×

Atenção

JUser: :_load: Não foi possível carregar usuário com ID: 257

Quando suspeitar e quando investigar a Insuficiência Ovariana Prematura (IOP)

Sexta, 16 Fevereiro 2018 11:28
A insuficiência ovariana prematura (IOP) é caracterizada por níveis elevados de FSH e irregularidade ou ausência dos ciclos menstruais antes dos 40 anos1 . Esta afecção acomete em torno de 1% das mulheres antes dos 40 anos e 0,1% das mulheres antes dos 30 anos.2 A IOP ocorre por alterações constitutivas, hereditárias ou adquiridas, ou seja, em situações de dano ao tecido ovariano, processo autoimune ou por disgenesia ou agenesia gonadal.

Muitas das complicações relacionadas com a IOP estão diretamente relacionadas com a deficiência hormonal ovariana, primariamente a deficiência estrogênica, pois os hormônios sexuais exercem diversas ações no organismo da mulher. As complicações a curto-prazo incluem sintomas como fogachos e sudorese noturna, quando a manifestação é a amenorreia secundária, e dispareunia, diminuição do desejo sexual, infertilidade entre outros.3 Os riscos da carência estrogênica a longo-prazo incluem doença cardio-vascular, transtornos do humor e osteoporose.4, 5, 6

            A IOP deve ser suspeitada nos casos de ausência de menarca após os 13 anos com retardo puberal ou após 15 anos, independente da presença ou do desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários7, 8, ou ainda nos casos de oligo ou amenorréia por um período de 4 meses. Em ambas as situações, a confirmação é feita com duas medidas de FSH > 25 UI/L, com intervalo mínimo de quatro semanas.9

            As etiologias mais comuns na paciente com amenorreia primária são agenesia ou disgenesia gonadal com cariótipo normal (disgenesia gonadal pura XX ou disgenesia gonadal pura XY) ou anormal (síndrome de Turner 45,X ou com mosaicismos como 45,X/46XX). A disgenesia gonadal com cariótipo 46,XX caracteriza-se por falha no desenvolvimento dos ovários e a causa do distúrbio é desconhecida.10 Pacientes com cariótipo 46,XX  não têm os estigmas da síndrome de Turner, porém apresentam estatura normal ou baixa, retardo no desenvolvimento puberal, gônadas em fita e genitália feminina normal. Nos casos de disgenesia gonadal com cariótipo 46,XY, embora a genitália geralmente seja feminina, pode haver genitália ambígua. Além disso, nesses casos o cromossomo Y implica em risco de 10 a 30% para futura malignidade gonádica e torna a gonadectomia obrigatória.11 As deficiências enzimáticas, como a da 17α- hidroxilase ou da 17,20-liase, são causas mais raras de IOP e resultam em comprometimento da secreção de hormônios suprarrenais e gonadais.12

            Nos casos de amenorréia secundária por IOP, as etiologias possíveis são danos ao tecido ovariano por antecedentes de irradiação, quimioterapia, cirurgia ou torção ovariana e causas autoimunes. Entretanto, a IOP com cariótipo normal, referida como insuficiência ovariana prematura idiopática, é a mais frequentemente observada.13 A pré-mutação do X frágil (FMR1) é observada em cerca de 2 a 3% das IOP esporádicas e em até 15% dos casos familiares.14, 15

            Estima-se que 20 a 30% das pacientes com IOP tenham uma doença auto-imune concomitante. A associação mais forte é com distúrbios tireoidianos. Além disso, 10 a 20% das pacientes com doença de Addison apresentam IOP. Em contrapartida, 2 a 10% das mulheres com insuficiência ovariana idiopática desenvolvem insuficiência suprarrenal.16

            A associação entre doenças sistêmicas e IOP é bem estabelecida. Algumas doenças decorrentes de alterações imunológicas, como artrite reumatoide juvenil, lúpus eritematoso sistêmico e outras colagenoses, glomerulonefrite, distúrbios da tireóide (tireoidite de Hashimoto e doença de Graves), hepatite crônica ativa, miastenia gravis e asma, podem se associar à insuficiência ovariana.10, 16,17

            Na história e exame físico da paciente com hipogonadismo hipergonadotrófico e com retardo do desenvolvimento puberal é importante investigar algumas situações, como a síndrome de Turner (estigmas mais frequentes: baixa estatura, hipertelorismo mamário, pescoço alado, cúbito valgo), cirurgias abdominais, e radio ou quimioterapia prévias.

            Na investigação complementar, uma vez excluída gestação quando necessário, serão solicitadas as dosagens de prolactina, TSH, FSH e estradiol. Níveis de FSH elevados (> 25 mUI/mL) com estradiol baixo e queixas clínicas de hipoestrogenismo como fogachos, secura vaginal, dispareunia e irritabilidade são indicativos de hipogonadismo hipergonadotrófico. O estudo do cariótipo se justifica em todos os casos de IOP de causa não-iatrogênica, independente da idade da mulher.9 Está indicado também o rastreamento para deficiências endócrinas auto-imunes (tireoidite de Hashimoto, insuficiência suprarrenal e hipoparatireoidismo) que, muitas vezes, acompanham a ooforite autoimune (síndromes poliglandulares autoimunes).8

Autor:
Andrea Prestes Nácul


Referências bibliográficas:
  1. Nelson LM. Clinical practice. Primary ovarian insufficiency. N Engl J Med. 2009; 360(6): 606-14.
  2. Sprague BL, Trentham-Dietz A, Cronin KA. A sustained decline in postmenopausal hormone use: results from the National Health and Nutrition Examination Survey, 1999-2010. Obstet Gynecol 2012; 120(3): 595-603.
  3. Hewlett M, Mahalingaiah S. Update on Primary Ovarian Insufficiency. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes. 2015; 22(6): 483-489.
  4. Muka T, Oliver-Williams C, Kunutsor S et al. Association of Age at Onset of Menopause and Time Since Onset of Menopause With Cardiovascular Outcomes, Intermediate Vascular Traits, and All-Cause Mortality. A Systematic Review and Meta-analysis. JAMA Cardiol. 2016;1(7):767-776
  5. Schmidt P, Luff JA, Haq NA et al. Depression in Women with Spontaneous 46, XX Primary Ovarian Insufficiency. J Clin Endocrinol Metab. 2011; 96: E278–E287.
  6. Popat VB, Calis KA, Kalantaridou SN et al. Bone Mineral Density in Young Women With Primary Ovarian Insufficiency: Results of a Three-Year Randomized Controlled Trial of Physiological Transdermal Estradiol and Testosterone Replacement. J Clin Endocrinol Metab. 2014; 99(9): 3418–3426.
  7. Nácul AP, Vilodre LC, Mallmann ES et al. Amenorreia. In: Silveiro SP, Satler F (Org.). Rotinas em Endocrinologia. Porto Alegre: Artmed, 2015. P. 274-282.
  8. Spritzer PM, Nácul A, Mallmann ES. Amenorreia – Avaliação diagnóstica. In: Vilar L (Ed.) Endocrinologia Clínica. 6. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2016. p. 600-607.
  9. Webber L, Davies M, Anderson R et al. ESHRE Guideline: management of women with premature ovarian insufficiency. Human Reprod. 2016; 31(5): 926-937.
  10. Spritzer PM, Mallmann ES. Abordagem diagnóstico-terapêutica da amenorreia. In: Vilar L (Ed.) Endocrinologia Clínica. 3. Ed. Rio de Janeiro: Medsi. 2006. p. 516-526.
  11. Krasna IH, Lee ML, Smilow R et al. Risk of malignancy in bilateral streak gonads: the role of the Y chromosome. J Pediatr Surg. 1992; 27:1376-1380.
  12. Costa-Santos M,Kater CE, Auchus RJ. Brazilian Congenital Adrenal Hyperplasia Multicenter Study Group. Two prevalent CYP17 mutations and genotype-phenotype correlations in 24 Brazilian patients with 17-hydroxilase deficiency. J Clin Endocrinol Metab. 2004; 89: 46-60.
  13. Rafique S, Sterling EW, Nelson LM. A new approach to primary ovarian insufficiency. Obstet Gynecol Clin North Am. 2012; 39: 567-586.
  14. Deligeoroglou E, Athanasopoulos N, Tsimaris P et al. Evaluation and management of adolescent amenorrhea. Ann N Y Acad Sci. 2010; 1205: 23-32.
  15. Machado-Ferreira MC, Costa-Lima MA, Boy RT et al. Premature ovarian failure and FRAXA permutation: positive correlation in a Brazilian survey. Am J Med Genet. 2004; 126A: 237-240.
  16. Forges T, Monnier-Barbarino P, Faure GC et al. Autoimmunity and antigenic targts in ovarian pathology. Hum Reprod Update. 2004; 10: 163-175.
  17. Spritzer PM, Mallmann ES, Bodanezi J et al. Amenorréia: diagnostic etiológico e princípios terapêuticos. Reprod Climat. 1995; 10: 109-114.
Ana Carolina Japur de Sá Rosa e Silva, Andréa Prestes Nácul, Bruno Ramalho de Carvalho, Cristina Laguna Benetti-Pinto, Daniela Angerame Yela, Gustavo Arantes Rosa Maciel, José Maria Soares Júnior, Laura Olinda Bregieiro Fernandes Costa, Sebastião Freitas de Medeiros, Técia Maria Oliveira Maranhão

Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Endócrina da Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia – FEBRASGO

Mais conteúdos

NOTA A RESPEITO DA MODIFICAÇÃO NA CNRM

NOTA A RESPEITO DA MODIFICAÇÃO NA CNRM

A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e ...
Dia do Obstetra: formação e atualização constante para cuidar da mulher em momentos especiais

Dia do Obstetra: formação e atualização constante para cuidar da mulher em momentos especiais

Data é oportuna para reconhecer o papel desse médico especialista ...
Ministério da Saúde lança iniciativa para expandir o acesso a especialistas no SUS

Ministério da Saúde lança iniciativa para expandir o acesso a especialistas no SUS

Novo modo vai permitir ao paciente um diagnóstico mais á...

Para otimizar sua experiência durante a navegação, fazemos uso de cookies. Ao continuar no site consideramos que você está de acordo com a nossa Política de Privacidade.

Aceitar e continuar no site