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A infecção HPV na gestação.

Sexta, 16 Fevereiro 2018 14:27

        As adaptações do organismo materno à gravidez têm como objetivo principal preparar a mulher para a gestação e o parto. Dentre estas adaptações, as mudanças hormonais promovem alterações no epitélio e nos tecidos subepiteliais cervicais visando preparar o colo uterino para o parto.

        Durante o trabalho de parto a cérvice aumenta 10 vezes o seu diâmetro sendo considerável a habilidade de se submeter a modificações de tamanha importância em espaço de tempo relativamente pequeno.

        No epitélio estratificado escamoso observa-se hiperatividade na camada das células basais e proliferação da camada de células intermediárias. O epitélio cilíndrico sofre hipertrofia, hiperplasia e metaplasia. Também se observa modificações no estroma do colo uterino com grande aumento de vasos sanguíneos e edema.

        A decidualização ou deciduose ocorre nos epitélios cervicais e também no estroma que passa a apresentar as modificações semelhantes às observadas no endométrio gravídico. Ao exame macroscópico o colo encontra-se hipertrofiado, congesto e cianótico.

        O exame colposcópico pode monitorizar as modificações gravídicas do epitélio cervical, porém as modificações nos tecidos subepiteliais (músculo liso, componentes celulares, fibras e matriz gelatinosa e substância fundamental) apresentam maiores dificuldades de avaliação.

1) Mecanismos fisiológicos observados no colo uterino durante a gravidez

1.1) Abertura do orifício externo sem procidência da mucosa endocervical (gapping)

      1.2) Eversão que consiste na exposição do epitélio cilíndrico na ectocérvice

      1.3) Metaplasia escamosa decorrente da exposição do epitélio cilíndrico ao pH vaginal ácido

        A frequência e extensão destas modificações dependem principalmente da paridade. Observa-se a eversão e metaplasia escamosa com maior frequência nas primigestas enquanto a abertura do orifício externo é mais comum nas multíparas.

2) Exame citológico durante a gravidez

        Embora a gravidez não seja o momento ideal para realizar o rastreamento do câncer do colo do útero, talvez seja a única oportunidade de diagnosticar uma lesão precursora ou um carcinoma cervical inicial. Portanto, o rastreamento do carcinoma do colo uterino pode fazer parte dos exames de rotina da assistência pré-natal, desde que a grávida se enquadre dentre os critérios de população alvo para o rastreio de lesões precursoras e câncer do colo do útero.

         O carcinoma do colo uterino é a neoplasia mais frequente durante a gestação e a colpocitologia é eficaz em detectar as lesões precursoras e invasoras da cérvice uterina.

        O exame colpocitológico realizado durante a gestação pode apresentar dificuldades na interpretação sendo fundamental que o obstetra informe ao citopatologista a idade gestacional. Em geral, a gravidez não modifica significativamente os índices de falso-negativos deste exame.

        As gestantes que apresentam exame colpocitológico alterado serão conduzidas como se não estivessem grávidas, ou seja, as atipias citológicas como células atípicas de significado indeterminado que não excluem lesão de alto grau (ASCH), lesão intraepitelial de alto grau, lesão de alto grau que não exclui invasão, o carcinoma micro ou francamente invasor, o adenocarcinoma in situ ou invasor e outras neoplasias devem ser avaliadas pela colposcopia.

3) Colposcopia/Genitoscopia durante a gravidez

        Devido às alterações fisiológicas próprias da gravidez anteriormente relatadas, a avaliação colposcópica pode apresentar dificuldades principalmente a partir do 2º trimestre quando o aumento da cérvice, o muco cervical espesso e o prolapso das paredes vaginais dificultam a visualização do colo. Entretanto, pela eversão fisiológica da gravidez a junção escamocolunar (JEC) costuma ser de fácil visualização e avaliação principalmente após a 12ª semana de gestação.

        Além disto, algumas mudanças benignas podem simular lesões graves e devido ao grande aumento da vascularização um pequeno foco de carcinoma pode não ser diagnosticado, sendo importante examinador experiente.

        A principal indicação da colposcopia é a atipia citológica detectada no exame colpocitológico e, em gestantes, a biópsia dirigida está indicada quando a colposcopia é sugestiva de invasão.

        A biópsia dirigida pela colposcopia constitui método seguro e confiável na avaliação de gestantes com colpocitologia e colposcopia alteradas, sendo fundamental para descartar carcinoma invasor.

        Vários instrumentos podem ser utilizados para este fim como a pinça de Medina modificada, com risco mínimo de hemorragia devido ao pequeno tamanho do fragmento. A escolha do instrumental dependerá da experiência e preferência do colposcopista e da disponibilidade de cada serviço.

4) Neoplasias intraepiteliais cervicais (NIC) ou Lesões intraepiteliais (LIE) na gravidez

        O evento fisiológico da eversão no colo uterino estimula o desenvolvimento de metaplasia escamosa caracterizando a Zona de Transformação (ZT). As células metaplásicas apresentam alto metabolismo e são as preferencialmente infectadas pelo HPV. A partir desta infecção, porém na dependência de inúmeros fatores entre estes o sistema imunológico, poderá se observar atipias na ZT (ZT Atípica).

        A infecção pelo HPV é atualmente a infecção viral de transmissão sexual mais frequente em todo o mundo com elevada prevalência no período de vida reprodutiva. Portanto, é esperado que a prevalência desta infecção também seja elevada na gravidez.

        Há de se considerar também as modificações fisiológicas do sistema imunológico durante este período como a diminuição do número e atividade dos linfócitos TCD4 e das imunoglobulinas das classes G e A no muco cervical e diminuição da síntese de mácrofagos devido aos altos níveis de hormônios esteróides.

        Todas estas modificações facilitam a proliferação do HPV, proporcionando lesões mais extensas e volumosas durante a gravidez. Vários trabalhos têm avaliado a história natural das NIC/LIE durante a gravidez e não observaram maior risco de progressão histológica para carcinoma invasor.

        A presença de NIC/LIE independente do grau, não constitui contraindicação para o parto vaginal sendo a cesárea indicada por critérios puramente obstétricos.

        Em 1988, Adhoot e colaboradores avaliando esfregaços cervicais realizados no puerpério descreveram um aumento nas taxas de regressão das lesões intraepiteliais de alto grau (LIEAG/NIC II e III) em mulheres que tiveram suas gestações resolvidas por parto vaginal quando comparadas com as pacientes submetidas à cesárea (48% de regressão em 59 mulheres que tiveram parto vaginal Versus 0% de regressão em 12 pacientes que tiveram cesárea).

        Para Yost et al, 1999 não houve diferença nas taxas de regressão das NIC II e III em relação ao tipo de parto, embora estas taxas tenham sido elevadas (68% regressão para NIC II e 70% de regressão para NIC III).

        Após correta avaliação do tripé diagnóstico (colpocitologia, genitoscopia e anátomo-patológico) confirmando a presença de NIC/LIE de alto ou baixo grau, excluindo-se a invasão, é consenso que durante a gestação seja realizado acompanhamento com colpocitologia e colposcopia a cada 8 ou 12 semanas. O tratamento excisional deve ser postergado para o período pós-parto.

        O momento ideal para repetição da propedêutica seria após o retorno aos ciclos menstruais, porém na prática realiza-se esta reavaliação com 8 a 12 semanas pós-parto. A taxa de regressão da NIC não tratada na gravidez varia de 25 a 70%.

        A genitoscoscopia realizada por examinador experiente associada à biópsia dirigida tem elevada sensibilidade para diagnosticar doença invasora do colo e a conização tem indicações limitadas durante a gestação, sendo reservada aos casos em que a biópsia dirigida evidenciar microinvasão ou invasão.

        Recomenda-se realizá-la no 2º trimestre com objetivo de diferenciar as pacientes que podem esperar até o termo da gestação para tratar a doença e aquelas que o tratamento deve ser imediato, sempre considerando o desejo materno.

        É importante ressaltar que a ocorrência de complicações como hemorragias e alta frequência de margens comprometidas pela neoplasia em qualquer técnica empregada para conização não permitem que este procedimento seja considerado terapêutico para as LIEAG/NICII e III durante a gestação.

Referências consultadas:

Jamieson, DJ; Theiler, RN; Rasmussen, SA. Emerging infections and pregnancy.

Emerg Infect Dis, [S.1], v. 12, n. 11, p. 1638-43, nov. 2006.

Kaplan KJ, Dainty LA, Dolinsky B, Rose GS, Carlson J, McHale M, Elkans JC. Prognosis and recurrence risk for patients with cervical squamous intraepithelial lesions diagnosed during pregnancy. (2004) American Cancer Society

Massad SL, Wright TC, Cox TJ, Twiggs LB, Wilkinson E. Managing abnormal cytology results in pregnancy. J Low Genit Tract Dis. 2005;9:146-148. 

Nobbenhuis MAE, Helmerhorst TJM, van den Brule AJC, Rozendaal L, Bezemer PD, Voorhorst FJ and Meijer CJLM. High-risk human papillomavirus clearance in pregnant women: trends for lower clearance during pregnancy with a catch-up postpartum.

British Journal of Cancer (2002) 87, 75 –80

Siddiq, TS, Twigg, JP, Hammond, RH. Assessing the accuracy of colposcopy at predicting the outcome of abnormal cytology in pregnancy. European Journal of Obstetrics,Gynecology and Reproductive Biology 2006, 124(1), 93–97.

Yamakazi T, Inaba F, Takeda N, Furuno M, Kamemori T, Kosaka N, Ohta Y, Fukasawa I, Inaba N. A study ao abnormal cervical cytology in pregnant women. (2005) Arch Gynecol Obstet 273: 355-359.

INCA, 2016. Diretrizes para o rastreamento do Cancer cervical

Autora:

Silvana Quintana, Professora Associada do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo-FMRPUSP, Brasil



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