Os destaques da Defesa Profissional no Congresso Brasileiro
O 57º Congresso Brasileiro de Ginecologia e Obstetrícia teve, entre seus principais destaques, os intensos debates sobre a valorização dos ginecologistas e obstetras, a prática segura, e a defesa profissional. Aliás, diversos fóruns foram realizados de 15 e 18 de novembro, no Hangar – Centro de Convenções e Feiras da Amazônia, com participação importante de lideranças tocoginecologistas de diversas regiões do Brasil.O programa foi delineado especialmente para aprofundar discussão e compartilhar experiências sobre as polêmicas enfrentadas no dia a dia da especialidade, para tratar das dificuldades recorrentes e encaminhar propostas de soluções. Já no pré-congresso houve um painel abrangendo temas como disponibilidade ao parto, sigilo médico em GO, o que se pode ou não fazer em termos de atendimento nas redes sociais, diferenças entre plano de parto e consentimento livre esclarecido, a relação do médico obstetra com a enfermeira obstetra nos dias atuais, além da responsabilidade civil de cada profissional.
“Mais uma vez ressaltamos que a execução e a interpretação de exame ultrassonográfico, assim como a emissão do respectivo laudo, são da exclusiva competência do médico. É que é vedado ao médico delegar a realização de exames a não médicos e assumir responsabilidades por exame que não fez”, pontua Juvenal Barreto Borriello de Andrade, diretor de Defesa e Valorização Profissional da FEBRASGO. “Isso não significa uma disputa com os profissionais de enfermagem. Ao contrário, é só uma questão de atribuição legal. O relacionamento com enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem precisa ser harmonioso, buscando atender a mulher com qualidade”.
Durante o Congresso propriamente dito, também foi dada prioridade à defesa profissional. A mesa redonda Assistência ao parto, como fazemos abordou as recomendações da FEBRASGO e do Ministério da Saúde, o olhar da Justiça para os conflitos na assistência, e Rede pela Humanização do Parto e Nascimento, ReHuNa, entre diversas questões relacionadas.
Houve ainda o fórum Exercício da Especialidade na Atualidade – Obstetrícia. Mediado por Juvenal Borriello, teve em pauta assuntos preferência pelo parto extra hospitalar, os motivos de os médicos estarem deixando de fazer obstetrícia, além de debater se o médico prenatalista pode ou não realizar parto.
Por fim outro fórum - Exercício da Especialidade na Atualidade – Ginecologia – entrou a fundo em discussões vistas normalmente como mais espinhosas, a exemplo da violência sexual e a relação médica com o poder judiciário, a laqueadura tubária feita fora dos parâmetros estabelecidos em Lei, a anticoncepção em menor de idade e o conflito entre o ECA e o código penal. A reprodução assistida também mereceu atenção dos congressistas.
“A grade das questões de defesa profissional foi montada especificamente para contemplar assuntos de âmbito nacional e regional. O Objetivo é melhorar as condições de trabalho, de atendimento e remuneração, nos sistemas suplementar e público. Avançamos bastante e as conclusões obtidas certamente serão de grande utilidade para nortear nossa atuação em prol da valorização e do respeito ao ginecologista e obstetra”, pondera o diretor da FEBRASGO.
57° Congresso Brasileiro de Ginecologia e Obstetrícia.
Prezado colega associado,
É com grande alegria que informamos o sucesso do 57° Congresso Brasileiro de Ginecologia e Obstetrícia.
Alcançamos a marca de 3.000 inscritos e todos os participantes demonstraram interesse incomum nos assuntos escolhidos pela Diretoria Científica. O comparecimento às aulas foi excepcional.
A grade científica abordou temas atuais, com palestrantes competentes e comprometidos na propagação do conhecimento de excelência para todos os nossos colegas.
Além disso, as provas para títulos em áreas de atuação como Medicina Fetal, Endoscopia Ginecológica, Reprodução e Sexologia, também apresentaram número alto de candidatos, sendo realizadas com sucesso.
O número de trabalhos apresentados à Comissão científica foi o maior de todas as edições anteriores com premiação nas áreas de Ginecologia e Obstetrícia.
A cidade de Belém, com inúmeros atrativos, e os colegas locais acolheram-nos com carinho e companheirismo.
Obrigado a todos congressistas que fizeram do 57° Congresso um importante marco.
Juvenal Barreto Borriello de Andrade, diretor de Defesa e Valorização Profissional da FEBRASGO.
Infecção Urinária de Repetição na Mulher – Estratégias de Prevenção
Rafael Mendes Moroni1,2; Luiz Gustavo Oliveira Brito31 Professor Assistente da Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
2 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ginecologia e Obstetrícia; Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo
3 Professor Doutor do Departamento de Tocoginecologia - Universidade Estadual de Campinas
Introdução
Infecções urinárias de repetição constituem um quadro que pode determinar impacto significativo sobre a qualidade de vida da mulher. Em tais mulheres, uma série de possíveis medidas e tratamentos pode ser instituída, visando reduzir a frequência dos episódios
Escolha de método contraceptivo
O uso de diafragma, capuz cervical e espermicidas (mesmo preservativos masculinos contendo espermicidas) eleva o risco de ITU recorrente. Mulheres com tais quadros e que utilizam tais métodos podem discutir métodos alternativos de contracepção (1).
Hábitos de higiene e micção
Apesar de a evidência ser limitada, a realização de higiene perineal e micção precocemente após o coito, além da ingesta abundante de líquidos visando aumentar o débito urinário, pode contribuir para redução do risco (2).
Antibióticos
O uso de antimicrobianos em regimes de profilaxia, ou o tratamento auto-administrado pela mulher ao sentir os primeiros sintomas de uma ITU, são possíveis modalidades de manejo utilizando antibióticos. É importante dizer que não existem trabalhos com mais de seis meses de antibioticoprofilaxia mostrando qual deverá ser a sequência de tratamento mais adequada após o primeiro tratamento.
O uso de regimes contínuos, diários, de profilaxia já foi extensamente estudado por inúmeros estudos controlados, utilizando diferentes antibióticos (nitrofurantoína, sulfametoxazol-trimpetoprim, norfloxacino), comparados entre si e com placebo (3–5), e demonstram excelente eficácia em reduzir a incidência de recorrências quando comparados ao placebo. Uma meta-analise da fundação Cochrane envolvendo 10 ensaios controlados e 430 mulheres (6), comparando múltiplos antibióticos versus placebo, demonstrou um redução de quase 80% [RR = 0,21 (IC95% 0,13 a 0,34)] para um episódio de recorrência microbiológica no grupo antibiótico. A recorrência clínica também foi significativamente reduzida com antibiótico. Por outro lado, os grupos que utilizaram antimicrobianos apresentaram maior incidência de efeitos adversos, incluindo candidíase genital e sintomas gastrointestinais. Na comparação entre os diversos antibióticos, individualmente, não se obteve evidência de superioridade de nenhum dos agentes. Tem sido dada preferência do uso à nitrofurantoína para essa indicação, devido ao perfil desse agente de atingir concentrações clinicamente significativas somente no trato urinário, tendo, teoricamente, menor potencial de interferir com a microbiota de outros órgãos, como o intestino e a vagina (7). O uso de nitrofurantoína por períodos muito prolongados, porém, pode se associar a fibrose pulmonar e a hepatotoxicidade, especialmente em pacientes com insuficiência renal e clearance de creatinina inferior 30mL/min (8). Além dos efeitos adversos, outro problema associado a profilaxia contínua com antibióticos é o potencial de desenvolvimento resistência microbiana ao agente utilizado, o que já foi observado em estudos com sulfametoxazol-trimetoprim (SMX-TMP) e com ciprofloxacino (9,10). O tempo de uso de regimes contínuos de profilaxia é motivo de controvérsia; alguns autores sugerem o uso por seis meses, seguido de um período de observação sem antibióticos, mas períodos mais prolongados, de até cinco anos, já foram estudados, e podem ser utilizados em mulheres que retomam os quadros de infecções recorrentes após suspensão do regime de profilaxia (10).
Para mulheres em que se observa uma relação entre os quadros recorrentes de ITU e a atividade sexual, uma alternativa ao uso contínuo de antibioticoprofilaxia é a administração desses agentes após o coito, em um regime de profilaxia pós coital. Um estudo comparando a profilaxia pós-coital com ciprofloxacino 125mg versus uso contínuo da mesma dose diária observou redução comparável na incidência de ITUs sintomáticas (De 3,6 e 3,7 ITUs por paciente-ano para 0,46 e 0,42 ITUs por paciente-ano nos grupos de profilaxia pós-coital e contínua, respectivamente) (9). Na comparação com placebo, SMX-TMP em regime pós coital foi significativamente melhor em reduzir a incidência dos quadros de infecção em outro estudo controlado (com 3,6 e 0,3 ITUs por paciente-ano nos grupos placebo e profilaxia pós-coital, respectivamente) (11). Resumindo, não há diferença de eficácia entre a profilaxia contínua e a de pós-coito.
Outra estratégia para minimizar a exposição aos antimicrobianos e o impacto sobre a resistência bacteriana é o auto-tratamento, mediante o reconhecimento, pela mulher, dos sintomas sugestivos de um novo quadro de ITU. Já se demonstrou uma acurácia de 85% a 95% para o auto-diagnóstico de ITU pela mulher, com base em seus sintomas (12). A orientação médica é especialmente importante nesta estratégia, para que a mulher seja aderente às instruções e procure assistência em casos de persistência.
Cranberry
Existe evidência experimental de longa data demonstrando, in vitro, que extratos de cranberry reduzem a capacidade das E. coli uropatogênicas aderirem ao epitélio urotelial. O efeito clínico de tal propriedade, porém, é motivo de controvérsia. Alguns ensaios clínicos randomizados que compararam o uso de produtos derivados de cranberry (suco ou capsulas) com placebo demonstraram redução na incidência de novos episódios de ITU e de bacteriúria / piúria (13–15). Por outro lado, outros ensaios randomizados com comparações semelhantes não observaram diferença entre os grupos, sendo o número de recorrência observadas com o cranberry equivalente às do placebo (16,17). Mesmo meta-análises de ensaios randomizados não apresentam resultados consistentes. Uma revisão sistematizada com meta-análise demonstrou benefício em mulheres com ITUs recorrentes (RR = 0,53, IC95% 0,33-0,83), mas com elevada heterogeneidade clínica entre os ensaios (diferentes doses, diferentes produtos de cranberry, diferentes definições de ITU) (18). Já uma outra revisão sistematizada com meta-análise, da fundação Cochrane, incluindo um maior número de estudo e agregando mais participantes (24 estudos e 4473 mulheres) não demonstrou diferença significativa entre cranberry e nenhum tratamento ou placebo (RR = 0,86, IC95% 0,71 a 1,04) (19).
Não há evidência definitiva para se recomendar o uso de cranberry como tratamento eficaz em substituição aos antibióticos para mulheres com ITU de repetição, apesar de haver um mecanismo de ação plausível, e de vários ensaios clínicos sugerirem benefício. Por outro lado, em mulheres que desejem tentar tratamentos que não envolvam antimicrobianos, provavelmente os riscos e potenciais efeitos adversos são escassos e não haveria um malefício no seu uso.
ATB |
Dose |
Frequencia |
Atenção para |
SMX-TMP |
200/40 mg |
Diária |
Síndrome de Steven-Johnson, pancitopenia |
Nitrofurantoina |
100 mg |
Diária |
Hepatotoxicidade; pneumonite (> 6 meses) |
Cefalexina |
250/500 mg |
Diária |
Aumento da resistência |
Norfloxacina |
200/400 mg |
Diária |
Resistência cruzada com quinolona, cuidado durante gestação |
Fosfomicina |
3 g |
Cada 10 dias |
Terapia hormonal tópica
Em mulheres menopausadas com quadros de ITU recorrente, o uso de terapia tópica com estrogênio é considerado eficaz em reduzir o risco de recorrências. O hormônio tópico reestabelece a flora vaginal normal, com redução do pH vaginal e menor potencial de colonização por enterobactérias (20).
Lactobacilos
O uso de probióticos, especialmente contendo lactobacilos, foi estudado devido ao potencial desses agentes de manter um pH vaginal reduzido, de reduzir a adesividade dos uropatógenos, e de produzir peróxido de hidrogênio, que pode eliminar enterobactérias do meio vaginal. Dentre quatro ensaios clínicos randomizados estudando o uso de lactobacilos administrados através de cápsulas vaginais, não se observou diferença significativa em comparação a placebo e a extrato lácteo em três desses estudos (15,21,22); no quarto estudo, que comparou lactobacilos com fator de crescimento de lactobacilos (que teria a função de estimular a replicação da microbiota vaginal normal), também não se observou diferença entre as duas intervenções, mas os autores afirmam que houve uma incidência 73% menor em ambos os grupos em comparação aos 12 meses antes das intervenções (de 6 episódios por paciente-ano para 1,6 e 1,3 para os grupos lactobacilo e fator de crescimento, respectivamente) (23)
A evidência é escassa e insuficiente para permitir uma recomendação quanto à eficácia do uso de lactobacilos vaginais para a prevenção de ITUs. Os riscos associados a tal intervenção, no entanto, são muito escassos, sendo apenas relatados episódios de bacteremia por probióticos em pacientes gravemente imunossuprimidos (24).
Imunoestimulantes
O uso de um extrato proveniente de 18 sorotipos de E.coli inativados por calor, denominado OM-89, é capaz de estimular tanto a imunidade inata quanto a adquirida, resultando em maior recrutamento de neutrófilos e células dendríticas, e na produção de imunoglobulinas G e A, específicas para os antígenos presentes no extrato de E.coli. Tal composto foi estudado por múltiplos ensaios clínicos, e uma meta-análise incluindo 4 estudos e 891 mulheres demonstrou uma redução significativa no número de recorrências (RR = 0,61, IC95% 0,48 a 0,78) em comparação a placebo. Além disso, não foram observados efeitos adversos significativos em comparação ao placebo (25).
Um lisado via vaginal (formato de supositório) de seis cepas de E. coli, uma cepa de Proteus, Morganella, K. pneumoniae e E. faecalis está em teste. Aparentemente, mostrou um maior tempo de reinfecção do que no placebo e menor incidência da ITU nas primeiras 4 semanas, porém sem diferença com 20 semanas. Um segundo estudo com uma dose de reforço após primeira aplicação diminuiu infecção (Hopkins et al. 2007)
D-Manose
D-Manose é um açúcar que pode agir impedindo a aderência bacteriana às células uroteliais. O mecanismo de ação proposto envolve sua ligação às fímbrias tipo 1 das enterobactérias, devido à semelhança com os receptores glicoproteicos do urotélio aos quais às fimbrias bacterianas se aderem, levando uma inibição competitiva da aderência bacteriana (26). Há poucos estudos avaliando tal intervenção, incluindo um ensaio randomizado comparando D-Manose, nitrofurantoína e nenhum agente, que demonstrou uma incidência significativamente maior de ITU recorrente no grupo sem profilaxia, em relação aos outros dois grupos, sem diferença significativa entre os grupos usando antibiótico ou D-manose. O grupo que usou D-manose, porém, apresentou uma incidência reduzido de efeitos adversos, em relação à nitrofurantoína (RR 0,276, p<0,0001), apesar de ambos serem bem tolerados (26).
Conclusões
Para aquelas mulheres que mantêm quadros recorrentes mesmo com medidas comportamentais e com tratamento da atrofia associada à menopausa, uma série de outras intervenções pode ser tentada, sendo o uso de antibióticos de forma profilática a mais extensamente estudada. Alternativas ao uso de anti-microbianos, tais como o consumo de cranberry, D-manose, e o uso de probióticos contendo lactobacilos podem ser tentadas, mas a evidência acerca da eficácia das mesmas é inconsistente. Por outro lado, o uso do OM-89 como imunoestimulante é mais eficaz que o placebo e comprovadamente reduz recorrências, sendo uma boa estratégia em pacientes com ITUs recorrentes por E.coli que não desejam utilizar antibióticos, ou quando os mesmos não forem eficazes.
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Infecção Urinária de Repetição na Mulher - Aspectos Gerais
Rafael Mendes Moroni1,2; Luiz Gustavo Oliveira Brito31 Professor Assistente da Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
2 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ginecologia e Obstetrícia; Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo
3 Professor Doutor do Departamento de Tocoginecologia - Universidade Estadual de Campinas
Introdução
Infecções do trato urinário (ITUs) correspondem à presença de microorganismos patogênicos nas vias urinárias inferiores ou superiores. São frequentemente consideradas um dos subtipos mais comuns de infecção bacteriana em humanos (1). Tais infecções podem acometer o trato urinário baixo, manifestando-se como uretrites e cistites, ou alto, manifestando-se como pielonefrites. As ITUs são mais frequentes entre as mulheres, em comparação aos homens, e se estima que cerca de metade das mulheres terão ao menos um episódio de ITU ao longo da vida (2). Um número bem mais restrito de mulheres desenvolve quadros cronicamente recorrentes de ITUs, dando origem à condição conhecida como ITU recorrente, ou ITU de repetição, que é definida pela International Continence Society / International Urogynecology Association como o diagnóstico de três episódios de infecção no curso de 12 meses, ou dois episódios em seis meses, com demonstração objetiva de resolução de cada um dos episódios após tratamento (3). Uma coorte de base populacional norte-americana, com duração de 9 anos, estimou uma incidência de ITUs recorrentes não complicadas de 102 em 100.000 mulheres, ou cerca de 0,1%, com predomínio nas faixas etárias de 18 a 34 anos, e de 55 a 64 anos (4). Apesar de tais episódios serem geralmente leves e muitas vezes auto-limitados, eles podem determinar um prejuízo significativo na qualidade de vida dessas mulheres, com irritabilidade, perda de produtividade no trabalho, perda de auto-estima e comprometimento da função sexual (5).
Etiologia e Fisiopatologia
Múltiplos microorganismos podem ser responsáveis por ITUs, tais como Klebsiella spp., Pseudomonas spp., Enterobacter spp., Serratia spp., Klebsiella spp., Proteus spp. e Enterococcus spp (5). Sabe-se porém, que a bactéria mais frequentemente associada a tais infecções é a Escherichia coli, responsável por 60 a 80% dos casos (6). E.coli é um microorganismo normal da flora intestinal humana, sendo que a maior parte das cepas não possui capacidade de produzir doença. Algumas cepas, porém, são virulentas, responsáveis por infecções intestinais invasivas, ou por infecções extra-intestinais, como é o caso das E. coli uropatogênicas (UPEC) associadas aos quadros de ITU (7). Considerando a curta distância entre o ânus e o meato uretral externo feminino, mulheres que possuem cepas UPEC de E.coli em sua microbiota intestinal podem disseminar tais microorganismos ao períneo e introito vaginal, permitindo a ascensão dos mesmos ao trato urinário inferior. Quando tal disseminação acontece, essas bactérias aderem à mucosa do trato urinário através de estruturas denominadas fímbrias, que possuem papel importante como determinantes da virulência das cepas UPEC (8). O turnover celular acelerado da superfície da mucosa do trato urinário, com esfoliação celular, e o próprio fluxo urinário consistem em mecanismos de defesa contra a aderência de tais bactérias à superfície mucosa, impedindo que a ascensão das mesmas determine um quadro de infecção. Quando, porém, tais mecanismos não são capazes de remover as bactérias aderidas, pode haver invasão da superfície mucosa pelos microorganismos, com estabelecimento de um processo infeccioso invasivo. Apesar de classicamente ser considerada uma infecção extracelular, mais recentemente tem-se reconhecido a capacidade das UPECs de invadirem as células uroteliais e estabelecerem uma colonização intracelular crônica, que resiste aos mecanismos de defesa inatos e mesmo ao tratamento com antimicrobianos, e se associa com quadros recorrentes de ITU (8).
Fatores de Risco
Como mencionado previamente, mulheres já estão sob risco mais elevado para o desenvolvimento de ITUs, e isso se relaciona às características anatômicas do trato genito-urinário feminino. A proximidade entre ânus e uretra e o fato de a uretra feminina ser mais curta que a masculina contribui para um maior risco de uropatógenos ascenderem ao trato urinário inferior (9).
Além disso, diversos outros fatores de risco estão relacionados ao desenvolvimento de ITUs, especialmente de quadros recorrentes.
- Vida sexual ativa: mulheres sexualmente ativas estão sob maior risco de desenvolverem ITU; além disso, características específicas da vida sexual da mulher também podem aumentar tal risco, tais como maior frequência das relações sexuais (≥ 3 vezes por semana resultou em uma chance cinco vezes maior de ITU; OR = 5,6; IC 95%3,1 – 10,1), uso de diafragma ou de espermicidas como método contraceptivo, novos parceiros sexuais, práticas inadequadas de higiene genital, como falta de higiene antes (OR = 2,1, IC95% 1,2 a 3,6) e após (OR = 2,8, IC95% 1,5 a 9,8) o coito (10).
- Gravidez: a gestação se associa a uma maior estase de urina no trato genital inferior e superior, seja por dificuldades de esvaziamento associadas à compressão pelo útero gravídico, seja pelo peristaltismo ureteral reduzido e leve dilatação ureteral observado durante a gestação. Essa tendência a estase perturba um dos mecanismos de proteção do trato urinário contra a aderência e invasão bacterianas – o fluxo de urina e esvaziamento miccional, que acaba levando a descamação de células superficiais e a eliminação de bactérias eventualmente aderidas. Tais modificações aumentam a prevalência de bacteriúria assintomática, pielonefrite e quadros recorrentes de ITU durante a gravidez (11).
- Menopausa: durante o menacme, a microbiota vaginal é rica em lactobacilos, capazes de manter o meio vaginal acidificado, o que dificulta a colonização por enterobactérias patogênicas que podem ascender através da uretra e causar ITUs. O hipoestrogenismo observado na menopausa provoca alterações na microbiota e atrofia da mucosa vaginal, com perda de lactobacilos e elevação do pH do meio, fatores que se relacionam com um maior risco de colonização vaginal por uropatógenos e infecções ascendentes (12).
- Incontinência urinária e disfunções miccionais: a presença de um esvaziamento vesical lento ou incompleto, e de resíduos pós miccionais superiores a 30mL se associa a um maior risco de quadro recorrentes de ITU (13,14). Além disso, mulheres que apresentam incontinência urinária têm seis vezes mais chances de desenvolverem ITU de repetição em comparação a mulheres sem incontinência (OR 6,65, IC95% 2,5 – 17,7) (14).
- Fatores obstrutivos – prolapso genital, litíase renal, válvula de uretra posterior, refluxo vesico-ureteral, uso de cateterização prolongada ou intermitente são situações que podem levar a estase urinária.
Por definição, quadros recorrentes de ITU necessitam de comprovação microbiológica através de urocultura (3). Outras investigações, porém, não são recomendadas de forma rotineira para a maioria dessas mulheres, devido à baixa custo-efetividade e baixa utilidade diagnóstica. Apesar disso, sabe-se que a presença de anomalias estruturais, corpos estranhos no trato urinário, e urolitíase podem estar associados a quadros recorrentes de ITU, e tais condições podem ser potencialmente detectadas e tratadas. Sendo assim, investigação urológica utilizando exames de imagem (incluindo urografia excretora, tomografia computadorizada e ultrassonografia de rins e vias urinárias) e cistoscopia podem ser indicados de maneira individualizada, se houver suspeita de alguma dessas condições (15). Em um estudo retrospectivo envolvendo 163 mulheres com ITU de repetição submetidas a investigação urológica complementar, apenas 5,5% apresentaram algum achado anormal (incluindo divertículo vesical, estenose uretral e presença de sutura na bexiga); tal amostra, porém, continha uma proporção significativa de mulheres já submetidas a cirurgias uroginecológicas e a transplante renal, e a proporção de achados positivos deve ser possivelmente inferior em mulheres que não possuem tais fatores de risco (16). A urodinâmica não contribui na elucidação da causa da ITU de repetição.
Conclusões
Infecções do trato urinário recorrentes podem ter um impacto significativo sobre a qualidade de vida das mulheres afetadas. Inúmeros fatores de risco são conhecidos, e alguns deles são modificáveis e/ou tratáveis, como comportamento sexual, uso de diafragmas e atrofia urogenital. A identificação e o aconselhamento dessas mulheres em relação aos fatores de risco modificáveis, juntamente com o uso de estratégias de prevenção – discutidas em um texto complementar a este – podem contribuir para reduzir o impacto de tal condição.
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Terapia hormonal nas disfunções do assoalho pélvico. Por que? Quando?
Marair Gracio Ferreira Sartori
Professora Associada Livre-Docente do Departamento de Ginecologia da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo
Vários sintomas urogenitais podem surgir ou se agravar na pós-menopausa. A terapia hormonal poderia atuar nos distúrbios de assoalho pélvico, como incontinência urinária de esforço, bexiga hiperativa, prolapso genital e infecções do trato urinário1 2.
INCONTINÊNCIA URINÁRIA DE ESFORÇO (IUE)
Os principais fatores de continência são: mucosa da uretra, vascularização, musculatura e tecido conjuntivo periuretrais. Todos são fortemente influenciados pelos estrogênios 3 4 5
Algumas pesquisas mostram piora da IUE com a terapia hormonal (TH). No entanto, é importante salientar que tais estudos foram desenhados para avaliar os efeitos da TH na prevenção de outras afecções, sendo os sintomas urinários estudados em subanálises, que nem sempre refletem a realidade6. Há evidências que os estrogênios aumentem a pressão uretral, com melhora da IUE 7, porém, esses achados não foram confirmados8. A estrogenioterapia tópica atua favoravelmente na melhora da IUE8.
Como existem evidências da ação estrogênica nos diversos fatores de manutenção da continência urinária, é natural supor que a estrogenioterapia seja uma opção terapêutica da IUE na pós-menopausa, podendo ser aplicada como coadjuvante dos tratamentos tradicionais.
BEXIGA HIPERATIVA (BH)
Os estrogênios poderiam aliviar os sintomas da BH por aumento do limiar sensorial da bexiga e de receptores alfa-adrenérgicos, relaxamento vesical ou por melhorarem o trofismo e colágeno ao redor da bexiga e uretra9.
Há evidências que estrogênios diminuam urgência, frequência miccional, disúria e urgeincontinência, além de aumentar as capacidades vesicais. O estrogênio pode ser usado isoladamente ou associado com anticolinérgicos e a via vaginal tem efeitos benéficos mais pronunciados10.
PROLAPSO GENITAL
Os estrogênios atuariam na espessura, umidade e elasticidade da parede vaginal, melhorariam força e elasticidade de ligamentos e músculos do assoalho pélvico11.
A TH poderia melhorar os resultados das cirurgias, da fisioterapia, aliviar os sintomas irritativos decorrentes da atrofia genital e da exposição da parede vaginal e diminuir complicações relacionadas aos pessários11
Apesar dos possíveis efeitos benéficos, há poucos estudos randomizados e controlados para avaliar especificamente a ação estrogênica na prevenção ou tratamento do prolapso genital.
INFECÇÃO URINÁRIA (ITU)
Há aumento incidência de ITU em decorrência do hipoestrogenismo, e da diminuição da imunidade celular e humoral. Outros fatores contribuem para que ocorram mais infecções nessa fase, como micções pouco frequentes ou esvaziamento incompleto da bexiga.
Os estrogênios atuam na flora vaginal, aumentando o número de lactobacilos, consequentemente diminuindo o pH vaginal. Há menor colonização vaginal por enterobactérias e assim menos episódios de ITU.
A terapia estrogênica na pós menopausa leva à diminuição da incidência de infecção urinária bem como previne recidivas. A via de administração usualmente empregada é a vaginal, que apresenta melhores resultados12.
CONCLUSÕES
O ginecologista deve avaliar cuidadosamente sua paciente na pós-menopausa, identificando os possíveis benefícios da terapia hormonal considerando os potenciais riscos. A prescrição da terapia hormonal deve sempre seguir os parâmetros de indicação e contraindicação, pelo tempo total em que os benefícios do uso superem os riscos. Assim, poderá indiscutivelmente melhorar a qualidade de vida da mulher na pós-menopausa, com toda a segurança que o conhecimento científico nos propicia.
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Estado atual do tratamento do prolapso da parede vaginal anterior
Dra. Márcia Maria Dias
Dra. Maria Augusta Tezelli Bortolini
Uroginecologia
UNIFESP- EPM
Prolapso de órgãos pélvicos (POP) é um sério problema de saúde que, ainda hoje, desafia os ginecologistas que atuam nesta área (1). O risco de uma mulher se submeter a uma cirurgia para POP ou incontinência urinária de esforço até a idade de 80 anos é de 11,1% (2). A parede vaginal anterior é a mais afetada, respondendo por mais de 80% dos procedimentos cirúrgicos para prolapso (2).
O POP ocorre por lesões ou deficiências dos tecidos de suspensão e/ou sustentação dos órgãos pélvicos: fáscia endopélvica, ligamentos e m. levantador do ânus. As principais causas de lesão destas estruturas são a paridade e o parto vaginal (3).
O tratamento
O tratamento do prolapso da parede vaginal anterior (PPVA) deve basear-se nos sintomas relatados pelas pacientes e nos achados do exame físico. Pode ser clínico ou cirúrgico e sua escolha depende da gravidade do prolapso e do estado geral da paciente.
Para o tratamento clínico, podemos considerar mudanças no estilo de vida tais como perda de peso e abandono do tabagismo, melhora dos hábitos intestinais, etc. Além destes, a fisioterapia auxilia no fortalecimento do assoalho pélvico, reduzindo a sintomatologia e prevenindo agravamento do POP. O uso de pessários vaginais é uma boa opção terapêutica para as mulheres não-candidatas ou que não desejam correção cirúrgica, repercutindo em melhora importante na qualidade de vida das pessoas acometidas. No entanto, carecemos de mais pesquisas abordando padronizações das práticas do tratamento com pessários para demonstrar seu papel na rotina de tratamento de prolapsos.
Quanto ao tratamento cirúrgico, pode ser realizado por via abdominal, para tratar os defeitos laterais, ou vaginal, pela qual se pode realizar as cirurgias obliterativas incluindo as colpocleises, ou as técnicas reconstrutivas utilizando-se de tecidos nativos, como a colporrafia anterior tradicional, ou a correção com uso de próteses (telas).
A abordagem das cirurgias reconstrutivas têm sido influenciada nas últimas décadas pelos crescentes conhecimentos da anatomia e funcionamento do aparato de sustentação e suspensão dos órgãos pélvicos (4).
A colporrafia anterior, descrita em 1913 por Howard Kelly, tendo como base a plicatura da fáscia pubocervical, tem sido associada a altas taxas de recidiva (5,6), aventado ser por utilizar tecidos frágeis e lesados. Esse racional impulsionou a utilização de telas, biológicas autólogas (fáscias) e heterólogas (tecido cadavérico, porcino e bovino) e sintéticas absorvíveis e não absorvíveis (2,7), para reconstrução do PPVA.
Entretanto, Dallenbach P., em revisão sobre cirurgia reconstrutiva de POP publicada em 2015, considera que estas altas taxas de recidivas atribuídas à colporrafia anterior, foram superestimadas (8). Sob outro ponto de vista, as taxas de reoperação para recidiva da parede anterior tratada pela colporrafia tradicional podem ser tão baixas quanto 3,5%, devido ao fato de que prolapso de grau leve ou moderado, em geral, é assintomático, não requerendo novo tratamento (9).
Recentes estudos mostram que telas sintéticas parecem ser superiores às telas biológicas e, ambas, melhores do que a colporrafia anterior tradicional, em relação aos resultados anatômicos. No entanto, associam-se com maior número de complicações, sem diferença em resultados subjetivos e melhora na qualidade de vida das pacientes que se submetem a estas técnicas.
O uso de telas via vaginal está associado a um risco não negligenciável de complicações inerentes ao material utilizado, tais como sangramento, exposição, erosão, infecção, granulomas, contração da tela, dispareunia, fístulas, dor crônica e outras, reduzindo a qualidade de vida e trazendo a necessidade de cirurgias adicionais. Em 2008, atualizado em 2011, o American Food and Drug Administration (FDA) faz um alerta sobre sérias complicações associadas ao uso de telas sintética (10), e em 2016, reclassifica esse material de risco II para risco III.
Em estudo nacional, Delroy et al., em 2013, publica os resultados de um estudo prospectivo, randomizado, controlado, comparando colporrafia anterior tradicional com correção com tela sintética do PPVA, em seguimento de 1 ano, em que obteve cura anatômica em 56,4% e 82,5% respectivamente (p=0.018), e uma taxa de exposição de tela de 5%. Entretanto, não houve diferença em relação à qualidade de vida, que melhorou nos dois grupos (11). Em extensão deste estudo, com resultados de seguimento de 2 anos, Dias et al, publicam uma taxa de cura anatômica de 51.52% versus 45.95% para colporrafia anterior e correção com tela, respectivamente (p=0.810) e com uma taxa de exposição de tela de 13.5%, numa demonstração de que os resultados da cirurgia com tela, também sofrem a influência do tempo e as complicações são crescentes (12).
As mais recentes metanálises publicadas na literatura não trazem modificações em relação às conclusões já descritas em estudos anteriores. Assim, Juliato et al. concluem que “cirurgia com tela para prolapso vaginal anterior apresenta melhor taxa de cura anatômica e menor recorrência, sem diferenças em relação à cura subjetiva, reoperação e qualidade de vida. Há maior tempo cirúrgico e perda sanguínea. O uso de telas deve ser individualizado” (13).
Por sua vez, uma revisão da Cochrane, reportou que o uso de telas sintéticas transvaginais para o tratamento do PPVA, resulta em taxas mais baixas de recidiva, mas está associado com maiores taxas de complicações, como erosão, lesão vesical e “de novo” IUE, quando comparado com a colporrafia anterior tradicional (14).
Finalmente, no mais recente estudo encontrado na literatura, publicado em 2017, Glazener et al., em ensaio multicêntrico, randomizado, controlado, compararam colporrafia anterior com tela sintética ou tela biológica, num seguimento de 2 anos, que envolveu 1348 mulheres. As conclusões deste estudo são que o reforço de um reparo vaginal com tela sintética ou biológica não melhoraram a efetividade do tratamento nem a qualidade de vida a curto prazo, porém, uma em cada dez pacientes teve alguma complicação (15).
Conclusão
Apesar de várias técnicas terem sido propostas ao longo da história da cirurgia vaginal, a taxa de sucesso a longo prazo ainda é questionável (16). A chave do problema do tratamento cirúrgico do POP está, de modo geral, em identificar estruturas, naturais ou artificiais, que forneçam a sustentação necessária para resultados adequados e persistentes.
Até o momento, não há evidência científica que apoie o uso de material sintético ou biológico no tratamento primário do PPVA. A maioria dos estudos existentes na literatura são ainda de seguimento curto. Como preconizado pela Associação Internacional de Uroginecologia (IUGA), a colporrafia anterior tradicional segue sendo o tratamento cirúrgico de primeira escolha, enquanto o uso de telas deve ser reservado para casos selecionados (recidivas, ausência de tecidos nativos apropriados), com os riscos de complicações inerentes a esta técnica sendo cuidadosamente informados para as pacientes (17).
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Distócia de Ombro
Autores:
Rodrigo Dias Nunes
Roxana Knobel
Claudia Magalhães
Carla Polido
Leila Katz
A distócia de ombros ocorre pela impactação óssea do diâmetro biacromial fetal entre o púbis e o promontório sacral maternos. É uma das emergências obstétricas mais temidas e imprevisíveis do parto. Dada a imprevisibilidade de sua ocorrência, profissionais que assistem partos devem estar alertas para sinais de iminência da distócia, para pronto diagnóstico e para o manejo adequado da situação (que se realizado em tempo preciso melhora desfechos maternos e perinatais).
Apesar de imprevisível, e acontecendo em torno de 50% das vezes em bebês com peso adequado para a idade gestacional, são fatores de risco para sua ocorrência a macrossomia fetal, diabetes gestacional materno descontrolado, primeiro e/ou segundo períodos do trabalho de parto prolongados, gestação prolongada, multiparidade, parto instrumentalizado, trabalho de parto precipitado, induzido ou prolongado, distócia de ombro em parto anterior. Ressalta-se que isoladamente, estes fatores não têm validade como preditores e que a distócia de ombro pode ocorrer mesmo na ausência de algum fator preditor, e não ocorrer caso um destes estejam presentes. Em 70-90% dos casos, não há fator de risco identificável.
O parto instrumental, o uso de ocitocina e a restrição da mulher ao leito na fase ativa do trabalho de parto também parecem associar-se a dificuldades de acomodação de partes fetais na pelve materna, levando à distócia de ombros.
Diagnostica-se a distócia de ombros quando ocorreu o desprendimento cefálico, sem progressão para desprendimento do diâmetro biacromial, após 60 segundos (um minuto). Geralmente, não ocorre a rotação externa espontânea, e observa-se a “chubby face” fetal: mesmo bebês com peso adequado apresentam a face comprimida contra a vulva materna, com mento fixo, e compressão das partes moles da face que causam a impressão de gordura facial excessiva.
O sinal da tartaruga (visualização da retração da cabeça fetal contra o períneo materno durante contrações) com frequência pode ser observado.
A correção da distócia deve ter por princípios:
- Aumentar o diâmetro anterior- posterior da pelve materna
- Diminuir o diâmetro biacromial do feto
- Alterar as relações entre a pelve materna e o biacromial fetal
No atendimento à distócia é importante manter a calma e conhecer os passos do manejo. Em qualquer posição materna partir sempre da manobra menos para a mais invasiva. Não há evidências de que uma manobra seja mais efetiva que outra, ou que haja uma ordem específica para sua realização.
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A gestante deve ser informada sobre a necessidade de manobras para retirada do bebê.
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Ampliar a equipe para atendimento da emergência, chamando imediatamente ajuda: dois obstetras experientes para o manejo, equipe de enfermagem de apoio, neonatologista para atendimento do recém-nascido, e anestesiologista caso sejam necessários procedimentos mais invasivos.
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Após 60 segundos do desprendimento cefálico, o assistente deve realizar a rotação externa da apresentação fetal (reconstituindo a rotação interna), e tracionar o polo cefálico com cuidado e firmeza, mantendo os parietais sob as palmas das mãos. Essa tração não deve exceder em força se houver a percepção da real impactação óssea do biacromial na pelve.
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Se a distócia for confirmada, realizar a manobra de McRoberts seja com o aumento do agachamento (na parturiente em posição vertical) ou com a hiperextensão das coxas sobre o abdome (parturiente deitada).
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Realizar a pressão supra-púbica (manobra de Rubin I) feita pelo auxiliar que estiver no lado do dorso/occipito fetal. Deve ser realizada por 30 segundos de forma contínua na diagonal, na tentativa de aduzir o ombro anterior. Se não houver sucesso, manter a manobra por mais 30 segundos em pulsos (como uma massagem cardíaca). A manobra pode ser realizada com o punho fechado ou com a mão espalmada.
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Colocar imediatamente a parturiente em quatro apoios. Essa medida, conhecida como manobra de Gaskin (“all fours”), é especialmente eficaz para aumento do diâmetro anteroposterior da pelve, além de permitir a mudança das relações entre os diâmetros fetais e maternos, princípios para a resolução da impactação óssea. Com a parturiente posicionada em quatro apoios, o assistente deve repetir a manobra de tração do polo cefálico para desprendimento, desta vez através do ombro posterior (que estará visível anteriormente em quatro apoios). Essa manobra isolada resolve cerca de 80% das distócias e por isso tem sido por alguns autores recomendada sua antecipação sempre que possível a ser realizada antes de manobras internas.
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Caso não se resolva com a posição de quatro apoios, com a parturiente ainda nessa posição, pode-se solicitar que ela eleve e dobre o joelho do lado do dorso fetal, posição de running start, como a posição de início de corrida (Figura 1). Essa posição maximiza a mobilidade da pelve, . Em caso de insucesso, partir para manobras internas.
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Manobras internas (em 4 apoios ou em posição de litotomia). No caso de parturientes sob anestesia, ou posicionadas fora de suítes PPP ou macas para parto verticalizado, já iniciar as manobras internas em decúbito dorsal, em posição de litotomia. Destacamos que as respostas, nesse modelo não verticalizado, são inferiores às medidas em quatro apoios (Gaskin).
- Inicia-se com a colocação dos dedos indicador e médio sobre a escápula posterior fetal, empurrando o concepto com o biacromial no diâmetro anteroposterior para um diâmetro oblíquo, com leve tração da cabeça simultânea para desprendimento (Rubin II) (Figura 2).
- Se não houver resposta, os dedos sobre a escápula posterior devem ser mantidos, e os dedos indicador e médio da mão contralateral do assistente devem posicionar-se sobre a clavícula fetal, anteriormente, repetindo a tentativa de rotação para o mesmo oblíquo (Woods) (Figura 3).
- Sem sucesso de resolução, os dedos indicador e médio do assistente colocados sobre a escápula fetal devem deslocar-se anteriormente para a clavícula ipsilateral, e os dedos sobre a clavícula posterior devem deslizar para a escápula posterior, realizando a rotação no sentido inverso, para o oblíquo seguinte (parafuso)(Figura 4).
- A retirada do ombro posterior (manobra de Jacquemier) pode ser realizada com a parturiente em Gaskin ou em posição de litotomia e é realizada introduzindo-se a mão que se encontra no lado da face do feto na chanfradura sacrociática da pelve materna passando pela face e ventre fetal até alcançar o braço posterior. A mão fetal deve ser tracionada delicadamente passando pelo ventre e pela face fetal. Esta manobra transforma o diâmetro biacromial em axiloacromial, de menor tamanho, e causa a rotação do feto, que é retirado em Occípito-sacra. Para essa manobra, um sling axilar pode ser necessário, com auxílio de uma sonda vesical para tração do membro superior fetal. Apesar de ser mais complexa, tem a vantagem de não necessitar a tração do polo cefálico. Esta manobra frequentemente fratura os ossos do braço, porém raramente provoca lesão nervosa.
- Excepcionalmente, nenhuma dessas medidas isoladas ou em conjunto serão suficientes para o desprendimento fetal. Nesse caso, medidas de resgate devem ser iniciadas. Entre elas, incluem-se a fratura de uma ou de ambas as clavículas fetais, a cesariana para resolução da distócia, a manobra de Zavanelli (que consiste em recolocar a cabeça fetal dentro do útero mediante anestesia geral com halogenados, e proceder para cesariana).
Hoffman, M. K., Bailit, J. L., Branch, D. W., Burkman, R. T., Van Veldhusien, P., Lu, L., … Zhang, J. (2011). A comparison of obstetric maneuvers for the acute management of shoulder dystocia. Obstetrics and Gynecology, 117(6), 1272–8. https://doi.org/10.1097/AOG.0b013e31821a12c9


Avaliação do canal anal na paciente com infecção genital pelo hpv - guia prático de orientação
Sidney Roberto Nadal:Livre docente em Cirurgia Geral pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Membro Titular e Especialista em Coloproctologia pela Sociedade Brasileira de Coloproctologia e Associação Médica Brasileira.
Membro Titular e Mestre do Capítulo de São Paulo do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (biênio 2016-2017)
Supervisor da Equipe Técnica de Proctologia do Instituto de Infectologia Emilio Ribas.
O colposcópio vem sendo usado há décadas para avaliar o colo uterino, identificando lesões cujo tratamento impediria a evolução para o carcinoma cervical. Sabe-se que mulheres com lesões genitais induzidas pelo papilomavirus humano (HPV), incluindo o carcinoma cervical, têm maior incidência de carcinoma espinocelular (CEC) anal e de suas lesões precursoras, sendo consideradas como população de risco para esse tipo de tumor.
Uma das similaridades da cérvix uterina e do canal anal é a presença de uma zona de transição, chama de linha pectínea, onde há a junção de dois epitélios distintos: o escamoso e o colunar. Nesta região é onde surgem a imensa maioria das malignidades. À semelhança do observado para a doença genital, o colposcópio também pode ser utilizado para rastreamento da infecção anal, possibilitando a identificação dos locais para biópsia e confirmação histológica da doença, que removida, evitaria o neoplasma maligno.
O HPV é o mais comum dentre os vários agentes infecciosos sexualmente transmissíveis que provocam doenças na região perianal. A maioria dos contágios pelo HPV não tem qualquer consequência clínica, mas cerca de 10% dos pacientes desenvolverá verrugas, papilomas ou displasias. Artigos da literatura indicam que a incidência de lesões anais em portadoras da doença genital varia de acordo com a gravidade desta última e com a associação de afecções que provoquem imunossupressão.
Entre as portadoras de lesões intraepiteliais de baixo grau (LIEBG), a incidência de alterações anais de qualquer grau chega a 20%. E atingem até 40% naquelas com LIE de alto grau (LIEAG) e carcinoma cervical, principalmente entre as portadoras do vírus da imunodeficiência adquirida (HIV). Outros grupos de risco incluem doentes imunodeprimidos crônicos por outras causas, como os submetidos aos transplantes de órgãos e os portadores de algumas doenças autoimunes que utilizam terapias imunossupressoras.
A possibilidade da detecção das lesões precursoras indica que programas padronizados de rastreamento para a prevenção do CEC anal e protocolos de tratamento deveriam ser instituídos para os doentes com risco.
Os esfregaços anais para citologia vêm sendo realizados com eficácia semelhante a das coletas cervicais. São descritas sensibilidades oscilando entre 42 e 98% e especificidades variando de 38 a 96%, quando os resultados foram comparados com os da histologia. Entretanto, não há padronização técnica para citologia anal, nem quanto à periodicidade de coleta.
Temos desenvolvido pesquisas para suprir essa carência, cujos resultados indicaram a colheita de material do canal anal, com escova, até cerca de quatro centímetros da borda anal, com movimentos de rotação, tomando cuidado para não tocar nas verrugas da margem anal e evitar contaminação. Na coleta convencional, esfregamos a escova em lâminas de vidro fazendo movimentos de rotação e em zigue-zague para que toda a área seja preenchida e todo o material possa entrar em contato com a superfície do vidro. Posteriormente, acomodamos as lâminas em recipiente plástico apropriado com álcool etílico a 70% para fixação. Na coleta em meio líquido, a escova é colocada dentro do tubo contendo o fluido de transporte, que posteriormente será centrifugado, fazendo com que o material mais pesado fique no fundo do frasco, de onde será colhido para o esfregaço.
A colposcopia anal (ou anuscopia de magnificação de imagens, ou ainda, anuscopia de alta resolução) tem sido indicada para biópsias dirigidas quando a citologia está alterada. Temos empregado o colposcópio convencional e colhemos material do canal anal para esfregaço, antes de iniciar o exame. Avaliamos o períneo e a pele perianal dois a três minutos depois da aplicação de gaze embebida em ácido acético a 3%, e procuramos por áreas acetobrancas. A seguir, introduzimos o anuscópio, localizando-o de maneira a expor a linha pectínea e a zona de transição do canal anal. Aplicamos ácido acético a 3% nessa região canal anal e aguardamos dois minutos para a leitura. Quando necessária, utilizamos solução iodada que cora as lesões sugestivas com menos intensidade, indicando os locais para biópsia.
Outra característica das lesões HPV induzidas é a incidência de recidivas. Revisando a literatura, encontramos índices entre 10 e 88%, dependendo do tratamento instituído. Entretanto, é difícil diferenciar dos casos de reinfecção. Há os que associaram as recidivas à presença da infecção latente pelo HPV no epitélio aparentemente normal.
Também indicamos o exame com o colposcópio para seguimento, após a cicatrização das áreas tratadas e na ausência de lesões clínicas. Não há consenso ou protocolo universalmente aceito quanto à periodicidade desse exame. Por isso, optamos por repetí-lo a cada seis meses até que três resultados consecutivos sejam negativos. Tratamos as lesões encontradas. Passado esse primeiro ano de seguimento, sugerimos controle anual para os doentes de risco, com citologia e colposcopia anal quando já ocorreu LIEAG e apenas com citologia nos casos com LIEBG, avaliando com o colposcópio quando estiver alterada.
Em resumo, o colposcópio pode ser usado para avaliação da margem e do canal anal em situações de rastreamento do CEC anal e suas lesões precursoras e para seguimento dos portadores de doença clínica pelo HPV, tratada, também com o intuito de detectar recidivas mais precocemente.
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