Posicionamento Febrasgo - Portaria Nº 2.561 sobre procedimento e autorização da interrupção da gravidez nos casos previstos em lei.

Segunda, 28 Setembro 2020 18:38

A FEBRASGO vem a público manifestar-se a respeito da Portaria Nº 2.561, DE 23 DE SETEMBRO DE 2020,que dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS.
A referida portaria altera a portaria anterior nº Nº 2.282, de 27 de agosto de 2020, e traz pontos que necessitam ser revistos, haja vista a prioridade do cuidado na assistência às mulheres em situação de gestação decorrente de violência sexual. 

1 – Quanto a “comunicar o fato à autoridade policial responsável”: a FEBRASGO defende que a denúncia deva ocorrer apenas por decisão da mulher respeitando-se o direito ao sigilo, à privacidade e à autonomia. A orientação de denúncia viola esses direitos, bem como impõe a quebra do dever ético de sigilo profissional, regulamentado pelo artigo 73 do Código de Ética Médica e tipificado como crime no artigo 154 do Código de Processo Penal por desrespeitar a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, cláusula pétrea presente no art. 5º, X, da Constituição Federal (Brasil, 1988). Além do prejuízo à necessária relação de confiança em um momento de assistência tão delicado, existem evidências de que esta atitude culmina frequentemente no afastamento da mulher dos espaços de assistência (HYMAN; SCHILLINGAN; LO, 1995; THOMAS, 2009), tem pouco ou nenhum efeito na condenação do autor do crime (HYMAN; SCHILLINGAN; LO, 1995; SACHS et al., 1998; ANTLE et al., 2010), além de expor a mulher ao risco de retaliação por parte do agressor (HART, 1993; ANTLE et al., 2010). A notificação obrigatória é contrária ao Código de Ética Médica, art 154 e a Constituição Federal 1988.

O dever do sigilo profissional é um dos pilares dos códigos de ética de diversos outros profissionais de saúde (COFEN, 2017; CFP, 2005; CFESS, 2012), envolvidos na avaliação e acompanhamento das vítimas.


2 – Quanto a “preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro a serem entregues imediatamente à autoridade policial ou aos peritos oficiais”: O registro de informações e coleta de vestígios deveria continuar de acordo com a norma técnica do Ministério da Saúde, 2015. Salientamos a importância de capacitação contínua dos serviços de enfrentamento às vítimas de violência sexual e fortalecimento da Rede de Atenção para proporcionar acolhimento adequado às vítimas.    

 

3- Quanto a necessidade de incluir na “equipe de saúde multiprofissional o anestesista”: essa medida não tem fundamentação técnica, visto que este é um procedimento obstétrico que prescinde de avaliação técnica de outra especialidade médica para ser realizado. Muitas vezes é desnecessária a intervenção do anestesista para controle da dor nas interrupções gestacionais, visto que a maioria desses procedimentos são realizados em gestações precoces, apenas com uso de medicações. A exigência de anestesista na equipe restringe ainda mais o número já insuficiente de serviços existentes no país.

 

A FEBRASGO reitera a necessidade de revisão dos itens mencionados acima. A perspectiva deve ser a assistência à menina, adolescente, mulher vítima de violência sexual, pautada pela ética, respeito e evidências científicas.

Dessa maneira, solicitamos uma profunda reflexão a respeito e a imediata revogação desta Portaria 2.561/2020, que constitui violência institucional a meninas e mulheres brasileiras que engravidam de seus agressores.

 

Referências

 

ANTLE, B.; BARBEE, A.; YANKEELOV, P. et al. A Qualitative Evaluation of the Effects of Mandatory Reporting of Domestic Violence on Victims and Their Children. Journal of Family Social Work, v. 13, p. 56–73, 2010.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 30 de ago de 2020.

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm Acesso em 28 de ago de 2020.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM - Brasil). Código de ética médica. Resolução nº 1.246/88. Disponível em https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf Acesso em 30 de ago de 2020.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM (COFEN). RESOLUÇÃO COFEN Nº 564/2017. Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Brasília, 2017.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Código de Ética Profissional do Psicólogo. Brasília, 2005.

CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Código de ética do/a assistente social. Lei 8.662/93 de regulamentação da profissão. 10ª. ed. rev. e atual. Brasília: Conselho Federal de Serviço Social, 2012.

GUTTMACHER INSTITUTE. State laws and policies. Requirements for Ultrasound. Aug 1, 2020. Disponível em: https://www.guttmacher.org/state-policy/explore/requirements-ultrasound

HART, B. J. Battered women and the criminal justice system. Am Behav Scientist, v. 36, p. 624-38, 1993.

HYMAN, A.; SCHILLINGAN, D.; LO, B. Laws Mandating Reporting of Domestic Violence: Do They Promote Patient Wellbeing? JAMA, v. 273, n. 22, p. 1781-7, 1995.

SACHS, C. J.; PEEK, C.; BARAFF, L. J. et al. Failure of the mandatory domestic violence reporting law to increase medical facility referral to police. Ann Emerg Med, v. 31, n. 4, p. 488-94, 1998.

THOMAS, I. Against the Mandatory Reporting of Intimate Partner Violence. Virtual Mentor, v. 11, n. 2, p. 137-40, 2009.

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Medical management of abortion. Geneva: WHO, 2018.

 

 


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