Sífilis na gravidez
A ocorrência de sífilis na gestação vem assustando os profissionais de saúde pelo fato de estar apresentando grande frequência e severas repercussões ao ambiente fetal. No Brasil apresentou alta constatada de 1047% entre 2005 e 2013 e aumento no número de notificações de sífilis congênita de 135%. De maneira geral, não se entende porque ainda não conseguimos controlar o problema da sífilis congênita, já que o agente é bem conhecido, os exames de detecção estão disponíveis e o agente apresenta alta suscetibilidade à penicilina, que é uma droga de fácil acesso e baixo custo. Fazendo paralelismo entre o controle da transmissão vertical do HIV e da sífilis, não se consegue compreender como alcançamos enorme sucesso no controle da primeira e apresentamos resultados tão desastrosos no controle da segunda!
Dados mundiais evidenciam que a maior parte dos mais de 12 milhões de casos anualmente registrados pela OMS ocorre em países menos favorecidos, estando associada a 90.000 mortes neonatais e 65.000 recém-nascidos prematuros ou de baixo peso. A sífilis materna não tratada resultou em aproximadamente 304.000 mortes fetais e perinatais e mais de 216.000 crianças infectadas com risco de morte precoce.
As repercussões da sífilis na gestação incluem graves efeitos adversos para o concepto, desde abortos, óbitos fetais e neonatais até recém-nascidos vivos com sequelas diversas da doença, que poderão se manifestar até os 2 anos de vida. Mais de 70% das crianças infectadas são assintomáticas ao nascimento, sendo de fundamental importância o rastreamento na gestante. Esse deve ser realizado no início da gestação e no início do terceiro trimestre e novamente na admissão para parto ou aborto, visando identificar e tratar precocemente as infectadas.
É bem infrequente uma gestante apresentar doença clínica, já que as lesões de fase primária, o cancro ocorrem em canal vaginal ou colo de útero e passam despercebidas; entretanto, em qualquer gestante que refira lesão ulcerada em região genital, atual ou prévia, sífilis deve sempre ser considerada. A presença de rash cutâneo que acometa palma de mãos e planta de pés deve levantar a possibilidade de sífilis na fase secundária assim como a presença de condiloma plano. A maioria das gestantes atendidas em pré-natal e diagnosticadas com sífilis se apresenta assintomática e sem história prévia de infecção ou tratamento, sendo, então, diagnosticadas na fase latente indeterminada da doença. Trabalho nacional de 2006 identificou que 87% das gestantes diagnosticadas, se encontrava na fase latente.
O risco de transmissão vertical é muito elevado na doença sintomática (fases primária e secundária) variando de 90 a 100%. Nas fases latentes e terciária o risco varia entre 10 e 30%. A transmissão será maior quanto mais avançada for a gestação, já que a permeabilidade da barreira placentária aumenta com a idade gestacional, sendo também maior nas fases primária e secundária, pois a carga de treponema circulante é maior nessa situação.
A identificação da infecção na gestação inclui a realização de testes laboratoriais, já que a maioria das mulheres se encontra assintomática. O fluxograma padrão inclui a realização de um teste não treponêmico (VDRL ou RPR) associado a um teste treponêmico (TPHA ou FTA- Abs). Os testes não treponêmicos (VDRL, RPR) apresentam a vantagem de serem muito sensíveis e poderem ser titulados, o que auxilia na avaliação de resposta ao tratamento. Entretanto, como se baseiam na detecção de anticorpos anticardiolipina, essas reações podem apresentar resultados falso-positivos (menos de 2%); eles também podem apresentar resultados falso-negativos em até 25% dos indivíduos em fase latente da doença. Como essa situação é frequente em gestantes, recomenda-se a realização simultânea de testes não treponêmicos e treponêmicos. Os testes treponêmicos (FTAAbs, TPHA, Teste rápido) são específicos para sífilis e confirmam o diagnóstico da doença. Entretanto, mesmo após tratamento adequado eles não negativam, persistindo como marca sorológica da infecção.
Outra opção é realizar inicialmente uma prova treponêmica automatizada, com a utilização de técnicas imunoenzimáticas (CLIA ou CMIA, pelo seu baixo custo e automatização; apresentam alta sensibilidade, mas menor especificidade). Assim, frente a uma prova imunoenzimática negativa, pode-se descartar a presença da infecção. Entretanto, frente a uma prova positiva deverá ser realizada confirmação com a realização de VDRL e TPHA/FTA-Abs. Caso o teste CLIA ou CMIA seja positivo e o VDRL e TPHA negativos, trata-se de um exame falso positivo. Frente a um CLIA/CMIA positivo e provas de VDRL/TPHA positivos confirma-se a presença de sífilis. Essa abordagem é sugerida para locais com boa infraestrutura laboratorial.
A partir de 2015 O Ministerio da Saúde incluiu o rastreio de gestantes com a realização de teste rápido, que apresenta excelente sensibilidade e especificidade. Como são testes treponêmicos, a sua positividade já confirma a presença de infecção e autoriza o tratamento.; o VDRL deve ser realizado para controle de cura, já que o teste rápido também não negativa após tratamento.
O tratamento deve ser realizado com a utilização de penicilina, já que não existe evidência de que nenhuma outra droga consiga tratar adequadamente o feto intra-útero. O tratamento deve ser realizado o mais precoce possível, já que, pelas altas taxas de TV, se for realizado após a 14ª semana se considera tratamento de feto potencialmente infectado intra-útero. As doses de penicilina recomendadas são definidas a partir do diagnóstico de infecção recente ou tardia. Nas situações de doença nas fases primária e secundária, a dose recomendada de penicilina benzatina é de 2.400.000UI divididas em duas injeções em cada um dos glúteos.
A maioria das gestantes, entretanto, se encontra assintomática e sem referir historia previa de tratamento ou conhecimento da infecção. Nessa situação, o diagnóstico é de fase latente indeterminada, devendo ser tratada com 7.200.000UI, divididas em 3 aplicações semanais de 2.400.000UI.
A eficácia da penicilina em prevenir ou tratar a infecção fetal é bastante elevada.
O parceiro sexual deverá ser sempre convocado pelo serviço de saúde para orientação, avaliação clínica, coleta de sorologia e tratamento. O diagnóstico de sífilis numa gestante exige a adoção de programa de acompanhamento intensivo, com ênfase no risco de reinfecção. Frente a esse ponto, recomenda-se a realização de VDRL mensal após tratamento, devendo o uso de condom ser sempre estimulado.
A adequada assistência pré-natal deve incluir medidas de prevenção ou tratamento para qualquer agravo que possa incorrer em acometimento fetal. A pesquisa e tratamento de sífilis é uma das medidas que seguramente irão impactar em redução de morbidade e mortalidade dessas crianças.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- Ministério da Saúde - Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas da transmissão vertical do HIV, sífilis e hepatite B. Ministério da Saúde, novembro de 2015
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