Uso de cães farejadores no diagnóstico do câncer do colo do útero
A capacidade dos cães de distinguir odores é pelo menos uma centena de vezes maior do que a do Ser Humano. Este aguçado senso olfativo varia nas diferentes raças e era utilizado no passado para a caça. Entretanto mais recentemente cães farejadores passaram a ser utilizados com diferentes finalidades como investigações sobre a presença de drogas, explosivos e restos humanos (cadáveres)(1). Mais recentemente estas habilidades caninas passaram a ser utilizadas para detecção de neoplasias malignas como melanoma, câncer de bexiga, ovário, pulmão, fígado, colorretal e câncer de mama entre outros(2-5) . O odor específico exalado pelos carcinomas pode constituir um importante meio para diagnóstico e seguimento de pacientes com câncer(6).
Em um recente estudo publicado por Guerrero-Flores et al. (7) relatam o uso de cães treinados para o diagnóstico de câncer do colo do útero. Este estudo foi realizado no México, onde a incidência de carcinoma do colo do útero é bastante elevada.
Foram utilizados material de biópsias frescas de pacientes fazendo radioterapia para câncer do colo do útero, espécimens de carcinoma, amostras de colos normais sem infecção por HPV ou lesões pré-invasivas. Também foram coletados curativos e absorventes higiênicos de pacientes com carcinoma de colo. Em outras amostras absorventes higiênicos comerciais foram adicionados com substâncias odoríficas como Aloe vera e Camomila após 8 horas de uso. As mulheres participantes eram de diferentes grupos étnicos.
Cães beagles foram treinados durante quatro meses para reconhecer o odor de compostos voláteis de espécimens de carcinoma do tipo células escamosas e adenocarcinomas. Após este período foram introduzidos os outros materiais: esfregaços vaginais e curativos e absorventes.
No total foram realizados 873 testes com 97 esfregaços de pacientes com câncer e 776 de pacientes normais, curativos e absorventes. A sensibilidade de ambos os tipos de amostra foi de 92,78 e 96,36%, respectivamente; a especificidade correspondente ficou em 99,1 e 99,55%; valores preditivos positivos de 92,78 e 96,36%; e os valores preditivos negativos em 99,1 e 99,55%. A taxa de falso negativo registrada foi notadamente menor no caso de amostras de materiais de absorventes, sugerindo que esse tipo de amostra pode ser mais eficiente para aplicações médicas para identificar o odor de carcinoma de colo do útero.
Por mais intrigante que possa parecer, estas habilidades caninas podem ser úteis em áreas de escassos recursos para diagnóstico de câncer do colo do útero.
Trate bem o seu cão!
Autor:
Jesus Paula Carvalho
Professor Livre Docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Chefe de Equipe de Ginecologia Oncológica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – ICESP. Presidente da CNE de Ginecologia Oncológica – Febrasgo
Referências:
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Traquelectomia Radical Vaginal
Nota da autora: Texto em homenagem ao Professor Gustavo Py Gomes da Silveira, entusiasta da cirurgia oncológica e da cirurgia minimamente invasiva, e que realizou o tempo vaginal da primeira Traquelectomia Radical Vaginal em nosso meio. Texto modificado de um capítulo finalizado poucos dias antes do falecimento do Professor Gustavo Py Gomes da Silveira.
Suzana Arenhart Pessini*
Gustavo Py Gomes da Silveira**
*Professora adjunta FAMED/UFRGS
**Professor titular UFCSPA
Introdução
O câncer de colo uterino é o quarto mais comum nas mulheres, com taxas de incidência de 5,5/100.00 na Austrália e Nova Zelandia, a 42,7 no leste da África. Em torno de 84% dos casos novos e 87% das mortes por câncer de colo ocorrem em regiões menos desenvolvidas (Iarc). No Brasil, o risco estimado é de 15,85/100.000 mulheres, e a incidência varia de 9,5 a 37,14/100.000, respectivamente, nos estados de São Paulo e do Amazonas.
É um câncer que atinge mulheres jovens – 47% dos diagnósticos ocorrem antes dos 35 anos de idade e, entre 2000 e 2009, a incidência aumentou anualmente 10,3% entre os 20 e 29 anos (Patel 2012, Gattoc 2015). Ao tratar estas pacientes, é importante que se tenha clara a possibilidade da conservação ovariana e da fertilidade.
A cirurgia conservadora da fertilidade foi idealizada, iniciada e nominada de Traquelectomia Vaginal Radical (TRV) pelo Professor Daniel Dargent, de Lyon, em 1986: remoção radical do colo uterino com paramétrios e parte superior da vagina via vaginal, combinada com a linfadenectomia pélvica. Em 1994 apresentou seus primeiros casos no 25th Annual Meeting of the Society of Gynecologic Oncologists (SGO) (Dargent 1994) e, em 2000, publicou uma série de 56 pacientes submetidas a TRV com seguimento médio de 52 meses, resultando em recorrência de 4,3% e 20 gestações em 13 pacientes com 10 recém-nascidos normais (Dargent 2000). No Brasil, a primeira TRV foi realizada pelo nosso grupo na Santa Casa de Porto Alegre.
Indicações
Os critérios para a TRV são os seguintes: desejo de gestar, tipos histológicos epidermóide, adenocarcinoma ou adenoescamoso, tumor até 2 cm de diâmetro, invasão estromal até 10mm, linfonodos negativos e margem negativa de 5 mm.
Em pacientes com tumores iniciais e desejo de gestar, a traquelectomia radical (vaginal, abdominal ou laparoscópica) com linfadenectomia é considerada o tratamento padrão.
A cirurgia inicia com o inventário da cavidade e biópsias de congelação de qualquer lesão suspeita, a seguir a linfadenectomia pélvica com a pesquisa prévia de linfonodo sentinela e, se negativos à congelação, a traquelectomia é realizada.
Resultados oncológicos
O grupo do Instituto Gustave Roussy, Villejuif, publicou uma recente revisão sistemática com seis diferentes cirurgias preservadoras da fertilidade. Nos 1.523 casos de TRV, de 21 séries, a recorrência foi de 3,8% (58/1.523) e a morte pela doença em 1,6% (24/1.523) (Bentivegna 2016).
Outras publicações reportam taxas de recorrência e de mortalidade de 2-6% e 1,6-6% (Dursun 2007, Lanowska 2011, Plante 2011, Schneider 2012, Speiser 2013), comparáveis à histerectomia radical.
Fertilidade e resultados obstétricos
Speiser e cols. sugerem possíveis mudanças causadas pela cirurgia que podem influenciar a fertilidade: redução ou alteração do muco cervical, estenose cervical, aderências, redução do fluxo sanguíneo (Speiser 2013).
A taxa de gravidez é em torno de 63% (Bentivegna, 2016). É importante reforçar que muitas pacientes desistem da gravidez após a cirurgia, conforme a série de 212 pacientes em que apenas 76 (36%) permaneceram com o desejo de gestar após 5 anos de seguimento e destas, 50 engravidaram (65,8%) (Speiser 2011).
Perda da gestação no segundo trimestre e prematuridade estão relacionadas com a traquelectomia, devidas principalmente a ruptura prematura de membranas (Shepherd 2009, Speiser 2013, Gizzo 2013).
Experiência pessoal
A primeira traquelectomia radical realizada pelo nosso grupo foi em setembro de 2000, e parece ter sido a primeira no Brasil. Até final de 2016, 26 pacientes foram selecionadas, 4 excluídas por linfonodo sentinela positivo, 3 por comprometimento alto do canal cervical e 1 por histologia neuroendócrina. Nas 18 pacientes (25-38 anos) com até 194 meses de seguimento, a sobrevida foi de 94,4%, a taxa de gravidez espontânea de 83%, com 50% de bebê em casa nascidos no terceiro trimestre.
Cuidados na gravidez
Três meses parece ser o intervalo mínimo entre a cirurgia e a exposição à gravidez (Halaska 2015).
A gravidez deve ser considerada de risco, e a cesariana realizada em centro de referência.
O grupo da Charles University, em Praga, recomenda cefalosporina nas semanas 16, 20 e 24, e clindamicina vaginal nas semanas 16 e 20 para a prevenção de infecção ovular (Halaska 2015). Outros autores sugerem metronidazol oral nas semanas 15-21 e abstinência sexual nos segundo e terceiro trimestres (Perrson 2012), evitar tratamentos dentários pelo risco de bacteremia e toques vaginais (Speiser 2013).
A cerclagem abdominal (laparoscópica ou laparotômica), pode ser oferecida (Speiser 2013).
Fatores prognósticos
Histologia neuroendócrina, tumor maior que 2 cm IELV são os mais importantes fatores associados a recorrência e óbito (Dargent 2000, Plante 2011).
No estudo de Bentivegna, com 1.523 pacientes analisadas submetidas a TRV, a recorrência ocorreu em 4% nas pacientes que tinham tumores até 2 cm, e em 17% nas com tumores maiores de 2 cm (p=0.001) (Bentivegna, 2016).
A variável IELV é mais difícil de avaliar, pois algumas séries não mencionam este fator. Das 473 pacientes com até 2 cm e com a informação de IELV ausente ou presente, a recorrência foi respectivamente 5 e 7% (p=0.15) (Bentivegna 2016).
Seguimento
Revisão clínica/colposcópica/citológica trimestral nos primeiros 2 anos e semestral entre terceiro e quinto ano (Speiser 2013).
Conclusão
A cirurgia preservadora da fertilidade em câncer de colo uterino deve ser oferecida às pacientes, desde que os critérios sejam respeitados.
O câncer de colo uterino ocorre em mulheres jovens, em vida reprodutiva e por vezes sem filhos. Sonoda e cols. identificaram que 48% das pacientes submetidas a histerectomia radical no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, entre 1985 e 2001 eram elegíveis para cirurgia conservadora (Sonoda 2004).
Embora não exista estudo randomizado, as séries publicadas mostram taxas similares de recorrência e sobrevida da TRV comparada à histerectomia radical.
Referências
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Salpingectomia bilateral oportunista para prevenção do câncer de ovário em mulheres submetidas à esterilização tubaria ou histerectomia por doença benigna
O câncer de ovário é a terceira neoplasia ginecológica mais incidente no mundo e é o mais letal entre os cânceres ginecológicos. No Brasil, foram estimados 6.150 casos novos para 2016 com um risco de 5,95 casos a cada 100 mil mulheres brasileiras. Como cerca de 70% das mulheres é diagnosticada com a doença em estádios avançados, com sobrevida em 5 anos menor que 30%, muitos esforços têm sido feitos para que se diagnostique os casos em estádio inicial, quando a sobrevida em 5 anos é 92% [1, 2].
Entretanto, não existe um rastreamento efetivo que reduza a mortalidade por câncer do ovário. Na população geral, no estudo mais recente do UK Collaborative Trial of Ovarian Cancer Screening, numa análise secundária, que exclui os casos prevalentes, observou-se uma queda na mortalidade por câncer de ovário no grupo rastreado por ultrassom ou multimodal (CA125 seguido de ultrassom) num seguimento de 7 a 14 anos. Embora os resultados sugerem um benefício em mulheres rastreadas, o seguimento foi insuficiente para recomendar a sua utilização como método de rastreamento na população em geral [3]. Além disso, vários autores se manifestaram críticos à publicação desses resultados por entenderem que a análise estatística foi tendenciosa em considerar a diminuição da mortalidade [4, 5, 6]. Mesmo em mulheres de alto risco, como, por exemplo, aquelas com mutações genéticas conhecidas (BRCA1 e BRCA2) ou com história familiar e outros fatores, o rastreamento do câncer de ovário com ultrassonografia e Ca 125 também não tem demonstrado reduzir a mortalidade [7].
Baseando-se na origem das diferentes linhagens celulares, os cânceres do ovário são classificados em 3 tipos: epiteliais (85% a 90%), de estroma ovariano (5% a 10%) e de células germinativas (10% a 15%). Há ainda os tumores metastáticos no ovário que compreendem cerca de 5 a 15% das massas ovarianas [8]. Os carcinomas do ovário compreendem um grupo heterogêneo em suas características clínico-patológicas e perfil molecular, e uma nova proposição de modelo dualista de patogênese foi proposto, com duas grandes categorias, tipo I e tipo II. Os carcinomas do tipo I incluem os carcinomas serosos e endometrióides de baixo grau, mucinosos e de células claras. Os carcinomas do tipo II, incluem os carcinomas serosos e endometrióides de alto grau, indiferenciados e tumores mullerianos mistos malignos (carcinossarcomas) [9]. As lesões precursoras dos carcinomas do tipo I derivam de alterações benignas, como endometriose, hiperplasia papilar tubária, e epitélio transicional, o qual se implanta no ovário e depois progride para adenomas e tumores proliferativos atípicos antes de se transformarem em malignos. Em contraste, muitos carcinomas tipo II, já em sua origem, são carcinomas in situ estabelecidos, iniciando nas tubas uterinas e capazes de se implantar no ovário e em outros sítios da pelve e da cavidade abdominal. Essa diferença na natureza das lesões precursoras pode explicar porque os carcinomas tipo I permanecem confinados ao ovário por longos períodos e possuem um curso indolente, enquanto que os carcinomas tipo II progridem rapidamente e são altamente agressivos desde seu início. Muitos carcinomas tipo II parecem ter origem no epitélio tipo tubário e, por isso, são de origem Mülleriana [9].
São considerados fatores que aumentam o risco para carcinoma de ovário a idade acima dos 60 anos, infertilidade, endometriose, história familiar de câncer de mama, ovário ou colorretal, portadores de mutações nos genes breast cancer 1/2 (BRCA1/2) ou síndrome de Lynch II [10]. São fatores protetores para câncer de ovário o uso de contraceptivo hormonal oral e a laqueadura tubária. Os anticoncepcionais hormonais orais reduzem o risco de câncer em cerca de 50% quando utilizados por 10 anos ou mais. Já a ligadura tubária reduz em cerca de 50% o risco de carcinoma endometrioide e de células claras de ovário, provavelmente bloqueando a menstruação retrógrada e prevenindo o depósito de células endometrióides na pelve. Entretanto, a redução do risco de carcinoma seroso de alto grau é menor que 20% em mulheres laqueadas [10].
A esterilização tubária excisional pode ser realizada através da realização de salpingectomia completa, fimbriectomia distal, ou salpingectomia parcial. Existem outros métodos de esterilização tubária não excisionais, como coagulação monopolar ou bipolar, clips, anéis e outros [11, 12]. A salpingectomia completa bilateral é uma alternativa que tem como vantagem a prevenção do câncer de ovário. Também diminuem a dor pélvica, o risco de nova cirurgia, hidrossalpinge, além de ser o método mais efetivo de esterilização permanente. Entretanto, os estudos referentes a salpingectomia bilateral para esterilização tubária ainda são pequenos e escassos, tanto na avaliação da função ovariana quanto para profilaxia do câncer de ovário [13].
Por outro lado, sabe-se que muitas mulheres no menacme são submetidas a histerectomia por doença benigna. Analisando 425.180 mulheres submetidas à histerectomia por doença benigna entre 2008 e 2013, Hanley e colaboradores (2017) não observaram diferença nas taxas de transfusão sanguínea, complicações perioperatórias, infecção pós procedimento ou febre comparando mulheres submetidas à histerectomia com ou sem salpingectomia. Observaram um aumento de 371% de salpingectomia associada à histerectomia durante o período do estudo, sendo que em 2013 15,8% das mulheres com preservação dos ovários tiveram suas tubas uterinas retiradas. Com isso, a histerectomia com salpingectomia bilateral está aumentando significativamente nos Estados Unidos sem associação com aumento de risco de complicações pós operatórias [13].
Concluindo, o carcinoma de ovário é uma neoplasia que não é passível de rastreamento pelos métodos atuais e, assim, costuma ser detectada em estádios avançados, quando se associa a alta mortalidade. A tuba uterina é considerada uma via importante de carcinogênese ovariana por transportar células do endométrio para o ovário (endometróide e células claras) e por serem possíveis sítios de origem para o carcinoma seroso. A esterilização tubária cirúrgica tem um papel ainda importante no planejamento familiar. Da mesma forma, muitas mulheres são submetidas a histerectomia por doença benigna na menacme. Vários guidelines recomendam considerar a remoção cirúrgica das trompas ao realizar uma cirurgia ginecológica eletiva tal como histerectomia por doença benigna ou esterilização tubária definitiva [13, 14]. Racionalmente esse procedimento se justifica, embora ainda sejam necessários estudos que avaliem a relação entre salpingectomia bilateral e função ovariana a longo prazo, qualidade de vida e sexualidade, bem como para profilaxia do carcinoma de ovário.
Autor:
Sophie Derchain
Referências:
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Leiomiossarcoma, como abordar cirurgicamente?
O leiomiossarcoma (LMS) é um tumor raro que ocorre em aproximadamente 1% de todas as malignidades uterinas, entretanto ocupa em torno de 70% de todos sarcomas uterinos e contribui para um número significante de mortes por sarcomas uterinos. O estadiamento da doença é o fator de risco mais relacionado a sobrevida nos LMS.
A maioria dos LMS não são associados a leiomiomas pré-existentes e não existe nenhuma evidência biológica que associe LMS com tumores de músculo liso benignos. Quando o tumor é confinado ao útero, costuma se apresentar como uma massa única, grande, frequentemente palpável e intramural. De uma maneira geral, a presença de certos fatores anátomo-patológicos, como bordas infiltrativas, necrose coagulativa e atipias nucleares, diferenciam um LMS de um leiomioma benigno. Devido ao fato de não existirem características e sintomas específicos do LMS que o diferenciem do leiomioma, fazer o diagnostico pré-operatório pode ser muito difícil. Sabemos que a maioria dos LMS uterinos são diagnosticados em mulheres na pós menopausa e frente a tumores uterinos similares a leiomiomas que crescem nesse período, devemos desconfiar da possibilidade de LMS.
Os sintomas são inespecíficos, podem ser vagos e incluem: sangramento uterino anormal em 56% das pacientes, aumento do volume abdominal ou massa uterina palpável em 52% das vezes e dor pélvica ou pressão no baixo ventre em 22% das vezes. Estudos recentes demonstraram que tanto leiomiomas como LMS têm a propensão de crescer rapidamente; com isso, tamanho tumoral e aumento de uma massa uterina pré-existente não são considerados um fator de risco para malignidade.
Atualmente, não existem métodos de avaliação diagnóstica pré-operatórios que conseguem diagnosticar de maneira eficaz e confiável um LMS. Estudos recentes, apesar de nível de evidência mais baixo, demonstram que a ressonância magnética é superior ao ultrassom e tomografia computadorizada para tentar diagnosticar um LMS.
Tratamento cirúrgico primário é a principal forma de tratamento, trazendo um ganho de sobrevida. Para mulheres com doença limitada ao útero, uma histerectomia abdominal total com remoção intacta do útero deve ser realizada. Na presença de sarcomatose, uma citorredução completa deve ser objetivada se possível, trazendo com isso um prognóstico oncológico melhor. Devido ao fato de que os LMS se disseminam predominantemente por via hematogênica, linfadenectomia pélvica e/ou para-aórtica não é recomendada.
Com relação ao papel da salpingo-ooforectomia bilateral em pacientes com menos de 50 anos, os estudos demonstram que a realização deste procedimento não traz vantagens em termos de sobrevida. No caso de doença não ressecável no abdômen, a histerectomia total não deverá ser realizada, exceto como medida paliativa para conter sangramento uterino, se medidas conservadoras, como embolização das artérias uterinas, falharem.
Atualmente, com o avanço das técnicas minimamente invasivas para remoção de úteros de maior volume e até nódulos uterinos, o uso da técnica de morcelação uterina é frequente. Entretanto, a prática da extração tecidual usando a técnica da morcelação eletromecânica tem sido questionada ultimamente, devido ao risco de disseminação tumoral abdominal e com isso impactando negativamente a sobrevida pela doença.
Atualmente, várias sociedades ginecológicas publicaram as seguintes recomendações: 1) evitar morcelação em mulheres na pós-menopausa ou quando uma malignidade é conhecida ou suspeitada; 2) utilizar a morcelação apenas em pacientes na pré-menopausa que realizaram uma avaliação pré-operatória completa; 3) envolver a paciente na decisão de consentir ou não à morcelação baseado nos achados pré-operatórios, sabendo dos riscos e benefícios. Uma opção para remoção das peças cirúrgicas em cirurgias minimamente invasivas é o uso de morcelação dentro de sacos coletores apropriados. A recomendação após uma miomectomia ou histerectomia subtotal, em que um diagnóstico inadvertido de LMS é encontrado, é de completar a histerectomia ou traquelectomia, além de omentectomia, biópsias peritoneais e revisão cuidadosa da cavidade abdominal. Como a via de disseminação do LMS é por via hematogênica para fígado, pulmão, abdômen e osso, antes da reabordagem cirúrgica frente a um diagnostico de LMS, uma avaliação pré-operatória por imagem de tórax, abdômen e pelve é recomendada, pois até 30% das pacientes já poderão apresentar metástases nesses sítios.
Autor:
Prof. Dr. Ricardo dos Reis (Titular do Departamento de Ginecologia Oncológica – Hospital de Câncer de Barretos)
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Anticoncepção de emergência em adolescentes
A anticoncepção hormonal de emergência (AHE) é definida pela Organização Mundial da Saúde como o método contraceptivo que pode prevenir a gravidez após uma relação sexual desprotegida ou após violência sexual.1
A adolescente necessita mais atenção no que diz respeito à educação sexual. Habitualmente, a iniciação sexual ocorre na adolescência quando a contracepção não é utilizada de forma regular, apresentando elevada taxa de descontinuidade, falhas e gestação não planejada. O uso da AHE entre adolescentes varia com a forma de acesso, disponibilidade e políticas de saúde do país ou região.2
A gravidez na adolescência permanece como objeto de preocupação pelas modificações na vida da jovem mãe, especialmente nos aspectos psicossociais, acarretando desorganização da harmonia do desenvolvimento pessoal, educacional, econômico e familiar.3-5
Em todo o mundo, aproximadamente 16 milhões de meninas entre 15 e 19 anos e 1 milhão com menos de 15 anos têm filhos a cada ano, com maior frequência nos países em desenvolvimento. Na África, mais da metade das mulheres e cerca de um terço na América Latina e Caribe dão à luz antes de 20 anos.5
No Brasil, ocorreu queda do percentual de nascidos-vivos (NV) de mães adolescentes (10 a 19 anos) de 23,5% em 2000 para 19,2% em 2011. Essa redução foi notada em todas as regiões brasileiras na parcela de mães entre 15 e 19 anos. No entanto, o número de NV aumentou 5,0% entre as mães de 10 a 14 anos com incremento nas regiões Norte e Nordeste e redução nas demais regiões do país.6
Para tentar reduzir a taxa de gravidez inoportuna é necessário que as adolescentes recebam educação sexual e reprodutiva, ressaltando a importância de uma vida sexual saudável.7 A anticoncepção de emergência representa uma ferramenta essencial nesta redução.
Em 1993, foi publicado o primeiro estudo randomizado controlado, com uso de duas doses de 0,75 mg de levonorgestrel tomadas com um intervalo de 12 horas e até 48 horas após a relação sexual desprotegida.8
No final dos anos 70, o dispositivo intrauterino com cobre aparece como opção de contracepção de emergência, com a vantagem de ser método não hormonal, com uso até o quinto dia após a relação sexual desprotegida. É também o método mais eficaz, com taxa de gravidez menor do que 0,1%.9
É amplamente demonstrado que o mecanismo de ação da AHE é baseado no bloqueio da fecundação, afetando a migração e redução da capacidade fecundante dos espermatozóides e impedindo a ovulação.10 Equívocos e mitos representam obstáculos para o uso correto do AHE.
Existem várias possibilidades de AHE como o método de Yuzpe, pílulas contendo apenas levonorgestrel, acetato de ulipristal e mifepristona. No Brasil, os dois últimos não estão disponíveis. O método de Yuzpe usando 200 mcg de etinilestradiol e 1 mg de levonorgestrel foi o método mais popular. Sua eficácia varia de 56-86%, sendo mais eficaz nas primeiras 72 horas, embora ainda possa ser usado até 120 horas após a relação sexual. Seu principal mecanismo de ação é impedir a ovulação, embora, em teoria, possa afetar também a implantação. Por este motivo não é um método considerado abortivo, pois não age sobre o óvulo fecundado nidado. Os principais efeitos colaterais são as náuseas e vómitos, o que pode ser evitado com o uso prévio de antieméticos.10O uso de progestagênio isolado como contracepção de emergência, é hoje representado por uma única dose de levonorgestrel 1,5 mg ou duas doses de 0,75 mg com intervalo de 12 horas, igualmente utilizado nas primeiras 72 horas após a relação sexual desprotegida. No entanto, pode ser eficaz por pelo menos quatro dias e, potencialmente, até cinco dias.
Eficácia de 45 a 79% é dependente do momento em que é utilizada. Quanto mais cedo, mais eficaz.11 Este AHE é um contraceptivo de emergência e não deve ser usado como contraceptivo regular, pois sua eficácia é menor. Além disso, não protege para risco de gravidez em relações sexuais sem proteção anticoncepcional que tenham ocorrido antes ou depois do período para o qual foi indicado.No Chile, foi aplicado um questionário para 143 adolescentes com idade média de 16 anos. Verificou-se que 37,6% responderam que a AHE impede a ovulação e 36,9% a consideravam abortiva. A principal razão para usar AHE seria em caso de estupro (91,3%). Concluíram que a maioria dos adolescentes não sabe o mecanismo de ação da AHE.12O denominador comum em todos os estudos revisados é o baixo conhecimento da AHE entre os adolescentes e jovens adultos que foram entrevistados, incluindo falsas crenças, como acontece com outros contraceptivos mais utilizados. O mecanismo de ação do método e a posologia são importantes falhas observadas na maioria dos inquiridos.Por estes motivos, a Federación Latinoamericana de Sociedades de Obstetricia y Ginecología (FLASOG), iniciou em janeiro de 2016 um grande estudo internacional para pesquisar o conhecimento das adolescentes de países da América Latina e Caribe sobre a contracepção de emergência, usando um questionário contendo questões sobre sexualidade e uso de AHE. Regiões e países participantes:
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Região Centroamericana, México e Caribe: Cuba, Costa Rica, México, Panamá.
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Região Andina: Venezuela, Equador, Colombia, Perú.
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Região do Cone Sul: Argentina, Chile, Brasil, Paraguai e Uruguai.
No Brasil, a pesquisa ficou a cargo de duas representantes da Associação Brasileira de Obstetrícia e Ginecologia da Infância e Adolescência (SOGIA-BR), Dra. Denise Monteiro do Rio de Janeiro e Dra. Liliane Herter do Rio Grande do Sul.
Os resultados preliminares desta pesquisa com 148 adolescentes entrevistadas, metade delas com escolaridade de nível médio, mostraram que 8% desconheciam a AHE e que 56,7% usaram a AHE pelo menos uma vez. A informação sobre a AHE foi a partir dos professores e pais entre as mais jovens, enquanto a chance de obter informação com amigos triplica entre as de 15-19 anos [p=0,04; OR=3,18 (1,08-10,53)].
O conhecimento sobre o mecanismo de ação foi verificado em somente 41,2% das de 10-14 anos e em 82,4% das com 15-19 anos. Quanto aos efeitos colaterais, 58,8% das adolescentes de 10-14 anos e 17,6% das ≥15 anos não souberam responder, mas 60,5% entre 15-19 anos citaram náuseas e vômitos. Importante parcela (40%) acredita que a AHE causa aborto, câncer, infertilidade e malformações fetais. Mais de 80% reconhece que pode causar irregularidade menstrual.
Concluímos que o conhecimento em relação a AHE não é satisfatório, independentemente da idade e escolaridade dos grupos avaliados e que a melhora do conhecimento pode proporcionar maior adesão.
Os resultados obtidos no braço brasileiro deste estudo poderão ser utilizados como importante estratégia de delineamento de políticas públicas de saúde, colaborando na prevenção da gravidez não planejada na adolescência.
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Autores:
Denise L. M. Monteiro
Liliane D. Herter
Maria Fernanda V. R. Pereira
Renata Ávila
Quando suspeitar e quando investigar a Insuficiência Ovariana Prematura (IOP)
A insuficiência ovariana prematura (IOP) é caracterizada por níveis elevados de FSH e irregularidade ou ausência dos ciclos menstruais antes dos 40 anos1 . Esta afecção acomete em torno de 1% das mulheres antes dos 40 anos e 0,1% das mulheres antes dos 30 anos.2 A IOP ocorre por alterações constitutivas, hereditárias ou adquiridas, ou seja, em situações de dano ao tecido ovariano, processo autoimune ou por disgenesia ou agenesia gonadal.Muitas das complicações relacionadas com a IOP estão diretamente relacionadas com a deficiência hormonal ovariana, primariamente a deficiência estrogênica, pois os hormônios sexuais exercem diversas ações no organismo da mulher. As complicações a curto-prazo incluem sintomas como fogachos e sudorese noturna, quando a manifestação é a amenorreia secundária, e dispareunia, diminuição do desejo sexual, infertilidade entre outros.3 Os riscos da carência estrogênica a longo-prazo incluem doença cardio-vascular, transtornos do humor e osteoporose.4, 5, 6
A IOP deve ser suspeitada nos casos de ausência de menarca após os 13 anos com retardo puberal ou após 15 anos, independente da presença ou do desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários7, 8, ou ainda nos casos de oligo ou amenorréia por um período de 4 meses. Em ambas as situações, a confirmação é feita com duas medidas de FSH > 25 UI/L, com intervalo mínimo de quatro semanas.9
As etiologias mais comuns na paciente com amenorreia primária são agenesia ou disgenesia gonadal com cariótipo normal (disgenesia gonadal pura XX ou disgenesia gonadal pura XY) ou anormal (síndrome de Turner 45,X ou com mosaicismos como 45,X/46XX). A disgenesia gonadal com cariótipo 46,XX caracteriza-se por falha no desenvolvimento dos ovários e a causa do distúrbio é desconhecida.10 Pacientes com cariótipo 46,XX não têm os estigmas da síndrome de Turner, porém apresentam estatura normal ou baixa, retardo no desenvolvimento puberal, gônadas em fita e genitália feminina normal. Nos casos de disgenesia gonadal com cariótipo 46,XY, embora a genitália geralmente seja feminina, pode haver genitália ambígua. Além disso, nesses casos o cromossomo Y implica em risco de 10 a 30% para futura malignidade gonádica e torna a gonadectomia obrigatória.11 As deficiências enzimáticas, como a da 17α- hidroxilase ou da 17,20-liase, são causas mais raras de IOP e resultam em comprometimento da secreção de hormônios suprarrenais e gonadais.12
Nos casos de amenorréia secundária por IOP, as etiologias possíveis são danos ao tecido ovariano por antecedentes de irradiação, quimioterapia, cirurgia ou torção ovariana e causas autoimunes. Entretanto, a IOP com cariótipo normal, referida como insuficiência ovariana prematura idiopática, é a mais frequentemente observada.13 A pré-mutação do X frágil (FMR1) é observada em cerca de 2 a 3% das IOP esporádicas e em até 15% dos casos familiares.14, 15
Estima-se que 20 a 30% das pacientes com IOP tenham uma doença auto-imune concomitante. A associação mais forte é com distúrbios tireoidianos. Além disso, 10 a 20% das pacientes com doença de Addison apresentam IOP. Em contrapartida, 2 a 10% das mulheres com insuficiência ovariana idiopática desenvolvem insuficiência suprarrenal.16
A associação entre doenças sistêmicas e IOP é bem estabelecida. Algumas doenças decorrentes de alterações imunológicas, como artrite reumatoide juvenil, lúpus eritematoso sistêmico e outras colagenoses, glomerulonefrite, distúrbios da tireóide (tireoidite de Hashimoto e doença de Graves), hepatite crônica ativa, miastenia gravis e asma, podem se associar à insuficiência ovariana.10, 16,17
Na história e exame físico da paciente com hipogonadismo hipergonadotrófico e com retardo do desenvolvimento puberal é importante investigar algumas situações, como a síndrome de Turner (estigmas mais frequentes: baixa estatura, hipertelorismo mamário, pescoço alado, cúbito valgo), cirurgias abdominais, e radio ou quimioterapia prévias.
Na investigação complementar, uma vez excluída gestação quando necessário, serão solicitadas as dosagens de prolactina, TSH, FSH e estradiol. Níveis de FSH elevados (> 25 mUI/mL) com estradiol baixo e queixas clínicas de hipoestrogenismo como fogachos, secura vaginal, dispareunia e irritabilidade são indicativos de hipogonadismo hipergonadotrófico. O estudo do cariótipo se justifica em todos os casos de IOP de causa não-iatrogênica, independente da idade da mulher.9 Está indicado também o rastreamento para deficiências endócrinas auto-imunes (tireoidite de Hashimoto, insuficiência suprarrenal e hipoparatireoidismo) que, muitas vezes, acompanham a ooforite autoimune (síndromes poliglandulares autoimunes).8
Autor:
Andrea Prestes Nácul
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Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Endócrina da Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia – FEBRASGO
O desafio do aleitamento materno entre adolescentes
A despeito da redução em 32% da taxa de gravidezes em adolescentes observada nos últimos anos no estado de São Paulo, o mesmo fenômeno não tem sido observado em estatísticas que englobam o Brasil como um todo.É sabido que o recém-nascido de uma mãe adolescente tem chance aumentada de ser prematuro ou de baixo peso, motivos suficientes para aumentar sua morbiletalidade neonatal e pós-neonatal.
Por outro lado, o aleitamento materno (AM) reduz a morbidade e a mortalidade infantis pela proteção que oferece à criança contra uma série de enfermidades potencialmente letais, como as doenças respiratórias, a desnutrição e as diarreias.
Estudos mostram prevalência menor de aleitamento exclusivo entre adolescentes, quando comparadas com mães adultas.
A literatura aponta a adolescência entre os fatores de risco para o desmame precoce. Autores relatam risco relativo entre 1,38 e 1,48 para a cessação do aleitamento exclusivo antes dos seis meses de vida, conforme preconizado pela OMS e pelo Ministério da Saúde.
Vários são os motivos descritos para essa menor disposição da mãe adolescente em amamentar, a iniciar pela própria pouca experiência e pelo conhecimento reduzido a respeito da amamentação. Além disso, o medo da dor, da dificuldade com o ato de amamentar e do embaraço diante de uma possível exposição pública também pode se constituir em barreira a influenciar negativamente a decisão da adolescente sobre o AM. Há, ainda, referência à própria vida conjugal, atividade fora do lar e dificuldade para amamentar nos primeiros dias, como fatores associados ao desmame em adolescentes.
Estudo clássico norte-americano mostra que pouco mais da metade das puérperas adolescentes optou espontaneamente pelo AM. Esta decisão independeu do tipo de parto, índice de Apgar, peso ao nascer, idade gestacional ou sexo do bebê. Os autores observaram, ainda, que 83% das adolescentes haviam tomado a decisão sobre amamentação antes do terceiro trimestre da gestação, o que mostra a importância fundamental da educação pré-natal precoce. Além disso, praticamente um terço delas já havia se decidido antes da gravidez, sugerindo que os programas de educação em aleitamento materno deveriam começar antes mesmo do pré-natal, idealmente, durante o ensino fundamental.
Experiência no Reino Unido mostrou o impacto positivo de uma clínica de assistência pré-natal dedicada exclusivamente a gestantes adolescentes sobre os resultados obstétricos e neonatais. A avaliação feita doze meses após o início das atividades mostrou melhora em uma série de parâmetros, como aumento na taxa de partos vaginais, aumento da média de peso ao nascer, redução das admissões em unidade neonatal de cuidados especiais, aumento da prática de contracepção e prolongamento do tempo de aleitamento materno.
Frente ao exposto, é importante que o profissional de saúde esteja atento a todas as oportunidades que lhe são oferecidas, seja como educador ou cuidador, para contribuir positivamente no sentido de aumentar a prática da amamentação entre as adolescentes, especialmente aquelas que se encontram grávidas pela primeira vez. Neste aspecto, é fundamental manter um diálogo não inquisidor, mas encorajador, desde o início do pré-natal, transmitindo confiança e procurando detectar os conceitos da jovem sobre a amamentação, quais os seus medos e eventuais tabus sobre o assunto e, principalmente, se ela já se decidiu a respeito.
A existência de grupos de discussão pré ou pós-consulta facilita um esclarecimento mais detalhado. No ambulatório de pré-natal do Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, todas as grávidas adolescentes são convidadas a participar desses grupos. Os temas discutidos incluem vantagens do AM, consequências do desmame precoce, fisiologia da lactação, extração manual e conservação do leite humano, cuidados com as mamas, alimentação da gestante e da nutriz, amamentação em sala de parto, importância do alojamento conjunto, uso de drogas e contracepção durante o AM, técnicas de amamentação, dificuldades mais frequentes e legislação a respeito.
A educação pré-natal é particularmente importante para as adolescentes que vivem em locais onde é fácil adquirir mamadeiras e fórmulas infantis, bem como, em locais onde a alta hospitalar pós-parto seja muito precoce.
De qualquer modo, o profissional de saúde deve estar preparado para desestimular a grávida adolescente de qualquer prática que já se demonstrou ser totalmente inútil durante a gestação, como massagens nas mamas, exercícios para as papilas, expressão do colostro e aplicação de pomadas ou cremes nas papilas.
O sucesso do aleitamento materno também dependerá de procedimentos que ajudem a adolescente por ocasião do parto, como presença de acompanhante de sua escolha, parcimônia com analgésicos e sedativos que possam interferir no comportamento do recém-nascido e, especialmente, o estímulo ao parto normal.
Neste aspecto, importa lembrar que a realização de cesárea eletiva não impede o contato precoce e prolongado pele a pele e olho a olho entre a mãe e o bebê em boas condições, já na sala cirúrgica. Também é indefensável a separação do binômio, com a justificativa de encaminhar a puérpera saudável e desperta para a sala de “recuperação pós-anestésica”.
Mais que a adulta, a mãe adolescente necessita de bastante atenção e apoio para amamentar com sucesso nos primeiros dias após o parto. Por isso, o incentivo ao sistema de alojamento conjunto, a assistência profissional quanto ao posicionamento correto do bebê para uma sucção adequada, a amamentação por livre demanda quanto ao horário e à duração das mamadas são fatores fundamentais para o estabelecimento do aleitamento materno exclusivo.
Após a alta hospitalar, é muito interessante o envolvimento de familiares, como a própria mãe ou outra parenta próxima, para transmitir a confiança necessária à jovem nutriz, além da ajuda, sempre que possível, do seu marido. O importante é que ela acredite que é capaz de amamentar, que a sua criança não necessita de nada além do seu leite e que suas mamas, seja do tamanho que forem, produzirão leite adequado e em quantidade suficiente. Além disso, o encaminhamento da mãe adolescente a grupos de apoio é essencial na prevenção das principais causas de desmame, como a “insuficiência de leite”, os traumatismos papilares, o ingurgitamento mamário e a possível mastite puerperal.
Todas as evidências científicas apontam que a forma mais eficaz de ajudar as puérperas adolescentes a estabelecer e manter o aleitamento materno é o suporte pessoal contínuo por uma pessoa com conhecimentos adequados sobre a amamentação.
Em suma, cada qual tem sua parcela de responsabilidade diante do desafio de aumentar os índices de amamentação entre as adolescentes, seja profissional de saúde, gestor, autoridade governamental, político, ou mesmo, simples cidadão ou cidadã.
Corintio Mariani Neto
(São Paulo)
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Síndrome dos Ovários Policísticos na adolescência
1 - Como fazer o diagnóstico na Síndrome de Ovários Policísticos?
O diagnóstico da síndrome dos ovários policísticos (SOP) ainda é um grande desafio, orientado por consensos. Os mais citados estão na tabela abaixo, sendo mais utilizado o de Rotterdam, que define dois dos seguintes critérios: a) menos de seis ciclos ao ano ou amenorréia; b) hiperandrogenismo (clínico ou laboratorial); c) imagens sugestivas de ovários policísticos (1-4).
Tabela – Consensos para a Síndrome de Ovários Policísticos
2- Como é o diagnóstico na SOP na Adolescência?
Alguns pesquisadores recomendam que as adolescentes devam ter os três critérios citados no consenso de Rotterdam (1-4). Contudo, há controversas entre os investigadores se apenas isto seria suficiente. Sultan e Paris sugerem que as adolescentes devam ter quatro dos seguintes critérios: a) anovulação crônica, que persiste mais de dois anos após a menarca; b) sinais clínicos de hiperandrogenismo - acne persistente e hirsutismo intenso; c) hiperandrogenemia (testosterona > 50 ng/dl) com aumento da LH/FSH > 2; d) resistência insulínica/ hiperandrogenismo: acantatose nigricans; obesidade abdominal ou intolerância à glicose; e) ovários policísticos pelo ultrassom: volume aumentado, microcistos periféricos e aumento do estroma (5). Em 2016, a Endocrine Society definiu que o diagnóstico fosse retrospectivo (mais de dois anos após menarca) e que as adolescentes deveriam ter anovulação crônica e hiperandrogenismo persistentes (2).
3 - Quais são os principais diagnósticos diferenciais da SOP na adolescência?
O grande desafio no diagnóstico da SOP durante a adolescência é o diferencial com a imaturidade do eixo hipotálamo-hipofisário-ovariano. Distúrbios psíquicos também podem levar a distúrbios ovulatórios, como anorexia nervosa, bulimia e síndrome depressiva, quadros que devem ser afastados (6). O diagnóstico só será firmado após a exclusão de afecções: disfunção da tireóide, hiperprolactinemia, tumor ovariano ou da suprarrenal, defeitos de síntese da suprarrenal, síndrome de Cushing (1-4).
4 – Qual o papel do ultrassom pélvico no diagnóstico diferencial da SOP na adolescência?
A ultrassonografia não é de muita ajuda, pois os ovários das adolescentes, geralmente, têm dimensões e volume maiores que os das mulheres adultas, sendo muitas vezes multifoliculares, principalmente quando há imaturidade do eixo, induzindo diagnóstico errôneo de SOP durante a adolescência (7). Além dos critérios definidos para a SOP, uma característica marcante é a hiperecogenicidade central que reflete a hiperplasia estromal e que não é vista nas adolescentes sem SOP (7).
5 – Qual o impacto emocional na adolescente com SOP?
A SOP pode proporcionar conflitos emocionais devido à diminuição da autoimagem e da autoestima (oleosidade da pele, acne, aumento de pelo e obesidade), à perda do autocontrole e incremento de estresse e preocupação com a sua fertilidade (8).
6 – Qual o impacto da resistência insulínica (RI) na adolescente com SOP?
A identificação de RI, intolerância à glicose ou diabete melito não fazem parte dos critérios diagnósticos da SOP, mas quando houver a associação com distúrbios do metabolismo dos carboidratos, devem ser tratados para reduzir o risco de síndrome metabólica (SM) e doença cardiovascular na idade adulta. A SM não é comum na adolescência, mas, quando presente, o tratamento é mais difícil, principalmente da perda de peso. (1,7).
7 – Qual é a principal orientação para adolescente com SOP?
Na adolescência, a conduta inicial pode ser expectante, sobretudo quando houver dúvida diagnóstica. Sugere-se modificação do estilo de vida, estimulo ao aumento da atividade física diária, redução do estresse e dieta nutricional adequada. Considerar acompanhamento psicológico de suporte à adolescente (7, 8).
8 - Qual é o tratamento medicamentoso na adolescente com intolerância a glicose que não responde a mudança de estilo de vida?
Quando a paciente possuir intolerância à glicose, acantose nigricans ou obesidade com antecedentes familiares de diabete melito do tipo II, o tratamento medicamentoso está indicado quando não houver resposta a mudança de estilo de vida (1-3). A metformina é o fármaco mais utilizado e pode ter algum efeito positivo na melhora da ovulação e ciclo menstrual (2).
Com o objetivo de evitar os efeitos colaterais gastrointestinais, deve ser administrada às refeições, iniciando com dose baixa (250 a 500 mg/dia) e aumentando progressivamente (até 2.500 mg/dia). Nas magras com RI, recomenda-se doses mais baixas de até 850 mg ao dia (1-3). Há estudos com mioinositol 4g ao dia em adolescente, mostrando resultados positivos em parâmetros clínicos e metabólicos. Pode ser uma alternativa nas intolerantes à metformina (9,10).
9 - A cirurgia bariátrica deve ser indicada em adolescente obesa mórbida com SOP?
Nas adolescentes com obesidade mórbida que não responderam aos tratamentos anteriores, a cirurgia bariátrica pode ser a última opção. Contudo, as repercussões em longo prazo não são totalmente conhecidas, nem as recidivas (11).
10 – Qual seria o principal tratamento farmacológico para disfunção menstrual na SOP?
A primeira opção das adolescentes que tenham disfunção menstrual sem hiperandrogenismo cutâneo é o emprego dos progestagênios. A ministração do progestagênio pode ser: a) intermitente por 10 dias (15º ao 24º dia do ciclo) a 14 dias (15º ao 28º dia do ciclo), visando à normalização do padrão menstrual; b) ou contínuo, como o desogestrel (75µg ao dia). Para regularizar o ciclo, pode-se ainda empregar o acetato de diidrogesterona, o acetato de medroxiprogesterona e a progesterona micronizada (12-14).
Outra forma de proteger o endométrio seria o uso do sistema intrauterino liberador de levonorgestrel (15). Vias não-orais de ministração de progestagênios (injetável e implantes) podem ser empregados.
Quando o padrão menstrual não se regularizou com os agentes sensibilizadores do receptor de insulina ou uso de progestagênios, pode-se empregar contraceptivos hormonais combinados estroprogestativos. Estes fármacos regulam o ciclo menstrual e atenuam o hiperandrogenismo cutâneo. Os contraceptivos pela via não oral também podem amenizar o hiperandrogenismo, mas teriam um efeito menor do que a via oral (16).
11 - Qual o tratamento para o hiperandrogenismo cutâneo na adolescente com SOP?
Quando os contraceptivos não forem suficientes, podem ser associados com substâncias antiandrogênicas como o acetato de ciproterona. A dose inicial recomendada é de 25 a 100 mg ao dia por via oral, do 5o ao 14o dia do ciclo, ou a espironolactona, na dose de 100 a 200 mg ao dia. A manutenção deve ser feita com doses de 25 a 50 mg ao dia (17). Devem ser usados por período mínimo de seis meses.
12 – Quando estariam indicadas medidas cosméticas para o tratamento do hirsutismo em adolescentes com SOP?
As medidas cosméticas são sugeridas após três ou quatro meses do início do tratamento medicamentoso sistêmico, quando é provável que a acne esteja atenuada e quando pode-se observar o efeito do tratamento sobre os folículos pilosos, diminuindo o risco do surgimento de novos pelos (17).
Autores:
José Maria Soares Júnior
Sebastião de Freitas Medeiros
Técia Maria de Olivira Maranhão
Edmund C Baracat
Referências
1 - Soares Júnior JM, Baracat MC, Maciel GA et al. Polycystic ovary syndrome: controversies and challenges. Rev Assoc Med Bras (1992). 2015;61(6):485-7.
2 - Williams T, Mortada R, Porter S. Diagnosis and Treatment of Polycystic Ovary Syndrome. Am Fam Physician. 2016;94(2):106-13.
3 - Azziz R. Criteria for defining polycystic ovary syndrome as a predominantly hyperandrogenic syndrome: an Androgen Excess Society Guideline. J Clin Endocrinol Metab 2006; 91(11):4237-45.
4 - ESHRE/ASRM. Revised 2003 consensus on diagnostic criteria and long-term health risks related to polycystic ovary syndrome (PCOS). Human Reproduction 2004; 19(1):41-7.
5 - Sultan C, Paris F. Clinical expression of polycystic ovary syndrome in adolescent girls. Fertil Steril. 2006;86 Suppl 1:S6.
6 - Blay SL, Aguiar JV, Passos IC. Polycystic ovary syndrome and mental disorders: a systematic review and exploratory meta-analysis. Neuropsychiatr Dis Treat. 2016;12:2895-2903.
7 - Samanci C, Alis D, Ustabasioglu FE et al. Apparent diffusion coefficient measurement of ovarian stroma: A potential tool for the diagnosis of polycystic ovary syndrome. Diagn Interv Imaging. 2017;98(1):57-61.
8 - Silva JSP, Fonseca AM, Bagnoli VR et al. Sexualidade em mulheres com ovários policísticos: estudo piloto. Einstein. 2010; 8(4 Pt 1):397-403.
9 - Pkhaladze L, Barbakadze L, Kvashilava N. Myo-Inositol in the Treatment of Teenagers Affected by PCOS. Int J Endocrinol. 2016;2016:1473612.
10 - Kahal H, Aburima A, Ungvari T et al. The effects of treatment with liraglutide on atherothrombotic risk in obese young women with polycystic ovary syndrome and controls. BMC Endocr Disord. 2015;15:14.
11 - Beamish AJ, Reinehr T. Should bariatric surgery be performed in adolescents? Eur J Endocrinol. 2017;176(4):D1-D15.
12 - Mastorakos G1, Lambrinoudaki I, Creatsas G. Polycystic ovary syndrome in adolescents: current and future treatment options. Paediatr Drugs. 2006;8(5):311-8.
13 - Livadas S, Boutzios G, Economou F et al. The effect of oral micronized progesterone on hormonal and metabolic parameters in anovulatory patients with polycystic ovary syndrome. Fertil Steril. 2010;94(1):242-6.
14 - Chomczyk I, Sipowicz M, Sipowicz I. Dydrogesterone in the regulation of cycle disturbances in adolescence. Ginekol Pol. 1999;70(5):343-7.
15 - Sorpreso IC, Soares Júnior JM, Baracat EC. Sexually vulnerable women: could reversible long-lasting contraception be the solution? Rev Bras Ginecol Obstet. 2015;37(9):395-6.
16 - Soares Júnior JM, Baracat EC. The use of combined oral contraceptives in the polycystic ovary syndrome. Rev Bras Ginecol Obstet. 2010;32(11):523-4.
17 - van Zuuren EJ, Fedorowicz Z, Carter B et al. Interventions for hirsutism (excluding laser and photoepilation therapy alone). Cochrane Database Syst Rev. 2015 Apr 28;(4):CD010334