A infecção HPV na gestação.
As adaptações do organismo materno à gravidez têm como objetivo principal preparar a mulher para a gestação e o parto. Dentre estas adaptações, as mudanças hormonais promovem alterações no epitélio e nos tecidos subepiteliais cervicais visando preparar o colo uterino para o parto.
Durante o trabalho de parto a cérvice aumenta 10 vezes o seu diâmetro sendo considerável a habilidade de se submeter a modificações de tamanha importância em espaço de tempo relativamente pequeno.
No epitélio estratificado escamoso observa-se hiperatividade na camada das células basais e proliferação da camada de células intermediárias. O epitélio cilíndrico sofre hipertrofia, hiperplasia e metaplasia. Também se observa modificações no estroma do colo uterino com grande aumento de vasos sanguíneos e edema.
A decidualização ou deciduose ocorre nos epitélios cervicais e também no estroma que passa a apresentar as modificações semelhantes às observadas no endométrio gravídico. Ao exame macroscópico o colo encontra-se hipertrofiado, congesto e cianótico.
O exame colposcópico pode monitorizar as modificações gravídicas do epitélio cervical, porém as modificações nos tecidos subepiteliais (músculo liso, componentes celulares, fibras e matriz gelatinosa e substância fundamental) apresentam maiores dificuldades de avaliação.
1) Mecanismos fisiológicos observados no colo uterino durante a gravidez
1.1) Abertura do orifício externo sem procidência da mucosa endocervical (gapping)
1.2) Eversão que consiste na exposição do epitélio cilíndrico na ectocérvice
1.3) Metaplasia escamosa decorrente da exposição do epitélio cilíndrico ao pH vaginal ácido
A frequência e extensão destas modificações dependem principalmente da paridade. Observa-se a eversão e metaplasia escamosa com maior frequência nas primigestas enquanto a abertura do orifício externo é mais comum nas multíparas.
2) Exame citológico durante a gravidez
Embora a gravidez não seja o momento ideal para realizar o rastreamento do câncer do colo do útero, talvez seja a única oportunidade de diagnosticar uma lesão precursora ou um carcinoma cervical inicial. Portanto, o rastreamento do carcinoma do colo uterino pode fazer parte dos exames de rotina da assistência pré-natal, desde que a grávida se enquadre dentre os critérios de população alvo para o rastreio de lesões precursoras e câncer do colo do útero.
O carcinoma do colo uterino é a neoplasia mais frequente durante a gestação e a colpocitologia é eficaz em detectar as lesões precursoras e invasoras da cérvice uterina.
O exame colpocitológico realizado durante a gestação pode apresentar dificuldades na interpretação sendo fundamental que o obstetra informe ao citopatologista a idade gestacional. Em geral, a gravidez não modifica significativamente os índices de falso-negativos deste exame.
As gestantes que apresentam exame colpocitológico alterado serão conduzidas como se não estivessem grávidas, ou seja, as atipias citológicas como células atípicas de significado indeterminado que não excluem lesão de alto grau (ASCH), lesão intraepitelial de alto grau, lesão de alto grau que não exclui invasão, o carcinoma micro ou francamente invasor, o adenocarcinoma in situ ou invasor e outras neoplasias devem ser avaliadas pela colposcopia.
3) Colposcopia/Genitoscopia durante a gravidez
Devido às alterações fisiológicas próprias da gravidez anteriormente relatadas, a avaliação colposcópica pode apresentar dificuldades principalmente a partir do 2º trimestre quando o aumento da cérvice, o muco cervical espesso e o prolapso das paredes vaginais dificultam a visualização do colo. Entretanto, pela eversão fisiológica da gravidez a junção escamocolunar (JEC) costuma ser de fácil visualização e avaliação principalmente após a 12ª semana de gestação.
Além disto, algumas mudanças benignas podem simular lesões graves e devido ao grande aumento da vascularização um pequeno foco de carcinoma pode não ser diagnosticado, sendo importante examinador experiente.
A principal indicação da colposcopia é a atipia citológica detectada no exame colpocitológico e, em gestantes, a biópsia dirigida está indicada quando a colposcopia é sugestiva de invasão.
A biópsia dirigida pela colposcopia constitui método seguro e confiável na avaliação de gestantes com colpocitologia e colposcopia alteradas, sendo fundamental para descartar carcinoma invasor.
Vários instrumentos podem ser utilizados para este fim como a pinça de Medina modificada, com risco mínimo de hemorragia devido ao pequeno tamanho do fragmento. A escolha do instrumental dependerá da experiência e preferência do colposcopista e da disponibilidade de cada serviço.
4) Neoplasias intraepiteliais cervicais (NIC) ou Lesões intraepiteliais (LIE) na gravidez
O evento fisiológico da eversão no colo uterino estimula o desenvolvimento de metaplasia escamosa caracterizando a Zona de Transformação (ZT). As células metaplásicas apresentam alto metabolismo e são as preferencialmente infectadas pelo HPV. A partir desta infecção, porém na dependência de inúmeros fatores entre estes o sistema imunológico, poderá se observar atipias na ZT (ZT Atípica).
A infecção pelo HPV é atualmente a infecção viral de transmissão sexual mais frequente em todo o mundo com elevada prevalência no período de vida reprodutiva. Portanto, é esperado que a prevalência desta infecção também seja elevada na gravidez.
Há de se considerar também as modificações fisiológicas do sistema imunológico durante este período como a diminuição do número e atividade dos linfócitos TCD4 e das imunoglobulinas das classes G e A no muco cervical e diminuição da síntese de mácrofagos devido aos altos níveis de hormônios esteróides.
Todas estas modificações facilitam a proliferação do HPV, proporcionando lesões mais extensas e volumosas durante a gravidez. Vários trabalhos têm avaliado a história natural das NIC/LIE durante a gravidez e não observaram maior risco de progressão histológica para carcinoma invasor.
A presença de NIC/LIE independente do grau, não constitui contraindicação para o parto vaginal sendo a cesárea indicada por critérios puramente obstétricos.
Em 1988, Adhoot e colaboradores avaliando esfregaços cervicais realizados no puerpério descreveram um aumento nas taxas de regressão das lesões intraepiteliais de alto grau (LIEAG/NIC II e III) em mulheres que tiveram suas gestações resolvidas por parto vaginal quando comparadas com as pacientes submetidas à cesárea (48% de regressão em 59 mulheres que tiveram parto vaginal Versus 0% de regressão em 12 pacientes que tiveram cesárea).
Para Yost et al, 1999 não houve diferença nas taxas de regressão das NIC II e III em relação ao tipo de parto, embora estas taxas tenham sido elevadas (68% regressão para NIC II e 70% de regressão para NIC III).
Após correta avaliação do tripé diagnóstico (colpocitologia, genitoscopia e anátomo-patológico) confirmando a presença de NIC/LIE de alto ou baixo grau, excluindo-se a invasão, é consenso que durante a gestação seja realizado acompanhamento com colpocitologia e colposcopia a cada 8 ou 12 semanas. O tratamento excisional deve ser postergado para o período pós-parto.
O momento ideal para repetição da propedêutica seria após o retorno aos ciclos menstruais, porém na prática realiza-se esta reavaliação com 8 a 12 semanas pós-parto. A taxa de regressão da NIC não tratada na gravidez varia de 25 a 70%.
A genitoscoscopia realizada por examinador experiente associada à biópsia dirigida tem elevada sensibilidade para diagnosticar doença invasora do colo e a conização tem indicações limitadas durante a gestação, sendo reservada aos casos em que a biópsia dirigida evidenciar microinvasão ou invasão.
Recomenda-se realizá-la no 2º trimestre com objetivo de diferenciar as pacientes que podem esperar até o termo da gestação para tratar a doença e aquelas que o tratamento deve ser imediato, sempre considerando o desejo materno.
É importante ressaltar que a ocorrência de complicações como hemorragias e alta frequência de margens comprometidas pela neoplasia em qualquer técnica empregada para conização não permitem que este procedimento seja considerado terapêutico para as LIEAG/NICII e III durante a gestação.
Referências consultadas:
Jamieson, DJ; Theiler, RN; Rasmussen, SA. Emerging infections and pregnancy.
Emerg Infect Dis, [S.1], v. 12, n. 11, p. 1638-43, nov. 2006.
Kaplan KJ, Dainty LA, Dolinsky B, Rose GS, Carlson J, McHale M, Elkans JC. Prognosis and recurrence risk for patients with cervical squamous intraepithelial lesions diagnosed during pregnancy. (2004) American Cancer Society
Massad SL, Wright TC, Cox TJ, Twiggs LB, Wilkinson E. Managing abnormal cytology results in pregnancy. J Low Genit Tract Dis. 2005;9:146-148.
Nobbenhuis MAE, Helmerhorst TJM, van den Brule AJC, Rozendaal L, Bezemer PD, Voorhorst FJ and Meijer CJLM. High-risk human papillomavirus clearance in pregnant women: trends for lower clearance during pregnancy with a catch-up postpartum.
British Journal of Cancer (2002) 87, 75 –80
Siddiq, TS, Twigg, JP, Hammond, RH. Assessing the accuracy of colposcopy at predicting the outcome of abnormal cytology in pregnancy. European Journal of Obstetrics,Gynecology and Reproductive Biology 2006, 124(1), 93–97.
Yamakazi T, Inaba F, Takeda N, Furuno M, Kamemori T, Kosaka N, Ohta Y, Fukasawa I, Inaba N. A study ao abnormal cervical cytology in pregnant women. (2005) Arch Gynecol Obstet 273: 355-359.
INCA, 2016. Diretrizes para o rastreamento do Cancer cervical
Autora:
Silvana Quintana, Professora Associada do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo-FMRPUSP, Brasil
Preservação da fertilidade em mulheres com câncer.
A capacidade de começar uma família e ter filhos é uma questão chave na qualidade de vida. A infertilidade após tratamento do câncer tem um reconhecido impacto negativo nessa qualidade de sobrevivência.
A incidência do câncer continua a crescer mundialmente devido ao aumento da expectativa de vida da população e de hábitos de vida associados às malignidades como o tabagismo. Nas últimas duas décadas a sobrevida dos pacientes com câncer aumentou substancialmente. Dessa forma, houve um maior interesse na qualidade de vida dos sobreviventes, incluindo a possibilidade de preservação do futuro reprodutivo.
O principal objetivo do tratamento oncológico é a cura, que muitas vezes se baseia na cirurgia, quimioterapia e radioterapia. No entanto, esses procedimentos podem resultar em um comprometimento total ou parcial da fertilidade. As taxas de infertilidade após um tratamento oncológico dependem de vários fatores.
Os efeitos da quimioterapia dependem da droga utilizada, método de administração, idade da paciente e tratamento prévio para infertilidade. Uma cirurgia mais conservadora que possa permitir a preservação do futuro reprodutivo pode ser uma opção em casos selecionados. Novas técnicas como a maturação in vitro de folículos e o transplante de tecido ovariano constituem perspectivas para essas mulheres.
Técnicas de reprodução assistida para da fertilidade
As técnicas de reprodução assistidas aplicadas às pacientes com câncer de ovário, como a criopreservação de oócitos, tecido ovariano ou mesmo embriões não são tão comuns, por isso as dificuldades em analisar dados sobre o assunto.
Na criopreservação de tecido ovariano, uma técnica ainda considerada de caráter experimental, existe a preocupação de adicionar o risco de inoculação de células do tumor. Sua indicação em mulheres com câncer de ovário é controversa. Há necessidade de uma estreita colaboração entre clínicas oncológicas e centros de reprodução nestes casos, o que pode ser vantajoso para garantir a saúde reprodutiva das mulheres.
Outra consideração importante diz respeito às pacientes que vão precisar de tratamento adjuvante. É sabido que a quimioterapia consistentemente compromete a função ovariana, muitas vezes resultando em infertilidade e menopausa precoce, dependendo das diferentes drogas e esquemas. A decisão quanto à necessidade de terapia adjuvante deve ser realizada independentemente da cirurgia realizada (radical ou conservadora), a fim de não comprometer o resultado oncológico.
Os estudos investigando os efeitos da supressão ovariana nos marcadores da reserva de oócitos atualmente não suportam o uso do análogo de GnRH como uma estratégia eficaz na tentativa de preservar a função ovariana e a fertilidade feminina durante tratamentos de quimioterapia.
As mulheres adultas que desejam preservar a fertilidade podem ser submetidas a estimulação controlada da ovulação com indutores para recuperação de oócitos maduros e congelamento, ou se desejarem, para fertilização in vitro (FIV) e congelamento de embriões.
Geralmente a estimulação ovariana controlada por medicação para fertilização in vitro pode exigir entre 2 a 6 semanas, dependendo da fase do ciclo menstrual que a paciente estiver quando do planejamento e início do tratamento. Nos casos onde o tratamento oncológico deverá começar dentro de 3 a 4 semanas e não é desejável aguardar a próxima menstruação para iniciar um protocolo de estimulação, têm sido propostos protocolos de início aleatório. Assim essas pacientes podem completar um ciclo de estimulação para preservação da fertilidade dentro de duas semanas e iniciar o tratamento de câncer conforme planejado.
Outras opções que podem ser consideradas, apesar de experimentais até o momento incluem: a combinação de recuperação de oócitos imaturos seguida de maturação in vitro (MIV) e vitrificação de oócitos e a combinação de tecido ovariano congelado com descongelamento e posterior recuperação dos oócitos imaturos seguido por MIV e vitrificação desses oócitos, desde que essas técnicas podem levar a possibilidade de nascidos vivos.
Outra alternativa, também considerada uma técnica experimental, seria a cultura in vitro de folículos em estágios iniciais com o objetivo de desenvolvê-los em competentes folículos maduros, isolados de um pedaço de tecido ovariano descongelado. Talvez essa será a opção futura para pacientes com malignidades hematológicas e de ovário na tentativa de minimizar os riscos de proliferação de células malignas em pacientes já tratados para a enfermidade oncológica.
O ciclo natural de fertilização in vitro (sem estimulação hormonal) ou indução de ovulação usando protocolos alternativos e potencialmente seguros, incluindo o uso moduladores seletivos de receptores de estrogênio (SERMs) e inibidores da aromatase, sozinhos ou em combinação com gonadotrofinas têm sido propostos.
As desvantagens do ciclo natural seriam o fato de obter-se apenas um oócito ou embrião por tentativa e a alta taxa de cancelamento por ciclo. Protocolos de estimulação usando letrozole associados a gonadotrofinas são atualmente preferidos sobre protocolos de tamoxifeno.
O tratamento com letrozol mostrou ser mais eficaz e está associado a um maior número de oócitos obtidos e fertilizados quando comparado ao tamoxifeno. O seguimento a curto prazo de pacientes com câncer da mama submetidos a estimulação ovariana com letrozol para preservação de fertilidade não demonstrou efeitos prejudiciais nos desfechos dos ciclos de tratamento.
A maturação do oócito com agonistas de GnRH (GnRHa) no lugar do uso da gonadotrofina coriônica humana (hCG) tem conseguido diminuir a exposição ao estradiol, reduzindo concomitantemente o risco de síndrome de hiperestimulação ovariana, uma complicação conhecida da estimulação ovariana controlada.
Embora os inibidores de aromatase sejam contra-indicados durante a gravidez, dados indicam que os tratamentos de fertilidade com letrozol não induzem qualquer aumento de riscos para o feto.
Quanto ao congelamento de oócitos, as taxas de fertilização e gravidez são semelhantes à fertilização in vitro utilizando oócitos frescos e não foi observado nenhum aumento em anormalidades cromossômicas, defeitos congênitos ou défices do desenvolvimento em crianças nascidas de oócitos criopreservados. Tornou-se uma técnica segura e viável para preservação de gametas e possibilidade de manter a fertilidade futura.
Autor:
Rívia Mara Lamaita
CNE Reprodução Humana
O selo de qualidade da mamografia.
Você às vezes tem a impressão de que a mamografia que solicita para as suas pacientes pode não ter a qualidade ideal? Quer saber como atestar a qualidade de uma mamografia?
Bem existem ferramentas poderosas para fazer essa aferição, por exemplo apuração da sensibilidade, especificidade e taxa de detecção. Infelizmente, o levantamento desses dados é trabalhoso e caro, e quase não é feito por nenhum serviço no Brasil, embora seja obrigatório em outros países.
Mas o Brasil não é de todo desprovido de iniciativas para promover a qualidade da mamografia. Há muitos anos três sociedades se uniram para realizar essa tarefa: a Febrasgo, o Colégio Brasileiro de Radiologia e a Sociedade Brasileira de Mastologia. Foi criada uma comissão que se reúne uma vez por mês para analisar serviços de mamografia, além de cuidar de vários outros assuntos pertinentes ao tema, que recebeu o nome de Comissão Nacional de Mamografia.
A comissão avalia os serviços que, se aprovados, recebem o Certificado de Qualidade em Mamografia, passando a ter o direito de exibir nos seus documentos (inclusive laudos) o Selo de Qualidade em Mamografia.
Os selos são outorgados por aparelho de mamografia. Se uma clínica tiver mais de um aparelho, cada um deles deverá ser avaliado separadamente. São analisados os dados físicos radiométricos (dose de radiação, laudo de proteção das salas e outros parâmetros técnicos). Em seguida, são avaliados cinco exames realizados naquele aparelho. A avaliação leva em conta a qualidade das radiografias, posicionamento, presença de artefatos, identificação de lesões, descrição dos achados e conduta recomendada.
Se você se importa que a sua paciente faça uma mamografia de qualidade, procure saber se o serviço de mamografia para onde você encaminha suas pacientes tem o selo de qualidade. É a melhor iniciativa dentro do Brasil para incrementar a qualidade da mamografia.
O que o selo não mede? Justamente os parâmetros de auditoria dita de resultados mencionados acima (sensibilidade, especificidade e taxa de detecção). Infelizmente, pois eles são a verdadeira “prova dos nove” da qualidade da mamografia. Mas você pode usar de uma “auditoria cotidiana” para avaliar qualidade da mamografia.
Todos os falsos negativos devem ser analisados a fundo. A definição de falso negativo é o aparecimento de um câncer de mama até um ano após um exame. Como a mamografia não detecta todos os cânceres, um falso negativo não significa necessariamente um erro, mas se um serviço tiver muitos falsos negativos, ou se a radiografia lida como negativa mostrar retrospectivamente uma lesão suspeita óbvia, considerar que esse serviço possa ter baixa sensibilidade e taxa de detecção abaixo do aceitável.
As recomendações de biópsia, por sua vez, darão uma ideia da especificidade. Em geral a cada dez recomendações de biópsia, três a quatro deverão resultar em câncer. Um serviço que tenha um número muito grande de biópsias benignas levanta a suspeita de estar indicando mal essas biópsias (baixa especificidade).
Talvez pior do que não fazer mamografia seja fazer uma mamografia malfeita, que pode resultar em radiação acima do aceitável, biópsias desnecessárias, reconvocações e recomendações de exames complementares exageradas, custos aumentados, e até mesmo falsa segurança no caso de um exame falso negativo com retardo no diagnóstico e no tratamento.
É fundamental, portanto, zelarmos pela qualidade da mamografia. A ferramenta já consolidada no Brasil é o selo de qualidade. As ferramentas de auditoria de resultados não são usadas em larga escala no Brasil, mas pode-se usar uma “auditoria cotidiana” para aferir a qualidade da mamografia.
A exigência de qualidade deve, antes de tudo, ser um estímulo para os serviços que fazem a mamografia se aperfeiçoem cada vez mais, se reciclem, atualizem seus aparelhos e seus processos. Seja chato, exija qualidade. A sua paciente agradece.
Autor:
Hélio Sebastião Amâncio de Camargo Júnior
Sobrediagnóstico de câncer de mama.
O Estadão publicou um artigo da blogueira Marcia Triunfol a respeito de sobrediagnóstico e sobretratamento em câncer de mama http://sustentabilidade.estadao.com.br/blogs/marcia-triunfol/quantas-brasileiras-serao-mutiladas-ate-falarmos-sobre-super-diagnostico-de-cancer-de-mama-no-pais/.
Embora seja importante tratar desse tema junto ao público leigo, bem como junto aos especialistas, o artigo apresentou pontos de vista equivocados que precisam ser esclarecidos. Já escrevi uma consideração ao Estadão, que pode ser consultada no próprio link em sequência ao artigo, mas o Estadão só aceita 60 caracteres. Segue uma argumentação mais estruturada para que os especialistas tenham dados sólidos a passar a suas pacientes a respeito desse assunto.
É importante trazer à baila o importante tema do sobrediagnóstico. Todo esforço para melhor informar as pacientes é louvável.
Infelizmente, faltou no artigo verificar alguns fatos. Cito a seguir afirmativas feitas que são simplesmente inverídicas, como: rastreamento aumenta a chance de ter leucemia, estudos indicam que a maioria dos pequenos tumores representam sobrediagnóstico e países onde a saúde é pública têm abolido a prática do rastreamento mamográfico.
No estudo mencionado, realizado em São Paulo, (Breast Cancer Mortality and associated factors in São Paulo State, Brazil:an ecological analysis. Htpp://dx.doi/10´1136/BMJopen-2017-016395) os autores compararam a taxa de mortalidade de pacientes que fizeram mamografia em qualquer circunstância (no diagnóstico de nódulo palpável, na avaliação pré-operatória de pacientes com câncer de mama, no seguimento de pacientes tratadas de câncer de mama) e tirou conclusões como se tivesse estudado mamografias de rastreamento.
É parecido com comparar pacientes que têm pneumonia e tomam antibiótico com pacientes que não têm pneumonia e não tomam antibiótico e concluir que o antibiótico é que mata. O que esse estudo permite concluir, na realidade, é que pacientes que morrem de câncer de mama fazem mais mamografias do que as que não morrem (se tivessem estudado hemogramas ou dosagem de TGO provavelmente encontrariam o mesmo resultado, será que concluiriam que o hemograma causa câncer de mama?).
Outra conclusão da pesquisa é de que o "acesso à saúde privada está altamente associado à mortalidade por câncer de mama indo na linha do sobrediagnóstico". Há uma ilação que, além de anti-intuitiva, carece de uma análise mais cuidadosa.
Talvez um erro seja o inevitável viés de preenchimento nos atestados de óbito, que já foi demonstrado ser diferente nas redes pública e privada, mas muitos outros parâmetros precisariam ser estudados antes de concluir que a causa desse achado é o sobrediagnóstico.
Mas há um mérito nessa questão, sobrediagnóstico existe. E precisamos conversar sobre ele. Sua magnitude é difícil de estimar, mas as melhores aproximações giram em torno de 10%. Isto é, cerca de 10% das pacientes tratadas para câncer de mama não precisariam ter sido tratadas. Não é pouco, mas é o preço a pagar pelo benefício obtido pelo rastreamento: redução de mortalidade de cerca de 30% nas mulheres rastreadas efetivamente (número comprovado por uma quantidade colossal de evidências). Esses dados precisam circular mais, serem do conhecimento de todos.
Finalmente, entendo a necessidade de um artigo de causar impacto nos leitores, mas se sua intenção é informar e aprofundar a discussão, teria sido conveniente evitar abuso de termos como mutilar, envenenar, queimar, interromper vidas, aniquilar sonhos e reprimir desejos. E seria importante incluir de forma serena outros pontos de vista da literatura, especialmente quando tão amplamente aceitos como nesse caso.
Autor:
Dr Hélio S A Camargo Jr e Dr Renato Zocchio Torrezan, CNE s de mamografia e mastologia
Existe rastreamento de qualidade no Brasil? Barretos responde que SIM e nos mostra como!
A impressão de quem chega a Barretos é a mesma de quem chega à maior parte das cidades do interior paulista: ruas calmas e terra à vista. Essa impressão corresponde à cidade, mas não ao complexo hospitalar, que parece ter brotado em meio à paisagem rural-urbana. A estrutura é impressionante e causa admiração. Mais ainda quando se conhecem detalhes da engrenagem do hospital e dos projetos desempenhados.
Um caso à parte é a estrutura da prevenção. Nos primórdios, um começo pitoresco, se valendo de uma bicicleta e o convite de porta-em-porta às mulheres para coleta do papanicolaou. Atualmente, é a menina dos olhos do modelo de gestão e expansão do hospital. E o protótipo da prevenção hoje é o rastreamento mamográfico do câncer de mama.
O benefício do rastreamento depende da abrangência e qualidade da mamografia. Nesses pontos, Barretos e seu departamento de prevenção são imbatíveis.
A regional de saúde de Barretos envolve 18 cidades cuidadosamente mapeadas em uma unidade fixa (em Barretos) e em unidades móveis (carretas).
A população da faixa etária estabelecida, de 40 a 69 anos, é convocada através de carta-convite contendo a data, o resultado da última mamografia realizada e o período da nova visita da unidade móvel. A própria mulher se dirige à unidade básica de saúde (UBS) e agenda seu exame. A carreta geralmente estará estacionada próximo à sua residência (por exemplo, em frente à UBS, igreja ou praça). A partir disto, se iniciam os passos de um sistema organizado e eficiente.
Se a mamografia for negativa (BIRADS 1 ou 2), o laudo com o resultado e recomendação (emitido conforme o SISMAMA) chega à UBS ou ao domicílio das pacientes em até 30 dias.
Se o exame estiver alterado, muito antes disso a paciente é convocada (por telefone) à unidade fixa para realizar o complemento (incidências adicionais na mamografia ou ultrassonografia). O prazo para reconvocação e realização de complementos é de 20 dias.
Após esse passo, são dois os desfechos possíveis:
- Se o resultado final for negativo (BIRADS 1 ou 2), o modo e prazo de entrega se repetem.
- Se o resultado for suspeito, já no momento do exame é feita a consulta com o mastologista e o agendamento de uma biópsia em até 7 dias na unidade fixa.
Caso a biópsia resulte maligna, o sistema dispõe de hospital dia próprio para o tratamento local e condições para encaminhar para o tratamento complementar com radioterapia e/ou quimioterapia quando indicado.
Durante todo o processo, o sistema é submetido a rigoroso controle de qualidade, que identifica e corrige falhas no posicionamento mamográfico e no equipamento.
Além da certificação nacional de qualidade em mamografia fornecida pelo Colégio Brasileiro de Radiologia, Febrasgo e Sociedade Brasileira de Mastologia (que apenas 2,9% dos serviços de mamografia no Brasil possuem) o Hospital tem o certificado de qualificação em rastreamento mamográfico do instituto holandês LRBC (National Expert and Training Centre for Breast Cancer Screening), a mais renomada instituição de prevenção de câncer no mundo, sendo a única certificação oferecida a uma instituição fora da Europa.
O sistema conta com um núcleo de aperfeiçoamento em mamografia com mais de 8.000 horas de capacitação e educação continuada de mais de 1.500 profissionais entre técnicos de radiologia, físicos e médicos.
Além do tratamento, a instituição se envolve com produção científica e dados estatísticos. Cada caso positivo é tabulado e analisado. O sistema também controla produtividade e metas técnicas.
Um adicional admirável desenvolvido pela unidade é o atendimento às pacientes de alto risco. O hospital está na peculiar condição de ter um número grande de pacientes portadoras de mutação genética ou síndromes que aumentam risco de desenvolver câncer de mama. Para essas pacientes, há um protocolo de rastreamento especial que envolve ressonância magnética das mamas e intervalo menor entre os exames. Tudo em conformidade com as diretrizes internacionais e baseado nos critérios rígidos de rastreamento de alto risco.
Observar toda a estrutura e a eficiência do departamento de prevenção do Hospital de Câncer de Barretos (atualmente Hospital de Amor) faz pensar que rastreamento mamográfico de qualidade existe e é possível. Inclusive no Brasil.
O tema rastreamento envolve questões de custo-benefício e grande complexidade logística e metodológica, mas os números vão a favor do benefício. Porém, esses números são internacionais, vindo de instituições comprometidas com o desempenho técnico e controle de qualidade.
No Brasil, a realidade é assustadoramente diferente, e os números despencam em cobertura, eficiência e controle de qualidade.
O modelo de Barretos nos faz pensar que é possível alcançar a excelência com empenho, qualificação e gerenciamento de custos. Se não é fácil nem barato se fazer rastreamento de qualidade, é ainda mais difícil e caro tratar o câncer detectado em estadio avançado.
Autora:
Dra. Erika Marina Solla Negrão, SP
Considerações sobre realização de mamografia em portadoras de próteses e implantes.
O uso de próteses e implantes se popularizou amplamente, inicialmente nos EUA e mais tarde no Brasil. Só em 2015, de acordo com pesquisa da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica e Estética, foram realizados 158.950 implantes mamários de silicone em nosso país. Há uma pequena diferença conceitual entre prótese e implante, mas nesse artigo usarei os dois termos indistintamente, pois os argumentos servem para ambos.
A antiga preocupação de que o silicone pudesse causar câncer de mama está afastada(1). Mas é pertinente revisitarmos esse assunto no que diz respeito ao diagnóstico por imagem, seja em pacientes de rastreamento, seja em pacientes sintomáticas.
Está bem estabelecido o valor do rastreamento mamográfico na redução da mortalidade por câncer de mama. As mulheres que possuem implantes também se beneficiam desse rastreamento, embora haja alguns pontos específicos que devam ser destacados.
Próteses e implantes são radiopacos e portanto podem obscurecer lesões. Por isso, quando essas mulheres fazem mamografia, usamos manobras para expor a maior quantidade possível de tecido mamário (esse procedimento é conhecido por manobra de Eklund, por ter sido descrito e difundido por esse autor). Vale ressaltar que essas manobras exigem a realização de radiografias adicionais, portanto aumentando o número de mamografias, e que o efeito deletério da radiação é cumulativo. É consensual, no entanto, que os benefícios da mamografia nessa população superam os riscos.
Mesmo com as manobras descritas acima, a acurácia da mamografia nas portadoras de próteses é considerada um pouco mais baixa. Tem sido bem aceito, principalmente desde a publicação de Miglioretti (2), que essa diminuição da acurácia não influencia as características prognósticas dos tumores. Devemos, entretanto, fazer uma ressalva: uma metanálise mais recente mostrou que o uso de mamoplastia de aumento pode afetar negativamente a sobrevivência de mulheres que são subsequentemente diagnosticadas com câncer de mama, mostrando que esse é um assunto ainda em aberto.
Um autor chamou a atenção para o fato de que, embora a mamografia seja menos sensível nessas pacientes, a presença de um implante pode facilitar a detecção de um nódulo através da palpação (3). Eu pessoalmente vivi um caso em que a paciente palpou um nódulo que veio a se mostrar maligno dias depois ter realizado uma cirurgia para colocação de implantes, embora uma ultrassonografia pré-operatória tenha sido negativa (pelo menos nesse caso o diagnóstico precoce deveu-se ao implante).
Um outro aspecto a ser discutido é a possibilidade de que a mamografia cause danos aos implantes ou próteses. A mamografia requer a compressão da mama para otimizar a demonstração de lesões. Essa compressão atua sobre os implantes e os tecidos mamários adjacentes a ele, e há casos descritos de roturas, vazamento e deslocamentos ou rotações de implantes associados à mamografia.
É importante ressaltar que esses relatos são extremamente raros, e de forma geral se considera que a mamografia seja muito segura para os implantes. No entanto, o risco existe, e muitos serviços de mamografia optam por informar a paciente dos riscos de forma sistemática e obter o consentimento prévio informado das pacientes antes da realização da mamografia. Para os serviços que fizerem essa opção, o Colégio Brasileiro de Radiologia está disponibilizando um modelo de formulário para consentimento informado, elaborado pela Comissão de Mamografia, da qual a Febrasgo faz parte.
O risco de complicações parece ser maior para implantes em uso já há muitos anos, mas não está claro se o que está envolvido nesses casos seria uma maior fragilidade do implante ou uma rotura pré-existente até então não detectada. De qualquer forma, na presença de rotura pré-existente é provável que a realização da mamografia possa potencialmente aumentar a quantidade de silicone vazado.
A indicação de uma mamografia para uma portadora de prótese ou implante se baseia no pressuposto de que o risco das complicações mencionadas seja compensado com vantagens pelos benefícios da detecção precoce do câncer de mama. Isso é aceito amplamente na comunidade médica e tem respaldo nas melhores evidências.
A ultrassonografia praticamente não sofre limitações de sensibilidade nas portadoras de mamoplastia de aumento. É muito raro haver um câncer posterior à prótese, que seria uma limitação da ultrassonografia. Os cânceres anteriores ou ao lado das próteses podem se tornar até mais faceis de serem descobertos pela ultrassonografia, assim como acontece com a palpação.
Não há dados, porém, comparando a ultrassonografia com a mamografia no rastreamento do câncer de mama em usuárias de próteses, o que pode vir a ser de muito interesse no futuro. Paralelamente a isso, a ultrassonografia é um ótimo método para avaliar a integridade das próteses, com acurácia próxima à da ressonância magnética (4).
A ressonância magnética não sofre qualquer limitação de sensibilidade em usuárias de próteses. Isso não a torna, porém, método de rastreamento de escolha nessas pacientes. As suas indicações devem ser precisas e criteriosas. É interessante lembrar que a ressonância feita para avaliar a integridade das próteses é diferente da que é usada para detectar o câncer. Nessa última, por exemplo, exige-se a injeção de contraste. Ao solicitar um exame de ressonância, portanto, é importante especificar qual é o objetivo do exame.
Autor:
Hélio Sebastião Amâncio de Camargo Júnior
Referências:
-
Hoshaw SJ1, Klein PJ, Clark BD, Cook RR, Perkins LL. Breast implants and cancer: causation, delayed detection, and survival. Plast Reconstr Surg. 2001;107(6):1393-407.
-
Miglioretti DL, Rutter CM, Celler BM, Cutter G, Barlow WE, Rosenberg R, et al. Effect of breast augmentation on the accuracy of mammography and cancer characteristics. JAMA 2004;291:442-50.
-
Handel N. The effect of silicone implants on the diagnosis, prognosis, and treatment of breast cancer. Plast Reconstr Surg. 2007;120(7 Suppl 1):81S-93S.
-
Yang N, Muradali D. The Augmented Breast: A Pictorial Review of the Abnormal and Unusual. AJR 2011; 196:W451–W460.
Biópsia de mama: linhas gerais.
Em média 10 % das mamografias de rastreamento têm alguma anormalidade, 20 % delas requerendo análise cito ou histológica (biópsia). Assim, numa população com 10.000 mulheres em idade de fazer mamografia (cidade pequena), o rastreamento do câncer de mama irá gerar 200 biópsias por ano. Além disso, mulheres sintomáticas (não de rastreamento), também muitas vezes precisarão de biópsia.
Desnecessário enfatizar que as biopsias devem ser feitas em lesões classificadas como BI-RADS 4 e 5. Apenas rarissimamente devemos indicar uma biópsia para uma lesão classificada como BI-RADS 3.
Há mais complexidade nas biópsias de mama do que se imagina.
Colheita do material: pode ser feita por cirurgia ou, preferencialmente, por uma das técnicas percutâneas: agulha fina, dispositivo acionado por mola (chamado de biópsia de fragmentos, core biopsy, biópsia de agulha grossa) e biópsia vacuoassistida (mamotomia).
Direção da colheita: pode ser feita por ultrassonografia, mamografia biplanar no caso de localização pré-operatória ou mamografia com estereotaxia para orientar biópsias percutâneas, palpação (eventualmente) ou mesmo ressonância magnética. No caso da localização pré-operatória, ela pode ser feita com fio metálico (agulhamento), corante ou radioisótopo.
Combinando método de colheita com método de orientação, teremos cerca de 20 tipos de biópsia. Cada tipo de lesão-paciente-situação terá um tipo ideal de biópsia. É uma arte escolher e realiza-las (e também em disponibilizá-las, pois muitas delas requerem estruturas caras).
Uma vítima insuspeita dessa complexidade é a tramitação burocrática de um pedido de biópsia. Cada tipo de biópsia tem (ou deveria ter) um código, do qual depende a autorização do seu plano de saúde. E aí a complexidade pode pesar. Código errado. Solicitação confusa. Solicitação de procedimento não disponível na comunidade. Às vezes ao chegar para fazer a biópsia, percebe-se que a guia está errada, o agendamento foi feito para o aparelho errado, não é possível fazer a biópsia. Tudo isso numa das piores fases da vida da paciente, que tem que lidar com a angústia do resultado, preocupação com o desconforto, com o desconhecido, etc....
O ginecologista pode ajudar muito a paciente escolhendo bem o procedimento em coordenação com o radiologista, acertando o código, informando e orientando a paciente.
Uma palavra sobre indicações de biópsias. Preferências e disponibilidades podem variar um pouco de região para região, mas há algumas linhas gerais: escolher a forma mais barata e menos invasiva de biópsia que forneça o resultado resolutivo. Ser o menos invasivo possível e consciente dos custos são imperativos éticos. Um real desperdiçado em uma biópsia mal indicada é um real que faltará para algum outro atendimento (usar mamotomia quando se pode usar biópsia de fragmento, por exemplo, pode desperdiçar 1.000 reais).
Resumidamente, seguem as indicações de biópsia que devem ser preferidas quando estiverem disponíveis:
- Nódulos: core biopsy orientada por ultrassonografia, qualquer tamanho (caiu o conceito de que nódulos pequenos requerem mamotomia)
- Microcalcificações: core biopsy ou mamotomia orientada por estereotaxia. Preferir mamotomia para grupamentos pequenos de calcificações e core biopsy para grupamentos grandes, na dependência da experiência pessoal do realizador do procedimento. A estereotaxia não está disponível universalmente. Na sua indisponibilidade, será necessário realizar uma biópsia cirúrgica sob localização pré-operatória.
- Distorções de arquitetura. Em geral são vistas apenas à mamografia e não à ultrassonografia. Assim, exigem que a biópsia seja dirigida por uma das técnicas que usam a mamografia. Na maioria das vezes requerem biópsia cirúrgica, mas em distorções muito pequenas, a mamotomia pode ser utilizada.
- Lesões papilíferas e cistos complexos. A orientação deve ser ultrassonográfica e a biópsia em geral cirúrgica, mas assim como nas distorções, lesões muito pequenas podem ser biopsiadas com segurança por mamotomia.
- Pela dificuldade de acesso à axila e pela boa acurácia da citologia nesses casos, em geral preferir a punção aspirativa de agulha fina (BAF). Em alguns casos, especialmente de linfonodos grandes em que se suspeite de neoplasias extra-mamárias, pode ser preferível usar a core biopsy.
Uma situação especial pouco abordada é a de nódulos nos quais a ultrassonografia não consegue determinar se são sólidos ou císticos. Nesses casos, é sábio iniciar com punção aspirativa, pois se for um cisto, o problema clínico será resolvido com um mínimo de invasividade e custo.
Espero que essa rápida visita às linhas gerais de abordagem de um problema clínico complexo e comum tenha sido útil.
Autor:
Hélio Sebastião Amâncio de Camargo Júnior
Uso de cães farejadores no diagnóstico do câncer do colo do útero
A capacidade dos cães de distinguir odores é pelo menos uma centena de vezes maior do que a do Ser Humano. Este aguçado senso olfativo varia nas diferentes raças e era utilizado no passado para a caça. Entretanto mais recentemente cães farejadores passaram a ser utilizados com diferentes finalidades como investigações sobre a presença de drogas, explosivos e restos humanos (cadáveres)(1). Mais recentemente estas habilidades caninas passaram a ser utilizadas para detecção de neoplasias malignas como melanoma, câncer de bexiga, ovário, pulmão, fígado, colorretal e câncer de mama entre outros(2-5) . O odor específico exalado pelos carcinomas pode constituir um importante meio para diagnóstico e seguimento de pacientes com câncer(6).
Em um recente estudo publicado por Guerrero-Flores et al. (7) relatam o uso de cães treinados para o diagnóstico de câncer do colo do útero. Este estudo foi realizado no México, onde a incidência de carcinoma do colo do útero é bastante elevada.
Foram utilizados material de biópsias frescas de pacientes fazendo radioterapia para câncer do colo do útero, espécimens de carcinoma, amostras de colos normais sem infecção por HPV ou lesões pré-invasivas. Também foram coletados curativos e absorventes higiênicos de pacientes com carcinoma de colo. Em outras amostras absorventes higiênicos comerciais foram adicionados com substâncias odoríficas como Aloe vera e Camomila após 8 horas de uso. As mulheres participantes eram de diferentes grupos étnicos.
Cães beagles foram treinados durante quatro meses para reconhecer o odor de compostos voláteis de espécimens de carcinoma do tipo células escamosas e adenocarcinomas. Após este período foram introduzidos os outros materiais: esfregaços vaginais e curativos e absorventes.
No total foram realizados 873 testes com 97 esfregaços de pacientes com câncer e 776 de pacientes normais, curativos e absorventes. A sensibilidade de ambos os tipos de amostra foi de 92,78 e 96,36%, respectivamente; a especificidade correspondente ficou em 99,1 e 99,55%; valores preditivos positivos de 92,78 e 96,36%; e os valores preditivos negativos em 99,1 e 99,55%. A taxa de falso negativo registrada foi notadamente menor no caso de amostras de materiais de absorventes, sugerindo que esse tipo de amostra pode ser mais eficiente para aplicações médicas para identificar o odor de carcinoma de colo do útero.
Por mais intrigante que possa parecer, estas habilidades caninas podem ser úteis em áreas de escassos recursos para diagnóstico de câncer do colo do útero.
Trate bem o seu cão!
Autor:
Jesus Paula Carvalho
Professor Livre Docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Chefe de Equipe de Ginecologia Oncológica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – ICESP. Presidente da CNE de Ginecologia Oncológica – Febrasgo
Referências:
[1] Quignon P, Rimbault M, Robin S, Galibert F. Genetics of canine olfaction and receptor diversity. Mamm Genome. 2012;23: 132-43.
[2] Kitiyakara T, Redmond S, Unwanatham N et al. The detection of hepatocellular carcinoma (HCC) from patients' breath using canine scent detection: a proof-of-concept study. J Breath Res. 2017;11: 046002.
[3] Hackner K, Errhalt P, Doll T. Reply to Comment on 'Canine scent detection for the diagnosis of lung cancer in a screening-like situation'. J Breath Res. 2017;11: 038002.
[4] Bijland LR, Bomers MK, Smulders YM. Smelling the diagnosis: a review on the use of scent in diagnosing disease. Neth J Med. 2013;71: 300-7.
[5] Horvath G, Järverud GA, Järverud S, Horváth I. Human ovarian carcinomas detected by specific odor. Integr Cancer Ther. 2008;7: 76-80.
[6] Horvath G, Chilo J, Lindblad T. Different volatile signals emitted by human ovarian carcinoma and healthy tissue. Future Oncol. 2010;6: 1043-9.
[7] Guerrero-Flores H, Apresa-García T, Garay-Villar Ó et al. A non-invasive tool for detecting cervical cancer odor by trained scent dogs. BMC Cancer. 2017;17: 79.