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BIOMARCADORES MOLECULARES NA PROGRESSÃO DA LESÃO PRECURSORA PARA O CÂNCER DO COLO UTERINO

Sexta, 16 Fevereiro 2018 14:37
INTRODUÇÃO:

           Na maioria dos países em desenvolvimento, o câncer do colo uterino lidera as causas de morte por neoplasia entre as mulheres¹.  No Brasil, este tumor é o terceiro mais frequente na população feminina, atrás do câncer de mama e do colorretal, e a quarta causa de morte de mulheres por câncer no Brasil. Sendo assim, o controle na incidência desta doença é uma questão de saúde pública e os estudos que contribuem para o conhecimento da carcinogênese do colo uterino irão nos ajudar neste controle².

            Já está estabelecido que sobre certas circunstâncias, a infecção persistente com um tipo oncogênico de Papilomavírus humano (HPV) é a condição necessária para o desenvolvimento das lesões precursoras e do câncer cervical.

O HPV é considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) o agente etiológico do câncer do colo uterino, evidenciado por meio de estudos epidemiológicos e moleculares.¹ Entretanto, a infecção causada pelo HPV isoladamente não é suficiente para o aparecimento das lesões precursora e invasora do colo uterino. Fatores endógenos relacionados ao hospedeiro (p.ex. hormônios endógenos, fatores genéticos e resposta imune) e exógenos ambientais (p.ex. anticoncepcional oral, tabagismo, dieta e multiparidade) e virais (p.ex. tipos oncogênicos e variantes do HPV) aumentam o risco de aparecimento desta lesão.³-4 


BIOMARCADORES TUMORAIS

                 Nos últimos anos, o estudo dos mecanismos genéticos e moleculares, implicados na gênese e na progressão do câncer, tem permitido obter novos métodos diagnósticos e de acompanhamento. O câncer apresenta como característica a proliferação celular não controlada e anormalidades em genes, que regulam o ciclo celular, podem ser encontrados em vários tipos de tumor.5-6

Estudos recentes em biologia molecular mostraram que o desenvolvimento de tumores envolve, basicamente, duas classes de genes: os proto-oncogenes e os genes supressores de tumor. Os proto-oncogenes (p.ex. rás e c-myc) estão associados à regulação da proliferação celular. Os genes supressores tumorais (p.ex. Rb, TP53 e p16INK4a) estão associados ao controle negativo do ciclo de divisão celular.7 Evidências sugerem que estes genes quando alterados, ou expressos impropriamente, podem induzir ao processo oncogênico. A inativação de genes supressores de tumor está entre os mecanismos genéticos mais comuns envolvidos na transformação maligna.8

           Além das alterações genéticas encontradas no processo de oncogênese, alterações epigenéticas são também descritas no DNA humano. Estas, diferentemente das alterações genéticas, não alteram definitivamente o código genético, ou seja, ocorre mudança no padrão de expressão do gene sem haver alteração na seqüência de bases nitrogenadas do DNA.

Tais eventos são considerados por muitos pesquisadores como ponto chave no desenvolvimento do câncer, porque estas alterações ocorrem em todos os estágios de formação dos tumores, incluindo as fases precoces e têm sido reconhecidas como o principal mecanismo envolvido na inativação dos genes supressores de tumor. As duas principais alterações epigenéticas descritas são a metilação do DNA e a deacetilação das histonas. Estas duas alterações epigenéticas são de controle transcricional e estão integralmente ligadas.9

                   A metilação é a modificação química do gene, de controle da integridade e expressão gênica, mediada por enzimas, onde um grupamento metil (CH3) adicionado à citosina localizada nos carbonos 5 de bases guanimas (G), conhecidas como ilhas CpG,        forma a metilcitosina.10 A enzima que catalisa esta modificação química é da família das DNA metiltransferases (DNMT).9

                   A metilação está estabelecida como um dos marcadores moleculares mais importantes dos tumores humanos. Esta alteração é responsável por causar mudanças em genes que têm importância no desenvolvimento do câncer, como por exemplo, nos genes de reparo do DNA, da apoptose e dos que interferem com a progressão do ciclo celular.12

                 O principal achado de inativação na transcrição genética por hipermetilação é o do gene p16INK4a. Este gene é mapeado na banda p21 do cromossomo 9. Sua função é de suprimir o crescimento tumoral através do controle negativo do ciclo de divisão celular.5 A proteína p16 inibe as CDK4 e 6 no ponto de checagem G1, para que a célula entre na fase G0 (quiescência) até que um dano ocorrido no DNA seja corrigido. A inativação desta proteína ou a sua ausência (por metilação do gene p16INK4a) permite que a célula entre na fase S após uma breve parada na fase G1, sem restauração das alterações do DNA.5

                  A proteína p16 tem recebido atenção especial como um biomarcador de diagnóstico de lesões intraepiteliais escamosas cervicais, com o potencial de ser usada como ferramenta de rastreamento adicional.12

A superexpressão da proteína p16 nas neoplasias cervicais tem sido associada com a infecção por HPV. De fato, a proteína E7 do HPV oncogênico é responsável pelo aumento dos níveis de expressão de proteína p16. De acordo com esta hipótese, a disfunção da proteína pRb através da associação com a proteína E7 do HPV, aumenta a liberação do fator de transcrição E2F resultando em superexpressão da proteína p16 e progressão anormal do ciclo celular.12

                 Metilação aberrante do gene 16ÍNK4a ocorre, precocemente, na população de células tumorais em lesões cervicais escamosas precursoras ou invasoras, numa freqüência que varia de 10 a 100%. A perda da transcrição do gene p16INK4a anula o mecanismo de controle negativo da proteína p16, que desvia células com DNA danificado do ciclo celular, podendo favorecer o descontrole na proliferação celular. Esta pode ser considerada uma das bases da oncogênese humana.  Na carcinogênese do colo uterino, além da mutação do DNA induzida pela integração do HPV, tem sido observado frequente hipermetilação do gene p16INK4a.9

                 Nuovo et al (1999)13, utilizando PCR metilação especifica de hibridização in situ (MSP-ISH), detectaram em espécimes arquivados metilação do gene p16 em células isoladas de carcinoma escamoso do colo uterino. Estudaram, também, por imunohistoquímica a expressão da proteína p16 em relação ao estado de metilação. Demonstraram hipermetilação da região promotora do gene p16ÍNK4a nos casos de carcinoma escamoso e nas áreas periféricas com lesão escamosa intra-epitelial de alto grau e ausência da proteína nestes casos. Os autores sugerem que a inativação do gene p16, por metilação excessiva, pode cancelar a aparente proteção da hiperexpressão de proteína p16, que bloquearia a proliferação desordenada de células com instabilidade do genoma pela integração do DNA-HPV nas lesões cervicais.

           Virmani et al (2001)14 descreveram presença de metilação do gene p16 nas lesões precursoras e invasoras cervicais. Os autores demonstraram que a metilação estava completamente ausente no grupo controle e era evento raro no grupo com lesão de baixo grau. Sugeriram que a presença de metilação aberrante no gene p16 pode auxiliar a identificar um subgrupo com risco aumentado para progressão histológica da lesão.

A importância das alterações epigenéticas reside no fato de que elas podem ser revertidas pelo emprego de pequenas moléculas, se constituindo em alvos promissores para o desenvolvimento de drogas ou mudanças dietéticas para a prevenção e o tratamento de câncer. Já existem drogas que atuam na metilação. As mais conhecidas são a 5-azacytidine (5-aza-CR) e 5-aza-doxycydine (5-aza-CdR). São drogas que poderão melhorar o prognóstico do paciente de câncer, principalmente se forem instituídas em fases precursoras ou precoces do câncer do colo uterino.15-16

              Outras drogas que mostraram ser capazes de reativar a transcrição do gene p16INK4a foram a procainamida (usada para tratamento de arritmias cardíacas), procaína (anestésico) e a hidralazina (droga anti-hipertensiva). As duas primeiras agem através de inibição da atividade da DNMT (testada em células de câncer de próstata, em experiências usando ratos) e a terceira tem sua ação na diminuição da transcrição do RNAm das DNMT (mostrou demetilar o gene ERβ in vitro em linhagens de células de câncer de mama, melhorando a resposta ao tamoxifeno).16

CONCLUSÃO:

          A inativação do gene p16INK4a desenvolve um processo hiperproliferativo por descontrole do ciclo celular e parece predispor a célula a responder com mutações a eventos moleculares oncogênicos.

         Estudos genéticos e epigenéticos poderão nos fazer identificar as neoplasias do colo uterino com maior chance de progressão ou de recidiva, porque apenas a imortalização dessas células epiteliais pelos oncogenes virais não é suficiente para explicar a carcinogênese.5

Autores:

Yara Lucia Mendes Furtado De Melo
Professora adjunta da UFRJ e UNIRIO, coordenadora da graduação da UFRJ,  presidente da Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior e Colspocopia - capítulo RJ. 


Referencias:
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  • INCA - Instituto Nacional do Cancer – Tipos de Cancer: Rio de Janeiro, INCA, 2017. Disponível em: http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home/colo_utero >. Acesso em: 06.09.2017.
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