HPV
Quinta, 22 Junho 2017 14:25
O HPV:
O papilomavirus humano (HPV) é um DNA vírus com forma icosaédrica, de 55 nm de diâmetro e composto por 8000 pares de base. O genoma apresenta forma circular, com dupla hélice de DNA e mais externamente está recoberto pelo capsídeo. É dividido em três regiões: precoce (early = genes E), tardia (late= genes L) e região regulatória contracorrente (URR). Os genes L codificam as proteínas do capsídeo viral e os genes E codificam as proteínas com funções reguladoras da atividade celular, destacando-se as oncoproteínas E6 e E7, que interferem com a função dos genes celulares supressores de tumores p53 e pRB.
O papilomavirus humano (HPV) é um DNA vírus com forma icosaédrica, de 55 nm de diâmetro e composto por 8000 pares de base. O genoma apresenta forma circular, com dupla hélice de DNA e mais externamente está recoberto pelo capsídeo. É dividido em três regiões: precoce (early = genes E), tardia (late= genes L) e região regulatória contracorrente (URR). Os genes L codificam as proteínas do capsídeo viral e os genes E codificam as proteínas com funções reguladoras da atividade celular, destacando-se as oncoproteínas E6 e E7, que interferem com a função dos genes celulares supressores de tumores p53 e pRB.
Os HPV são espécie específicas, podendo infectar anfíbios, pássaros e mamíferos. São epiteliotrópicos, causando proliferação epitelial em pele e mucosas. Em seres humanos infectam conjuntivas, cavidade oral, laringe, árvore traqueobrônquica, esôfago, bexiga, ânus, canal anal e trato genital inferior. Localizam-se no núcleo das células do hospedeiro.
Existem cerca de 200 tipos de HPV descritos, sendo aproximadamente 40 habitantes da região anogenital. Metade dos casos apresenta potencial oncogênico, estes podem promover a transformação celular, desenvolvendo lesões precursoras ou mesmo o câncer. Quando existe menos de 50% de semelhança do genoma entre tipos virais, define-se como sendo um novo tipo de HPV.
Os HPV são divididos em dois grupos de acordo com o potencial oncogênico: baixo risco, são os tipos 6, 11, 40, 42, 43, 54, 61, 70, 72, 81, CP6 108, os quais desenvolvem os condilomas e lesões de baixo grau. Os de alto risco são os tipos 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59, 68, 73, 82.
A INFECÇÃO:
A infecção pelo HPV se dá por acesso do vírus à membrana basal do epitélio, por meio de microtraumas que ocorrem na relação sexual, ou entrada do mesmo na zona de transformação do colo uterino. Nos HPV de baixo risco, seu DNA se mantém na forma circular sem ocorrer integração ao DNA celular, conhecida assim a forma epissomal. Ele se replica no interior do núcleo da célula hospedeira.
Como o vírus depende da maquinária celular para se multiplicar, ele induz a duplicação celular, que começa a expressar a manifestação da infecção viral nas camadas mais superficiais do epitélio e assim passa a liberar cada vez mais partículas virais no ambiente infectado.
Já na infecção provocada por HPV de alto risco oncogênico, o genoma perde sua forma circular e se integra ao DNA da célula hospedeira. A partir daí, o vírus passa a expressar suas oncoproteínas, sendo que a E6 inibirá a proteína supressora de tumor p53, e a E7 inibirá a pRb. Isto promoverá a imortalização celular. Como conseqüência, a depender da condição de cada indivíduo, ocorrerá o aparecimento das lesões precursoras ou mesmo o câncer.
O HPV NA MULHER:
A importância principal do HPV está na carcinogênese do colo uterino. Os tipos de alto risco oncogênico podem levar ao aparecimento das lesões de alto grau, as conhecidas neoplasias intraepiteliais cervicais (NIC) ou mesmo ao câncer de colo uterino, podendo ser do tipo espinocelular ou adenocarcinoma. Os HPV que mais estão relacionados com o câncer são os tipos 16 e 18, presentes em 70% dos carcinomas escamosos, seguidos pelos 31, 33, 45, 52 e 58, totalizando 89% dos cânceres epiteliais.
Os HPV de baixo risco, em especial o 6 e 11, são responsáveis pela manifestação dos condilomas acuminados em 90% das vezes. Estas lesões se manifestam principalmente na região vulvar, podendo ter tamanhos variáveis.
As lesões de vagina, neoplasias intraepiteliais vaginais (NIVA) e vulva (NIV), menos frequentes que as de colo, também são induzidas principalmente pelos HPV de alto risco oncogênico.
Vale ressaltar que no Brasil, o câncer de colo uterino é a terceira causa de neoplasia entre as mulheres, com taxas de 15 casos/100.000 mulheres ao ano. E 100% dos casos são de etiologia HPV-induzida.
EVOLUÇÃO DA INFECÇÃO PELO HPV NA MULHER:
A maioria das pessoas sexualmente ativas terá contato com o HPV em algum momento de suas vidas.
Após o início sexual, em idades jovens, há alta taxa de infecção, onde os estudos mostram intensa prevalência do vírus; há relatos de que após 2 anos do início sexual, 50% das mulheres já apresentam teste positivo para a presença do DNA de HPV.
Porém a maioria destas infecções apresentam caráter transitório, onde há clareamento do vírus em torno de 2 anos. Cerca de 10% das mulheres não apresentam clareamento, o que torna a infecção persistente.
São estes casos de infecção persistente por tipos oncogênicos de HPV que leva a mulher a um maior risco de desenvolver lesões precursoras ou câncer de colo uterino. Em estudos de coorte, a persistência do tipo 16 do HPV por 10 anos, leva a uma incidência cumulativa de 17% em desenvolver NIC III ou câncer.
A partir do contato com o HPV podemos ter três formas de infecção: a latente, onde se detecta o DNA do vírus, sem qualquer alteração morfológica do epitélio; a subclínica onde se diagnostica alteração citológica ou histológica induzida pelo HPV; a clínica que é a presença das verrugas, onde a própria mulher detectará a doença.
CLASSIFICAÇÃO DAS LESÕES:
As neoplasias intraepiteliais recebiam classificação de acordo com o grau de acometimento por células atípicas na espessura epitelial. Na neoplasia grau I, a atipia acomete 1/3 da espessura epitelial, na grau II, 2/3 da espessura epitelial e na grau III, toda a espessura epitelial está acometida por atipia. Esta descrição segue o mesmo critério para colo (NIC), vagina (NIVA) e vulva (NIV).
Hoje há uma tendência de utilizar nova terminologia, LAST (lower anogenital squamous terminology), onde a lesão grau I, passa a ser chamada baixo grau e as lesões grau II e III, alto grau. A lesão grau II apresenta comportamento heterogêneo, ora tem boa evolução com regressão espontânea, ora má evolução com progressão. Por este motivo nesta nova classificação, sugere-se estudo imunohistoquímico da p16 nas lesões de grau II; esta análise caracteriza o comportamento biológico das mesmas, podendo ser classificada assim com baixo grau quando a p16 é negativa, ou alto grau quando positiva.
DIAGNÓSTICO DA INFECÇÃO PELO HPV:
Na infecção latente: os testes biomoleculares detectam a presença do DNA do vírus.
Os testes comerciais existentes são a captura de híbridos e o PCR. O objetivo é identificar a mulher que seja portadora do HPV oncogênico, pois esta apresenta risco de desenvolvimento das lesões de alto grau ou câncer. As mulheres que devem ser submetidas a este teste são aquelas que apresentam idade entre 25-30 anos ou mais, como exame de rastreamento; mulheres abaixo desta faixa etária não devem ser submetidas a pesquisa de DNA-HPV, pois há alta prevalência de infecção por HPV nas jovens, infecção esta que terá clareamento espontâneo.
A pesquisa de DNA-HPV também está bem indicada em mulheres com citologia revelando atipia de células escamosas de significado indeterminado (ASCUS), pois assim estratificam aquelas que necessitam ou não da colposcopia. A positividade do teste indica a realização do exame de colposcopia para identificar a lesão e dirigir o melhor local para a biópsia.
Em mulheres que foram anteriormente tratadas com conização por lesão de alto grau do colo uterino, também está indicada a realização do teste. A negativação do teste de DNA-HPV significa clareamento da infecção e confere prognóstico melhor com alto valor preditivo negativo. Quando positivo, as taxas de recidiva são maiores.
Na infecção sub-clínica: o exame que identifica alteração morfológica inicial da célula é a citologia oncótica cérvico-vaginal (exame de Papanicolaou). As alterações provocadas pela infecção do HPV incluem coilocitose, disqueratose e discariose nas lesões de baixo grau, sendo os achados agravados com alterações nucleares mais pronunciadas e células com citoplasma escasso nas lesões de alto grau. A terminologia citológica vigente usada é o Sistema de Bethesda (2014) a qual pode ser consultada nos sites https://bethesda.soc.wisc.edu e https://www.cytopathology.org/
A recomendação de rastreio do câncer de colo uterino segundo as Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero deve ser iniciado aos 25 anos, após dois exames consecutivos anuais normais, realizar o rastreio trienal e interromper aos 64 anos desde que a mulher nunca tenha tido história prévia de doença pré-invasiva ou invasiva. O texto das diretrizes encontra-se disponível no link http://www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/DDiretrizes_para_o_Rastreamento_do_cancer_ do_colo_do_utero_2016_corrigido.pdf
Frente ao achado citológico alterado a mulher poderá ser submetida a colposcopia; por meio deste exame será detectada a lesão, estabelecendo sua localização e extensão. Realiza-se a biópsia com pinça saca-bocado onde teremos o grau da mesma, com estabelecimento do diagnóstico definitivo; e a partir daí, a conduta adequada para o caso. A terminologia colposcópica vigente para descrição dos achados pode ser consultada no site http://www.colposcopia.org.br/laudo.
Realizada a biópsia, o achado histológico determinará o grau da lesão, que hoje à semelhança das alterações citológicas é chamado de baixo e alto grau. A publicação desta terminologia LAST foi estabelecida em 2012 e está disponível http://www.archivesofpathology.org/doi/pdf/10.5858/arpa.LGT200570?code=coap-site.
Na infecção clínica: as lesões clínicas são aquelas visíveis ao olho nu, que pode ser referida pela própria paciente. Geralmente localizada na região da vulva, em aspecto de verruga, pode ter tamanho e número variado. Não é necessário exames subsidiários ou biópsia para indicar o tratamento.
TRATAMENTO DAS LESÕES PROVOCADAS PELO HPV:
A infecção latente deverá ser seguida, não necessitando de qualquer tratamento. As mulheres portadoras da infecção, identificadas pelos testes de biologia molecular deverão ter um seguimento anual com citologia e repetição do teste; frente a qualquer alteração no exame de Papanicolaou, deverá ser submetida a colposcopia.
Caso o teste realizado seja específico para identificar o genotipo do HPV, e o HPV 16 e 18 sejam os presentes, boa avaliação do canal endocervical deve ser realizada, com o objetivo de detecção de lesões ocultas. Citologia com escovado endocervical e/ou curetagem do canal são exames importantes de serem realizados na infecção pelo HPV 16 e 18, quando não se detecta lesão ectocervical.
A infecção sub-clínica será abordada de acordo com o grau da lesão e sua localização. Em geral nas lesões de baixo grau do colo do útero, vagina e vulva, a conduta é expectante com seguimento sem tratamento ativo por dois anos. Apresentam altas taxas de regressão espontânea com baixo risco de progressão, por isso, não necessitam de tratamento. Após dois anos de seguimento e persistência de tais lesões, podemos manter o acompanhamento ou optar por alguma forma destrutiva da lesão.
As lesões de alto grau do colo uterino necessitam de tratamento, sendo a excisão da zona de transformação com eletrocirurgia o método mais conservador. Nas lesões de alto grau em vagina, a vaporização a laser é método de excelência, destruindo a lesão com cicatrização de forma rápida e sem fibrose no local. Na vulva o laser também tem boa aplicação. Tratamentos químicos com aplicação de ácido tricloroacético a 70-80% ou 5 fluoro-uracil a 5% para lesão vaginal e vulvar também são possíveis; mas devem ser utilizados para pequenas lesões e sob vigilância pois estas medicações podem acarretar úlceras iatrogênicas de difícil cicatrização.
Uso de substância imunomoduladora como o imiquimode, aplicado sobre a lesão determina reação inflamatória no tecido, com liberação de citocinas, a qual age melhorando a imunidade local e acarretando o desaparecimento da doença. Sua utilização em neoplasia de alto grau de vagina e vulva é dita "off label", não aprovada pela Anvisa com este fim, porém os trabalhos têm demonstrado boa resposta, com altas taxas de resolução.
As lesões de alto grau do colo uterino, diagnosticadas em mulheres jovens, que inadvertidamente se submeteram ao exame antes da faixa etária preconizada, ou seja, abaixo dos 25 anos, hoje na maioria dos protocolos mundiais tem conduta expectante. O risco de progressão para câncer nestas jovens é muito baixo, recomendando-se o controle a cada seis meses, só indicando conduta ativa em situações de persistência da neoplasia ou piora do grau histológico. Esta recomendação é decorrente do risco que os tratamentos excisionais acarretam no colo uterino, em relação ao futuro obstétrico. Há evidências de aumento do risco de prematuridade, amniorrexe prematura e baixo peso do recém-nascido.
A infecção clínica se traduz pela presença do condiloma que será tratado de acordo com o tamanho e número de lesões. Podemos utilizar o ácido tricloroacético a 70-80% para lesões pequenas, com aplicações semanais, no total de até quatro sessões. O imiquimode a 5% é medicação que apresenta boa resposta e excelentes resultados. Utiliza-se a aplicação de um sachê na lesão, três vezes na semana (segunda, quarta e sexta-feira), por 4 a 16 semanas. Haverá reação local, com prurido, ardência, hiperemia e estes efeitos são decorrentes da ação inflamatória produzida pelas citocinas o que é importante para o resultado terapêutico. A podofilina a 20% muito utilizada no passado, hoje tem pouca aplicabilidade em decorrência dos efeitos colaterais. A podofilotoxina, derivado purificado da podofilina, apresenta bons resultados, porém sua comercialização no Brasil foi interrompida. A exérese com bisturi estaria reservada para lesões volumosas e necessita ser feita em centro cirúrgico com bloqueio anestésico. A exérese por ondas de alta frequência também pode ser realizada, bem como a laserterapia excisional ou destrutiva.
PREVENÇÃO PRIMÁRIA DA INFECÇÃO PELO HPV:
O uso de condon proporciona proteção relativa em virtude de o dispositivo recobrir apenas a região peniana. Áreas genitais não cobertas estariam desprotegidas, além do que pode ocorrer a contaminação através das digitais e boca. Porém estimula-se o seu uso de forma indiscriminada, principalmente pensando na prevenção de outras doenças sexualmente transmissíveis.
A vacinação contra o HPV representa a melhor forma de prevenção primária. O ideal é que todos os indivíduos, homens e mulheres tivessem acesso a esta vacina antes do início sexual, onde ela seria efetiva em 100% contra os HPV contidos nas vacinas.
No nosso país existem duas vacinas contra o HPV: a bivalente contra os HPV 16 e 18 e a quadrivalente contra os HPV 6, 11, 16 e 18. Em breve teremos a vacina nonavalente que englobará nove tipos de HPV 6, 11, 16, 18, 31, 33, 45, 52, 58, e assim ampliando a imunogenicidade para mais tipos de HPV oncogênicos. As vacinas são seguras, os efeitos colaterais são mínimos, e muito do que se descreve na imprensa leiga sobre efeitos graves, não apresentam comprovação científica.
No Brasil a aplicação pelo calendário vacinal fornecido pelo governo, abrange meninas de nove a 13 anos, e no ano de 2017 foram incluídos os meninos de 12-13 anos. O esquema posólogico é de duas doses, a segunda após 6 meses da primeira. Os portadores da imunodeficiência humana recebem três doses da vacina, a segunda dose em 60 dias e a terceira em seis meses após a primeira aplicação, na faixa etária de nove a 26 anos. No sistema privado é possível tomar a vacina em faixas etárias maiores, com aprovação da Anvisa, em mulheres até 45 anos para a quadrivalente, e sem limite de idade para a bivalente, e homens até 26 anos para a quadrivalente.
Referências
1- Patologia do Trato Genital Inferior - diagnóstico e tratamento, 2a. edição. São Paulo: Roca. 2014.
2- Doenças do Trato Genital Inferior - Coleção Febrasgo. Rio de Janeiro: Elsevier. 2016.
3- Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero, 2a. edição revisada www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/DDiretrizes_para_o_Rastreamento_do_cancer_do_col o_do_utero_2016_corrigido.pdf
4- Bethesda Systen. https://bethesda.soc.wisc.edu e https://www.cytopathology.org/
5- LAST terminology. http://www.archivesofpathology.org/doi/pdf/10.5858/arpa.LGT200570?code=coap-site.
6- Terminologia Colposcópica Rio 2011. http://www.colposcopia.org.br/laudo
Existem cerca de 200 tipos de HPV descritos, sendo aproximadamente 40 habitantes da região anogenital. Metade dos casos apresenta potencial oncogênico, estes podem promover a transformação celular, desenvolvendo lesões precursoras ou mesmo o câncer. Quando existe menos de 50% de semelhança do genoma entre tipos virais, define-se como sendo um novo tipo de HPV.
Os HPV são divididos em dois grupos de acordo com o potencial oncogênico: baixo risco, são os tipos 6, 11, 40, 42, 43, 54, 61, 70, 72, 81, CP6 108, os quais desenvolvem os condilomas e lesões de baixo grau. Os de alto risco são os tipos 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59, 68, 73, 82.
A INFECÇÃO:
A infecção pelo HPV se dá por acesso do vírus à membrana basal do epitélio, por meio de microtraumas que ocorrem na relação sexual, ou entrada do mesmo na zona de transformação do colo uterino. Nos HPV de baixo risco, seu DNA se mantém na forma circular sem ocorrer integração ao DNA celular, conhecida assim a forma epissomal. Ele se replica no interior do núcleo da célula hospedeira.
Como o vírus depende da maquinária celular para se multiplicar, ele induz a duplicação celular, que começa a expressar a manifestação da infecção viral nas camadas mais superficiais do epitélio e assim passa a liberar cada vez mais partículas virais no ambiente infectado.
Já na infecção provocada por HPV de alto risco oncogênico, o genoma perde sua forma circular e se integra ao DNA da célula hospedeira. A partir daí, o vírus passa a expressar suas oncoproteínas, sendo que a E6 inibirá a proteína supressora de tumor p53, e a E7 inibirá a pRb. Isto promoverá a imortalização celular. Como conseqüência, a depender da condição de cada indivíduo, ocorrerá o aparecimento das lesões precursoras ou mesmo o câncer.
O HPV NA MULHER:
A importância principal do HPV está na carcinogênese do colo uterino. Os tipos de alto risco oncogênico podem levar ao aparecimento das lesões de alto grau, as conhecidas neoplasias intraepiteliais cervicais (NIC) ou mesmo ao câncer de colo uterino, podendo ser do tipo espinocelular ou adenocarcinoma. Os HPV que mais estão relacionados com o câncer são os tipos 16 e 18, presentes em 70% dos carcinomas escamosos, seguidos pelos 31, 33, 45, 52 e 58, totalizando 89% dos cânceres epiteliais.
Os HPV de baixo risco, em especial o 6 e 11, são responsáveis pela manifestação dos condilomas acuminados em 90% das vezes. Estas lesões se manifestam principalmente na região vulvar, podendo ter tamanhos variáveis.
As lesões de vagina, neoplasias intraepiteliais vaginais (NIVA) e vulva (NIV), menos frequentes que as de colo, também são induzidas principalmente pelos HPV de alto risco oncogênico.
Vale ressaltar que no Brasil, o câncer de colo uterino é a terceira causa de neoplasia entre as mulheres, com taxas de 15 casos/100.000 mulheres ao ano. E 100% dos casos são de etiologia HPV-induzida.
EVOLUÇÃO DA INFECÇÃO PELO HPV NA MULHER:
A maioria das pessoas sexualmente ativas terá contato com o HPV em algum momento de suas vidas.
Após o início sexual, em idades jovens, há alta taxa de infecção, onde os estudos mostram intensa prevalência do vírus; há relatos de que após 2 anos do início sexual, 50% das mulheres já apresentam teste positivo para a presença do DNA de HPV.
Porém a maioria destas infecções apresentam caráter transitório, onde há clareamento do vírus em torno de 2 anos. Cerca de 10% das mulheres não apresentam clareamento, o que torna a infecção persistente.
São estes casos de infecção persistente por tipos oncogênicos de HPV que leva a mulher a um maior risco de desenvolver lesões precursoras ou câncer de colo uterino. Em estudos de coorte, a persistência do tipo 16 do HPV por 10 anos, leva a uma incidência cumulativa de 17% em desenvolver NIC III ou câncer.
A partir do contato com o HPV podemos ter três formas de infecção: a latente, onde se detecta o DNA do vírus, sem qualquer alteração morfológica do epitélio; a subclínica onde se diagnostica alteração citológica ou histológica induzida pelo HPV; a clínica que é a presença das verrugas, onde a própria mulher detectará a doença.
CLASSIFICAÇÃO DAS LESÕES:
As neoplasias intraepiteliais recebiam classificação de acordo com o grau de acometimento por células atípicas na espessura epitelial. Na neoplasia grau I, a atipia acomete 1/3 da espessura epitelial, na grau II, 2/3 da espessura epitelial e na grau III, toda a espessura epitelial está acometida por atipia. Esta descrição segue o mesmo critério para colo (NIC), vagina (NIVA) e vulva (NIV).
Hoje há uma tendência de utilizar nova terminologia, LAST (lower anogenital squamous terminology), onde a lesão grau I, passa a ser chamada baixo grau e as lesões grau II e III, alto grau. A lesão grau II apresenta comportamento heterogêneo, ora tem boa evolução com regressão espontânea, ora má evolução com progressão. Por este motivo nesta nova classificação, sugere-se estudo imunohistoquímico da p16 nas lesões de grau II; esta análise caracteriza o comportamento biológico das mesmas, podendo ser classificada assim com baixo grau quando a p16 é negativa, ou alto grau quando positiva.
DIAGNÓSTICO DA INFECÇÃO PELO HPV:
Na infecção latente: os testes biomoleculares detectam a presença do DNA do vírus.
Os testes comerciais existentes são a captura de híbridos e o PCR. O objetivo é identificar a mulher que seja portadora do HPV oncogênico, pois esta apresenta risco de desenvolvimento das lesões de alto grau ou câncer. As mulheres que devem ser submetidas a este teste são aquelas que apresentam idade entre 25-30 anos ou mais, como exame de rastreamento; mulheres abaixo desta faixa etária não devem ser submetidas a pesquisa de DNA-HPV, pois há alta prevalência de infecção por HPV nas jovens, infecção esta que terá clareamento espontâneo.
A pesquisa de DNA-HPV também está bem indicada em mulheres com citologia revelando atipia de células escamosas de significado indeterminado (ASCUS), pois assim estratificam aquelas que necessitam ou não da colposcopia. A positividade do teste indica a realização do exame de colposcopia para identificar a lesão e dirigir o melhor local para a biópsia.
Em mulheres que foram anteriormente tratadas com conização por lesão de alto grau do colo uterino, também está indicada a realização do teste. A negativação do teste de DNA-HPV significa clareamento da infecção e confere prognóstico melhor com alto valor preditivo negativo. Quando positivo, as taxas de recidiva são maiores.
Na infecção sub-clínica: o exame que identifica alteração morfológica inicial da célula é a citologia oncótica cérvico-vaginal (exame de Papanicolaou). As alterações provocadas pela infecção do HPV incluem coilocitose, disqueratose e discariose nas lesões de baixo grau, sendo os achados agravados com alterações nucleares mais pronunciadas e células com citoplasma escasso nas lesões de alto grau. A terminologia citológica vigente usada é o Sistema de Bethesda (2014) a qual pode ser consultada nos sites https://bethesda.soc.wisc.edu e https://www.cytopathology.org/
A recomendação de rastreio do câncer de colo uterino segundo as Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero deve ser iniciado aos 25 anos, após dois exames consecutivos anuais normais, realizar o rastreio trienal e interromper aos 64 anos desde que a mulher nunca tenha tido história prévia de doença pré-invasiva ou invasiva. O texto das diretrizes encontra-se disponível no link http://www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/DDiretrizes_para_o_Rastreamento_do_cancer_ do_colo_do_utero_2016_corrigido.pdf
Frente ao achado citológico alterado a mulher poderá ser submetida a colposcopia; por meio deste exame será detectada a lesão, estabelecendo sua localização e extensão. Realiza-se a biópsia com pinça saca-bocado onde teremos o grau da mesma, com estabelecimento do diagnóstico definitivo; e a partir daí, a conduta adequada para o caso. A terminologia colposcópica vigente para descrição dos achados pode ser consultada no site http://www.colposcopia.org.br/laudo.
Realizada a biópsia, o achado histológico determinará o grau da lesão, que hoje à semelhança das alterações citológicas é chamado de baixo e alto grau. A publicação desta terminologia LAST foi estabelecida em 2012 e está disponível http://www.archivesofpathology.org/doi/pdf/10.5858/arpa.LGT200570?code=coap-site.
Na infecção clínica: as lesões clínicas são aquelas visíveis ao olho nu, que pode ser referida pela própria paciente. Geralmente localizada na região da vulva, em aspecto de verruga, pode ter tamanho e número variado. Não é necessário exames subsidiários ou biópsia para indicar o tratamento.
TRATAMENTO DAS LESÕES PROVOCADAS PELO HPV:
A infecção latente deverá ser seguida, não necessitando de qualquer tratamento. As mulheres portadoras da infecção, identificadas pelos testes de biologia molecular deverão ter um seguimento anual com citologia e repetição do teste; frente a qualquer alteração no exame de Papanicolaou, deverá ser submetida a colposcopia.
Caso o teste realizado seja específico para identificar o genotipo do HPV, e o HPV 16 e 18 sejam os presentes, boa avaliação do canal endocervical deve ser realizada, com o objetivo de detecção de lesões ocultas. Citologia com escovado endocervical e/ou curetagem do canal são exames importantes de serem realizados na infecção pelo HPV 16 e 18, quando não se detecta lesão ectocervical.
A infecção sub-clínica será abordada de acordo com o grau da lesão e sua localização. Em geral nas lesões de baixo grau do colo do útero, vagina e vulva, a conduta é expectante com seguimento sem tratamento ativo por dois anos. Apresentam altas taxas de regressão espontânea com baixo risco de progressão, por isso, não necessitam de tratamento. Após dois anos de seguimento e persistência de tais lesões, podemos manter o acompanhamento ou optar por alguma forma destrutiva da lesão.
As lesões de alto grau do colo uterino necessitam de tratamento, sendo a excisão da zona de transformação com eletrocirurgia o método mais conservador. Nas lesões de alto grau em vagina, a vaporização a laser é método de excelência, destruindo a lesão com cicatrização de forma rápida e sem fibrose no local. Na vulva o laser também tem boa aplicação. Tratamentos químicos com aplicação de ácido tricloroacético a 70-80% ou 5 fluoro-uracil a 5% para lesão vaginal e vulvar também são possíveis; mas devem ser utilizados para pequenas lesões e sob vigilância pois estas medicações podem acarretar úlceras iatrogênicas de difícil cicatrização.
Uso de substância imunomoduladora como o imiquimode, aplicado sobre a lesão determina reação inflamatória no tecido, com liberação de citocinas, a qual age melhorando a imunidade local e acarretando o desaparecimento da doença. Sua utilização em neoplasia de alto grau de vagina e vulva é dita "off label", não aprovada pela Anvisa com este fim, porém os trabalhos têm demonstrado boa resposta, com altas taxas de resolução.
As lesões de alto grau do colo uterino, diagnosticadas em mulheres jovens, que inadvertidamente se submeteram ao exame antes da faixa etária preconizada, ou seja, abaixo dos 25 anos, hoje na maioria dos protocolos mundiais tem conduta expectante. O risco de progressão para câncer nestas jovens é muito baixo, recomendando-se o controle a cada seis meses, só indicando conduta ativa em situações de persistência da neoplasia ou piora do grau histológico. Esta recomendação é decorrente do risco que os tratamentos excisionais acarretam no colo uterino, em relação ao futuro obstétrico. Há evidências de aumento do risco de prematuridade, amniorrexe prematura e baixo peso do recém-nascido.
A infecção clínica se traduz pela presença do condiloma que será tratado de acordo com o tamanho e número de lesões. Podemos utilizar o ácido tricloroacético a 70-80% para lesões pequenas, com aplicações semanais, no total de até quatro sessões. O imiquimode a 5% é medicação que apresenta boa resposta e excelentes resultados. Utiliza-se a aplicação de um sachê na lesão, três vezes na semana (segunda, quarta e sexta-feira), por 4 a 16 semanas. Haverá reação local, com prurido, ardência, hiperemia e estes efeitos são decorrentes da ação inflamatória produzida pelas citocinas o que é importante para o resultado terapêutico. A podofilina a 20% muito utilizada no passado, hoje tem pouca aplicabilidade em decorrência dos efeitos colaterais. A podofilotoxina, derivado purificado da podofilina, apresenta bons resultados, porém sua comercialização no Brasil foi interrompida. A exérese com bisturi estaria reservada para lesões volumosas e necessita ser feita em centro cirúrgico com bloqueio anestésico. A exérese por ondas de alta frequência também pode ser realizada, bem como a laserterapia excisional ou destrutiva.
PREVENÇÃO PRIMÁRIA DA INFECÇÃO PELO HPV:
O uso de condon proporciona proteção relativa em virtude de o dispositivo recobrir apenas a região peniana. Áreas genitais não cobertas estariam desprotegidas, além do que pode ocorrer a contaminação através das digitais e boca. Porém estimula-se o seu uso de forma indiscriminada, principalmente pensando na prevenção de outras doenças sexualmente transmissíveis.
A vacinação contra o HPV representa a melhor forma de prevenção primária. O ideal é que todos os indivíduos, homens e mulheres tivessem acesso a esta vacina antes do início sexual, onde ela seria efetiva em 100% contra os HPV contidos nas vacinas.
No nosso país existem duas vacinas contra o HPV: a bivalente contra os HPV 16 e 18 e a quadrivalente contra os HPV 6, 11, 16 e 18. Em breve teremos a vacina nonavalente que englobará nove tipos de HPV 6, 11, 16, 18, 31, 33, 45, 52, 58, e assim ampliando a imunogenicidade para mais tipos de HPV oncogênicos. As vacinas são seguras, os efeitos colaterais são mínimos, e muito do que se descreve na imprensa leiga sobre efeitos graves, não apresentam comprovação científica.
No Brasil a aplicação pelo calendário vacinal fornecido pelo governo, abrange meninas de nove a 13 anos, e no ano de 2017 foram incluídos os meninos de 12-13 anos. O esquema posólogico é de duas doses, a segunda após 6 meses da primeira. Os portadores da imunodeficiência humana recebem três doses da vacina, a segunda dose em 60 dias e a terceira em seis meses após a primeira aplicação, na faixa etária de nove a 26 anos. No sistema privado é possível tomar a vacina em faixas etárias maiores, com aprovação da Anvisa, em mulheres até 45 anos para a quadrivalente, e sem limite de idade para a bivalente, e homens até 26 anos para a quadrivalente.
Referências
1- Patologia do Trato Genital Inferior - diagnóstico e tratamento, 2a. edição. São Paulo: Roca. 2014.
2- Doenças do Trato Genital Inferior - Coleção Febrasgo. Rio de Janeiro: Elsevier. 2016.
3- Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero, 2a. edição revisada www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/DDiretrizes_para_o_Rastreamento_do_cancer_do_col o_do_utero_2016_corrigido.pdf
4- Bethesda Systen. https://bethesda.soc.wisc.edu e https://www.cytopathology.org/
5- LAST terminology. http://www.archivesofpathology.org/doi/pdf/10.5858/arpa.LGT200570?code=coap-site.
6- Terminologia Colposcópica Rio 2011. http://www.colposcopia.org.br/laudo
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