertilidade reduzida: As enchentes têm sido associadas a taxas mais altas desses problemas ginecológicos[3].

 

  1. Aumento do risco de parto prematuro, ruptura prematura das membranas e retardo do crescimento intrauterino: As enchentes têm sido ligadas a esses desfechos adversos na gravidez[3].

 

  1. Cuidados pós-parto comprometidos: Mulheres em abrigos frequentemente enfrentam condições de saúde desfavoráveis devido ao ambiente de saúde desafiador, tornando os cuidados pós-parto cruciais para garantir o bem-estar delas e a saúde de seus bebês[2].

 

  1. Problemas de saúde mental: Desastres como enchentes podem levar a problemas de saúde mental, incluindo transtornos de estresse pós-traumático, que podem impactar a saúde e o bem-estar das mulheres.

 

  1. Aumento do risco de infecções sexualmente transmissíveis e lesões: A violência sexual pode levar a um aumento nas infecções sexualmente transmissíveis e lesões.

 

  1. Complicações clínicas durante a gravidez. A presença de doenças de pele, infecções de vias aéreas superiores e inferiores.

 

  1. 12. Atrasos em Vacinação

 

Esses desafios destacam a necessidade de esforços colaborativos entre governos, sociedade civil e parceiros de desenvolvimento para abordar os problemas ginecológicos e obstétricos enfrentados por mulheres em abrigos após enchentes[1].

 

Citações:

[1] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC11001467/

[2] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10697115/

[3] https://obstetrics.imedpub.com/articles/in-the-aftermath-of-disasters-the-impact-on-womens-health.pdf

[4] https://obstetrics.imedpub.com/in-the-aftermath-of-disasters-the-impact-on-womens-health.php?aid=17661

Violência Sexual em situações de catástrofes e desastres ambientais – Orientações para os gestores

A Violência Sexual contra mulheres e meninas é endêmica e transversal em todo o mundo. No seguimento de catástrofes ambientais e crises humanitárias os riscos e experiências de violência são magnificados (1,2,3). Resguardadas as diferenças metodológicas entre as pesquisas, as evidências mostram aumento no número de casos de violência sexual contra meninas e mulheres pós-catástrofes, em contextos diversos, como o furacão Katrina (2005) (4), o terremoto no Haiti (2010) (5), o rompimento da barragem do fundão, em Mariana, MG (6) e o terremoto em Christchurch, Nova Zelândia (2011) (7).

A violência de gênero foi chamada de “pandemia sombria” e de “crise oculta” na pandemia da COVID-19, e situações de crises em geral impactam as situações de violência ao exacerbar as vulnerabilidades e apontam as necessidades das organizações governamentais e não governamentais se mobilizarem para defender um Estado responsivo e com fortes obrigações positivas para combater e reduzir esse problema (10). Essa situação sombria se mantém sempre que há crise de qualquer natureza, entre elas as emergências climáticas.

Considerando que, no Brasil, mais de 3 milhões de pessoas residem em áreas urbanas suscetíveis a inundações e deslizamentos, e que as mudanças climáticas provocadas pela ação humana têm tornado essas ocorrências progressivamente mais frequentes e devastadoras, é importante que o enfrentamento ao risco de VS seja considerado nos planos de contingência (2,8,9).

Neste contexto, vale enfatizar que as populações não são afetadas de modo uniforme. Os grupos mais vulneráveis, como mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência, pessoas LGBTQIAPN+ - especialmente aquelas mais vulnerabilizadas economicamente - além de serem mais susceptíveis aos efeitos da catástrofe em si, apresentam maior dificuldade no enfrentamento de outros efeitos negativos, merecendo um olhar cuidadoso de gestores e profissionais de saúde (8).

O aumento do risco de VS em contextos de catástrofe está associado a um conjunto de fatores. Dentre eles podemos citar: a retirada forçada das pessoas de suas moradias, a realocação em abrigos provisórios inadequados, a insuficiência na oferta do serviço de saúde em decorrência do desastre, a inexistência ou insuficiência de informação sobre como acessar os serviços de suporte, o abuso de álcool e outras drogas dentro dos abrigos provisórios e prejuízos significativos de infraestrutura que comprometem a ação de sistemas de apoio jurídico, social e comunitário (2,3,8).

Particularmente no caso das crianças, concomitante ao aumento do risco de abuso sexual, há a redução das redes de suporte. Quando as crianças são deslocadas para abrigos de emergência ou outras situações de alojamento temporário, ou quando são forçadas a abrigar-se no local, perdem a ligação com professores, prestadores de cuidados infantis e outros repórteres mandatados que, de outra forma, poderiam identificar e denunciar suspeitas de abuso (2,4).

Dentre as manifestações de VS mais frequentes em situações de catástrofes e desastres ambientais podemos citar: estupro perpetrado por pessoa desconhecida, estupro perpetrado por parceiro íntimo, estupro de vulnerável (abuso sexual infantil, abuso sexual de pessoas com deficiência e idosos por parte dos cuidadores), tráfico sexual, extorsão sexual e sexo forçado para sobrevivência, abuso sexual baseado em imagens ou pornografia não consensual (2). Para além da violência física e sexual, os estudos associam desastres ambientais e catástrofes à violência econômica e psíquica, mutilação genital e casamento precoce (3,8). O casamento forçado é usado frequentemente para reduzir despesas domésticas e despesas relacionadas a danos ou ainda como forma de reparação após uma violência sexual, aprisionando a pessoa em um relacionamento com seu agressor (2,4).

Deste modo, diante da associação inequívoca do número de casos de VS e Doméstica associados a catástrofes ambientais, compilamos as orientações existentes na literatura para reduzir os riscos e os danos, escritos a seguir.

Prevenção pré-desastre

As ações de prevenção devem compor o plano de contingência, que, por sua vez, deve ser planejado antes que uma catástrofe ambiental se estabeleça. Essas ações estão sumarizadas abaixo (2,3,4)

Ações Macropolíticas: 

  • As pressões econômicas e sociais aumentam a taxa de violência em catástrofes, especialmente contra crianças e mulheres. A criação de um ambiente social seguro, favorável e antipobreza são algumas das questões que precisam ser abordadas na prevenção pré-desastres.
  • A integração da dimensão de gênero nas políticas e programas de preparação para catástrofes.

Consolidação da rede de assistência a Pessoas em Situação de Violência Sexual mesmo fora dos períodos de crise: 

  • O acesso a uma variedade de serviços médicos e jurídicos é reduzido pela destruição e comprometimento da infraestrutura.
  • Para prevenir e responder oportunamente às vítimas de VS, é necessário estabelecer estruturas de supercapacidade para monitorização, resposta e encaminhamento antes da ocorrência de desastres.

Ações educativas e Participação Social: 

  • A educação pode mudar a atitude da sociedade e aumentar a consciência pública sobre como prevenir e agir diante de casos de VS.
  • Sensibilizar e educar os indivíduos da comunidade pode impedir que a violência aconteça e prepará-los melhor para lidar com ela, caso isso aconteça.
  • Para integrar a questão da VS na estrutura de resposta a desastres, também é necessário criar uma compreensão adequada do risco entre os gestores das organizações responsáveis.

Planejamento responsivo e de base comunitária: 

  • O planejamento de base comunitária deve ter em conta os pontos de vista e necessidades de homens, mulheres e grupos especiais, como pessoas com deficiência e pessoas LGBTQIAPN+ sobre a questão da VS.
  • O desenvolvimento de procedimentos e diretrizes bem estabelecidos previamente é necessário para promover a prontidão e fornecer serviços consistentes e de alta qualidade.

Ações durante a catástrofe

  • Deverão ser estabelecidos imediatamente mecanismos adequados para abordar casos de violência e outras violações dos direitos humanos, com acionamento das equipes e dos serviços de assistência a pessoas em situação de violência sexual para atuarem de acordo com os planos de contingência.
  • Os acampamentos e assentamentos para os desabrigados devido a um desastre deverão estar localizados em áreas com menor risco de perigo natural e deverão ser concebidos de modo a maximizar a segurança e a proteção das pessoas desabrigadas, incluindo mulheres e pessoas cuja segurança pessoal é de maior risco (por exemplo, crianças, idosos, pessoas com deficiência, famílias chefiadas por uma única pessoa e membros de minorias étnicas ou povos indígenas).
  • Pode ser considerada a criação de áreas separadas para dormir e habitar para mulheres e homens, para serem usadas por aqueles que assim o desejarem. Contudo, é importante adotar medidas para que as pessoas com necessidades especiais/populações vulneráveis ​​não sejam segregadas.
  • Desenvolver e implementar mensagens universais de educação e prevenção e programação sobre violência sexual em desastres.
  • Desenvolver estratégias de informações sobre agressão sexual, como evitá-la, o que fazer em caso de incidente.
  • Ter nos abrigos um local específico para orientação sobre os procedimentos para denunciar e/ou buscar assistência em caso de violência sexual.
  • Necessidade de pensar em estratégias antes, durante e depois dos eventos extremos, pela probabilidade de que as condições de vulnerabilidade se manterão.

 

Referências

  1. Beek K, Drysdale R, Kusen M, Dawson A. Preparing for and responding to sexual and reproductive health in disaster settings: evidence from Fiji and Tonga. Reprod Health. 2021 Sep 20;18(1):185. doi: 10.1186/s12978-021-01236-2. PMID: 34544448; PMCID: PMC8451166.
  2. National Sexual Violence Resource Center. Sexual Violence in Disasters From the National Sexual Violence Resource Center. Centers for Disease Control and Prevention.2021
  3. Thurston AM, Stöckl H, Ranganathan M. Natural hazards, disasters and violence against women and girls: a global mixed-methods systematic review. BMJ Glob Health. 2021 Apr;6(4):e004377. doi: 10.1136/bmjgh-2020-004377. PMID: 33958379; PMCID: PMC8112410.
  4. Klein, A. Preventing and responding to Sexual Violence in Disastres: a planning guide for prevention and response. Louisiana Foundation Against Sexual Assault (LaFASA) & National Sexual Violence Resource Center (NSVRC). 2008
  1. COBERLLINI, Mariana Dalalana. Haiti: da crise a MINUSTAH 2009. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
  1. Fundação Getúlio Vargas. A Situação das Mulheres Atingidas pelo Desastre do Rio Doce a partir dos Dados da Ouvidoria da Fundação Renova / Fundação Getulio Vargas. – Rio de Janeiro; São Paulo: FGV, 2019.
  2. Ingber, H. W. New Zealand: Domestic violence surges after earthquake. GlobalPost, 2011. Disponível em: https://www.pri.org/stories/2011-02-28/new-zealand-domestic-violence-surgesafter-earthquake. Acesso em: 10.05.2024
  3. Proteção aos direitos humanos das pessoas afetadas por desastres / Janaína Rocha Furtado; Marcela Souza Silva, organizadoras. – Florianópolis: CEPED UFSC, 2014. 276 p
  4. Adibi Larijani H, Moslehi S, Dowlati M. Identifying the Preparedness Components for Sexual Violence in Natural Disasters: A Systematic Review. Med J Islam Repub Iran. 2022 Dec 21;36:158. doi: 10.47176/mjiri.36.158. PMID: 36721492; PMCID: PMC9884150.

 

Documento desenvolvido e aprovado pelos membros da Comissão Nacional Especializada de Violência Sexual e Interrupção Gestacional Prevista em Lei.

Em14 de maio de 2024. 

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