O Impacto da Obesidade sobre a Fertilidade Feminina

Quarta, 05 Dezembro 2018 14:47

A obesidade e o sedentarismo representam problemas importantes para a saúde pública, devido ao aumento acelerado de suas prevalências e associação com efeitos adversos à saúde cardiovascular e metabólica em idades cada vez mais precoces1-3.

O número de pessoas obesas supera mais de um bilhão de indivíduos em todo o mundo4 e dados recentes do Ministério da Saúde (2013) demonstram que a obesidade acomete um em cada cinco brasileiros de 18 anos ou mais (20,8%), sendo que o percentual é mais alto entre as mulheres (24,4% contra 16,8% dos homens) 5.

Apesar de parte das mulheres obesas engravidarem espontaneamente, sabe-se que a obesidade em mulheres em idade reprodutiva interfere negativamente nas chances de gestação, contribuindo para o aumento dos casos de infertilidade. Mulheres obesas têm três vezes mais chances de sofrer de infertilidade anovulatória do que pacientes com IMC normal6, além de ser co-morbidade associada a menores taxas de sucesso em ciclos de reprodução assistida7. A associação da obesidade com infertilidade decorrente de anovulação já é bem conhecida, entretanto, ainda não se chegou a nenhuma conclusão definitiva sobre os mecanismos pelos quais a obesidade interfere na concepção. Essa breve revisão se propõe a descrever outros possíveis macanismos envolvidos na piora da fertilidade que possam estar associados a comprometimento de qualidade oocitária, embrionária ou endometrial. Eles envolvem, de uma forma geral, estado pró-inflamatório, lipotoxicidade, tecido adiposo e seus hormônios, além de estresse oxidativo.

O excesso de ácidos graxos livres pode levar a efeito tóxico em tecidos reprodutivos levando a dano celular e a um estado de inflamação crônica de baixo grau8 em fluido folicular com níveis elevados de insulina, triglicérides e marcadores inflamatórios, como lactato e proteína C-reativa (PCR)9, além de afetar o oócito e o embrião devido a disrupção do fuso meiótico e comprometimento da dinâmica mitocondrial.

Em se tratando de qualidade oocitária, sugere-se que um possível mecanismo seja a lipotoxicidade. Mulheres obesas têm níveis circulantes mais elevados de ácidos graxos livres que podem danificar células não adiposas pela elevação de espécies reativas de oxigênio que induzem estresse tanto em mitôndrias quanto em retículo endoplasmático, levando à apoptose e anormalidades na morfologia do complexo cumulus oophorus10,11.

Além disso, a lipotoxicidade também exerce papel importante no desenvolvimento de resistência à insulina e aumento do estado pró-inflamatório12, observado pelos níveis mais elevados de proteína C reativa, marcador sistêmico de inflamação13, e de várias adipoquinas pró-inflamatórias, como a leptina, fator de necrose tumoral α (TNF- α) e interleucinas (IL-6)14. Não obstante, apresentam níveis circulantes reduzidos de uma importante adipoquina anti-inflamatória chamada adiponectina.

Níveis mais elevados de leptina em mulheres obesas se correlacionam com níveis mais elevados dessa substância também em fluido folicular15, e estudos in vitro sugerem que a leptina pode afetar vias esteroidogênicas nas células da granulosa, levando a um decréscimo na produção de estrogênio e de progesterona de forma dose-dependente16-19. Esse efeito da obesidade sobre o oócito pode gerar um efeito em cascata sobre a receptividade endometrial e implantação embrionária.

O embrião pré implantação também parece ser afetado por ambientes específicos da obesidade8. Embriões de ratos confinados com obesidade induzida por dieta apresentam menor expressão de receptor de IGF-1, afetando negativamente a sensibilidade à insulina e o transporte de glicose20. Outro estudo com mulheres com sobrepeso observou que seus embriões apresentavam menor tendência de se desenvolver após a fertilização, atingiam o estágio de mórula mais rapidamente, chegavam ao estágio de blastocisto com menos células no trofectoderma e apresentavam menor consumo de glicose e aumento nos níveis de triglicérides21. Os embriões podem também ser susceptíves a lipotoxicidade, como discutido previamente para os oócitos. Em mulheres submetidas à FIV, níveis elevados de ácido α-linoleico estavam associados a redução nas taxas de gravidez22, enquanto que o aumento da relação ácido linoleico ∕ ácido  α-linoleico se correlaciona com melhora nas taxas de gestação na mesma população23. Como abordado acima, níveis alterados de adipoquinas, como a leptina podem afetar a esteroidogênese e afetar diretamente o desenvolvimento do embrião. O nível de leptina tem efeito estimulante sobre o crescimento de células tronco-trofoblásticas humanas in vitro e sua inibição diminui a proliferação e aumenta drasticamente a apoptose24. Níveis persistentemente elevados de leptina poderiam reduzir a sensibilidade do trofoblasto aos seus efeitos.

Quanto ao endométrio, observa-se evidência de comprometimento de decidualização do estroma em mulheres obesas, o que explicaria a subfecundidade decorrente de comprometimento de receptividade endometrial15,25. Tal situação poderia estar envolvida em anormalidades placentárias manifestadas por maiores taxas de aborto, parto prematuro e pré-eclâmpsia na população obesa. A leptina também parece afetar o endométrio, devido a um possível papel regulatório na remodelação do epitélio endometrial humano, estimulando vias de proliferação e apoptose celular in vitro25. Além disso, parece modular a receptividade endometrial, como evidenciado através de regulação positiva de marcadores de receptividade mediante exposição à leptina tanto em células estromais quanto epiteliais27. Dessa forma, uma desregulação crônica das vias de leptina na obesidade pode afetar negativamente a implantação8.

Observamos que os mecanismos propostos para a infertilidade associada à obesidade são diversos e vão muito além da questão anovulatória. Muitas intervenções têm sido propostas no tratamento da obesidade ligada à infertilidade, como perda de peso, atividade física, dietas e cirurgia bariátrica. A compreensão desses possíveis mecanismos associados poderá nos guiar na proposição de novas estatégias de tratamento.

 

REFERÊNCIAS

 

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