Ginecologistas têm um papel fundamental no acolhimento e direcionamento dos adolescentes vítimas de abuso e exploração sexual

Segunda, 27 Maio 2024 12:22

Membros da Comissão Nacional Especializada de Violência Sexual e Interrupção Gestacional Prevista em Lei da FEBRASGO explicam a importância do especialista o enfrentamento deste tipo de violência

 

A campanha Maio Laranja foi oficializada pela Lei Nº 14.432, de 3 de agosto de 2022. Essa legislação determina que, durante todo o mês de maio, em todo o território nacional, sejam realizadas atividades efetivas de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes. O objetivo é conscientizar a população sobre esse tema e contribuir para o enfrentamento dessa grave problemática, que causa danos irreparáveis na vida de milhares de crianças e jovens anualmente.

 

Dentro desse panorama, os membros da Comissão Nacional Especializada de Violência Sexual e Interrupção Gestacional Prevista em Lei da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), liderada pelo Dr. Rosires Pereira de Andrade, juntamente com os membros da Comissão de Ginecologia Infanto Puberal, esclarecem as principais dúvidas relacionadas ao tema e enfatizam a importância do médico ginecologista no enfrentamento dessa forma de violência.

 

 

Sinais físicos mais comuns de abuso sexual em adolescentes

 

Os sinais físicos de abuso sexual em crianças e adolescentes podem variar, muitas vezes a violência é crônica e o agressor não deixa marcas. Na adolescência os sinais podem passar despercebidos e confundidos com atividade sexual comum na faixa etária. Os pais, familiares e educadores devem estar atentos nas situações abaixo:  

  • Presença de lesões genitais ou anorretais como hematomas, lacerações, inchaço ou sangramento na região genital ou anal. Marcas de mordida ou outras lesões em áreas não expostas normalmente a traumas acidentais, como a parte interna das coxas. 
  • Crianças que relatam dor ao urinar ou defecar, ou que apresentam constipação crônica ou enurese (urinar na cama) sem uma causa médica aparente. 
  • ⁠Crianças que demonstram um conhecimento sexual inadequado para a idade ou comportamentos sexuais explícitos podem ter sido expostas a abusos. 
  • A presença de sangue, sêmen ou outras secreções nas roupas íntimas da criança pode ser um sinal direto de abuso sexual. 
  • Sinais associados a presença de IST (condilomas, herpes genital, gonorreia) especialmente em crianças pequenas, é um sinal altamente sugestivo de abuso. 

Outros sinais de alerta tanto em crianças como adolescentes: mudanças súbitas no apetite, problemas gastrointestinais sem causa médica definida, bem como insônia ou pesadelos frequentes, sintomas depressivos, medo ou pânico, dificuldade de concentração, ansiedade, lembranças intrusivas ou pensamentos recorrentes, comportamento agressivo, isolamento social podem ser uma resposta física ao trauma.  

É importante frisar que esses sinais não são definitivos de abuso sexual, mas podem indicar que algo está errado e merece investigação cuidadosa e sensível.  

 

Abordagem médica recomendada ao tratar uma vítima de abuso sexual em adolescentes

 

A abordagem médica depende de uma boa anamnese para detecção da violência sofrida que muitas vezes não é a queixa principal.  Às vezes é necessário estar a sós com a adolescente para melhor abordagem do abuso. Este atendimento requer a formação de um vínculo de confiança implicando muitas vezes em analisar sintomas e sinais que não são muito bem definidos. Às vezes é necessária uma abordagem multiprofissional onde o/a psicólogo/a exerce um papel fundamental na equipe.  

A assistência à adolescente deve ser diferenciada, levando-se em consideração todo o processo psicológico que envolve esta fase de vida. O profissional precisa obter a confiança da adolescente para que esta possa verbalizar a sua realidade. Para isso, é necessário um momento de privacidade. Os familiares serão arguidos na consulta somente após o atendimento da adolescente e a análise do seu relacionamento com genitores, lembrando que muitas vezes a violência pode ser causada por familiar. 

 

Os desafios mais comuns enfrentados pelos profissionais de saúde ao lidar com casos de abuso sexual em adolescentes

 

A assistência à vítima de violência requer do profissional preparo emocional, pois o tema da violência pode vir carregado de preconceitos. O profissional deve demonstrar interesse em assistir a adolescente, pois é necessário estabelecer um vínculo para que as condutas tenham êxito. Deve ser levado em conta a complexidade de se falar sobre a violência sofrida e para isso o profissional precisa estar atento à postura da adolescente, sem pressa, com acolhimento. 

Os profissionais de saúde precisam cada vez mais estarem capacitados para atender estas jovens em situação de violência. Como o atendimento na maioria das vezes ocorre em plantões sobrecarregados, o profissional pode não estar disponível para uma demanda tão complexa que exige tempo e disposição de escuta. Há barreiras relacionadas a abordagem da sexualidade da adolescente, de atendê-la numa perspectiva de proteção, mas também como sujeito de direitos sexuais e reprodutivos. Há uma tendência ainda em desacreditar da palavra da vítima. E há ainda a objeção de consciência em realizar o próprio atendimento e ainda de realizar o abortamento previsto em lei. São muitos os desafios, mas que estão relacionados à formação desse profissional, principalmente na graduação e na residência médicas. 

 

Medidas preventivas podem ser implementadas nas consultas ginecológicas para identificar sinais de abuso sexual

 

A consulta ginecológica implica em abordar sintomas clínicos, bem como avaliar hábitos e comportamentos da adolescente, como o sono, humor, relações sociais, assim como a sexualidade. Abordar sobre sexualidade e afetividade é fundamental para introduzir e fortalecer a autoestima, o autocuidado e a autonomia, alertando para o perigo de relações abusivas, assédio e violência. Promover informações e diálogo sobre cuidados de prevenção, sexualidade saudável e prazerosa e sexo seguro é fundamental para que a própria adolescente compreenda e denuncie uma abordagem abusiva! 

 

Como os profissionais de saúde podem apoiar adolescentes que foram vítimas de abuso sexual

 

O apoio se inicia no primeiro atendimento, no acolhimento no serviço, com uma boa escuta, garantindo a privacidade, respeitando o tempo daquela adolescente e inserindo-a na dinâmica de atendimento, com equipe multiprofissional. Importante entender as vulnerabilidades na qual ela está inserida, mas principalmente, fortalecer vínculo com o profissional e a autonomia dessa paciente, estimular a autoestima e reduzir o stress pós-traumático que representa a situação vivenciada.  

 

Quais recursos estão disponíveis para adolescentes que foram vítimas de abuso sexual e suas famílias

Podemos contar com a rede de apoio que trabalha junto aos serviços de referência nos estados e municípios e contar com os conselhos tutelares. Estes serviços, mesmo em caso de suspeitas são de suma importância, principalmente para análise do contexto social em que a adolescente está inserida. Podemos contar com a contribuição de assistentes sociais, psicólogos e é fundamental que os serviços de referência tenham toda a articulação com a rede de apoio e ainda o acompanhamento dessas adolescentes com equipe multiprofissional no próprio serviço. É importante lembrar aos médicos que aquela consulta pode ser a única possibilidade de poder ajudar a adolescente, em todas as situações que alguma dúvida ocorrer. 

 

O papel do ginecologista no combate ao abuso sexual adolescentes 

Dar atenção à adolescente e procurar um momento de privacidade para que ela possa falar mais abertamente. Muitas vezes o abuso pode estar relacionado com familiares. Lembrar que adolescentes a partir dos 12 anos podem ser atendidas sem a presença de pais ou responsáveis, sendo-lhe garantido o sigilo e a confidencialidade.  

Não se omitir de atender adolescentes por medo de repercussões legais (principalmente se forem menores de 14 anos), pois deixar de atender adolescentes ou mesmo investigar a história sexual, deixará estas meninas desamparadas e situações de abuso deixarão de ser identificadas. As adolescentes podem ser atraídas para atividade sexual com adultos bem mais velhos em troca de favores e bens. 

Ao abordar aspectos relacionados à sexualidade – procurar saber idade do/a parceiro/a. No caso de grande diferença de idade entre o casal investigar se o relacionamento é consentido ou se há algum tipo de coação.  

Afastar situações de vulnerabilidade para a oferta de resistência como consentir a relação sexual em estado de embriaguez, efeito de drogas, déficit cognitivo ou mesmo ser coagida ao ato por pressão do namorado ou de amigos, entre outras. 

Falar sobre a idade mínima para consentimento sexual no Brasil (14 anos). Muitas adolescentes e mesmo seus pais parecem desconhecer ou ignorar o crime de estupro de vulnerável (art. 271-A do Código Penal, 2009). 

Falar com as adolescentes sobre consentimento, cuidados com o corpo, atitudes abusivas. 

O ginecologista precisa se despir de julgamentos e saber conversar com a adolescente de modo não impositivo, mas que provoque a reflexão (“plantar a semente”). 

Crianças e adolescentes com conhecimentos, habilidades e atitudes estarão capacitadas a cuidar de sua saúde, do seu bem-estar, da sua dignidade e estarão aptas a identificar e denunciar comportamentos inadequados. 

Para finalizar: 

Fortalecimento dos serviços de atenção à violência; 

Educação continuada em sexualidade saudável; 

Investimento na graduação e pós-graduação de medicina e outros cursos da área da saúde, com a temática de adolescência -sexualidade -violência sexual -direitos sexuais e reprodutivos;  

Campanhas educativas;  

Rodas de conversas com grupos de adolescentes na atenção básica.  

 

As informações contidas neste documento foram desenvolvidas pela Comissão Nacional Especializada de Violência Sexual e Interrupção Gestacional Prevista em Lei da e revisadas pela Comissão Nacional Especializada de Ginecologia Infanto Puberal, ambas da FEBRASGO.

 


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