O gargalo da formação na assistência à saúde de pessoas LGBTQIA+

Segunda, 28 Junho 2021 15:42

Dra. Lucia Alves Lara comenta avanços e desafios da atenção ginecológica a mulheres que fazem sexo com mulheres e pessoas com incongruência de gênero

São Paulo, junho de 2021. “Em todo o Brasil, de modo geral, a formação de profissionais de saúde sobre as demandas específicas da população LGBTQIA+* é muito precária. A falta de acolhimento, que muitas dessas pessoas relatam, passa pela falta de conhecimento da equipe de saúde. A partir de 2016, esse tema começou a ficar mais recorrente em congressos, debates com o poder público, ligas estudantis – sobretudo a respeito de mulheres e homens trans e mulheres que fazem sexo com mulheres. Mas ainda há uma grande lacuna de informação”, explana a ginecologista Dra. Lúcia Alves da Silva Lara – presidente da Comissão Nacional Especializada em Sexologia da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) – sobre os desafios da assistência à saúde de pessoas LGBTQIA+.

Estima-se que hoje, no país, 10% da população apresentem gênero e/ou sexualidade tidos como não normativos. O grupo de pessoas transexuais compreende fatia um pouco menor – de 0,3% a 0,9% 1, 2. Entretanto, apesar do elevado contingente, a ainda incipiente difusão de informações técnicas promovem cenários de invisibilidade desses grupos no cotidiano da saúde, refletindo em evasão de cuidados preventivos e de assistência médica. No âmbito da saúde sexual de mulheres que fazem sexo com mulheres, um estudo de 2012, do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, apontou que apenas 2% se previnem contra as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), em razão do desconhecimento de medidas preventivas e/ou ausência de produtos específicos para esta finalidade. Dados de pesquisa da Universidade Estadual Paulista, de 2017, com 150 mulheres de semelhante estratificação, revelou que 47,3% delas apresentava algum tipo de IST3.

A especialista da Febrasgo aponta que o caminho para evitar cenários como este passa pela capacitação de equipes médicas (estudantes, ginecologistas, enfermeiros, paramédicos etc) de modo universal. “Essa população existe e não pode ser ignorada. É fundamental que as universidades discutam temas ligados às necessidades desse grupo. Bem como, o Ministério da Saúde atue na formação de programas de saúde voltados às pessoas LGBTQIA+. E as Secretarias de Saúde dos estados e municípios realizem treinamentos contínuos. Ainda há muita diferença nos serviços e qualidade de atendimento em diferentes centros médicos e regiões do país”.

Em outra medida, no âmbito dos avanços observados, nos últimos anos, a especialista destaca iniciativa do Conselho Federal de Medicina (CFM) que atualizou as normas de atendimentos às pessoas com incongruência de gênero – reduzindo a idade mínima para realização de terapias hormonais e cirurgias.

“Há muito ainda a fazer. Há uma ignorância da população e de parte da classe política sobre essas pessoas. Não se trata de opção. Existe uma base biológica que precisa ser conhecida, discutida por todos. É muito importante que essa conversa ocorra também em outras esferas”, finaliza a Dra Lucia.

* Sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Queer, Intersexuais, Assexuais e outras variedades de manifestações de gênero e sexualidade.

  1. Johnson EL, Kaplan PW. Caring for transgender patients with epilepsy. Epilepsia. 2017 Oct;58(10):1667-72. PubMed PMID: 28771690.
  2. Febrasgo. Comissão de Sexologia. Disponível em https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/411-aspectos-da-transexualidade#_ENREF_5
  3. Andrade, Juliana. Vulnerability to sexually transmitted infections of women who have sex with women. 2020. Disponível em https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.03522019

Deixe um comentário

Mais sobre o assunto

PARECER SOBRE FORMAS DE ENTREGA DAS IMAGENS MAMOGRÁFICAS (FILME OU MÍDIA DIGITAL)

PARECER SOBRE FORMAS DE ENTREGA DAS IMAGENS MAMOGRÁFICAS (FILME OU MÍDIA DIGITAL)

A mamografia pode ser obtida com sistema analógico (convencional) ...
Junho Vermelho: saiba quais são os requisitos para que mulheres doem sangue

Junho Vermelho: saiba quais são os requisitos para que mulheres doem sangue

Segundo dados do Ministério da Saúde, 14 em cada ...
Gestantes têm alto risco de anemia devido às necessidades aumentadas de ferro

Gestantes têm alto risco de anemia devido às necessidades aumentadas de ferro

Junho Laranja é uma campanha anual que visa conscientizar e promover ...