13 de julho: Dia do Estatuto da Criança e do Adolescente
O Brasil registra, em média, quatro casos de violência sexual contra crianças e adolescentes por hora, segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos. A maioria das vítimas é do sexo feminino, com idades entre 10 e 14 anos. Diante desse cenário alarmante, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é uma ferramenta crucial para garantir não apenas a denúncia e responsabilização dos agressores, mas também o cuidado integral à saúde física e emocional das vítimas.
Nossa equipe de jornalismo entrevistou a Dra. Rosana Maria Dos Reis, presidente da CNE de Ginecologia na Infância e Adolescência, para entender como deve ser o acolhimento a estas vítimas sob a ótica do profissional ginecologista.
- Quando uma menina ou adolescente vítima de violência sexual chega ao consultório, quais são os primeiros cuidados que o ginecologista deve adotar, do ponto de vista clínico e emocional?
Dra. Rosana - A abordagem médica necessita de uma boa anamnese para detecção da violência sofrida, que muitas vezes não é a queixa principal. É preciso estabelecer um vínculo de confiança com a criança ou adolescente para que elas possam verbalizar a sua realidade, assim como para abordar sintomas e sinais que não são muito bem definidos. No caso de adolescente, a privacidade precisa ser considerada, sendo que muitas vezes é preciso estar a sós com a vítima para melhor abordagem do abuso. Nessas situações pode ser necessária uma abordagem multiprofissional, com destaque para a importância do papel do atendimento psicológico na equipe. A assistência às crianças e adolescentes deve levar em consideração todo o processo psicológico que envolve esta fase de vida.
Os familiares deveriam ser arguidos na consulta somente após o atendimento da criança e da adolescente, sendo fundamental analisar o relacionamento com genitores, levando em consideração que, muitas vezes, a violência pode ser causada por familiares e amigos próximos.
- O ECA prevê atendimento prioritário e humanizado às vítimas de violência. Na sua prática, como isso se traduz no ambiente ginecológico? Há protocolos específicos que orientam essa conduta?
Dra. Rosana - Isto se traduz com empatia, respeito, acolhimento, conhecimento e preparo dos profissionais de saúde para este tipo de atendimento. São consideradas boas práticas no atendimento médico:
- Não se omitir de atender adolescentes por medo de repercussões legais (principalmente se forem menores de 14 anos), pois deixar de atender adolescentes ou mesmo investigar a história sexual deixará estas meninas desamparadas - e situações de abuso deixarão de ser identificadas. As adolescentes podem ser atraídas para atividade sexual com adultos bem mais velhos em troca de favores e bens.
- Abordar as adolescentes sobre aspectos relacionados à sexualidade – procurar saber idade do/a parceiro/a. Diante de grande diferença de idade entre o casal, investigar se o relacionamento é consentido ou se há algum tipo de coação.
- Afastar situações de vulnerabilidade para apresentar resistência para consentir a relação sexual em situações como estado de embriaguez, efeito de drogas, déficit cognitivo ou mesmo ser coagida ao ato por pressão do namorado ou de amigos, entre outras.
- Quais sinais físicos ou comportamentais levantam suspeitas de abuso sexual e merecem atenção especial por parte dos profissionais de saúde?
Os comportamentos que podem ser considerados suspeitos são: crianças com dor ao urinar ou defecar, ou que apresentam constipação crônica ou enurese (urinar na cama) sem uma causa aparente; crianças que demonstram um conhecimento sexual inadequado para a idade ou comportamentos sexuais explícitos, pois elas podem ter sido expostas a abusos.
Assim como, também é possível suspeitar de abuso sexual diante de alguns sinais físicos listados a seguir. No entanto, é importante frisar que esses sinais não são definitivos de abuso sexual, mas podem indicar que algo está errado e merece investigação cuidadosa e sensível.
- Presença de lesões genitais ou anorretais: hematomas, lacerações, inchaço ou sangramento na região genital ou anal. Assim como marcas de mordida ou outras lesões em áreas não expostas normalmente a traumas acidentais, como a parte interna das coxas.
- Presença de condilomas, herpes genital ou gonorreia, especialmente em crianças pequenas, pode ser altamente sugestivo de abuso.
- Presença de sangue, sêmen ou outras secreções nas roupas íntimas da criança, que pode ser um sinal direto de abuso sexual.
- É possível dar dicas para que os pais/professores/cuidadores da criança possam perceber esse abuso do ponto de vista ginecológico?
Dra. Rosana - Nas crianças e adolescentes deve-se estar atento a sinais de alerta com mudanças súbitas no apetite, problemas gastrointestinais sem causa médica definida, bem como insônia ou pesadelos frequentes, sintomas depressivos, medo ou pânico, dificuldade de concentração, ansiedade, lembranças intrusivas ou pensamentos recorrentes, comportamento agressivo e isolamento social - os quais podem ser uma resposta física ao trauma.
- Em situações em que a violência não é revelada diretamente, qual é o limite entre respeitar o silêncio da paciente e agir conforme o dever legal de notificação?
Dra. Rosana - Deve-se nessas situações contar com a rede de apoio que trabalha junto aos serviços de referência nos estados e municípios e com os conselhos tutelares. Estes serviços, mesmo em caso de suspeitas são de suma importância, principalmente para análise do contexto social em que a adolescente está inserida. A contribuição de assistentes sociais e psicólogos é fundamental, e os serviços de referência precisam ter articulação com a rede de apoio. Além de proporcionar acompanhamento dessas crianças e adolescentes com equipe multiprofissional no próprio serviço. Muitas vezes a consulta médica pode ser a única possibilidade de poder ajudar a criança e a adolescente em uma situação de vulnerabilidade.
- Que tipo de acolhimento interprofissional é importante nesses casos? Como ginecologistas, psicólogos e assistentes sociais devem atuar em conjunto para garantir o cuidado integral previsto pelo ECA?
Dra. Rosana - O atendimento as vítimas de abuso sexual, seja na infância, adolescência ou mesmo nas outras faixas etárias das mulheres, deve ser realizado por equipes multidisciplinares, pois as especificidades dos profissionais de saúde se complementam.
O apoio se inicia no primeiro atendimento, no acolhimento no serviço, com uma boa escuta, garantindo a privacidade, respeitando o tempo daquela adolescente e inserindo-a na dinâmica de atendimento, com equipe multiprofissional. Importante entender as vulnerabilidades na qual ela está inserida, mas, principalmente, fortalecer vínculo com o profissional e a autonomia dessa paciente, estimular a autoestima e reduzir o estresse pós-traumático, que representa a situação vivenciada.
- Como romper o tabu em torno do acompanhamento ginecológico precoce e fazer com que famílias compreendam que esse cuidado não está ligado apenas à sexualidade, mas também à proteção e prevenção de abusos?
Dra. Rosana - É fundamental a educação sexual nas escolas. A educação sexual oferece a oportunidade para as adolescentes adquirirem habilidades essenciais para a vida e desenvolver atitudes e valores positivos em relação ao sexo (ex: saber negociar a sexarca sem coerção). É preciso intensificar campanhas educativas e rodas de conversas com grupos de adolescentes na atenção básica sobre esta temática.
Assim como é importantíssimo o diálogo entre familiares relacionado a temas de educação sexual. O papel do médico visa complementar e fortalecer a educação sexual.
- Gostaria de acrescentar alguma informação?
Dra. Rosana - De acordo com o Sinan, do Ministério da Saúde, a maior quantidade de casos de estupro ocorre entre as jovens, e as principais vítimas são as jovens de 13 anos de idade. Familiares, parceiros e ex-parceiros dos pais, amigos e conhecidos são os principais agressores, tanto dos casos de violência física como de violência sexual.