Sífilis na gravidez

Quarta, 28 Novembro 2018 12:29

A ocorrência de sífilis na gestação vem assustando os profissionais de saúde pelo fato de estar apresentando grande frequência e severas repercussões ao ambiente fetal. No Brasil apresentou alta constatada de 1047% entre 2005 e 2013 e aumento no número de notificações de sífilis congênita de 135%. De maneira geral, não se entende porque ainda não conseguimos controlar o problema da sífilis congênita, já que o agente é bem conhecido, os exames de detecção estão disponíveis e o agente apresenta alta suscetibilidade à penicilina, que é uma droga de fácil acesso e baixo custo. Fazendo paralelismo entre o controle da transmissão vertical do HIV e da sífilis, não se consegue compreender como alcançamos  enorme sucesso no controle da primeira e apresentamos resultados tão desastrosos no controle da segunda!

Dados mundiais evidenciam que a maior parte dos mais de 12 milhões de casos anualmente registrados pela OMS ocorre em países menos favorecidos, estando associada a 90.000 mortes neonatais e 65.000 recém-nascidos prematuros ou de baixo peso. A sífilis materna não tratada resultou em aproximadamente 304.000 mortes fetais e perinatais e mais de 216.000 crianças infectadas com risco de morte precoce.

As repercussões da sífilis na gestação incluem graves efeitos adversos para o concepto, desde abortos, óbitos fetais e neonatais até recém-nascidos vivos com sequelas diversas da doença, que poderão se manifestar até os 2 anos de vida. Mais de 70% das crianças infectadas são assintomáticas ao nascimento, sendo de fundamental importância o rastreamento na gestante. Esse deve ser realizado no início da gestação e no início do terceiro trimestre e novamente na admissão para parto ou aborto, visando identificar e tratar  precocemente as infectadas.

É bem infrequente uma gestante apresentar doença clínica, já que as lesões de fase primária, o cancro ocorrem em canal vaginal ou colo de útero e passam despercebidas; entretanto, em qualquer gestante que refira lesão ulcerada em região genital, atual ou prévia, sífilis deve sempre ser considerada. A presença de rash cutâneo que acometa palma de mãos e planta de pés deve levantar a possibilidade de sífilis na fase secundária assim como a presença de condiloma plano. A maioria das gestantes atendidas em pré-natal e diagnosticadas com sífilis se apresenta assintomática e sem história prévia de infecção ou tratamento, sendo, então, diagnosticadas na fase latente indeterminada da doença. Trabalho nacional de 2006 identificou que 87% das gestantes diagnosticadas, se encontrava na fase latente.

O risco de transmissão vertical é muito elevado na doença sintomática (fases primária e secundária) variando de 90 a 100%. Nas fases latentes e terciária o risco varia entre 10 e 30%. A transmissão será maior quanto mais avançada for a gestação, já que a permeabilidade da barreira placentária aumenta com a idade gestacional, sendo também  maior nas fases primária e secundária, pois a carga de treponema circulante é maior nessa situação.

A identificação da infecção na gestação inclui a realização de testes laboratoriais, já que a maioria das mulheres se encontra assintomática. O fluxograma padrão inclui a realização de um teste não treponêmico (VDRL ou RPR) associado a um teste treponêmico (TPHA ou FTA- Abs). Os testes não treponêmicos (VDRL, RPR) apresentam a vantagem de serem muito sensíveis e poderem ser titulados, o que auxilia na avaliação de resposta ao tratamento. Entretanto, como se baseiam na detecção de anticorpos anticardiolipina, essas reações podem apresentar resultados falso-positivos (menos de 2%); eles também podem apresentar resultados falso-negativos em até 25% dos indivíduos em fase latente da doença. Como essa situação é frequente em gestantes, recomenda-se a realização simultânea de testes não treponêmicos e treponêmicos. Os testes treponêmicos (FTAAbs, TPHA, Teste rápido) são específicos para sífilis e confirmam o diagnóstico da doença. Entretanto, mesmo após tratamento adequado eles não negativam, persistindo como marca sorológica da infecção.

Outra opção é realizar inicialmente uma prova treponêmica automatizada, com a utilização de técnicas imunoenzimáticas (CLIA ou CMIA, pelo seu baixo custo e automatização; apresentam alta sensibilidade, mas menor especificidade). Assim, frente a uma prova imunoenzimática negativa, pode-se descartar a presença da infecção. Entretanto, frente a uma prova positiva deverá ser realizada confirmação com a realização de VDRL e TPHA/FTA-Abs. Caso o teste CLIA ou CMIA seja positivo e o VDRL e TPHA negativos, trata-se de um exame falso positivo. Frente a um CLIA/CMIA positivo e provas de VDRL/TPHA positivos confirma-se a presença de sífilis. Essa abordagem é sugerida para locais com boa infraestrutura laboratorial.

A partir de 2015 O Ministerio da Saúde incluiu o rastreio de gestantes com a realização de teste rápido, que apresenta excelente sensibilidade e especificidade. Como são testes treponêmicos, a sua positividade já confirma a presença de infecção e autoriza o tratamento.; o VDRL deve ser realizado para controle de cura, já que o teste rápido também não negativa após tratamento.

 O tratamento deve ser realizado com a utilização de penicilina, já que não existe evidência de que nenhuma outra droga consiga tratar adequadamente o feto intra-útero. O tratamento deve ser realizado o mais precoce possível, já que, pelas altas taxas de TV, se for realizado após a 14ª semana se  considera tratamento de feto potencialmente infectado intra-útero. As doses de penicilina recomendadas são definidas a partir do diagnóstico de infecção recente ou tardia. Nas situações de doença nas fases primária e secundária, a dose recomendada de penicilina benzatina é de 2.400.000UI divididas em duas injeções em cada um dos glúteos.

A maioria das gestantes, entretanto, se encontra assintomática e sem referir historia previa de tratamento ou conhecimento da infecção. Nessa situação, o diagnóstico é de fase latente indeterminada, devendo ser tratada com 7.200.000UI, divididas em 3 aplicações semanais de 2.400.000UI.

A eficácia da penicilina em prevenir ou tratar a infecção fetal é bastante elevada.

 O parceiro sexual deverá ser sempre convocado pelo serviço de saúde para orientação, avaliação clínica, coleta de sorologia e tratamento. O diagnóstico de sífilis numa gestante exige a adoção de programa de acompanhamento intensivo, com ênfase no risco de reinfecção. Frente a esse ponto, recomenda-se a realização de VDRL mensal após tratamento, devendo o uso de condom ser sempre estimulado.

A adequada assistência pré-natal deve incluir medidas de prevenção ou tratamento para qualquer agravo que possa incorrer em acometimento fetal. A pesquisa e tratamento de sífilis é uma das medidas que seguramente irão impactar em redução de morbidade e mortalidade dessas crianças.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

  1. Ministério da Saúde - Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas da transmissão vertical do HIV, sífilis e hepatite B. Ministério da Saúde, novembro de 2015
  2. Arnesen L, Serruya S, Durán P. Gestational syphilis and stillbirth in the Americas: a systematic review and metanalisis. Rev Panam Salud Publica 37 (6), 2015
  3. Gomez GB, Kamb ML, Newman LM, Mark J, Broutet N, Hawkes SJ. Untreated maternal syphilis and adverse outcomes of pregnancy: a systematic review and meta-analisis.Bull World Health Org : 91:217-226, 2013
  4. Walker GJA. Antibióticos para sífilis diagnosticada durante el embarazo (Revisión Cochrane traducida). En: 2008 Número 4. Oxford: Update Software Ltd. Disponible en: http://www.update-software.com. (Traducida de , 2008 Issue 3. Chichester, UK: John Wiley & Sons, Ltd.).
  5. ClementME, Okeke NL, Hicks CB. Treatment of syphilis: a systematic review. JAMA Nov 12;312(18):1905-17, 2014.
  6. Newman L, Kamb M, Hawkes S, gomez G, Say L, Seuc A, Broutet N. Global estimates of syphilis in pregnancy and associated adverse outcomes: analysis of multinational antenatal surveillance data. Plos One Med, Feb, vol 10, issue 2, 1-9, 2013