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BIOMARCADORES MOLECULARES NA PROGRESSÃO DA LESÃO PRECURSORA PARA O CÂNCER DO COLO UTERINO

INTRODUÇÃO:

           Na maioria dos países em desenvolvimento, o câncer do colo uterino lidera as causas de morte por neoplasia entre as mulheres¹.  No Brasil, este tumor é o terceiro mais frequente na população feminina, atrás do câncer de mama e do colorretal, e a quarta causa de morte de mulheres por câncer no Brasil. Sendo assim, o controle na incidência desta doença é uma questão de saúde pública e os estudos que contribuem para o conhecimento da carcinogênese do colo uterino irão nos ajudar neste controle².

            Já está estabelecido que sobre certas circunstâncias, a infecção persistente com um tipo oncogênico de Papilomavírus humano (HPV) é a condição necessária para o desenvolvimento das lesões precursoras e do câncer cervical.

O HPV é considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) o agente etiológico do câncer do colo uterino, evidenciado por meio de estudos epidemiológicos e moleculares.¹ Entretanto, a infecção causada pelo HPV isoladamente não é suficiente para o aparecimento das lesões precursora e invasora do colo uterino. Fatores endógenos relacionados ao hospedeiro (p.ex. hormônios endógenos, fatores genéticos e resposta imune) e exógenos ambientais (p.ex. anticoncepcional oral, tabagismo, dieta e multiparidade) e virais (p.ex. tipos oncogênicos e variantes do HPV) aumentam o risco de aparecimento desta lesão.³-4 


BIOMARCADORES TUMORAIS

                 Nos últimos anos, o estudo dos mecanismos genéticos e moleculares, implicados na gênese e na progressão do câncer, tem permitido obter novos métodos diagnósticos e de acompanhamento. O câncer apresenta como característica a proliferação celular não controlada e anormalidades em genes, que regulam o ciclo celular, podem ser encontrados em vários tipos de tumor.5-6

Estudos recentes em biologia molecular mostraram que o desenvolvimento de tumores envolve, basicamente, duas classes de genes: os proto-oncogenes e os genes supressores de tumor. Os proto-oncogenes (p.ex. rás e c-myc) estão associados à regulação da proliferação celular. Os genes supressores tumorais (p.ex. Rb, TP53 e p16INK4a) estão associados ao controle negativo do ciclo de divisão celular.7 Evidências sugerem que estes genes quando alterados, ou expressos impropriamente, podem induzir ao processo oncogênico. A inativação de genes supressores de tumor está entre os mecanismos genéticos mais comuns envolvidos na transformação maligna.8

           Além das alterações genéticas encontradas no processo de oncogênese, alterações epigenéticas são também descritas no DNA humano. Estas, diferentemente das alterações genéticas, não alteram definitivamente o código genético, ou seja, ocorre mudança no padrão de expressão do gene sem haver alteração na seqüência de bases nitrogenadas do DNA.

Tais eventos são considerados por muitos pesquisadores como ponto chave no desenvolvimento do câncer, porque estas alterações ocorrem em todos os estágios de formação dos tumores, incluindo as fases precoces e têm sido reconhecidas como o principal mecanismo envolvido na inativação dos genes supressores de tumor. As duas principais alterações epigenéticas descritas são a metilação do DNA e a deacetilação das histonas. Estas duas alterações epigenéticas são de controle transcricional e estão integralmente ligadas.9

                   A metilação é a modificação química do gene, de controle da integridade e expressão gênica, mediada por enzimas, onde um grupamento metil (CH3) adicionado à citosina localizada nos carbonos 5 de bases guanimas (G), conhecidas como ilhas CpG,        forma a metilcitosina.10 A enzima que catalisa esta modificação química é da família das DNA metiltransferases (DNMT).9

                   A metilação está estabelecida como um dos marcadores moleculares mais importantes dos tumores humanos. Esta alteração é responsável por causar mudanças em genes que têm importância no desenvolvimento do câncer, como por exemplo, nos genes de reparo do DNA, da apoptose e dos que interferem com a progressão do ciclo celular.12

                 O principal achado de inativação na transcrição genética por hipermetilação é o do gene p16INK4a. Este gene é mapeado na banda p21 do cromossomo 9. Sua função é de suprimir o crescimento tumoral através do controle negativo do ciclo de divisão celular.5 A proteína p16 inibe as CDK4 e 6 no ponto de checagem G1, para que a célula entre na fase G0 (quiescência) até que um dano ocorrido no DNA seja corrigido. A inativação desta proteína ou a sua ausência (por metilação do gene p16INK4a) permite que a célula entre na fase S após uma breve parada na fase G1, sem restauração das alterações do DNA.5

                  A proteína p16 tem recebido atenção especial como um biomarcador de diagnóstico de lesões intraepiteliais escamosas cervicais, com o potencial de ser usada como ferramenta de rastreamento adicional.12

A superexpressão da proteína p16 nas neoplasias cervicais tem sido associada com a infecção por HPV. De fato, a proteína E7 do HPV oncogênico é responsável pelo aumento dos níveis de expressão de proteína p16. De acordo com esta hipótese, a disfunção da proteína pRb através da associação com a proteína E7 do HPV, aumenta a liberação do fator de transcrição E2F resultando em superexpressão da proteína p16 e progressão anormal do ciclo celular.12

                 Metilação aberrante do gene 16ÍNK4a ocorre, precocemente, na população de células tumorais em lesões cervicais escamosas precursoras ou invasoras, numa freqüência que varia de 10 a 100%. A perda da transcrição do gene p16INK4a anula o mecanismo de controle negativo da proteína p16, que desvia células com DNA danificado do ciclo celular, podendo favorecer o descontrole na proliferação celular. Esta pode ser considerada uma das bases da oncogênese humana.  Na carcinogênese do colo uterino, além da mutação do DNA induzida pela integração do HPV, tem sido observado frequente hipermetilação do gene p16INK4a.9

                 Nuovo et al (1999)13, utilizando PCR metilação especifica de hibridização in situ (MSP-ISH), detectaram em espécimes arquivados metilação do gene p16 em células isoladas de carcinoma escamoso do colo uterino. Estudaram, também, por imunohistoquímica a expressão da proteína p16 em relação ao estado de metilação. Demonstraram hipermetilação da região promotora do gene p16ÍNK4a nos casos de carcinoma escamoso e nas áreas periféricas com lesão escamosa intra-epitelial de alto grau e ausência da proteína nestes casos. Os autores sugerem que a inativação do gene p16, por metilação excessiva, pode cancelar a aparente proteção da hiperexpressão de proteína p16, que bloquearia a proliferação desordenada de células com instabilidade do genoma pela integração do DNA-HPV nas lesões cervicais.

           Virmani et al (2001)14 descreveram presença de metilação do gene p16 nas lesões precursoras e invasoras cervicais. Os autores demonstraram que a metilação estava completamente ausente no grupo controle e era evento raro no grupo com lesão de baixo grau. Sugeriram que a presença de metilação aberrante no gene p16 pode auxiliar a identificar um subgrupo com risco aumentado para progressão histológica da lesão.

A importância das alterações epigenéticas reside no fato de que elas podem ser revertidas pelo emprego de pequenas moléculas, se constituindo em alvos promissores para o desenvolvimento de drogas ou mudanças dietéticas para a prevenção e o tratamento de câncer. Já existem drogas que atuam na metilação. As mais conhecidas são a 5-azacytidine (5-aza-CR) e 5-aza-doxycydine (5-aza-CdR). São drogas que poderão melhorar o prognóstico do paciente de câncer, principalmente se forem instituídas em fases precursoras ou precoces do câncer do colo uterino.15-16

              Outras drogas que mostraram ser capazes de reativar a transcrição do gene p16INK4a foram a procainamida (usada para tratamento de arritmias cardíacas), procaína (anestésico) e a hidralazina (droga anti-hipertensiva). As duas primeiras agem através de inibição da atividade da DNMT (testada em células de câncer de próstata, em experiências usando ratos) e a terceira tem sua ação na diminuição da transcrição do RNAm das DNMT (mostrou demetilar o gene ERβ in vitro em linhagens de células de câncer de mama, melhorando a resposta ao tamoxifeno).16

CONCLUSÃO:

          A inativação do gene p16INK4a desenvolve um processo hiperproliferativo por descontrole do ciclo celular e parece predispor a célula a responder com mutações a eventos moleculares oncogênicos.

         Estudos genéticos e epigenéticos poderão nos fazer identificar as neoplasias do colo uterino com maior chance de progressão ou de recidiva, porque apenas a imortalização dessas células epiteliais pelos oncogenes virais não é suficiente para explicar a carcinogênese.5

Autores:

Yara Lucia Mendes Furtado De Melo
Professora adjunta da UFRJ e UNIRIO, coordenadora da graduação da UFRJ,  presidente da Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior e Colspocopia - capítulo RJ. 


Referencias:
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Terminologia LAST

        Com o objetivo primordial de revisar e uniformizar a terminologia diagnóstica das lesões epiteliais escamosas HPV-induzidas do trato anogenital inferior, o Projeto LAST (“Lower Anogenital Squamous Terminology”) contou com a participação de especialistas do Colégio Americano de Patologia (CAP) e da Sociedade Americana de Colposcopia e Patologia Cervical (ASCCP), e publicou suas recomendações no final de 2012 em periódicos direcionados a diferentes públicos-alvo, incluindo ginecologistas e patologistas.

        A recomendação principal do Consenso LAST é a de que, independentemente da topografia em questão (colo uterino, vagina, vulva, períneo, pênis, região escrotal, perianal ou canal anal), a terminologia diagnóstica utilizada seja de duas categorias que refletem as categorias biológicas das lesões morfológicas HPV-induzidas, a saber:

(1) lesão intraepitelial escamosa de baixo grau - LIEBG - infecção produtiva de partículas virais, de menor risco biológico - na qual geralmente pode se observar células proliferantes sem atipias significativas acometendo o terço basal do epitélio, associadas à maturação com numerosas células exibindo atipias coilocitóticas nas camadas mais superficiais, sem atividade mitótica na metade superficial do epitélio

(2) lesão intraepitelial escamosa de alto grau LIEAG - lesão proliferativa de células epiteliais relacionada a infecção transformante neoplásica, de maior risco biológico - caracterizada geralmente por marcante proliferação de células com maior desorganização, perda de polaridade, atipias e atividade mitótica significativas, já acometendo o terço médio ou a metade superficial do epitélio e podendo ocupar toda a sua espessura, associadas a perda de maturação epitelial e a atipias coilocitóticas menos extensas ou mesmo não detectáveis.

        A fim de realizar uma correlação com a terminologia diagnóstica de neoplasia intraepitelial (NI-) universalmente utilizada, inclui-se entre parênteses o termo NI-1 nos casos de LIEBG e os termos NI-2/3 ou NI-3 nos casos de LIEAG.

        Em lesões classificadas como NI-2 (particularmente NIC 2, com dificuldade de distinção entre LIEBG e LIEAG, considerada como categoria de significado biológico mais incerto), estaria indicada propedêutica complementar na tentativa de se melhor avaliar o seu risco biológico - de maneira similar à realização de testes de HPV em interpretações citológicas de ASC-US.

        A utilização de outras terminologias mais antigas e epônimos deve ser evitada, assim como o termo carcinoma espinocelular microinvasivo (substituído por carcinoma espinocelular superficialmente invasivo - que corresponderia a Estádio FIGO IA1 no caso do colo uterino).

        Outra importante recomendação do Consenso LAST é a inclusão de estudo imuno-histoquímico como método complementar ao exame anátomo-patológico no fluxograma diagnóstico.

        Nas infecções transformantes por HPV de alto risco oncogênico, a inativação funcional da pRb pela oncoproteína viral E7 desencadeia superexpressão da proteína p16, a qual pode ser detectada por método imuno-histoquímico.

        A utilização de estudo imuno-histoquímico complementar com p16 (assim como a aplicação de terminologia diagnóstica de 2 categorias) aumenta os índices de concordância inter- e intra-observador na avaliação de espécimes histopatológicos de colo uterino. É o único marcador oficialmente validado pelo Consenso “LAST”, sendo a sua utilização indicada nas seguintes situações:

(1) amostras em que há dúvida no diagnóstico diferencial entre lesão pré-cancerosa versus condição benigna (isto é,  epitélios escamosos imaturos, geralmente cervicais e metaplásicos, com atipias);

(2) casos em que o patologista está considerando a interpretação diagnóstica de NIC 2 (na qual a positividade para o marcador favoreceria tratar-se de lesão potencialmente não-regressiva, com maior probabilidade de LIEAG, e a negatividade para o marcador favoreceria tratar-se de lesão de menor risco biológico, possivelmente LIEBG de morfologia mais atípica);

(3) situações em que há discordância diagnóstica entre dois profissionais analisando o espécime, e cujo diagnóstico diferencial inclui lesão pré-cancerosa.

        Seu uso em amostras com NI-3 é contra-indicado, sendo também não recomendado para amostras não neoplásicas ou com NIC 1 (nestas duas últimas morfologias, exceto em situação de risco elevado para sub-diagnóstico de lesão importante, a saber: exame citológico prévio com interpretação de LIEAG, ASC-H, ASC-US HPV16-positivo ou atipias em células glandulares - AGC).

        A aplicação de p16, em que pese o seu alto valor preditivo negativo, possui valor considerado como limitado em predizer a evolução ou estratificar o risco de pacientes portadoras de NIC 1, não devendo alterar os protocolos de conduta atualmente recomendados.

        Já a utilização de p16 em amostras com interpretação diagnóstica de NIC 2 está associada a “redução do grau” (isto é, para LIEBG) em até cerca de um terço dos casos, potencialmente reduzindo a frequência de procedimentos excisionais desnecessários em pacientes sem prole constituída portadoras de lesões de menor risco biológico.

        Contudo, é importante lembrar que alguns casos de LIEAG podem ser exibir resultados negativos ou duvidosos, que a especificidade do marcador p16 também não é de 100%, e que a interpretação é dificultada em amostras diminutas, cortes histológicos tangenciais ou não devidamente orientados.

Autor:

Gustavo Rubino de Azevedo Focchi

Professor adjunto do departamento de patologia da escola paulista de medicina - UNIFESP

Fonte:

Obstet Gynecol 2012;120:1465–71

DOI: http://10.1097/AOG.0b013e31827001d5

Alan G. Waxman, MD, MPH, David Chelmow, MD, Teresa M. Darragh, MD, Herschel Lawson, MD,

and Anna-Barbara Moscicki, MD

A infecção HPV na gestação.

        As adaptações do organismo materno à gravidez têm como objetivo principal preparar a mulher para a gestação e o parto. Dentre estas adaptações, as mudanças hormonais promovem alterações no epitélio e nos tecidos subepiteliais cervicais visando preparar o colo uterino para o parto.

        Durante o trabalho de parto a cérvice aumenta 10 vezes o seu diâmetro sendo considerável a habilidade de se submeter a modificações de tamanha importância em espaço de tempo relativamente pequeno.

        No epitélio estratificado escamoso observa-se hiperatividade na camada das células basais e proliferação da camada de células intermediárias. O epitélio cilíndrico sofre hipertrofia, hiperplasia e metaplasia. Também se observa modificações no estroma do colo uterino com grande aumento de vasos sanguíneos e edema.

        A decidualização ou deciduose ocorre nos epitélios cervicais e também no estroma que passa a apresentar as modificações semelhantes às observadas no endométrio gravídico. Ao exame macroscópico o colo encontra-se hipertrofiado, congesto e cianótico.

        O exame colposcópico pode monitorizar as modificações gravídicas do epitélio cervical, porém as modificações nos tecidos subepiteliais (músculo liso, componentes celulares, fibras e matriz gelatinosa e substância fundamental) apresentam maiores dificuldades de avaliação.

1) Mecanismos fisiológicos observados no colo uterino durante a gravidez

1.1) Abertura do orifício externo sem procidência da mucosa endocervical (gapping)

      1.2) Eversão que consiste na exposição do epitélio cilíndrico na ectocérvice

      1.3) Metaplasia escamosa decorrente da exposição do epitélio cilíndrico ao pH vaginal ácido

        A frequência e extensão destas modificações dependem principalmente da paridade. Observa-se a eversão e metaplasia escamosa com maior frequência nas primigestas enquanto a abertura do orifício externo é mais comum nas multíparas.

2) Exame citológico durante a gravidez

        Embora a gravidez não seja o momento ideal para realizar o rastreamento do câncer do colo do útero, talvez seja a única oportunidade de diagnosticar uma lesão precursora ou um carcinoma cervical inicial. Portanto, o rastreamento do carcinoma do colo uterino pode fazer parte dos exames de rotina da assistência pré-natal, desde que a grávida se enquadre dentre os critérios de população alvo para o rastreio de lesões precursoras e câncer do colo do útero.

         O carcinoma do colo uterino é a neoplasia mais frequente durante a gestação e a colpocitologia é eficaz em detectar as lesões precursoras e invasoras da cérvice uterina.

        O exame colpocitológico realizado durante a gestação pode apresentar dificuldades na interpretação sendo fundamental que o obstetra informe ao citopatologista a idade gestacional. Em geral, a gravidez não modifica significativamente os índices de falso-negativos deste exame.

        As gestantes que apresentam exame colpocitológico alterado serão conduzidas como se não estivessem grávidas, ou seja, as atipias citológicas como células atípicas de significado indeterminado que não excluem lesão de alto grau (ASCH), lesão intraepitelial de alto grau, lesão de alto grau que não exclui invasão, o carcinoma micro ou francamente invasor, o adenocarcinoma in situ ou invasor e outras neoplasias devem ser avaliadas pela colposcopia.

3) Colposcopia/Genitoscopia durante a gravidez

        Devido às alterações fisiológicas próprias da gravidez anteriormente relatadas, a avaliação colposcópica pode apresentar dificuldades principalmente a partir do 2º trimestre quando o aumento da cérvice, o muco cervical espesso e o prolapso das paredes vaginais dificultam a visualização do colo. Entretanto, pela eversão fisiológica da gravidez a junção escamocolunar (JEC) costuma ser de fácil visualização e avaliação principalmente após a 12ª semana de gestação.

        Além disto, algumas mudanças benignas podem simular lesões graves e devido ao grande aumento da vascularização um pequeno foco de carcinoma pode não ser diagnosticado, sendo importante examinador experiente.

        A principal indicação da colposcopia é a atipia citológica detectada no exame colpocitológico e, em gestantes, a biópsia dirigida está indicada quando a colposcopia é sugestiva de invasão.

        A biópsia dirigida pela colposcopia constitui método seguro e confiável na avaliação de gestantes com colpocitologia e colposcopia alteradas, sendo fundamental para descartar carcinoma invasor.

        Vários instrumentos podem ser utilizados para este fim como a pinça de Medina modificada, com risco mínimo de hemorragia devido ao pequeno tamanho do fragmento. A escolha do instrumental dependerá da experiência e preferência do colposcopista e da disponibilidade de cada serviço.

4) Neoplasias intraepiteliais cervicais (NIC) ou Lesões intraepiteliais (LIE) na gravidez

        O evento fisiológico da eversão no colo uterino estimula o desenvolvimento de metaplasia escamosa caracterizando a Zona de Transformação (ZT). As células metaplásicas apresentam alto metabolismo e são as preferencialmente infectadas pelo HPV. A partir desta infecção, porém na dependência de inúmeros fatores entre estes o sistema imunológico, poderá se observar atipias na ZT (ZT Atípica).

        A infecção pelo HPV é atualmente a infecção viral de transmissão sexual mais frequente em todo o mundo com elevada prevalência no período de vida reprodutiva. Portanto, é esperado que a prevalência desta infecção também seja elevada na gravidez.

        Há de se considerar também as modificações fisiológicas do sistema imunológico durante este período como a diminuição do número e atividade dos linfócitos TCD4 e das imunoglobulinas das classes G e A no muco cervical e diminuição da síntese de mácrofagos devido aos altos níveis de hormônios esteróides.

        Todas estas modificações facilitam a proliferação do HPV, proporcionando lesões mais extensas e volumosas durante a gravidez. Vários trabalhos têm avaliado a história natural das NIC/LIE durante a gravidez e não observaram maior risco de progressão histológica para carcinoma invasor.

        A presença de NIC/LIE independente do grau, não constitui contraindicação para o parto vaginal sendo a cesárea indicada por critérios puramente obstétricos.

        Em 1988, Adhoot e colaboradores avaliando esfregaços cervicais realizados no puerpério descreveram um aumento nas taxas de regressão das lesões intraepiteliais de alto grau (LIEAG/NIC II e III) em mulheres que tiveram suas gestações resolvidas por parto vaginal quando comparadas com as pacientes submetidas à cesárea (48% de regressão em 59 mulheres que tiveram parto vaginal Versus 0% de regressão em 12 pacientes que tiveram cesárea).

        Para Yost et al, 1999 não houve diferença nas taxas de regressão das NIC II e III em relação ao tipo de parto, embora estas taxas tenham sido elevadas (68% regressão para NIC II e 70% de regressão para NIC III).

        Após correta avaliação do tripé diagnóstico (colpocitologia, genitoscopia e anátomo-patológico) confirmando a presença de NIC/LIE de alto ou baixo grau, excluindo-se a invasão, é consenso que durante a gestação seja realizado acompanhamento com colpocitologia e colposcopia a cada 8 ou 12 semanas. O tratamento excisional deve ser postergado para o período pós-parto.

        O momento ideal para repetição da propedêutica seria após o retorno aos ciclos menstruais, porém na prática realiza-se esta reavaliação com 8 a 12 semanas pós-parto. A taxa de regressão da NIC não tratada na gravidez varia de 25 a 70%.

        A genitoscoscopia realizada por examinador experiente associada à biópsia dirigida tem elevada sensibilidade para diagnosticar doença invasora do colo e a conização tem indicações limitadas durante a gestação, sendo reservada aos casos em que a biópsia dirigida evidenciar microinvasão ou invasão.

        Recomenda-se realizá-la no 2º trimestre com objetivo de diferenciar as pacientes que podem esperar até o termo da gestação para tratar a doença e aquelas que o tratamento deve ser imediato, sempre considerando o desejo materno.

        É importante ressaltar que a ocorrência de complicações como hemorragias e alta frequência de margens comprometidas pela neoplasia em qualquer técnica empregada para conização não permitem que este procedimento seja considerado terapêutico para as LIEAG/NICII e III durante a gestação.

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INCA, 2016. Diretrizes para o rastreamento do Cancer cervical

Autora:

Silvana Quintana, Professora Associada do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo-FMRPUSP, Brasil


Preservação da fertilidade em mulheres com câncer.

        A capacidade de começar uma família e ter filhos é uma questão chave na qualidade de vida. A infertilidade após tratamento do câncer tem um reconhecido impacto negativo nessa qualidade de sobrevivência.

         A incidência do câncer continua a crescer mundialmente devido ao aumento da expectativa de vida da população e de hábitos de vida associados às malignidades como o tabagismo. Nas últimas duas décadas a sobrevida dos pacientes com câncer aumentou substancialmente. Dessa forma, houve um maior interesse na qualidade de vida dos sobreviventes, incluindo a possibilidade de preservação do futuro reprodutivo.

        O principal objetivo do tratamento oncológico é a cura, que muitas vezes se baseia na cirurgia, quimioterapia e radioterapia. No entanto, esses procedimentos podem resultar em um comprometimento total ou parcial da fertilidade. As taxas de infertilidade após um tratamento oncológico dependem de vários fatores.

        Os efeitos da quimioterapia dependem da droga utilizada, método de administração, idade da paciente e tratamento prévio para infertilidade. Uma cirurgia mais conservadora que possa permitir a preservação do futuro reprodutivo pode ser uma opção em casos selecionados. Novas técnicas como a maturação in vitro de folículos e o transplante de tecido ovariano constituem perspectivas para essas mulheres.

Técnicas de reprodução assistida para da fertilidade

        As técnicas de reprodução assistidas aplicadas às pacientes com câncer de ovário, como a criopreservação de oócitos, tecido ovariano ou mesmo embriões não são tão comuns, por isso as dificuldades em analisar dados sobre o assunto.

        Na criopreservação de tecido ovariano, uma técnica ainda considerada de caráter experimental, existe a preocupação de adicionar o risco de inoculação de células do tumor. Sua indicação em mulheres com câncer de ovário é controversa. Há necessidade de uma estreita colaboração entre clínicas oncológicas e centros de reprodução nestes casos, o que pode ser vantajoso para garantir a saúde reprodutiva das mulheres.

        Outra consideração importante diz respeito às pacientes que vão precisar de tratamento adjuvante. É sabido que a quimioterapia consistentemente compromete a função ovariana, muitas vezes resultando em infertilidade e menopausa precoce, dependendo das diferentes drogas e esquemas. A decisão quanto à necessidade de terapia adjuvante deve ser realizada independentemente da cirurgia realizada (radical ou conservadora), a fim de não comprometer o resultado oncológico.

        Os estudos investigando os efeitos da supressão ovariana nos marcadores da reserva de oócitos atualmente não suportam o uso do análogo de GnRH como uma estratégia eficaz na tentativa de preservar a função ovariana e a fertilidade feminina durante tratamentos de quimioterapia.

        As mulheres adultas que desejam preservar a fertilidade podem ser submetidas a estimulação controlada da ovulação com indutores para recuperação de oócitos maduros e congelamento, ou se desejarem, para fertilização in vitro (FIV) e congelamento de embriões.

        Geralmente a estimulação ovariana controlada por medicação para fertilização in vitro pode exigir entre 2 a 6 semanas, dependendo da fase do ciclo menstrual que a paciente estiver quando do planejamento e início do tratamento. Nos casos onde o tratamento oncológico deverá começar dentro de 3 a 4 semanas e não é desejável aguardar a próxima menstruação para iniciar um protocolo de estimulação, têm sido propostos protocolos de início aleatório. Assim essas pacientes podem completar um ciclo de estimulação para preservação da fertilidade dentro de duas semanas e iniciar o tratamento de câncer conforme planejado.

        Outras opções que podem ser consideradas, apesar de experimentais até o momento incluem: a combinação de recuperação de oócitos imaturos seguida de maturação in vitro (MIV) e vitrificação de oócitos e a combinação de tecido ovariano congelado com descongelamento e posterior recuperação dos oócitos imaturos seguido por MIV e vitrificação desses oócitos, desde que essas técnicas podem levar a possibilidade de nascidos vivos.         

        Outra alternativa, também considerada uma técnica experimental, seria a cultura in vitro de folículos em estágios iniciais com o objetivo de desenvolvê-los em competentes folículos maduros, isolados de um pedaço de tecido ovariano descongelado. Talvez essa será a opção futura para pacientes com malignidades hematológicas e de ovário na tentativa de minimizar os riscos de proliferação de células malignas em pacientes já tratados para a enfermidade oncológica.

        O ciclo natural de fertilização in vitro (sem estimulação hormonal) ou indução de ovulação usando protocolos alternativos e potencialmente seguros, incluindo o uso moduladores seletivos de receptores de estrogênio (SERMs) e inibidores da aromatase, sozinhos ou em combinação com gonadotrofinas têm sido propostos.

        As desvantagens do ciclo natural seriam o fato de obter-se apenas um oócito ou embrião por tentativa e a alta taxa de cancelamento por ciclo. Protocolos de estimulação usando letrozole associados a gonadotrofinas são atualmente preferidos sobre protocolos de tamoxifeno.

        O tratamento com letrozol mostrou ser mais eficaz e está associado a um maior número de oócitos obtidos e fertilizados quando comparado ao tamoxifeno. O seguimento a curto prazo de pacientes com câncer da mama submetidos a estimulação ovariana com letrozol para preservação de fertilidade não demonstrou efeitos prejudiciais nos desfechos dos ciclos de tratamento.

        A maturação do oócito com agonistas de GnRH (GnRHa) no lugar do uso da gonadotrofina coriônica humana (hCG) tem conseguido diminuir a exposição ao estradiol, reduzindo concomitantemente o risco de síndrome de hiperestimulação ovariana, uma complicação conhecida da estimulação ovariana controlada.

        Embora os inibidores de aromatase sejam contra-indicados durante a gravidez, dados indicam que os tratamentos de fertilidade com letrozol não induzem qualquer aumento de riscos para o feto.

        Quanto ao congelamento de oócitos, as taxas de fertilização e gravidez são semelhantes à fertilização in vitro utilizando oócitos frescos e não foi observado nenhum aumento em anormalidades cromossômicas, defeitos congênitos ou défices do desenvolvimento em crianças nascidas de oócitos criopreservados. Tornou-se uma técnica segura e viável para preservação de gametas e possibilidade de manter a fertilidade futura.

Autor:

Rívia Mara Lamaita

CNE Reprodução Humana


O selo de qualidade da mamografia.

          Você às vezes tem a impressão de que a mamografia que solicita para as suas pacientes pode não ter a qualidade ideal? Quer saber como atestar a qualidade de uma mamografia?

         Bem existem ferramentas poderosas para fazer essa aferição, por exemplo apuração da sensibilidade, especificidade e taxa de detecção. Infelizmente, o levantamento desses dados é trabalhoso e caro, e quase não é feito por nenhum serviço no Brasil, embora seja obrigatório em outros países.

         Mas o Brasil não é de todo desprovido de iniciativas para promover a qualidade da mamografia. Há muitos anos três sociedades se uniram para realizar essa tarefa: a Febrasgo, o Colégio Brasileiro de Radiologia e a Sociedade Brasileira de Mastologia. Foi criada uma comissão que se reúne uma vez por mês para analisar serviços de mamografia, além de cuidar de vários outros assuntos pertinentes ao tema, que recebeu o nome de Comissão Nacional de Mamografia.

         A comissão avalia os serviços que, se aprovados, recebem o Certificado de Qualidade em Mamografia, passando a ter o direito de exibir nos seus documentos (inclusive laudos) o Selo de Qualidade em Mamografia.

         Os selos são outorgados por aparelho de mamografia. Se uma clínica tiver mais de um aparelho, cada um deles deverá ser avaliado separadamente. São analisados os dados físicos radiométricos (dose de radiação, laudo de proteção das salas e outros parâmetros técnicos). Em seguida, são avaliados cinco exames realizados naquele aparelho. A avaliação leva em conta a qualidade das radiografias, posicionamento, presença de artefatos, identificação de lesões, descrição dos achados e conduta recomendada.

         Se você se importa que a sua paciente faça uma mamografia de qualidade, procure saber se o serviço de mamografia para onde você encaminha suas pacientes tem o selo de qualidade. É a melhor iniciativa dentro do Brasil para incrementar a qualidade da mamografia.

         O que o selo não mede? Justamente os parâmetros de auditoria dita de resultados mencionados acima (sensibilidade, especificidade e taxa de detecção). Infelizmente, pois eles são a verdadeira “prova dos nove” da qualidade da mamografia. Mas você pode usar de uma “auditoria cotidiana” para avaliar qualidade da mamografia.

         Todos os falsos negativos devem ser analisados a fundo. A definição de falso negativo é o aparecimento de um câncer de mama até um ano após um exame. Como a mamografia não detecta todos os cânceres, um falso negativo não significa necessariamente um erro, mas se um serviço tiver muitos falsos negativos, ou se a radiografia lida como negativa mostrar retrospectivamente uma lesão suspeita óbvia, considerar que esse serviço possa ter baixa sensibilidade e taxa de detecção abaixo do aceitável.

         As recomendações de biópsia, por sua vez, darão uma ideia da especificidade. Em geral a cada dez recomendações de biópsia, três a quatro deverão resultar em câncer. Um serviço que tenha um número muito grande de biópsias benignas levanta a suspeita de estar indicando mal essas biópsias (baixa especificidade).

         Talvez pior do que não fazer mamografia seja fazer uma mamografia malfeita, que pode resultar em radiação acima do aceitável, biópsias desnecessárias, reconvocações e recomendações de exames complementares exageradas, custos aumentados, e até mesmo falsa segurança no caso de um exame falso negativo com retardo no diagnóstico e no tratamento.

         É fundamental, portanto, zelarmos pela qualidade da mamografia. A ferramenta já consolidada no Brasil é o selo de qualidade. As ferramentas de auditoria de resultados não são usadas em larga escala no Brasil, mas pode-se usar uma “auditoria cotidiana” para aferir a qualidade da mamografia.

         A exigência de qualidade deve, antes de tudo, ser um estímulo para os serviços que fazem a mamografia se aperfeiçoem cada vez mais, se reciclem, atualizem seus aparelhos e seus processos. Seja chato, exija qualidade. A sua paciente agradece.

Autor:

Hélio Sebastião Amâncio de Camargo Júnior

Sobrediagnóstico de câncer de mama.

        O Estadão publicou um artigo da blogueira Marcia Triunfol a respeito de sobrediagnóstico e sobretratamento em câncer de mama  http://sustentabilidade.estadao.com.br/blogs/marcia-triunfol/quantas-brasileiras-serao-mutiladas-ate-falarmos-sobre-super-diagnostico-de-cancer-de-mama-no-pais/.

        Embora seja importante tratar desse tema junto ao público leigo, bem como junto aos especialistas, o artigo apresentou pontos de vista equivocados que precisam ser esclarecidos. Já escrevi uma consideração ao Estadão, que pode ser consultada no próprio link em sequência ao artigo, mas o Estadão só aceita 60 caracteres. Segue uma argumentação mais estruturada para que os especialistas tenham dados sólidos a passar a suas pacientes a respeito desse assunto.

        É importante trazer à baila o importante tema do sobrediagnóstico. Todo esforço para melhor informar as pacientes é louvável.  

        Infelizmente, faltou no artigo verificar alguns fatos. Cito a seguir afirmativas feitas que são simplesmente inverídicas, como: rastreamento aumenta a chance de ter leucemia, estudos indicam que a maioria dos pequenos tumores representam sobrediagnóstico e países onde a saúde é pública têm abolido a prática do rastreamento mamográfico.

        No estudo mencionado, realizado em São Paulo, (Breast Cancer Mortality and associated factors in São Paulo State, Brazil:an ecological analysis.  Htpp://dx.doi/10´1136/BMJopen-2017-016395) os autores compararam a taxa de mortalidade de pacientes que fizeram mamografia em qualquer circunstância (no diagnóstico de nódulo palpável, na avaliação pré-operatória de pacientes com câncer de mama, no seguimento de pacientes tratadas de câncer de mama) e tirou conclusões como se tivesse estudado mamografias de rastreamento.

        É parecido com comparar pacientes que têm pneumonia e tomam antibiótico com pacientes que não têm pneumonia e não tomam antibiótico e concluir que o antibiótico é que mata. O que esse estudo permite concluir, na realidade, é que pacientes que morrem de câncer de mama fazem mais mamografias do que as que não morrem (se tivessem estudado hemogramas ou dosagem de TGO provavelmente encontrariam o mesmo resultado, será que concluiriam que o hemograma causa câncer de mama?).

        Outra conclusão da pesquisa é de que o "acesso à saúde privada está altamente associado à mortalidade por câncer de mama indo na linha do sobrediagnóstico". Há uma ilação que, além de anti-intuitiva, carece de uma análise mais cuidadosa.

        Talvez um erro seja o inevitável viés de preenchimento nos atestados de óbito, que já foi demonstrado ser diferente nas redes pública e privada, mas muitos outros parâmetros precisariam ser estudados antes de concluir que a causa desse achado é o sobrediagnóstico.

        Mas há um mérito nessa questão, sobrediagnóstico existe. E precisamos conversar sobre ele. Sua magnitude é difícil de estimar, mas as melhores aproximações giram em torno de 10%. Isto é, cerca de 10% das pacientes tratadas para câncer de mama não precisariam ter sido tratadas. Não é pouco, mas é o preço a pagar pelo benefício obtido pelo rastreamento: redução de mortalidade de cerca de 30% nas mulheres rastreadas efetivamente (número comprovado por uma quantidade colossal de evidências). Esses dados precisam circular mais, serem do conhecimento de todos.

        Finalmente, entendo a necessidade de um artigo de causar impacto nos leitores, mas se sua intenção é informar e aprofundar a discussão, teria sido conveniente evitar abuso de termos como mutilar, envenenar, queimar, interromper vidas, aniquilar sonhos e reprimir desejos. E seria importante incluir de forma serena outros pontos de vista da literatura, especialmente quando tão amplamente aceitos como nesse caso.

 Autor:
 
 Dr Hélio S A Camargo Jr e Dr Renato Zocchio Torrezan, CNE s de mamografia e mastologia

Existe rastreamento de qualidade no Brasil? Barretos responde que SIM e nos mostra como!

        A impressão de quem chega a Barretos é a mesma de quem chega à maior parte das cidades do interior paulista: ruas calmas e terra à vista. Essa impressão corresponde à cidade, mas não ao complexo hospitalar, que parece ter brotado em meio à paisagem rural-urbana. A estrutura é impressionante e causa admiração. Mais ainda quando se conhecem detalhes da engrenagem do hospital e dos projetos desempenhados.


        Um caso à parte é a estrutura da prevenção. Nos primórdios, um começo pitoresco, se valendo de uma bicicleta e o convite de porta-em-porta às mulheres para coleta do papanicolaou. Atualmente, é a menina dos olhos do modelo de gestão e expansão do hospital. E o protótipo da prevenção hoje é o rastreamento mamográfico do câncer de mama.

        O benefício do rastreamento depende da abrangência e qualidade da mamografia. Nesses pontos, Barretos e seu departamento de prevenção são imbatíveis.

        A regional de saúde de Barretos envolve 18 cidades cuidadosamente mapeadas em uma unidade fixa (em Barretos) e em unidades móveis (carretas).

        A população da faixa etária estabelecida, de 40 a 69 anos, é convocada através de carta-convite contendo a data, o resultado da última mamografia realizada e o período da nova visita da unidade móvel. A própria mulher se dirige à unidade básica de saúde (UBS) e agenda seu exame. A carreta geralmente estará estacionada próximo à sua residência (por exemplo, em frente à UBS, igreja ou praça). A partir disto, se iniciam os passos de um sistema organizado e eficiente.

        Se a mamografia for negativa (BIRADS 1 ou 2), o laudo com o resultado e recomendação (emitido conforme o SISMAMA) chega à UBS ou ao domicílio das pacientes em até 30 dias.

        Se o exame estiver alterado, muito antes disso a paciente é convocada (por telefone) à unidade fixa para realizar o complemento (incidências adicionais na mamografia ou ultrassonografia). O prazo para reconvocação e realização de complementos é de 20 dias.

        Após esse passo, são dois os desfechos possíveis:

- Se o resultado final for negativo (BIRADS 1 ou 2), o modo e prazo de entrega se repetem.

- Se o resultado for suspeito, já no momento do exame é feita a consulta com o mastologista e o agendamento de uma biópsia em até 7 dias na unidade fixa.

        Caso a biópsia resulte maligna, o sistema dispõe de hospital dia próprio para o tratamento local e condições para encaminhar para o tratamento complementar com radioterapia e/ou quimioterapia quando indicado.

        Durante todo o processo, o sistema é submetido a rigoroso controle de qualidade, que identifica e corrige falhas no posicionamento mamográfico e no equipamento.

         Além da certificação nacional de qualidade em mamografia fornecida pelo Colégio Brasileiro de Radiologia, Febrasgo e Sociedade Brasileira de Mastologia (que apenas 2,9% dos serviços de mamografia no Brasil possuem) o Hospital tem o certificado de qualificação em rastreamento mamográfico do instituto holandês LRBC (National Expert and Training Centre for Breast Cancer Screening), a mais renomada instituição de prevenção de câncer no mundo, sendo a única certificação oferecida a uma instituição fora da Europa.

        O sistema conta com um núcleo de aperfeiçoamento em mamografia com mais de 8.000 horas de capacitação e educação continuada de mais de 1.500 profissionais entre técnicos de radiologia, físicos e médicos.

        Além do tratamento, a instituição se envolve com produção científica e dados estatísticos. Cada caso positivo é tabulado e analisado. O sistema também controla produtividade e metas técnicas.

        Um adicional admirável desenvolvido pela unidade é o atendimento às pacientes de alto risco. O hospital está na peculiar condição de ter um número grande de pacientes portadoras de mutação genética ou síndromes que aumentam risco de desenvolver câncer de mama. Para essas pacientes, há um protocolo de rastreamento especial que envolve ressonância magnética das mamas e intervalo menor entre os exames. Tudo em conformidade com as diretrizes internacionais e baseado nos critérios rígidos de rastreamento de alto risco.

        Observar toda a estrutura e a eficiência do departamento de prevenção do Hospital de Câncer de Barretos (atualmente Hospital de Amor) faz pensar que rastreamento mamográfico de qualidade existe e é possível. Inclusive no Brasil.

        O tema rastreamento envolve questões de custo-benefício e grande complexidade logística e metodológica, mas os números vão a favor do benefício. Porém, esses números são internacionais, vindo de instituições comprometidas com o desempenho técnico e controle de qualidade.

        No Brasil, a realidade é assustadoramente diferente, e os números despencam em cobertura, eficiência e controle de qualidade.

        O modelo de Barretos nos faz pensar que é possível alcançar a excelência com empenho, qualificação e gerenciamento de custos. Se não é fácil nem barato se fazer rastreamento de qualidade, é ainda mais difícil e caro tratar o câncer detectado em estadio avançado.

 

Autora:

Dra. Erika Marina Solla Negrão, SP

Considerações sobre realização de mamografia em portadoras de próteses e implantes.

         O uso de próteses e implantes se popularizou amplamente, inicialmente nos EUA e mais tarde no Brasil. Só em 2015, de acordo com pesquisa da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica e Estética, foram realizados 158.950 implantes mamários de silicone em nosso país. Há uma pequena diferença conceitual entre prótese e implante, mas nesse artigo usarei os dois termos indistintamente, pois os argumentos servem para ambos.

         A antiga preocupação de que o silicone pudesse causar câncer de mama está afastada(1). Mas é pertinente revisitarmos esse assunto no que diz respeito ao diagnóstico por imagem, seja em pacientes de rastreamento, seja em pacientes sintomáticas.

         Está bem estabelecido o valor do rastreamento mamográfico na redução da mortalidade por câncer de mama. As mulheres que possuem implantes também se beneficiam desse rastreamento, embora haja alguns pontos específicos que devam ser destacados.

         Próteses e implantes são radiopacos e portanto podem obscurecer lesões. Por isso, quando essas mulheres fazem mamografia, usamos manobras para expor a maior quantidade possível de tecido mamário (esse procedimento é conhecido por manobra de Eklund, por ter sido descrito e difundido por esse autor). Vale ressaltar que essas manobras exigem a realização de radiografias adicionais, portanto aumentando o número de mamografias, e que o efeito deletério da radiação é cumulativo. É consensual, no entanto, que os benefícios da mamografia nessa população superam os riscos.

         Mesmo com as manobras descritas acima, a acurácia da mamografia nas portadoras de próteses é considerada um pouco mais baixa. Tem sido bem aceito, principalmente desde a publicação de Miglioretti (2), que essa diminuição da acurácia não influencia as características prognósticas dos tumores. Devemos, entretanto, fazer uma ressalva: uma metanálise mais recente mostrou que o uso de mamoplastia de aumento pode afetar negativamente a sobrevivência de mulheres que são subsequentemente diagnosticadas com câncer de mama, mostrando que esse é um assunto ainda em aberto.

         Um autor chamou a atenção para o fato de que, embora a mamografia seja menos sensível nessas pacientes, a presença de um implante pode facilitar a detecção de um nódulo através da palpação (3). Eu pessoalmente vivi um caso em que a paciente palpou um nódulo que veio a se mostrar maligno dias depois ter realizado uma cirurgia para colocação de implantes, embora uma ultrassonografia pré-operatória tenha sido negativa (pelo menos nesse caso o diagnóstico precoce deveu-se ao implante).

         Um outro aspecto a ser discutido é a possibilidade de que a mamografia cause danos aos implantes ou próteses. A mamografia requer a compressão da mama para otimizar a demonstração de lesões. Essa compressão atua sobre os implantes e os tecidos mamários adjacentes a ele, e há casos descritos de roturas, vazamento e deslocamentos ou rotações de implantes associados à mamografia.

         É importante ressaltar que esses relatos são extremamente raros, e de forma geral se considera que a mamografia seja muito segura para os implantes. No entanto, o risco existe, e muitos serviços de mamografia optam por informar a paciente dos riscos de forma sistemática e obter o consentimento prévio informado das pacientes antes da realização da mamografia. Para os serviços que fizerem essa opção, o Colégio Brasileiro de Radiologia está disponibilizando um modelo de formulário para consentimento informado, elaborado pela Comissão de Mamografia, da qual a Febrasgo faz parte.

         O risco de complicações parece ser maior para implantes em uso já há muitos anos, mas não está claro se o que está envolvido nesses casos seria uma maior fragilidade do implante ou uma rotura pré-existente até então não detectada. De qualquer forma, na presença de rotura pré-existente é provável que a realização da mamografia possa potencialmente aumentar a quantidade de silicone vazado.

         A indicação de uma mamografia para uma portadora de prótese ou implante se baseia no pressuposto de que o risco das complicações mencionadas seja compensado com vantagens pelos benefícios da detecção precoce do câncer de mama. Isso é aceito amplamente na comunidade médica e tem respaldo nas melhores evidências.

         A ultrassonografia praticamente não sofre limitações de sensibilidade nas portadoras de mamoplastia de aumento. É muito raro haver um câncer posterior à prótese, que seria uma limitação da ultrassonografia. Os cânceres anteriores ou ao lado das próteses podem se tornar até mais faceis de serem descobertos pela ultrassonografia, assim como acontece com a palpação.

         Não há dados, porém, comparando a ultrassonografia com a mamografia no rastreamento do câncer de mama em usuárias de próteses, o que pode vir a ser de muito interesse no futuro. Paralelamente a isso, a ultrassonografia é um ótimo método para avaliar a integridade das próteses, com acurácia próxima à da ressonância magnética (4).

         A ressonância magnética não sofre qualquer limitação de sensibilidade em usuárias de próteses. Isso não a torna, porém, método de rastreamento de escolha nessas pacientes. As suas indicações devem ser precisas e criteriosas. É interessante lembrar que a ressonância feita para avaliar a integridade das próteses é diferente da que é usada para detectar o câncer. Nessa última, por exemplo, exige-se a injeção de contraste. Ao solicitar um exame de ressonância, portanto, é importante especificar qual é o objetivo do exame.

Autor:

Hélio Sebastião Amâncio de Camargo Júnior 

Referências:

  1. Hoshaw SJ1, Klein PJ, Clark BD, Cook RR, Perkins LL. Breast implants and cancer: causation, delayed detection, and survival. Plast Reconstr Surg. 2001;107(6):1393-407.

  2. Miglioretti DL, Rutter CM, Celler BM, Cutter G, Barlow WE, Rosenberg R, et al. Effect of breast augmentation on the accuracy of mammography and cancer characteristics. JAMA 2004;291:442-50.

  3. Handel N. The effect of silicone implants on the diagnosis, prognosis, and treatment of breast cancer. Plast Reconstr Surg. 2007;120(7 Suppl 1):81S-93S.

  4. Yang N, Muradali D. The Augmented Breast: A Pictorial Review of the Abnormal and Unusual. AJR 2011; 196:W451–W460.

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