Revistas

Contracepção de Emergência

A gravidez não planejada no mundo é uma questão social e de saúde pública, gerando entre milhões de mulheres gestações indesejadas ou abortos inseguros, principalmente entre adolescentes e mulheres jovens com baixa condição socio-econômica e com pouca ou nenhuma educação formal. A quantidade de recém-nascidos entre adolescentes de 15 a 19 anos de idade atinge 15 milhões ao ano, sendo mais frequente em países de baixa e média renda.

A contracepção de emergência, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia (ACOG), é definida como um método que pode fornecer às mulheres uma maneira não arriscada de prevenir uma gravidez não planejada até 120 horas da relação sexual. São métodos seguros e bem tolerados, podendo ser considerado um marcador de comportamento sexual de risco, pois indica exposição ao sexo desprotegido ou falha do método contraceptivo. Mesmo assim, ainda permanece subutilizada, pois existem lacunas significativas sobre o conhecimento da utilização pelas usuárias, assim como barreiras ao seu acesso.

Ocupa uma posição única entre os métodos contraceptivos, realizada através de medicamentos hormonais ou dispositivos intrauterinos (DIU), podendo ser utilizados ​​após relações sexuais desprotegidas, falha contraceptiva (rompimento de preservativo, pílula esquecida) ou quando uma mulher tem intercurso sexual contra a vontade dela (coerção, agressão, exploração). Dentre os anticoncepcionais hormonais temos as píluas combinadas com etinilestradiol e levonorgestrel (método Yuzpe), o levonorgestrel, o acetato de ulipristal e menos comum, a mifepristona. Os métodos Yuzpe e levonorgestrel devem ser preferencialmente utilizadas até 72 horas após as relações sexuais e o acetato de ulipristal e o DIU de cobre até 120 horas. O método de Yuzpe utiliza pílula combinada na dose de 100 μg de etinilestradiol associado a 0,5 mg de levonorgestrel repetidos após 12 horas. O comprimido de levonorgestrel, que inicialmente foi utilizado em um regime de duas doses (dois comprimidos de 0,75 mg tomado com intervalo de 12 horas) e atualmente, em um regime de dose única (comprimido de 1,5 mg tomado uma única vez). O DIU deve ser inserido até 120 horas após a relação sexual, não devendo ocorrer mais do que cinco dias da ovulação se puder ser estimado esse dia, podendo fornecer proteção por 10 anos da sua inserção como contraceptivo de longa ação (LARC). A taxa de gravidez acumulada de 1 ano em mulheres que escolheram o DIU foi de 6,5% contra 12,2% das que escolheram o levonorgestrel. O uso do levonorgestrel previne cerca de dois terços das gestações, se iniciada no prazo de 24 horas do ato sexual.

A frequência no uso dos métodos hormonais tem aumentado nos últimos anos. Desde 1995, o uso constante da contracepção de emergência aumentou entre mulheres de 15 a 44 anos de idade nos Estados Unidos da América (EUA), de 0,8% em 1995 para 20% de 2011 a 2015 (figura1).

Os mecanismos de ação dos métodos para a contracepção de emergência não são completamente compreendidos. De modo geral, os métodos hormonais agem impedindo ou atrasando a ovulação. Outros mecanismos propostos incluem alterar níveis hormonais, interferir no desenvolvimento folicular, interferir na maturação do corpo lúteo e inibir a fertilização. Embora exista um potencial para a concepção na maioria dos dias do ciclo menstrual já que a ovulação é imprevisível, esse risco é mais alto quando a relação sexual desprotegida ocorre na janela fértil que se estende 5 dias antes da ovulação até o dia da ovulação. Para as mulheres que não utilizam qualquer método contraceptivo, é importante a história menstrual, pois deve-se estabelecer o momento da relação sexual desprotegida no período da ovulação.

Os métodos anticoncepcionais de emergência não apresentam contra-indicações absolutas para as formas mais comuns de contracepção. O uso de pílulas anticoncepcionais de emergência não é recomendado em mulheres grávidas, embora não existam evidências de danos conhecidos para a mulher, o curso de sua gravidez ou o feto. Recomenda-se realizar um teste de gravidez antes do seu uso se a gravidez não puder ser excluída com base na história e/ou exame físico. Devido o risco de aborto induzido da mifepristona, seu uso não é amplamente utilizado.

Os eventos adversos são relativamente leves, e podem incluir náuseas, vômitos, cefaléia e tontura. O método Yuzpe apresenta maior incidência de náuseas e vômitos do que o levonorgestrel. Quanto ao retorno das menstruações, o acetato de ulipristal parece ser mais propenso a provocar um retorno menstrual antes da data prevista do que nas usuárias de levonorgestrel, que por sua vez, são mais propensas do que as usuárias do método Yuzpe. O DIU pode estar associado a maior incidência de dor abdominal do que os outros métodos de contracepção de emergência.

Os métodos de contracepção de emergência não protegem contra as doenças sexualmente transmissíveis (DST), incluindo o HIV. Se existe um risco de DST/HIV, recomenda-se o uso correto e consistente de preservativos, para a proteção mais eficaz dessas doenças.

Algumas barreiras importantes são apontadas para a baixa utilização da contracepção de emergência, tais como práticas prescritivas, conhecimento na utilização, valor na aquisição do produto e acesso.

A desinformação sobre a contracepção de emergência é alta. Na Nigéria, somente 27,8% dos estudantes tinham um bom conhecimento sobre o método, a maioria das entrevistadas nunca a utilizou (87,2%). As que já usaram, o fizeram incorretamente (85,7%), mais de 72 horas após a relação sexual. Entre estudantes de medicina no noroeste da Índia, observou-se que somente 61,6% delas estavam cientes sobre o tempo de uso da contracepção de emergência, e a fonte de informação mais comum para essas estudantes foi através da mídia audiovisual (76,6%). Em Berlim, embora 8,7% das adolescentes nunca tenha ouvido falar da contracepção de emergência, 38,6% conheciam sua eficácia, mas apenas 12,7% conheciam o prazo para sua utilização.

Uma pesquisa objetivou conhecer a perspectiva dos balconistas de farmácias de ambos os sexos sobre a contracepção de emergência na Região Metropolitana do Rio de  Janeirol. Os entrevistados apresentaram concepções negativas sobre o método, enfatizando os riscos que podem provocar à saúde, sendo considerado uma “bomba hormonal” que pode levar à esterilização de mulheres jovens, ao câncer e outras doenças graves, por isso atribuem que a orientação e o aconselhamento sobre o uso do método deve ser de responsabilidade dos médicos ginecologistas e não dos farmacêuticos. Eles destacam ainda, os riscos do uso “descontrolado” ou “indiscriminado”, especialmente por adolescentes e mulheres jovens. Tal como apontado em outras investigações, demonstram desconhecimento técnico em relação à contracepção de emergência, revelando a baixa propagação de informações confiáveis sobre o método. Os resultados desta investigação recomendam a ampliação do debate sobre direitos sexuais e reprodutivos de homens e mulheres que precisam ter garantidos o acesso e a orientação para o uso da contracepção de emergência, em situações emergenciais, incluindo-se os farmacêuticos e balconistas de farmácias, além de profissionais de saúde e gestores públicos.

Todas as mulheres têm direito a informações, educação e aconselhamento baseados em evidências sobre os anticoncepcionais para garantir uma escolha informada. Essas escolhas são feitas em um determinado momento, contexto social e cultural, que muitas vezes são complexas e multifatoriais, onde a tomada de decisões geralmente requer a necessidade de conhecer as vantagens e desvantagens dos diferentes métodos, variando de acordo com as circunstâncias, percepções e interpretações individuais. A contracepção de emergência é um método seguro e eficaz para a prevenção de gestação não planejada, sendo sempre necessária a orientação sobre a utilização em condições excepcionais de sexo desprotegido ou na falha de um método, no entanto, não pode substituir uma contracepção rotineira e segura. 

 

 

Drogas Ilícitas durante a gravidez

O uso de drogas ilícitas aumentou em vários países do mundo, bem como no Brasil.1,2,3 Nos Estados unidos, 5% das gestantes relataram ter usado droga ilícita, sendo o uso da canabis  o mais comum, seguido da cocaína.4 O uso de álcool e drogas por mulheres grávidas pode resultar em significativa morbidade e mortalidade materna, fetal e neonatal. Em geral, as mulheres grávidas drogaditas são menos propensas a procurar cuidado pré-natal e têm taxas mais elevadas de HIV, hepatite e outras infecções sexualmente transmissíveis.4,5 A pesquisa para o uso de drogas deve fazer parte do cuidado obstétrico.6 A estratégia pesquisar, rápida intervenção e encaminhamento para tratamento é a abordagem ideal7.

Os principais CID 10 são: F14(transtornos devidos ao uso da cocaína,  F19(transtornos devidos ao uso de múltiplas drogas e outras substâncias psicoativas), T40.0(ópio), Z71.5 (aconselhamento e supervisão para abuso de drogas).

CANABIS

O princípio ativo da maconha é o delta-9-tetrahidrocanabinol, substância que atravessa com facilidade a barreira placentária.8,910 A utilização de canabis pelas mães leva a uma redução significativa, tanto no início como na duração da amamentação11.Em relação aos resultados do uso da maconha sobre o feto, há dificuldade para sua identificação precisa, pois há uma alta prevalência de pacientes que a usam concomitantemente a outras drogas, incluindo álcool e cigarro8. Foi verificado o aumento do risco de diversas malformações em mulheres que fizeram uso de maconha durante o pré-natal12. Entretanto esta foi uma casuística pequena e houve o uso concomitante frequente de cocaína e metanfetamina. Outros autores não relatam aumento das malformações em fetos expostos a canabis8. O resultado mais comum ligado à exposição à canabis no útero é a diminuição do peso ao nascer13. Em relação aos efeitos tardios para as crianças, foram relatados transtornos cognitivos e emocionais.14,15,16

COCAÍNA

A cocaína se consome mais frequentemente em sua forma solúvel (cloridrato de cocaína) ou em sua forma alcaloide, que em seu estado sólido, é conhecido como crack. O consumo conjunto de cocaína e álcool dão lugar a um metabólito, o cocaetileno. Este prolonga a sensação de euforia, produz maior depressão miocárdica e aumenta a vida média em 2,5 vezes em relação ao uso somente da cocaína.1,17 O uso de cocaína na gravidez está associado a convulsões, ruptura prematura das membranas e descolamento prematuro da placenta18. Pode levar ainda a pré-eclâmpsia grave, aborto espontâneo, parto prematuro e complicações no parto19. Estas gestantes devem receber cuidados médicos e psicológicos adequados, incluindo o tratamento de dependência, para reduzir esses riscos17. Os fetos expostos ao uso da cocaína durante a gravidez são frequentemente prematuros, têm baixo peso ao nascer, circunferência cefálica menor e menor estatura quando comparados a recém-nascidos não expostos.17,20

ESTIMULANTES

As anfetaminas causam euforia, aumento de energia e supressão do apetite.21 No entanto, a exposição a anfetamina durante os períodos do pós-parto precoce e tardio interrompem a interação mãe-bebê e encurta a duração da amamentação.22

“Ecstasy” (MDMA)

O que habitualmente se conhece com o nome de “ecstasy” é um derivado da molécula de anfetamina1. A exposição à metanfetamina durante a gravidez foi associada à morbidade e mortalidade materna e neonatal: aumento de duas a quatro vezes no risco de restrição do crescimento fetal21, 23 , pré-eclâmpsia, descolamento prematuro da placenta, parto prematuro, morte fetal, morte neonatal e morte infantil.24

OPIÁCEOS (Heroína)

Os tipos de opiáceos mais importantes são: morfina, codeína, meperidina, metadona, heroína e oxicodona1. O uso de opióides na gravidez aumentou drasticamente nos últimos anos, em paralelo com a epidemia observada na população em geral, levando a um aumento da mortalidade materna6. Os opiáceos, como a heroína, raramente causam anomalias congênitas25, mas como atravessam a barreira placentária podem levar à síndrome da abstinência fetal, cujos sintomas são: irritabilidade, choro excessivo, nervosismo, vômitos e diarreia26. Há uma maior incidência de parto prematuro em usuárias de opióides, principalmente quando associado ao uso concomitante de tabaco.27,28 Para mulheres grávidas usuárias de opiáceos, a farmacoterapia com agonistas opióides é a terapia recomendada.29,30

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES FINAIS

O uso de drogas ilícitas ocorre em 5-8 % das gestantes. Todas as gestantes devem ser inquiridas do uso do álcool, tabaco e de drogas ilícitas e/ou com prescrição. A maconha é a droga mais utilizada, seguida da cocaína.  O abuso de substâncias na gravidez pode levar a uma série de efeitos deletérios sobre a interação mãe-bebê. Tais efeitos variam com base na droga, época de exposição e extensão de uso. A conscientização das mulheres das graves consequências do abuso de substâncias no período periconcepcional, na gestação e pós-parto deve fazer parte da assistência primária à saúde.


AUTORA: Dra Venina Isabel Poço Viana Leme de Barros

Títulos: Mestre e Doutora em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Membro da Comissão Nacional de Pré-natal da Febrasgo.

Médica Assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

1 Gainza I, Nogué S, Martínez Velasco C, Hoffman RS, Burillo-Putze G, Dueñas A, et al. Intoxicación por drogas. An Sist Sanit Navar. 2003;26(SUPPL. 1):99–128.

 

2 WHO (World Health Organization). Management of substance abuse. Alcohol [Internet]. 2010]. Available from: http://www.who.int/substance_abuse/facts/alcohol/en/index.html, acessado em 16/01/2018

 

3 Carlini EA (supervisão). VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio das Redes Pública e Privada de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras – 2010. Senad. 2010.

 

4 Wong S, Ordean A, Kahan M. Substance use in pregnancy. Soc Obstet Gynaecol Canada. 2011;33(4):367–84.

 

5 Bartu, A., Sharp, J., Ludlow, J., and Doherty, D.A. (2006). Postnatal home visiting for illicit drug-using mothers and their infants: a randomised controlled trial. Aust. N Z J. Obstet. Gynaecol. 46, 419–426.

 

6 American College of Obstetricians and Gynecologists. Opioid Use and Opioid Use Disorder in Pregnancy. Committee Opinion No. 711. Obstet Gynecol. 2017;(130):81–94.

 

7 SAMHSA- HRSA. Center for integrated health solution. https://www.integration.samhsa.gov/clinical-practice/SBIRT. Acessado em 22/01/2018.

 

8 Gunn JKL, Rosales CB, Center KE, Nuñez A V., Gibson SJ, Ehiri JE. The effects of prenatal cannabis exposure on fetal development and pregnancy outcomes: A protocol. BMJ Open. 2015;5(3):1–6.

 

9 SAMHSA. (2011). Results from the 2010 National Survey on Drug Use and Health: Summary of National Findings.

 

10 Barbosa TD, Miranda MP, Nunes GF e, Schutte TS, Santos K, Monteiro DLM. Manifestações do uso de maconha e opiáceos durante a gravidez. Femina. 2011;39(8):403–7.

 

11 Bartu, A., Sharp, J., Ludlow, J., and Doherty, D.A. (2006). Postnatal home visiting for illicit drug-using mothers and their infants: a randomised controlled trial. Aust. N Z J. Obstet. Gynaecol. 46, 419–426.

 

12 Forrester MB, Merz RD. Risk of selected birth defects with prenatal illicit drug use, Hawaii, 1986-2002. J Toxicol Environ Heal - Part A Curr Issues. 2007;70(1):7–18.

 

13 Fergusson DM, Horwood LJ, Northstone K. Maternal use of cannabis and pregnancy outcome. BJOG 2002;109:21–7.

 

14 Fried PA, Watkinson B. Differential effects on facets of attention in adolescents prenatally exposed to cigarettes and marihuana. Neurotox Teratol. 2001;23(5):421-30.

 

15 Richardson GA, Ryan C, Willford J, Day NL, Goldschmidt L. Prenatal alcohol and marijuana exposure: effects on neuropsychological outcomes at 10 years. Neurotoxicol Teratol. 2002;24(3):309-20.

 

16 American College of Obstetricians and Gynecologists. (ACOG) Committee Opinion No 637. Marijuana use during pregnancy and lactation. 2015.

 

17 National Institute on Drug Abuse (NIDA). Cocaine. 2016;(May):1–38. https://www.drugabuse.gov/publications/research-reports/cocaine/what-are-effects-maternal-cocaine-use. acessado em 17/01/2018.

 

18 Wendell AD. Overview and epidemiology of substance abuse in pregnancy. Clin Obstet Gynecol. 2013;56(1):91-96. doi:10.1097/GRF.0b013e31827feeb9

 

19 Cain MA, Bornick P, Whiteman V. The maternal, fetal, and neonatal effects of cocaine exposure in pregnancy. Clin Obstet Gynecol. 2013;56(1):124- 132. doi:10.1097/GRF.0b013e31827ae167.

 

20 Gouin K, Murphy K, Shah PS, Knowledge Synthesis group on Determinants of Low Birth Weight and Preterm Births. Effects of cocaine use during pregnancy on low birthweight and preterm birth: systematic review and metaanalyses. Am J Obstet Gynecol 2011; 204:340.e1

 

21 Smith LM, LaGasse LL, Derauf C, et al. The infant development, environment, and lifestyle study: effects of prenatal methamphetamine exposure, polydrug exposure, and poverty on intrauterine growth. Pediatrics 2006; 118:1149.

 

22 Piccirillo M, Alpert JE, Cohen DJ, Shaywitz BA. Amphetamine and maternal behavior: Dose response relationships. Psychopharmacology (Berl). 1980;70(2):195–9.

 

23 Nguyen D, Smith LM, Lagasse LL, et al. Intrauterine growth of infants exposed to prenatal methamphetamine: results from the infant development, environment, and lifestyle study. J Pediatr 2010; 157:337.

 

24 Gorman MC, Orme KS, Nguyen NT, et al. Outcomes in pregnancies complicated by methamphetamine use. Am J Obstet Gynecol 2014; 211:429.

 

25 Yazdy MM, Mitchell AA, Tinker SC, Parker SE, Werler MM. Periconceptional use of opioids and the risk of neural tube defects. Obstet Gynecol 2013;122:838–44.

 

26 Kaltenbach K, Holbrook AM, Coyle MG, Heil SH, Salisbury AL, Stine SM, et al. Predicting treatment for neonatal abstinence syndrome in infants born to women maintained on opioid agonist medication. Addiction. 2012;107 Suppl(0 1):45–52.

27 Fajemirokun-Odudeyi O, Sinha C, Tutty S, Pairaudeau P, Armstrong D, Phillips T, et al. Pregnancy outcome in women who use opiates. Euro J Obstet Gynecol Reprod Bio. 2006;126(2):170-5.

 

28 Maghsoudlou S, Cnattingius S, Montgomery S, Aarabi M, Semnani S, Wikström A-K, et al. Opium use during pregnancy and risk of preterm delivery: A population-based cohort study. PLoS One. 2017;12(4):1–11.

 

29 Jones HE, Terplan M, Meyer M. Medically assisted withdrawal (detoxification): considering the mother–infant dyad. J Addict Med 2017;11:90–2.

 

30 Saia KA, Schiff D, Wachman EM, Mehta P, Vilkins A, Sia M, et al. Caring for pregnant women with opioid use disorder in the USA: expanding and improving treatment.Curr Obstet Gynecol Rep 2016;5:257–63

 

Fístula Vesicovaginal

A fístula vesicovaginal é uma comunicação anormal entre a bexiga e a vagina levando a uma perda contínua de urina através do canal vaginal. Considerada como uma condição sem esperança nos primórdios da humanidade, somente em 1675, na Suíça, que Johann Fatio realizou o primeiro reparo bem sucedido de uma fístula vesicovaginal. Representa sem dúvida uma das condições de maior impacto na qualidade de vida da mulher, levando a grande insatisfação, limitação e revolta do ponto de vida socioemocional(1,7).

As fístulas uroginecológicas podem ser classificadas conforme a sua topografia em: vesicovaginais (72,2%), ureterovaginais (21,4%), uretrovaginais (5,6%) e vesicouterinas (0,8%)(2,4).  

 

ETIOLOGIA:

As fístulas vesicovaginais resultam principalmente de lesões obstétricas e lesões iatrogênicas decorrentes de cirurgias ginecológicas, principalmente aquelas que ocorrem durante a histerectomia abdominal, vaginal e/ou laparoscópica. A radioterapia e o câncer ginecológico avançado também são causas comuns de fístula vesicovaginal(4,10).

Estima-se que 1% das histerectomias por neoplasia e 0,1% por patologia benigna possam evoluir com algum tipo de fístula. Os principais fatores de risco são presença de cesárea prévia, radioterapia, infecção e endometriose(4). Apesar da subnotificação em nosso país, acredita-se que haja um número crescente de casos de fístulas decorrentes de cirurgias de endometriose profunda, em especial as fístulas ureterovaginais, devido a ampla dissecção e isquemia deste órgão.

As fístulas vesicovaginais originadas de causas obstétricas diminuíram muito nos últimos anos em decorrência do aperfeiçoamento dos métodos obstétricos, porém ainda são comuns nos países em desenvolvimento, principalmente na África e na Ásia(3,5).

Outras causas incomuns de fístulas vesicovaginais incluem, conização cervical, cálculo vesical, tuberculose, traumatismo com fratura dos ossos pélvicos, sinfisiotomia e uso prolongado de pessário(2)

 

DIAGNÓSTICO: 

A anamnese deve ser minuciosa, caracterizando o tipo de perda urinária, a história pregressa de cirurgias, paridade, radioterapia e traumatismos uroginecológicos, se existentes. No exame físico, deve-se tentar identificar o orifício fistuloso no canal vaginal, a presença de sinais de infecção local e a presença de corpo estranho intravaginal. No entanto, nem sempre é possível identificar o orifício fistuloso apenas através do exame físico, sendo que em alguns casos podemos utilizar o teste com infusão de azul de metileno intravesical, que além de confirmar o diagnóstico da fístula poderá nos auxiliar na topografia e trajeto da mesma(4,6).

A cistostocopia é um exame obrigatório, pois permite avaliar a integridade uretral, identificar a presença de corpo estranho (fios de suturas, telas, litíase vesical), localizar e caracterizar o orifício fistuloso e sua relação de proximidade com os meatos ureterais, permitindo assim uma programação mais adequada e segura do tratamento(2,3).

Outros métodos como tomografia de vias urinárias, urografia excretora, histerossalpingografia, cistografia, pielografia ascendente, ultrassonografia e ressonância magnética podem ser úteis no diagnóstico, principalmente quando não se consegue identificar orifício fistuloso(2,6).

 

TRATAMENTO: 

A reparação das fístulas vesicovaginais é quase sempre cirúrgica, uma vez que a abordagem conservadora falha na maioria dos casos. Porém, nas fístulas pequenas, não infectadas, bem vascularizadas e não irradiadas pode-se tentar a utilização prolongada de sonda de demora, associado ou não à fulguração do trajeto fistuloso com laser ou eletrocautério. O uso de estrogenioterapia também é útil para melhorar o trofismo vaginal(8,9).

O período ideal para realizar a abordagem cirúrgica das fístulas vesicovaginais depende basicamente das condições locais dos tecidos. Abordagem precoce tem sido preconizada pela maioria dos autores, pois diminui o trauma e o impacto socioemocional do paciente. Nas fístulas infectadas ou após radioterapia, indica-se intervenção tardia, pois é necessário a recuperação tecidual adequada(2,9).

O tratamento cirúrgico apresenta taxa de sucesso de 90% na primeira intervenção, quando realizado por cirurgiões experientes e habituados aos detalhes técnicos(4,6). A cirurgia consiste na individualização e exposição ampla da mucosa vaginal ao redor da fístula, de uma hemostasia rigorosa, da aproximação dos tecidos com pontos separados sem provocar isquemia, utilizando fios absorvíveis. A seguir, recomenda-se uma drenagem vesical pós-operatória por um período prolongado, 10 a 15 dias com manutenção de sonda. Se necessário, podemos realizar a interposição de tecidos (epiplon, gordura pré-retal, coxin vascular dos grandes lábios, dentre outros) entre o músculo detrusor e a mucosa vaginal(2,6,8).

A via de acesso pode ser abdominal transvesical, descrita pela primeira vez por Trendelenburg em 1890 ou transperitoneal descrita por Von Dittel em 1893. A via vaginal por sua vez foi descrita inicialmente por Latzko em 1914 sendo a preferida pela maioria dos ginecologistas(1). A escolha da via de acesso dependerá basicamente da experiência do cirurgião, do tamanho, da localização e da necessidade de outros procedimentos tais como reimplante ureteral. Contudo, a abordagem via vaginal associa-se à alta hospitalar mais precoce, menos dor no pós-operatório e uma morbidade menor se comparada à via abdominal.

 

CONCLUSÃO: 

A fístula vesicovaginal é uma condição incapacitante de grande impacto na qualidade de vida da mulher, por isso um diagnóstico e tratamento precoce deverão ser sempre preconizados. É necessário que se faça também um maior investimento, aprimoramento e capacitação dos cirurgiões ginecológicos, assim como a criação de programas e medidas preventivas de assistência ao parto

 

AUTOR:

Jânio Serafim de Sousa

Renata Bisinoto Maluf

 

INSTITUIÇÃO: Hospital de Base do Distrito Federal - HBDF

 

BIBLIOGRAFIA

  1. Rock AJ, Thompson DJ. Te Linde ginecologia operatória: 8a ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A, 1999.
  2. Ribeiro MR, Rossi P, Pinotti JA. Uroginecologia e cirurgia vaginal: 1a ed. São Paulo: Editora Roca Ltda, 2001.
  3. Toledo LGM, Santos VE, Maron PEG, Vedovato BC, Perez MDC. Fístula vesicovaginal continente. Einstein. 2013; 11(1):119-21.
  4. Almeida FG, Zambon JP. Urologia fundamental
  5. Abreu RD, Varregoso J, Vaz I, Gomes C. Fístula vesico-vaginais: uma visão sobre Moçambique. Rev Clin Hosp Prof Dr Fernando Fonseca. 2015; 3(2):27-32.
  6. Cardoso A, Soares R, Correia T, Reis F, Cerqueira M, Almeida M, Prisco R. Abordagem Terapêutica de fístula vesico-vaginal – análise retrospectiva e revisão temática. Acta Urológica. 2009; 26;1:19-25.
  7. Singha V, Jhanwar A, Mehrotra SB, Paul SC, Sinhaa RJ. A comparison of quality of life before and after successful repair of genitourinary fistula: Is there improvement across all the domains of. African Journal of Urology. 2015; 21,230–234.
  8. Zhang WY, Zhang XP, Sun YR, Wang HR, Xu KX. Comparison and discussion of diferente surgical methods used to treat vesicovaginal fistulas. Beijing da xue xue Bao Yi Xue Ban. 2017; 18:49(5) 889-892.
  9. Torloni MR, Riera R, Rogozinska E, Tunçlp O, Gulmezoglu AM, Widmer M. Systematica review of shorter versus longer duration of blandder catheterization after surgical repair of urinary obstetric fistula. Int J Gynecol Obstet. 2018; 1–8.
  10. Li F, Guo H, Qiu H, Liu S, Wang K, Yang C, Tang C, Zheng Q, Hou Y. Urological complications after radical hysterectomy with postoperative radiotherapy and radiotherapy alone for cervical câncer. Medicine Baltimore. 2018; 97(13).

 

 

Anticoncepção em Mulheres com HIV/AIDS

Atualmente, no mundo, estima-se 18 milhões de mulheres, com idade acima de 15 anos, infectadas pelo vírus da Imunodeficiência humana (HIV). Estes dados demonstram a importância sobre o conhecimento e aconselhamento dos métodos contraceptivos nesta população.

Em mulheres infectadas pelo HIV e sem o desejo de gestar, a anticoncepção de alta eficácia deve ser incentivada e sempre associada ao uso consistente e correto de um método de barreira eficaz, como o preservativo masculino ou feminino, em todas as relações sexuais. Neste grupo, a dupla proteção faz parte das estratégias globais de saúde pública para redução da transmissão vertical (materno fetal) e horizontal do vírus (parceiros sexuais não infectados).

Na categoria de métodos anticoncepcionais de alta eficácia incluímos: os contraceptivos orais combinados (COCs), os injetáveis mensais, os adesivos, os anéis vaginais, as pílulas só com progestagênios (POP), os injetáveis de progestagênios (AMPd- acetato de medroxiprogesterona e NET-EN- enantato de noretisterona), os implantes (LNG-levonorgestrel e ETG-etonogestrel), os dispositivos intrauterinos com levonorgestrel (DIU-LNG) e dispositivos intrauterinos com cobre (DIU_Cu). Em pacientes com prole completa, sem desejo de novos filhos, ainda dispomos dos métodos definitivos, como a vasectomia e laqueadura tubária.

Métodos de barreira como, capuz cervical e diafragma, não são recomendados para estas mulheres (CME categoria 3) pela falta de proteção na transmissão do vírus HIV aos seus parceiros. Os espermicidas, inclusive, são até contraindicados por aumentar a chance desta transmissão (CME categoria 4).

Mulheres infectadas pelo HIV assintomáticas, com manifestações clínicas leves (Estágios 1 e 2 da OMS) ou manifestação de doença grave ou avançada (Estágios 3 e 4 da OMS) podem usar sem restrição todos os métodos contraceptivos hormonais (CME categoria 1). De um modo geral, podem usar os DIUs de LNG e Cu (CME categoria 2) quando assintomáticas ou com manifestações clínicas leve da doença (Estágios 1 e 2 da OMS). Entretanto, quando estão com quadro clínico de doença grave ou avançada (Estágios 3 e 4 da OMS) não devem iniciar o uso do DIU-LNG e DIU-Cu (CME categoria 3 para início) até que o quadro clínico da doença regrida para estágios clínicos iniciais ou se torne assintomática. Por outro lado, se, estas mulheres infectadas com sintomas leves, apresentarem evolução da doença clínica para estágios mais elevados (Estagios 3 e 4 OMS) usando o DIU, eles não precisam ser removidos (CME categoria 2 para continuação) enquanto se aguarda a melhora do quadro clínico.

As mulheres infectadas com o vírus e que fazem uso de terapia antirretroviral combinada (TARV) de uma maneira geral podem utilizar todos os métodos contraceptivos hormonais (CME categoria 1 e 2). Da mesma forma, os DIUs de LNG e CU também podem ser utilizados (CME categoria 2), desde que estas mulheres em uso de TARV estejam assintomáticas ou com sintomas leves da doença.

As mulheres que fazem uso de Inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa (NRTIs), Inibidores não nucleosídeos da trascripitase reversa (NNRTIs) mais novos contendo etravirina e rilpivirina e Inibidores da Integrase (II) podem usar sem restrições todos os métodos contraceptivos hormonais (CME Categoria 1).

As que utilizam NNRTIs contendo efavirenz ou nevirapina ou Inibidores da protease (IP) contendo ritonavir, podem usar sem restrição o AMPd (CME Categoria 1) e, geralmente, podem usar COCs, CICs, adesivos e anéis contraceptivos combinados, POPs, NET-EN e implantes de LNG e ETG (categoria 2 do CME),

As mulheres infectadas pelo HIV em uso de qualquer associação antirretroviral (NRTI, NNRTI, IP ou II), de modo geral podem usar o DIU-LNG ou DIU-Cu (CME Categoria 2), desde que a paciente esteja assintomática ou com manifestação clínica da doença inicial (Estágio 1 ou 2 OMS).

 Mulheres em uso de TARV com doença clínica grave ou avançada (Estágio 3 ou 4 da OMS) não devem iniciar uso do DIU-LNG ou DIU-Cu (CME Categoria 3 para iniciação) até que sua doença tenha regressão para estágios clínicos iniciais ou se torne ou assintomática.  Caso a paciente portadora do HIV, usuária de DIU e TARV desenvolva manifestações clínicas que evoluam para a forma grave ou avançada da doença (Estágio 3 ou 4 da OMS) o DIU não precisa ser removido (CME Categoria 2 para continuação).

 

CRITÉRIOS MÉDICOS DE ELEGIBILIDADE CONTRACEPTIVA (CME) DA OMS

CATEGORIA

CONDIÇÃO

COM AVALIAÇÃO

CLÍNICA COMPLETA

COM AVALIAÇÃO

CLÍNICA LIMITADA

1

Condição para a qual não existe restrição ao uso do método anticoncepcional

Usar o método em quaisquer circunstâncias

SIM

(Sim usar o método)

2

Condição onde as vantagens do uso do método geralmente

se sobrepõem aos riscos teóricos ou comprovados

Geralmente usar o método

3

Condição onde os riscos teóricos ou comprovados geralmente

se sobrepõem às vantagens do uso do método

Uso do método geralmente não recomendado a menos que outros métodos mais adequados não estejam disponíveis ou não sejam aceitáveis

NÃO

(Não usar o método)

4

Condição que representa um risco inaceitável para a saúde

caso o método anticoncepcional seja utilizado

O método não deve ser utilizado

 OMS – Organização Mundial da Saúde

 

ESTÁGIOS

MANIFSTAÇÃO CLÍNICA DAS PACIENTES INFECTADAS PELO HIV PELA OMS

1

infecção pelo HIV é assintomática e não classificada como AIDS

2

inclui pequenas manifestações mucocutâneas e recorrentes infecções do trato respiratório superior

3

inclui diarreia crônica inexplicada por mais de um mês, as infecções bacterianas e a tuberculose pulmonar

4

a toxoplasmose cerebral, candidíase do esôfago, traqueia, brônquios e pulmões e o sarcoma de Kaposi; essas doenças são indicadores da AIDS

HIV – vírus da imunodeficiência humana adquirida

OMS – Organização Mundial da Saúde

 

CATEGORIAS ARV

DROGA

Inibidores Nucleosídeos da Transcriptase Reversa (NRTIs)

Abacavir (ABC)

Tenofovir (TDF)

Zidovudina (AZT)

Lamivudina (3TC)

Didanosina (ddI)

Emtricitabina (FTC)

Stavudina (D4T)

Inibidores Não Nucleosídeos da Trascripitase Reversa (NNRTIs)

Efavirenz (EFV)

Etravirina (ETR)

Nevirapina (NVP)

Rilpivirina (RPV)

Inibidores da Protease

(IP)

Ritonavir-boosted atazanavir

(ATV/r)

Ritonavir-boosted lopinavir (LPV/r)

Ritonavir-boosted darunavir (DRV/r)

Ritonavir (RTV)

Inibidores da Integrase

(II)

Raltegravir (RAL)

ARV - antirretrovirais

 

Conceitos de sensibilização central em pacientes com endometriose

A dor pélvica crônica (DPC) é definida como a dor por seis meses ou mais e pode afetar cerca de 10 a 20% das mulheres em algum momento de suas vidas. A Síndrome de dor pélvica crônica (SDPC) é a ocorrência de DPC, quando não há comprovação da doença local, associada com alterações cognitivas, comportamentais, sexuais, emocionais e com disfunção do assoalho pélvico.

A endometriose (EDM) é reconhecida como uma das causas mais comuns e é vista em até 70% das mulheres com dor pélvica crônica. Sabemos que é comum haver pouca relação entre a gravidade da endometriose e a intensidade de dor que uma pessoa sente. Algumas mulheres com endometriose profunda não têm dor, sendo diagnosticadas quando apresentam queixa de infertilidade; outras pacientes têm dor forte e evidencias mínimas de focos de EDM durante uma laparoscopia. A cirurgia não é sempre eficaz para eliminar a dor, cerca de 10% das pacientes continuam a sofrer com dores persistentes. Como explicar isto? Uma resposta reside no fenômeno denominado sensibilização do sistema nervoso central, ou seja, a  memória de dor.

A dor é uma experiência subjetiva desagradável, onde é o sistema nervoso central (SNC) que normalmente alerta e protege o corpo de estímulos potencialmente nocivos. A dor crônica, no entanto, é patológica em si, e muitas vezes persiste bem depois de um estímulo iniciante ou da lesão ter sido resolvida. É um resultado de rearranjos funcionais e estruturais do SNC, para manter a percepção da dor e facilitar sua expansão para regiões distantes. Sabe-se que os aferentes viscerais primários entram na medula espinal e arborizam extensivamente para penetrar em vários segmentos espinais, acima e abaixo do segmento de entrada. Estes aferentes estabelecem contato sináptico, com neurónios superficiais e profundos do corno dorsal ipsilateral e contralateral. O resultado é uma ativação ampla e difusa do sistema nervoso central.

Acredita-se, também, que as conexões entre estruturas espinhais e supraespinhais, as chamadas projeções supraespinhais, estejam envolvidas no processo de sensibilização para hiperalgesia visceral. Essas projeções estão relacionadas aos reflexos autonômicos e motores que acompanham a dor visceral e podem explicar a ocorrência de náuseas, alterações intestinais e urinárias, o caráter difuso e mal localizado da dor visceral e também o aumento da tensão muscular da parede abdominal, decorrente da dor referida. A endometriose é uma doença que tem influências hormonais e caráter inflamatório e as lesões envolvem os sistemas reprodutivo, endócrino, vascular, musculoesquelético e neuronal.

Assim, o conhecimento da fisiopatologia da dor pélvica crônica facilita o entendimento da dor referida e da hiperalgesia viscero-visceral, tão comuns nas pacientes com endometriose. Estudos recentes de ressonância magnética funcional mostram que a mulher que relata dismenorreia de forte intensidade por longos períodos tem maior ativação de áreas nociceptivas de percepção da dor no cérebro, o que poderia levar a outros quadros de dores crônicas no futuro. Todos estes fenômenos envolvidos na sensibilização central explicam a presença maior de co-morbidades em mulheres com endometriose, como por exemplo a associação com síndrome da bexiga dolorosa, síndrome miofascial, cefaléia e fibromialgia.

E por que apenas algumas pessoas experimentam sensibilização central e outras não? Pesquisas iniciais mostram que são muitos fatores: genética, exposição crônica à dor, estressores, experiências traumáticas e gênero. As mulheres são até 2 vezes mais propensas do que os homens a ter essa condição após estímulos dolorosos de qualquer natureza.

Reconhecer a presença de diferentes tipos de dor relacionados à endometriose é o primeiro passo para estabelecer um plano de tratamento. A falha na resolução dos sintomas após uma cirurgia para endometriose, pode ser, às vezes, ser explicado pela presença de dor centralizada residual.

Em resumo, alguns dos sintomas dolorosos que acompanham pacientes com endometriose podem não ser diretamente causados pela doença em sí, mas pelo impacto da dor crônica no sistema nervoso central e no desenvolvimento da memória de dor.  A dor centralizada pode levar a dor no músculo da bexiga, do intestino, do assoalho pélvico e de locais à distância. A compreenssão dos mecanismos de sensibilização central envolvidos na doença faz com que o tratamento não seja focado apenas na periferia (pelve), mas sim no sistema nervoso central e a precocidade do tratamento da dor é fundamental no prognóstico e qualidade de vida destas pacientes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sífilis na gravidez

A ocorrência de sífilis na gestação vem assustando os profissionais de saúde pelo fato de estar apresentando grande frequência e severas repercussões ao ambiente fetal. No Brasil apresentou alta constatada de 1047% entre 2005 e 2013 e aumento no número de notificações de sífilis congênita de 135%. De maneira geral, não se entende porque ainda não conseguimos controlar o problema da sífilis congênita, já que o agente é bem conhecido, os exames de detecção estão disponíveis e o agente apresenta alta suscetibilidade à penicilina, que é uma droga de fácil acesso e baixo custo. Fazendo paralelismo entre o controle da transmissão vertical do HIV e da sífilis, não se consegue compreender como alcançamos  enorme sucesso no controle da primeira e apresentamos resultados tão desastrosos no controle da segunda!

Dados mundiais evidenciam que a maior parte dos mais de 12 milhões de casos anualmente registrados pela OMS ocorre em países menos favorecidos, estando associada a 90.000 mortes neonatais e 65.000 recém-nascidos prematuros ou de baixo peso. A sífilis materna não tratada resultou em aproximadamente 304.000 mortes fetais e perinatais e mais de 216.000 crianças infectadas com risco de morte precoce.

As repercussões da sífilis na gestação incluem graves efeitos adversos para o concepto, desde abortos, óbitos fetais e neonatais até recém-nascidos vivos com sequelas diversas da doença, que poderão se manifestar até os 2 anos de vida. Mais de 70% das crianças infectadas são assintomáticas ao nascimento, sendo de fundamental importância o rastreamento na gestante. Esse deve ser realizado no início da gestação e no início do terceiro trimestre e novamente na admissão para parto ou aborto, visando identificar e tratar  precocemente as infectadas.

É bem infrequente uma gestante apresentar doença clínica, já que as lesões de fase primária, o cancro ocorrem em canal vaginal ou colo de útero e passam despercebidas; entretanto, em qualquer gestante que refira lesão ulcerada em região genital, atual ou prévia, sífilis deve sempre ser considerada. A presença de rash cutâneo que acometa palma de mãos e planta de pés deve levantar a possibilidade de sífilis na fase secundária assim como a presença de condiloma plano. A maioria das gestantes atendidas em pré-natal e diagnosticadas com sífilis se apresenta assintomática e sem história prévia de infecção ou tratamento, sendo, então, diagnosticadas na fase latente indeterminada da doença. Trabalho nacional de 2006 identificou que 87% das gestantes diagnosticadas, se encontrava na fase latente.

O risco de transmissão vertical é muito elevado na doença sintomática (fases primária e secundária) variando de 90 a 100%. Nas fases latentes e terciária o risco varia entre 10 e 30%. A transmissão será maior quanto mais avançada for a gestação, já que a permeabilidade da barreira placentária aumenta com a idade gestacional, sendo também  maior nas fases primária e secundária, pois a carga de treponema circulante é maior nessa situação.

A identificação da infecção na gestação inclui a realização de testes laboratoriais, já que a maioria das mulheres se encontra assintomática. O fluxograma padrão inclui a realização de um teste não treponêmico (VDRL ou RPR) associado a um teste treponêmico (TPHA ou FTA- Abs). Os testes não treponêmicos (VDRL, RPR) apresentam a vantagem de serem muito sensíveis e poderem ser titulados, o que auxilia na avaliação de resposta ao tratamento. Entretanto, como se baseiam na detecção de anticorpos anticardiolipina, essas reações podem apresentar resultados falso-positivos (menos de 2%); eles também podem apresentar resultados falso-negativos em até 25% dos indivíduos em fase latente da doença. Como essa situação é frequente em gestantes, recomenda-se a realização simultânea de testes não treponêmicos e treponêmicos. Os testes treponêmicos (FTAAbs, TPHA, Teste rápido) são específicos para sífilis e confirmam o diagnóstico da doença. Entretanto, mesmo após tratamento adequado eles não negativam, persistindo como marca sorológica da infecção.

Outra opção é realizar inicialmente uma prova treponêmica automatizada, com a utilização de técnicas imunoenzimáticas (CLIA ou CMIA, pelo seu baixo custo e automatização; apresentam alta sensibilidade, mas menor especificidade). Assim, frente a uma prova imunoenzimática negativa, pode-se descartar a presença da infecção. Entretanto, frente a uma prova positiva deverá ser realizada confirmação com a realização de VDRL e TPHA/FTA-Abs. Caso o teste CLIA ou CMIA seja positivo e o VDRL e TPHA negativos, trata-se de um exame falso positivo. Frente a um CLIA/CMIA positivo e provas de VDRL/TPHA positivos confirma-se a presença de sífilis. Essa abordagem é sugerida para locais com boa infraestrutura laboratorial.

A partir de 2015 O Ministerio da Saúde incluiu o rastreio de gestantes com a realização de teste rápido, que apresenta excelente sensibilidade e especificidade. Como são testes treponêmicos, a sua positividade já confirma a presença de infecção e autoriza o tratamento.; o VDRL deve ser realizado para controle de cura, já que o teste rápido também não negativa após tratamento.

 O tratamento deve ser realizado com a utilização de penicilina, já que não existe evidência de que nenhuma outra droga consiga tratar adequadamente o feto intra-útero. O tratamento deve ser realizado o mais precoce possível, já que, pelas altas taxas de TV, se for realizado após a 14ª semana se  considera tratamento de feto potencialmente infectado intra-útero. As doses de penicilina recomendadas são definidas a partir do diagnóstico de infecção recente ou tardia. Nas situações de doença nas fases primária e secundária, a dose recomendada de penicilina benzatina é de 2.400.000UI divididas em duas injeções em cada um dos glúteos.

A maioria das gestantes, entretanto, se encontra assintomática e sem referir historia previa de tratamento ou conhecimento da infecção. Nessa situação, o diagnóstico é de fase latente indeterminada, devendo ser tratada com 7.200.000UI, divididas em 3 aplicações semanais de 2.400.000UI.

A eficácia da penicilina em prevenir ou tratar a infecção fetal é bastante elevada.

 O parceiro sexual deverá ser sempre convocado pelo serviço de saúde para orientação, avaliação clínica, coleta de sorologia e tratamento. O diagnóstico de sífilis numa gestante exige a adoção de programa de acompanhamento intensivo, com ênfase no risco de reinfecção. Frente a esse ponto, recomenda-se a realização de VDRL mensal após tratamento, devendo o uso de condom ser sempre estimulado.

A adequada assistência pré-natal deve incluir medidas de prevenção ou tratamento para qualquer agravo que possa incorrer em acometimento fetal. A pesquisa e tratamento de sífilis é uma das medidas que seguramente irão impactar em redução de morbidade e mortalidade dessas crianças.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

  1. Ministério da Saúde - Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas da transmissão vertical do HIV, sífilis e hepatite B. Ministério da Saúde, novembro de 2015
  2. Arnesen L, Serruya S, Durán P. Gestational syphilis and stillbirth in the Americas: a systematic review and metanalisis. Rev Panam Salud Publica 37 (6), 2015
  3. Gomez GB, Kamb ML, Newman LM, Mark J, Broutet N, Hawkes SJ. Untreated maternal syphilis and adverse outcomes of pregnancy: a systematic review and meta-analisis.Bull World Health Org : 91:217-226, 2013
  4. Walker GJA. Antibióticos para sífilis diagnosticada durante el embarazo (Revisión Cochrane traducida). En: 2008 Número 4. Oxford: Update Software Ltd. Disponible en: http://www.update-software.com. (Traducida de , 2008 Issue 3. Chichester, UK: John Wiley & Sons, Ltd.).
  5. ClementME, Okeke NL, Hicks CB. Treatment of syphilis: a systematic review. JAMA Nov 12;312(18):1905-17, 2014.
  6. Newman L, Kamb M, Hawkes S, gomez G, Say L, Seuc A, Broutet N. Global estimates of syphilis in pregnancy and associated adverse outcomes: analysis of multinational antenatal surveillance data. Plos One Med, Feb, vol 10, issue 2, 1-9, 2013

 

 

 

Dispositivo intrauterino em nulíparas

Os dispositivos intrauterinos são sempre lembrados como um método contraceptivo moderno, embora sua origem já tenha referência desde a antiguidade. Desde então surgiram várias indicações e dentre elas o uso como pessários para o tratamento de prolapso (1868). A partir de 1920 as pesquisas do uso dos dispositivos como método contraceptivo, se iniciaram com Grafenberg na Alemanha que estudava modelos de DIU e caudas que impedissem aumento na taxa  de infecção uterina. O descrédito devido as notificações de doença inflamatória pélvica foram motivos de várias publicações e ainda em 1960 o DIU só era recomendado quando outros métodos falhassem repetidamente ou eram inaceitáveis.
Em 1962 ocorreu a primeira conferência da Population Council e a partir de então surgiram vários modelos e o método teve um impulso até que aconteceram nos Estados Unidos casos de infecção com o DIU Dalkon Shield a ponto de termos 195.000 reclamantes na justiça em 1996.
Sem dúvida, se imaginarmos que há pouco mais de duas décadas o DIU era tido com responsável por doença inflamatória pélvica, encontraremos as razões da pouca aceitação pelas usuárias.
Todos esses anos de dúvidas acerca da segurança do método, mesmo com significativo aumento de publicações na última década, não foi suficiente para que houvesse interesse para o uso em larga escala pelos profissionais de saúde e pacientes.
Apesar das restrições da bula (Minera - levonorgestrel) não é o método de primeira escolha para mulheres jovens que nunca engravidaram e da mudança na bula do DIU de cobre ter ocorrido apenas na última década, ser critério de elegibilidade da Organização Mundial de Saúde e Center for Disease Control norte americano como categoria 2 e das preocupações de mães e adolescentes, o que encontramos no dia a dia dos consultórios é uma procura maior, ainda que lenta, das adolescentes, o que encontramos no dia a dia dos consultórios é uma procura maior, ainda que lenta, das adolescentes nulíparas pelo uso de um método "não esquecível" em substituição aos mais utilizados em todo o mundo que são os contraceptivos orais.
Em recente estudo nos Estados Unidos, com o objetivo de elaborar recomendações baseadas em evidências clínicas para o uso do DIU em nulíparas, foram avaliados 5 modelos de DIU (4 com levonorgestrel e 1 com cobre) com questões de ordem prática, tais como: falha do método em nulíparas, em relação a multiparas se houve maior taxa de expulsão, efeitos colaterais, doença inflamatória pélvica, dor e dificuldade na inserção e risco de infertilidade.
A importância deste estudo nos Estados Unidos é que a grande maioria das adolescentes (87%) eram nulíparas e o fato da Academia Americana de Pediatria e o Colégio Americanos de Obstetras e Ginecologistas (ACOG) colocarem os DIU's entre os métodos de primeira escolha, numa população em que 75% das gestações em adolescentes são "não planejadas".

Orientação de anticoncepção para pacientes com cefaléias

Entre as mulheres a cefaleia e a enxaqueca são os transtornos neurológicos mais frequentemente observados, podendo ocorrer em  70% ou mais na dependência da população estudada. Na maioria das vezes são destituídas de maior gravidade, sendo as tensionais e crônicas diárias as mais referidas.  

Para podermos orientar na anticoncepção adequada há necessidade de conhecermos a classificação das cefaleias, normatizadas pela Sociedade Internacional de cefaleias. Nesta divisão a enxaqueca é diferenciada de outras cefaleias que podem ser tensional, em salvas, primária, secundária, por neuralgias, ou outras causas. A enxaqueca ou migrânea pode ocorrer com ou sem aura.

A enxaqueca é menos frequente, com prevalência de aproximadamente 18% no sexo feminino, incidindo mais dos 25 aos 55 anos. É caracterizada por dor latejante insidiosa, unilateral, pulsátil, com intensidade que pode causar incapacidade, com duração variável que pode atingir 72 horas. Piora com movimentos, na presença de luz, sons e odores. Na grande maioria das vezes são acompanhadas de náuseas, vômitos e aura. Aura é descrita como a presença de sintomas ou sinais que antecedem ou ocorrem logo após o inicio da enxaqueca, os mais referidos são faixas de luz (escotomas luminosos), amaurose transitória ou parcial, alterações na fala, tremores nas mãos. Estas queixas costumam durar de 15 a 30 minutos e desaparecem progressivamente. A prevalência de enxaqueca com aura é de 5%. O conhecimento destas manifestações tem importância, pois está associado a um aumento de risco de complicações, como o acidente vascular cerebral que nestas pacientes  esta aumentado de 2-3 vezes.

A orientação da anticoncepção depende do diagnóstico do tipo de cefaleia.

Algumas perguntas simples podem nos auxiliar para diferenciar cefaleia de enxaqueca, são elas:

  • Você tem dores de cabeça que duram algumas horas até alguns dias?
  • A luz incomoda mais do que de costume?
  • Isto a impede de trabalhar, estudar?
  • Apresenta  náuseas, vômitos? Alteração visual?

A presença de 3 respostas afirmativas indicam um alto valor preditivo de diagnóstico de enxaqueca.

Pacientes com cefaleia leve ou moderada não apresentam contraindicação para o uso de qualquer método inclusive os hormonais combinados. Todos são considerados categoria 1 ou 2 pela OMS. Durante o acompanhamento preste atenção se a usuária referir aumento da frequência ou intensidade da cefaleia. Nesta condição a troca para um hormonal só com progestagênio seria mais adequado.

Em mulheres com enxaqueca a prescrição do método anticoncepcional dependerá da idade e da presença de aura.

A utilização dos anticoncepcionais hormonais combinados está associada a maior risco de acidente vascular cerebral, especialmente nas mulheres com enxaqueca com aura. (2 a 4 vezes).  Desta forma, a anamnese deverá ser criteriosa em relação ao tipo de cefaleia e aos sintomas que a rodeiam.

Pacientes que referem enxaqueca sem aura podem inicialmente utilizar os hormonais combinados, que passam a ser  contraindicados após os 35 anos ou se durante o uso houver piora da sintomatologia, pois os riscos de complicações aumentam. Oriente em relação as interações medicamentosas.

Nas mulheres com enxaqueca que mencionam aura há contraindicação na utilização de métodos hormonais combinados  independente  da via. Nesta doença há uma associação com aumento de risco de infarto do miocárdico e de acidente vascular cerebral, que se eleva na utilização de hormonais combinados pela presença do estrogênio.

Métodos não hormonais como o dispositivo intrauterino ou os contendo apenas progestagênios podem ser utilizados em mulheres com cefaleia ou enxaqueca. O acompanhamento destas usuárias deve ser cuidados e em intervalos menores  pois a exacerbação da cefaleia ou o aparecimento de outros sintomas sugerem substituição do método contraceptivo.

 

 

Página 93 de 133
-->

© Copyright 2025 - Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Todos os direitos são reservados.

Políticas de Privacidade e Termos De Uso.

Aceitar e continuar no site