Dia Internacional contra a LGBTfobia: Cuidados específicos não correspondem à distinção discriminatória
17 de maio - Dia Internacional contra a LGBTfobia: Ginecologista dá dicas sobre abordagem acolhedora no consultório para população LBGTQIAPN+
“Quando falamos de LGBTfobia, falamos de discriminação, preconceito e de uma violência sofrida por uma população devido a sua identidade de gênero ou orientação afetivo-sexual. Agora imagine viver sob constante medo de ser estigmatizado, rejeitado ou mesmo agredido. Com certeza essas situações vão gerar impactos profundos tanto na saúde emocional quanto na saúde sexual dessas pessoas”, declara Dr. Eduardo Siqueira Fernandes, ginecologista membro da Comissão Nacional Especializada de Sexologia, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO)
A saúde emocional desta população sofre impactos importantes, assim como a saúde sexual: muitas pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ se afastam do serviço de saúde com medo de sofrerem discriminações. “Isso prejudica ações de saúde essenciais, vulnerabilizando mais ainda essas pessoas e impedindo que elas acessem programas de prevenção, diagnóstico e tratamento, por exemplo, de infecções sexualmente transmissíveis, aqui incluindo HIV, sífilis e outras”, explica o ginecologista.
Além disso, segundo ele, há uma profunda falta de preparo dos profissionais de saúde, um problema com origem ainda na formação acadêmica. “Por exemplo, mulheres cis-lésbicas ou bissexuais muitas vezes têm acesso negligenciado a exames ginecológicos ou, quando são realizados, são mal realizados. Esse despreparo também atinge as pessoas transexuais e travestis, que acabam enfrentando dificuldades para receber atendimento adequado, seja quando o nome social é desrespeitado ou quando prevenções ou rastreamento de determinados cânceres, como os de mama ou do colo de útero, não são realizados, sejam por desinformação ou puro estigma e preconceito.”, comenta Dr. Eduardo.
Mitos presentes na sociedade
- A ideia de que só existam pessoas cisgêneras ou só existam pessoas heterossexuais, invisibilizam outras vivências sexuais e de gênero, levando a negligência importante no cuidado com a saúde.
- Ignorar o fato de que pessoas com orientações não heterossexuais precisam de uma atenção específica à sua saúde sexual ou à sua identidade de gênero. “Quando trabalhamos com todas as pessoas da mesma forma, quebramos um princípio importante da saúde, que é o princípio de equidade”, diz o ginecologista.
- A ideia de que pessoas LGBTQIAPN+ têm uma vida sexual promíscua, sem controle das suas necessidades ou dos seus desejos, fazendo com tenha sempre um comportamento de risco para infecções sexualmente transmissíveis.
Como deve ser a abordagem nos consultórios
Para Dr. Eduardo, a forma de abordar temas como prazer, identidade de gênero, orientação afetivo-sexual é justamente naturalizando-os. Para isso, o contato precisa ser respeitoso, em ambiente seguro, acolhedor e livre de qualquer julgamento. “Para que possamos fazer isso, temos de reconhecer as diferentes expressões da sexualidade e do gênero, para evitarmos abordagens preconceituosas ou desinformadas. Isso vai nos exigir uma escuta ativa, empática e preparada tecnicamente”, explica o membro da FEBRASGO.
Ele recomenda que os colegas estejam dispostos também a aprender com o paciente. “Muitas vezes eles nos ensinam como devemos lidar com questões relativas à sexualidade e ao gênero, e neste momento podemos reconhecer os nossos limites mantendo o respeito. Temos o compromisso aumentado com cuidado ético, trazendo uma abordagem muito mais humana para aquele atendimento”.
O ginecologista é o profissional de saúde que atua diretamente em aspectos íntimos da saúde. E por isso ele tem que ser um agente ativo no combate à LGBTfobia e na promoção de uma sexualidade mais saudável e inclusiva para todas as pessoas. “Nós ginecologistas precisamos lembrar de oferecer um ambiente acolhedor e seguro para que as pessoas que nos procuram possam se sentir tranquilas para falar abertamente sobre a sua sexualidade, sem riscos de julgamentos. Isso fortalece muito a autoestima e o autocuidado dessa pessoa. Além disso, é o profissional que vai ser procurado para que sejam oferecidas informações sólidas, seguras e baseadas em evidências científicas e não informações baseadas em opiniões pessoais, que possam muitas vezes estar permeadas de preconceitos e julgamentos morais”, explica o médico.
A ideia é que o ginecologista possa atuar como formador de opinião e promover uma educação continuada para outros agentes, para que o atendimento à saúde seja feito de maneira empática e sensível às diversidades.
Cuidado individualizado
O cuidado à saúde necessita ser individualizado: mulheres lésbicas, ou seja, mulheres que fazem sexo com exclusivamente com outras mulheres, também estão expostas às infecções sexualmente transmissíveis e, portanto, precisam de orientações específicas sobre rastreamentos, exames ginecológicos, vacinação e planejamento reprodutivo, caso queiram ter filhos. “Precisamos, por exemplo, orientá-las sobre congelamento de gametas, se preciso”, acrescenta ele.
Cuidados específicos não correspondem a uma atenção discriminatória, mas um cuidado amplo, centrado na pessoa e respeitando as suas vivências e suas realidades e, principalmente, promovendo uma saúde sexual de forma plena. Isso é extremamente importante.
Para um melhor acolhimento aos pacientes LGBTQIAPAN+ nos consultórios, também é importante disponibilizar material educativo, ilustrativo, para que essas pessoas possam se identificar. Vale folders, panfletos, revistas com identidades visuais que sejam não somente direcionadas para a população cis-heterossexual. “Além disso, precisamos treinar toda a equipe com a qual essa pessoa vai ter contato, da portaria à recepção”, lembra Dr. Eduardo. Uma boa sugestão é a criação de formulários disponíveis no consultório em que a própria pessoa possa responder sobre seu nome, o uso ou não de um nome social, sobre a sua identidade de gênero, sobre a sua orientação afetiva e sexual e outros dados sensíveis; o que pode facilitar o vínculo entre paciente e médico.
A linguagem não discriminatória é essencial, e Dr. Eduardo deixa uma dica: “Ao me referir à pessoa com quem meu paciente se relaciona, pergunto sobre parcerias e não determino de forma prévia o gênero dessa pessoa. Então isso já é uma forma de me vincular como profissional de saúde à paciente. Precisamos ser ao máximo acolhedores e respeitosos, além de trazer oferecer ações afirmativas e inclusivas às pacientes; somente assim essa pessoa se aproximará de nós e se sentirá segura”, finaliza o ginecologista.