Febrasgo cria grupo de trabalho sobre manejo da dengue na gestação

Segunda, 19 Fevereiro 2024 15:58
Aumento do número de casos da doença levanta preocupação sobre a saúde das gestantes; médicos devem orientar sobre as formas de prevenção.

Por Letícia Martins, jornalista com foco em saúde

Nas primeiras semanas de 2024, o Brasil registrou mais de 520 mil casos prováveis e confirmados de dengue, segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde no dia 14 de fevereiro. Também foram confirmadas 84 mortes pela doença, enquanto outras 346 estão sendo investigadas.
Diante desse cenário alarmante, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) criou o Grupo de Trabalho (GT) sobre Dengue na Gestação para tratar especificamente do manejo da doença em gestantes e puérperas. “Além de sobrecarregar o sistema de saúde, o aumento do número de casos de dengue no país traz riscos à vida dos pacientes. Sabemos que as gestantes são um grupo de mais risco, pois há maior mortalidade entre gestantes com dengue. A prioridade da Febrasgo é garantir a saúde da gestante e do bebê, por isso atuamos para orientar e capacitar os ginecologistas e obstetras do país”, declarou a presidente da Febrasgo, Dra. Maria Celeste Osório Wender.

Constituído por 16 especialistas na área de ginecologia e obstetrícia e membros da Comissão Nacional Especializada (CNE) de Doenças Infectocontagiosas da Febrasgo, o GT está empenhado na elaboração do Manual de Manejo de Dengue na Gestação, que será lançado nas próximas semanas. “Diversos estudos apontam para uma maior mortalidade entre gestantes com dengue, além do risco de transmissão para o recém-nascido se a doença ocorrer próximo ao parto. Também há risco de hemorragia, especialmente durante a cesariana e após o aborto”, explicou o Dr. Regis Kreitchmann, presidente da CNE de Doenças Infectocontagiosas da Febrasgo. “Para evitar a morte materna, o manual trará orientações sobre como preparar as equipes de saúde e organizar os fluxos de atendimento dentro dos hospitais, além de explicar os sintomas da dengue e os diagnósticos diferenciais”, acrescentou.

O período de chuvas e o fenômeno climático El Niño estão entre os fatores que contribuíram para a proliferação do mosquito Aedes aegypti e a rápida transmissão da doença. Sem dúvida, neste cenário de aumento do vetor, a aglomeração decorrente das festividades de carnaval se potencializa no sentido de que a incidência da dengue seja maior ainda em fevereiro. “Estamos acompanhando o aumento de casos de dengue em vários municípios. A estimativa é que até maio a transmissibilidade da doença será muito alta. Portanto, essa iniciativa da Febrasgo é de extrema importância para estabelecer diretrizes para os especialistas que estão atendendo ou irão atender gestantes afetadas pela dengue”, acrescenta a diretora administrativa da Febrasgo e membro do GT sobre Dengue na Gestação, Dra. Roseli Nomura

Além do Manual de Manejo de Dengue na Gestação, a Febrasgo irá promover uma série de atividades, incluindo lives (a primeira prevista para o dia 5 de março), treinamentos e capacitações presenciais.

Principais recomendações às gestantes

A preocupação da Febrasgo com a saúde das gestantes diante de uma iminente epidemia de dengue encontra mais um motivo: . “Estudos levantaram a hipótese de que mosquitos têm predileção por picar gestantes, embora os motivos ainda não sejam compreendidos. Assim, é importante que os médicos orientem as mulheres sobre as medidas de prevenção”, expõe o ginecologista obstetra Dr. Antônio Braga Neto, coordenador estadual da Área Técnica da Saúde das Mulheres do Rio de Janeiro e membro do Grupo de Trabalho sobre Dengue na Gestação da Febrasgo. O risco aumenta quando a mulher é infectada no terceiro trimestre da gestação, colocando em perigo a sua vida e a saúde do bebê.

Para as gestantes, é fundamental usar repelentes aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), como a picaridina, icaridina, N,N-dietil-meta-toluamida (DEET), IR 3535 ou EBAAP. “Já os repelentes naturais, como óleos caseiros de citronela, andiroba e capim-limão, não possuem eficácia comprovada nem aprovação da Anvisa até o momento”, ressalta Dr. Antônio.

A medida mais lógica no controle da dengue seria acabar com os criadouros dos mosquitos. No entanto, falhando esta iniciativa tenta-se impedir que o Aedes aegypti entre nas residências. Colocar telas nas portas e janelas funcionam como barreiras para o mosquito da dengue, mas esse recurso pode não for acessível financeiramente para parte da população. Assim, Dr. Geraldo explica que o uso do mosquiteiro colocado sobre a cama também é um bom método de barreira, mas ressalta que sua efetividade pode ser limitada, pois os hábitos do Aedes aegyiti são diurnos e a cama é mais utilizada à noite. “No entanto, para gestantes que costumam descansar durante o dia, o uso do mosquiteiro é bastante efetivo. Das estratégias disponíveis e possíveis para reduzir o número de picadas do mosquito a que tem se mostrado mais eficiente é o uso de repelentes”, recomenda Dr. Geraldo Duarte, vice-presidente da CNE de Doenças Infectocontagiosas e membro do GT sobre Dengue na Gestação da Febrasgo.

Tão necessário quanto orientar as pacientes sobre o que fazer é utilizar uma linguagem clara e simples para que elas compreendam. “As pacientes acreditam muito no médico. Por isso, precisamos passar a informação de forma pedagógica. Sugere que se enfatize que não existe tratamento específico para a dengue e que essa doença pode matar. Explique que a única forma de evitar a dengue é não deixar o mosquito picar. Uma vez que a picada aconteça, existem medidas para atenuar os sintomas e evitar a evolução do quadro, mas o ideal é não deixar o mosquito chegar perto da gestante”, ressalta o Dr. Geraldo.

Sintomas da dengue e conduta

A dengue pode se manifestar de forma assintomática, leve ou grave e levar à morte se não for diagnosticada precocemente e manejada de forma adequada. “Embora seja rara, a mortalidade materna por dengue é inadmissível, pois é possível preveni-la. Falhando a prevenção, ainda resta o diagnóstico precoce e o manejo adequado, evitando assim a evolução da dengue para as formas mais graves”, afirma Dr. Geraldo.

No entanto, muitas vezes a gestante demora para procurar os serviços médicos e isso acontece por diversos motivos, dentre eles a falta de informação sobre a gravidade da doença, fatores socioeconômicos, dificuldade de acesso ao serviço de saúde, vergonha da situação e falta de iniciativa para procurar o serviço médico, entre outros. Por isso, é fundamental orientar a gestante que ela não pode postergar a procura do serviço de saúde às primeiras manifestações clínicas da doença.

O principal sintoma para levar à suspeita de dengue é a febre acompanhada de pelo menos dois outros sintomas como dor muscular, exantema, dor retro-orbital, artralgia, diarreia, náuseas e vômitos, e essa suspeita é indicação para iniciar a hidratação de imediato, enquanto se aguarda laboratoriais hemograma. “Para fazer o diagnóstico correto, é importante que o médico ouça a história da paciente. Assim, saberá quando os sintomas começaram e quais exames devem ser realizados. Nos primeiros quatro a cinco dias de sintomas, o certo é fazer o teste de antígeno (NS1 ou o PCR) para avaliar a presença do vírus da dengue. Após esse período, deve-se pedir o exame sérico (IgM e IgG)”, explica Dr. Geraldo.

Como não existem medicamentos específicos para combater o vírus da dengue, nos casos de menor gravidade, quando não há sinais de alarme, a recomendação é fazer repouso e ingerir bastante líquido. Toda gestante com dengue precisa ser avaliada diariamente e sempre com repetição do hemograma até 48 horas até o desaparecimento da febre. Nos casos mais simples, o acompanhamento ambulatorial é indicado. Mas se o estado dela for grave, com a presença de sinais de alarme, ela deve ser encaminhada para internação. Se houver sinais de choque, sangramento ou disfunção grave de órgãos, a paciente deve ser tratada em unidade de terapia intensiva.

Embora a vacina contra a dengue não seja indicada para gestantes e lactentes, pois seu princípio imunizante baseia-se na presença de vírus vivos atenuados, seu uso é recomendado para mulheres que planejam engravidar, assim que houver maior disponibilidade do imunizante.