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Tratamento ambulatorial do abortamento retido

Sexta, 16 Março 2018 14:54

           Definido pela interrupção da gestação antes da 22ª semana, ou com o peso do concepto ao nascimento inferior a 500g, o abortamento representa a principal complicação da primeira metade da gestação. Sua incidência varia de acordo com vários fatores, sendo maior quanto maior a idade materna. De um modo geral, ocorre em cerca de 20% das gestações diagnosticadas. Representa grande frustração frente à expectativa do casal e seus familiares. Apresenta-se de diferentes formas clínicas, sendo algumas vezes assintomático. Seu diagnóstico, quando assintomático, se dá pelo exame ultrassonográfico de rotina, configurando-se o abortamento retido.

        Nessa situação, embora identificada a interrupção da gestação, o produto conceptual permanece retido na cavidade uterina. Graves riscos podem estar associados ao abortamento, com possibilidade de hemorragia severa, infecção generalizada, além de complicações decorrentes do tratamento instituído. A curetagem uterina seguida da dilatação cervical é a mais utilizada forma de tratamento. Eficaz em quase 100% dos casos, tem risco de permanência de material dentro da cavidade uterina, perfuração e posterior endometrite. Envolve internação hospitalar, anestesia e invasão da cavidade uterina. A dilatação cervical para o posterior esvaziamento uterino, realizada classicamente através das velas de Hegar, pode levar a alterações estruturais do colo uterino, associadas a futuras perdas gestacionais por insuficiência istmo-cervical. Também associada à curetagem uterina existe a possibilidade de formação de aderências entre as paredes do útero, o que compromete a ocorrência de futuras gestações. Além disso, a curetagem uterina demanda gastos financeiros e mais desgaste emocional da mulher, já muito sensibilizada.

        Mais recentemente, tem-se realizado um procedimento, AMIU – aspiração manual intrauterina, objetivando-se reduzir o risco de perfuração uterina. No entanto, também requer internação hospitalar, anestesia e os respectivos custos. Com o objetivo de tentar prevenir as complicações decorrentes da dilatação cervical e da curetagem uterina, propõe-se aguardar a eliminação espontânea do conteúdo uterino. A literatura aponta bons resultados com essa conduta. No entanto, muitas vezes há a necessidade da complementação com a curetagem uterina, o que cria grande angústia na mulher e seus familiares. Desde 2000, o FDA autorizou a utilização do misoprostol para a indução do abortamento. O misoprostol tem se utilizado com bastante frequência em situações de abortamento no primeiro trimestre e também, previamente à curetagem uterina, no segundo trimestre, onde existe já a formação do esqueleto fetal. Apesar de muitas vezes ter que se complementar a indução do abortamento com misoprostol através da curetagem, em geral não há a necessidade de realizar a dilatação cervical, o que é muito importante para a preservação da estrutura anatômica e funcional do colo uterino. A grande vantagem do tratamento medicamentoso é a de evitar o procedimento anestésico e a invasão da cavidade uterina.

        Com o objetivo de facilitar ainda mais a utilização do misoprostol para esse fim, alguns estudos vêm comparando a utilização hospitalar do misoprostol versus a utilização ambulatorial. Um estudo recente (Lyra e col, 2017) envolvendo 340 mulheres com abortamento retido no primeiro trimestre realizou essa avaliação. Os critérios de inclusão do estudo foram: idade gestacional menor que 10 semanas, ausência de hemorragia uterina, infecção, doença inflamatória intestinal ou alergia ao misoprostol, ≤ 2 abortamentos anteriores e preferência da paciente por tratamento clínico. Foram administrados no primeiro dia 800 mcg de misoprostol por via vaginal e posterior alta. No segundo dia, se houve persistência do saco gestacional intrauterino, aplicação de segunda dose de 800 mcg de misoprostol e posterior alta. No sétimo dia, se houve persistência do saco gestacional intrauterino, realização de curetagem uterina. Nesse grupo de mulheres, observou-se eliminação completa em 90,2% dos casos. Os autores concluíram que essa abordagem é eficaz, segura e evita a necessidade de internação e intervenção cirúrgica. Uma revisão sistemática incluindo 9 estudos prospectivos com 4522 mulheres comparou a utilização hospitalar versus a autoadministração domiciliar do misoprostol para o abortamento do primeiro trimestre. Não se observou diferença significativa nas taxas de eliminação completa do conteúdo uterino. A utilização domiciliar foi associada a um maior grau de aceitação e satisfação das mulheres.

        Como em nosso país o uso do misoprostol só é permitido em ambiente hospitalar, sua utilização ambulatorial para o tratamento do abortamento retido torna-se inviável na prática assistencial. No entanto, é importante o obstetra saber que, para mulheres com diagnóstico de abortamento retido, hemodinamicamente estáveis, sem suspeita de infecção ou manipulação uterina, que tenham pronto acesso aos serviços de emergência e que concordem com essa conduta, a utilização ambulatorial do misoprostol, para a indução do abortamento retido é segura e eficaz, diminuindo os custos da assistência de uma situação tão frequente entre as gestantes como é o abortamento. São necessários estudos em nosso meio que avaliem essa forma de abordagem para que possamos utilizá-la com segurança na prática assistencial obstétrica de nossas mulheres.


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