Contracepção de Emergência

Sexta, 30 Novembro 2018 15:48

A gravidez não planejada no mundo é uma questão social e de saúde pública, gerando entre milhões de mulheres gestações indesejadas ou abortos inseguros, principalmente entre adolescentes e mulheres jovens com baixa condição socio-econômica e com pouca ou nenhuma educação formal. A quantidade de recém-nascidos entre adolescentes de 15 a 19 anos de idade atinge 15 milhões ao ano, sendo mais frequente em países de baixa e média renda.

A contracepção de emergência, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia (ACOG), é definida como um método que pode fornecer às mulheres uma maneira não arriscada de prevenir uma gravidez não planejada até 120 horas da relação sexual. São métodos seguros e bem tolerados, podendo ser considerado um marcador de comportamento sexual de risco, pois indica exposição ao sexo desprotegido ou falha do método contraceptivo. Mesmo assim, ainda permanece subutilizada, pois existem lacunas significativas sobre o conhecimento da utilização pelas usuárias, assim como barreiras ao seu acesso.

Ocupa uma posição única entre os métodos contraceptivos, realizada através de medicamentos hormonais ou dispositivos intrauterinos (DIU), podendo ser utilizados ​​após relações sexuais desprotegidas, falha contraceptiva (rompimento de preservativo, pílula esquecida) ou quando uma mulher tem intercurso sexual contra a vontade dela (coerção, agressão, exploração). Dentre os anticoncepcionais hormonais temos as píluas combinadas com etinilestradiol e levonorgestrel (método Yuzpe), o levonorgestrel, o acetato de ulipristal e menos comum, a mifepristona. Os métodos Yuzpe e levonorgestrel devem ser preferencialmente utilizadas até 72 horas após as relações sexuais e o acetato de ulipristal e o DIU de cobre até 120 horas. O método de Yuzpe utiliza pílula combinada na dose de 100 μg de etinilestradiol associado a 0,5 mg de levonorgestrel repetidos após 12 horas. O comprimido de levonorgestrel, que inicialmente foi utilizado em um regime de duas doses (dois comprimidos de 0,75 mg tomado com intervalo de 12 horas) e atualmente, em um regime de dose única (comprimido de 1,5 mg tomado uma única vez). O DIU deve ser inserido até 120 horas após a relação sexual, não devendo ocorrer mais do que cinco dias da ovulação se puder ser estimado esse dia, podendo fornecer proteção por 10 anos da sua inserção como contraceptivo de longa ação (LARC). A taxa de gravidez acumulada de 1 ano em mulheres que escolheram o DIU foi de 6,5% contra 12,2% das que escolheram o levonorgestrel. O uso do levonorgestrel previne cerca de dois terços das gestações, se iniciada no prazo de 24 horas do ato sexual.

A frequência no uso dos métodos hormonais tem aumentado nos últimos anos. Desde 1995, o uso constante da contracepção de emergência aumentou entre mulheres de 15 a 44 anos de idade nos Estados Unidos da América (EUA), de 0,8% em 1995 para 20% de 2011 a 2015 (figura1).

Os mecanismos de ação dos métodos para a contracepção de emergência não são completamente compreendidos. De modo geral, os métodos hormonais agem impedindo ou atrasando a ovulação. Outros mecanismos propostos incluem alterar níveis hormonais, interferir no desenvolvimento folicular, interferir na maturação do corpo lúteo e inibir a fertilização. Embora exista um potencial para a concepção na maioria dos dias do ciclo menstrual já que a ovulação é imprevisível, esse risco é mais alto quando a relação sexual desprotegida ocorre na janela fértil que se estende 5 dias antes da ovulação até o dia da ovulação. Para as mulheres que não utilizam qualquer método contraceptivo, é importante a história menstrual, pois deve-se estabelecer o momento da relação sexual desprotegida no período da ovulação.

Os métodos anticoncepcionais de emergência não apresentam contra-indicações absolutas para as formas mais comuns de contracepção. O uso de pílulas anticoncepcionais de emergência não é recomendado em mulheres grávidas, embora não existam evidências de danos conhecidos para a mulher, o curso de sua gravidez ou o feto. Recomenda-se realizar um teste de gravidez antes do seu uso se a gravidez não puder ser excluída com base na história e/ou exame físico. Devido o risco de aborto induzido da mifepristona, seu uso não é amplamente utilizado.

Os eventos adversos são relativamente leves, e podem incluir náuseas, vômitos, cefaléia e tontura. O método Yuzpe apresenta maior incidência de náuseas e vômitos do que o levonorgestrel. Quanto ao retorno das menstruações, o acetato de ulipristal parece ser mais propenso a provocar um retorno menstrual antes da data prevista do que nas usuárias de levonorgestrel, que por sua vez, são mais propensas do que as usuárias do método Yuzpe. O DIU pode estar associado a maior incidência de dor abdominal do que os outros métodos de contracepção de emergência.

Os métodos de contracepção de emergência não protegem contra as doenças sexualmente transmissíveis (DST), incluindo o HIV. Se existe um risco de DST/HIV, recomenda-se o uso correto e consistente de preservativos, para a proteção mais eficaz dessas doenças.

Algumas barreiras importantes são apontadas para a baixa utilização da contracepção de emergência, tais como práticas prescritivas, conhecimento na utilização, valor na aquisição do produto e acesso.

A desinformação sobre a contracepção de emergência é alta. Na Nigéria, somente 27,8% dos estudantes tinham um bom conhecimento sobre o método, a maioria das entrevistadas nunca a utilizou (87,2%). As que já usaram, o fizeram incorretamente (85,7%), mais de 72 horas após a relação sexual. Entre estudantes de medicina no noroeste da Índia, observou-se que somente 61,6% delas estavam cientes sobre o tempo de uso da contracepção de emergência, e a fonte de informação mais comum para essas estudantes foi através da mídia audiovisual (76,6%). Em Berlim, embora 8,7% das adolescentes nunca tenha ouvido falar da contracepção de emergência, 38,6% conheciam sua eficácia, mas apenas 12,7% conheciam o prazo para sua utilização.

Uma pesquisa objetivou conhecer a perspectiva dos balconistas de farmácias de ambos os sexos sobre a contracepção de emergência na Região Metropolitana do Rio de  Janeirol. Os entrevistados apresentaram concepções negativas sobre o método, enfatizando os riscos que podem provocar à saúde, sendo considerado uma “bomba hormonal” que pode levar à esterilização de mulheres jovens, ao câncer e outras doenças graves, por isso atribuem que a orientação e o aconselhamento sobre o uso do método deve ser de responsabilidade dos médicos ginecologistas e não dos farmacêuticos. Eles destacam ainda, os riscos do uso “descontrolado” ou “indiscriminado”, especialmente por adolescentes e mulheres jovens. Tal como apontado em outras investigações, demonstram desconhecimento técnico em relação à contracepção de emergência, revelando a baixa propagação de informações confiáveis sobre o método. Os resultados desta investigação recomendam a ampliação do debate sobre direitos sexuais e reprodutivos de homens e mulheres que precisam ter garantidos o acesso e a orientação para o uso da contracepção de emergência, em situações emergenciais, incluindo-se os farmacêuticos e balconistas de farmácias, além de profissionais de saúde e gestores públicos.

Todas as mulheres têm direito a informações, educação e aconselhamento baseados em evidências sobre os anticoncepcionais para garantir uma escolha informada. Essas escolhas são feitas em um determinado momento, contexto social e cultural, que muitas vezes são complexas e multifatoriais, onde a tomada de decisões geralmente requer a necessidade de conhecer as vantagens e desvantagens dos diferentes métodos, variando de acordo com as circunstâncias, percepções e interpretações individuais. A contracepção de emergência é um método seguro e eficaz para a prevenção de gestação não planejada, sendo sempre necessária a orientação sobre a utilização em condições excepcionais de sexo desprotegido ou na falha de um método, no entanto, não pode substituir uma contracepção rotineira e segura.