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Salpingectomia bilateral oportunista para prevenção do câncer de ovário em mulheres submetidas à esterilização tubaria ou histerectomia por doença benigna

Sexta, 16 Fevereiro 2018 11:43

        O câncer de ovário é a terceira neoplasia ginecológica mais incidente no mundo e é o mais letal entre os cânceres ginecológicos. No Brasil, foram estimados 6.150 casos novos para 2016 com um risco de 5,95 casos a cada 100 mil mulheres brasileiras. Como cerca de 70% das mulheres é diagnosticada com a doença em estádios avançados, com sobrevida em 5 anos menor que 30%, muitos esforços têm sido feitos para que se diagnostique os casos em estádio inicial, quando a sobrevida em 5 anos é 92% [1, 2].

        Entretanto, não existe um rastreamento efetivo que reduza a mortalidade por câncer do ovário. Na população geral, no estudo mais recente do UK Collaborative Trial of Ovarian Cancer Screening, numa análise secundária, que exclui os casos prevalentes, observou-se uma queda na mortalidade por câncer de ovário no grupo rastreado por ultrassom ou multimodal (CA125 seguido de ultrassom) num seguimento de 7 a 14 anos. Embora os resultados sugerem um benefício em mulheres rastreadas, o seguimento foi insuficiente para recomendar a sua utilização como método de rastreamento na população em geral [3]. Além disso, vários autores se manifestaram críticos à publicação desses resultados por entenderem que a análise estatística foi tendenciosa em considerar a diminuição da mortalidade [4, 5, 6]. Mesmo em mulheres de alto risco, como, por exemplo, aquelas com mutações genéticas conhecidas (BRCA1 e BRCA2) ou com história familiar e outros fatores, o rastreamento do câncer de ovário com ultrassonografia e Ca 125 também não tem demonstrado reduzir a mortalidade [7].

        Baseando-se na origem das diferentes linhagens celulares, os cânceres do ovário são classificados em 3 tipos: epiteliais (85% a 90%), de estroma ovariano (5% a 10%) e de células germinativas (10% a 15%). Há ainda os tumores metastáticos no ovário que compreendem cerca de 5 a 15% das massas ovarianas [8]. Os carcinomas do ovário compreendem um grupo heterogêneo em suas características clínico-patológicas e perfil molecular, e uma nova proposição de modelo dualista de patogênese foi proposto, com duas grandes categorias, tipo I e tipo II. Os carcinomas do tipo I incluem os carcinomas serosos e endometrióides de baixo grau, mucinosos e de células claras. Os carcinomas do tipo II, incluem os carcinomas serosos e endometrióides de alto grau, indiferenciados e tumores mullerianos mistos malignos (carcinossarcomas) [9]. As lesões precursoras dos carcinomas do tipo I derivam de alterações benignas, como endometriose, hiperplasia papilar tubária, e epitélio transicional, o qual se implanta no ovário e depois progride para adenomas e tumores proliferativos atípicos antes de se transformarem em malignos. Em contraste, muitos carcinomas tipo II, já em sua origem, são carcinomas in situ estabelecidos, iniciando nas tubas uterinas e capazes de se implantar no ovário e em outros sítios da pelve e da cavidade abdominal. Essa diferença na natureza das lesões precursoras pode explicar porque os carcinomas tipo I permanecem confinados ao ovário por longos períodos e possuem um curso indolente, enquanto que os carcinomas tipo II progridem rapidamente e são altamente agressivos desde seu início. Muitos carcinomas tipo II parecem ter origem no epitélio tipo tubário e, por isso, são de origem Mülleriana [9].

        São considerados fatores que aumentam o risco para carcinoma de ovário a idade acima dos 60 anos, infertilidade, endometriose, história familiar de câncer de mama, ovário ou colorretal, portadores de mutações nos genes breast cancer 1/2 (BRCA1/2) ou síndrome de Lynch II [10]. São fatores protetores para câncer de ovário o uso de contraceptivo hormonal oral e a laqueadura tubária. Os anticoncepcionais hormonais orais reduzem o risco de câncer em cerca de 50% quando utilizados por 10 anos ou mais. Já a ligadura tubária reduz em cerca de 50% o risco de carcinoma endometrioide e de células claras de ovário, provavelmente bloqueando a menstruação retrógrada e prevenindo o depósito de células endometrióides na pelve. Entretanto, a redução do risco de carcinoma seroso de alto grau é menor que 20% em mulheres laqueadas [10].

        A esterilização tubária excisional pode ser realizada através da realização de salpingectomia completa, fimbriectomia distal, ou salpingectomia parcial. Existem outros métodos de esterilização tubária não excisionais, como coagulação monopolar ou bipolar, clips, anéis e outros [11, 12]. A salpingectomia completa bilateral é uma alternativa que tem como vantagem a prevenção do câncer de ovário. Também  diminuem a dor pélvica, o risco de nova cirurgia, hidrossalpinge, além de ser o método mais efetivo de esterilização permanente. Entretanto, os estudos referentes a salpingectomia bilateral para esterilização tubária ainda são pequenos e escassos, tanto na avaliação da função ovariana quanto para profilaxia do câncer de ovário [13].

        Por outro lado, sabe-se que muitas mulheres no menacme são submetidas a histerectomia por doença benigna. Analisando 425.180 mulheres submetidas à histerectomia por doença benigna entre 2008 e 2013, Hanley e colaboradores (2017) não observaram diferença nas taxas de transfusão sanguínea, complicações perioperatórias, infecção pós procedimento ou febre comparando mulheres submetidas à histerectomia com ou sem salpingectomia. Observaram um aumento de 371% de salpingectomia associada à histerectomia durante o período do estudo, sendo que em 2013 15,8% das mulheres com preservação dos ovários tiveram suas tubas uterinas retiradas. Com isso, a histerectomia com salpingectomia bilateral está aumentando significativamente nos Estados Unidos sem associação com aumento de risco de complicações pós operatórias [13].

        Concluindo, o carcinoma de ovário é uma neoplasia que não é passível de rastreamento pelos métodos atuais e, assim, costuma ser detectada em estádios avançados, quando se associa a alta mortalidade. A tuba uterina é considerada uma via importante de carcinogênese ovariana por transportar células do endométrio para o ovário (endometróide e células claras) e por serem possíveis sítios de origem para o carcinoma seroso. A esterilização tubária cirúrgica tem um papel ainda importante no planejamento familiar. Da mesma forma, muitas mulheres são submetidas a histerectomia por doença benigna na menacme. Vários guidelines recomendam considerar a remoção cirúrgica das trompas ao realizar uma cirurgia ginecológica eletiva tal como histerectomia por doença benigna ou esterilização tubária definitiva [13, 14]. Racionalmente esse procedimento se justifica, embora ainda sejam necessários estudos que avaliem a relação entre salpingectomia bilateral e função ovariana a longo prazo, qualidade de vida e sexualidade, bem como para profilaxia do carcinoma de ovário.

Autor:

Sophie Derchain

Referências:

1.Ferlay J, Soerjomataram I, Ervik M, Dikshit R, Eser S, Mathers C et al. GLOBOCAN 2012. Cancer Incidence and Mortality Worldwide: IARC Cancer Base No. 11 [Internet]. Lyon, France: International Agency for Research on Cancer; 2013. Available from: http://globocan.iarc.fr, acessado em 04/03/2017.

2.INCA, Instituto Nacional do Câncer, Ministério da Saúde. Rio de Janeiro, Brasil. Estimativa 2016. Incidência de Câncer no Brasil. Câncer de ovário página 50. Disponínel em:  http://www.inca.gov.br/estimativa/2016/estimativa-2016-v11.pdf, acesso em 04/03/2017.

3.Jacobs IJ, Menon U, Ryan A, et al. Ovarian cancer screening and mortality in the UK Collaborative Trial of Ovarian Cancer Screening (UKCTOCS): a randomised controlled trial. Lancet 2016; 387: 945–56.

4.Hoskins P, Gotlieb W. Ovarian cancer screening: UKCTOCS trial. Lancet. 2016 Jun 25;387(10038):2602-3..

5.Sasieni PD, Duffy SW, Cuzick J. Ovarian cancer screening: UKCTOCS trial. Lancet. 2016 Jun 25;387(10038):2602.

6.Thornton JG, Bewley S. Ovarian cancer screening: UKCTOCS trial. Lancet. 2016 Jun 25;387(10038):2601-2.

7.Berchuck A, Havrilesky LJ, Kauff ND. Is There a Role for Ovarian Cancer Screening in High-Risk Women? J Clin Oncol. 2017 May 1;35(13):1384-1386.

9.Kurman RJ, Shih IM. The Dualistic Model of Ovarian Carcinogenesis. Revisited, Revised, and Expanded. Am J Pathol 2016, 186: 733-747.

10.Reid BMPermuth JBSellers TA.Epidemiology of ovarian cancer: a review. Cancer Biol Med. 2017 Feb;14(1):9-32.

  1. Lessard-Anderson CR, Handlogten KS, Molitor RJ, Dowdy SC, Cliby WA, Weaver AL, Sauver JS, Bakkum-Gamez JN. Effect of tubal sterilization technique on risk of serous epithelial ovarian and primary peritoneal carcinoma. Gynecol Oncol. 2014 Dec; 135(3): 423–427

12.Jokinen EHeino AKaripohja TGissler M, Hurskainen R. Safety and effectiveness of female tubal sterilisation by hysteroscopy, laparoscopy, or laparotomy: a register based study. BJOG. 2017 May 2. doi: 10.1111/1471-0528.14719.

13.Hanley GE, McAlpine JN, Pearce CL, et al. The performance and safety of bilateral salpingectomy for ovarian cancer prevention in the United States. Am J Obstet Gynecol 2017; 216:270.e1-9.

14.Salvador SScott SFrancis JAAgrawal AGiede C. No. 344-Opportunistic Salpingectomy and Other Methods of Risk Reduction for Ovarian/Fallopian Tube/Peritoneal Cancer in the General Population. J Obstet Gynaecol Can. 2017 Jun;39(6):480-493.


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