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Infecção Urinária de Repetição na Mulher - Aspectos Gerais

Sexta, 01 Dezembro 2017 18:43
Rafael Mendes Moroni1,2; Luiz Gustavo Oliveira Brito3

1 Professor Assistente da Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia – Universidade Estadual do Oeste do Paraná

2 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ginecologia e Obstetrícia; Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo

3 Professor Doutor do Departamento de Tocoginecologia - Universidade Estadual de Campinas

 

Introdução

 

            Infecções do trato urinário (ITUs) correspondem à presença de microorganismos patogênicos nas vias urinárias inferiores ou superiores. São frequentemente consideradas um dos subtipos mais comuns de infecção bacteriana em humanos (1). Tais infecções podem acometer o trato urinário baixo, manifestando-se como uretrites e cistites, ou alto, manifestando-se como pielonefrites. As ITUs são mais frequentes entre as mulheres, em comparação aos homens, e se estima que cerca de metade das mulheres terão ao menos um episódio de ITU ao longo da vida (2).  Um número bem mais restrito de mulheres desenvolve quadros cronicamente recorrentes de ITUs, dando origem à condição conhecida como ITU recorrente, ou ITU de repetição, que é definida pela International Continence Society / International Urogynecology Association como o diagnóstico de três episódios de infecção no curso de 12 meses, ou dois episódios em seis meses, com demonstração objetiva de resolução de cada um dos episódios após tratamento (3). Uma coorte de base populacional norte-americana, com duração de 9 anos, estimou uma incidência de ITUs recorrentes não complicadas de 102 em 100.000 mulheres, ou cerca de 0,1%, com predomínio nas faixas etárias de 18 a 34 anos, e de 55 a 64 anos (4).  Apesar de tais episódios serem geralmente leves e muitas vezes auto-limitados, eles podem determinar um prejuízo significativo na qualidade de vida dessas mulheres, com irritabilidade, perda de produtividade no trabalho, perda de auto-estima e comprometimento da função sexual (5).

Etiologia e Fisiopatologia

           

            Múltiplos microorganismos podem ser responsáveis por ITUs, tais como Klebsiella spp., Pseudomonas spp., Enterobacter spp., Serratia spp., Klebsiella spp., Proteus spp. e Enterococcus spp (5). Sabe-se porém, que a bactéria mais frequentemente associada a tais infecções é a Escherichia coli, responsável por 60 a 80% dos casos (6). E.coli é um microorganismo normal da flora intestinal humana, sendo que a maior parte das cepas não possui capacidade de produzir  doença. Algumas cepas, porém, são virulentas, responsáveis por infecções intestinais invasivas, ou por infecções extra-intestinais, como é o caso das E. coli uropatogênicas (UPEC) associadas aos quadros  de ITU (7). Considerando a curta distância entre o ânus e o meato uretral externo feminino, mulheres que possuem cepas UPEC de E.coli em sua microbiota intestinal podem disseminar tais microorganismos ao períneo e introito vaginal, permitindo a ascensão dos mesmos ao trato urinário inferior. Quando tal disseminação acontece, essas bactérias aderem à mucosa do trato urinário através de estruturas denominadas fímbrias, que possuem papel importante como determinantes da virulência das cepas UPEC (8). O turnover celular acelerado da superfície da mucosa do trato urinário, com esfoliação celular, e o próprio fluxo urinário consistem em mecanismos de defesa contra a aderência de tais bactérias à superfície mucosa, impedindo que a ascensão das mesmas determine um quadro de infecção. Quando, porém, tais mecanismos não são capazes de remover as bactérias aderidas, pode haver invasão da superfície mucosa pelos microorganismos, com estabelecimento de um processo infeccioso invasivo. Apesar de classicamente ser considerada uma infecção extracelular, mais recentemente tem-se reconhecido a capacidade das UPECs de invadirem as células uroteliais e estabelecerem uma colonização intracelular crônica, que resiste aos mecanismos de defesa inatos e mesmo ao tratamento com antimicrobianos, e se associa com quadros recorrentes de ITU (8).

Fatores de Risco

            Como mencionado previamente, mulheres já estão sob risco mais elevado para o desenvolvimento de ITUs, e isso se relaciona às características anatômicas do trato genito-urinário feminino. A proximidade entre ânus e uretra e o fato de a uretra feminina ser mais curta que a masculina contribui para um maior risco de uropatógenos ascenderem ao trato urinário inferior (9).

            Além disso, diversos outros fatores de risco estão relacionados ao desenvolvimento de ITUs, especialmente de quadros recorrentes.

  • Vida sexual ativa: mulheres sexualmente ativas estão sob maior risco de desenvolverem ITU; além disso, características específicas da vida sexual da mulher também podem aumentar tal risco, tais como maior frequência das relações sexuais (≥ 3 vezes por semana resultou em uma chance cinco vezes maior de ITU; OR = 5,6; IC 95%3,1 – 10,1), uso de diafragma ou de espermicidas como método contraceptivo, novos parceiros sexuais, práticas inadequadas de higiene genital, como falta de higiene antes (OR = 2,1, IC95% 1,2 a 3,6) e após (OR = 2,8, IC95% 1,5 a 9,8) o coito (10).
  • Gravidez: a gestação se associa a uma maior estase de urina no trato genital inferior e superior, seja por dificuldades de esvaziamento associadas à compressão pelo útero gravídico, seja pelo peristaltismo ureteral reduzido e leve dilatação ureteral observado durante a gestação. Essa tendência a estase perturba um dos mecanismos de proteção do trato urinário contra a aderência e invasão bacterianas – o fluxo de urina e esvaziamento miccional, que acaba levando a descamação de células superficiais e a eliminação de bactérias eventualmente aderidas. Tais modificações aumentam a prevalência de bacteriúria assintomática, pielonefrite e quadros recorrentes de ITU durante a gravidez (11).
  • Menopausa: durante o menacme, a microbiota vaginal é rica em lactobacilos, capazes de manter o meio vaginal acidificado, o que dificulta a colonização por enterobactérias patogênicas que podem ascender através da uretra e causar ITUs. O hipoestrogenismo observado na menopausa provoca alterações na microbiota e atrofia da mucosa vaginal, com perda de lactobacilos e elevação do pH do meio, fatores que se relacionam com um maior risco de colonização vaginal por uropatógenos e infecções ascendentes (12).
  • Incontinência urinária e disfunções miccionais: a presença de um esvaziamento vesical lento ou incompleto, e de resíduos pós miccionais superiores a 30mL se associa a um maior risco de quadro recorrentes de ITU (13,14). Além disso, mulheres que apresentam incontinência urinária têm seis vezes mais chances de desenvolverem ITU de repetição em comparação a mulheres sem incontinência (OR 6,65, IC95% 2,5 – 17,7) (14).
  • Fatores obstrutivos – prolapso genital, litíase renal, válvula de uretra posterior, refluxo vesico-ureteral, uso de cateterização prolongada ou intermitente são situações que podem levar a estase urinária.
Investigação

            Por definição, quadros recorrentes de ITU necessitam de comprovação microbiológica através de urocultura (3). Outras investigações, porém, não são recomendadas de forma rotineira para a maioria dessas mulheres, devido à baixa custo-efetividade e baixa utilidade diagnóstica. Apesar disso, sabe-se que a presença de anomalias estruturais, corpos estranhos no trato urinário, e urolitíase podem estar associados a quadros recorrentes de ITU, e tais condições podem ser potencialmente detectadas e tratadas. Sendo assim, investigação urológica utilizando exames de imagem (incluindo urografia excretora, tomografia computadorizada e ultrassonografia de rins e vias urinárias) e cistoscopia podem ser indicados de maneira individualizada, se houver suspeita de alguma dessas condições (15). Em um estudo retrospectivo envolvendo 163 mulheres com ITU de repetição submetidas a investigação urológica complementar, apenas 5,5% apresentaram algum achado anormal (incluindo divertículo vesical, estenose uretral e presença de sutura na bexiga); tal amostra, porém, continha uma proporção significativa de mulheres já submetidas a cirurgias uroginecológicas e a transplante renal, e a proporção de achados positivos deve ser possivelmente inferior em mulheres que não possuem tais fatores de risco (16). A urodinâmica não contribui na elucidação da causa da ITU de repetição.

Conclusões

           Infecções do trato urinário recorrentes podem ter um impacto significativo sobre a qualidade de vida das mulheres afetadas. Inúmeros fatores de risco são conhecidos, e alguns deles são modificáveis e/ou tratáveis, como comportamento sexual, uso de diafragmas e atrofia urogenital. A identificação e o aconselhamento dessas mulheres em relação aos fatores de risco modificáveis, juntamente com o uso de estratégias de prevenção – discutidas em um texto complementar a este – podem contribuir para reduzir o impacto de tal condição.

 

Referências

  1. Foxman B. Epidemiology of urinary tract infections: incidence, morbidity, and economic costs. Dis Mon. 2003;49(2):53–70.
  2. Griebling T. Urologic diseases in America project: trends in resource use for urinary tract infections in women. J Urol. 2005;173(4):1281–7.
  3. Haylen BT, de Ridder D, Freeman RM, Swift SE, Berghmans B, Lee J, et al. An International Urogynecological Association (IUGA)/International Continence Society (ICS) joint report on the terminology for female pelvic floor dysfunction. Int Urogynecol J. 2010;21(1):5–26.
  4. Suskind AM, Saigal CS, Hanley JM, Lai J, Setodji CM, Clemens JQ. Incidence and Management of Uncomplicated Recurrent Urinary Tract Infections in a National Sample of Women in the United States. Urology. 2016;90:50–5.
  5. Boeri L, Capogrosso P, Ventimiglia E, Scano R, Graziottin A, Dehò F, et al. Six Out of Ten Women with Recurrent Urinary Tract Infections Complain of Distressful Sexual Dysfunction – A Case-Control Study. Sci Rep. 2017;7:44380.
  6. Kahlmeter G. An international survey of the antimicrobial susceptibility of pathogens from uncomplicated urinary tract infections: the ECO.SENS Project. J Antimicrob Chemother. 2003;51(1):69–76.
  7. Bien J, Sokolova O, Bozko P. Role of uropathogenic escherichia coli virulence factors in development of urinary tract infection and kidney damage. Int J Nephrol. 2012;2012.
  8. Bower JM, Eto DS, Mulvey MA. Covert operations of uropathogenic Escherichia coli within the Urinary Tract. Traffic. 2005;6(1):18–31.
  9. Yamamoto S, Tsukamoto T, Terai A, Kurazono H, Takeda Y, Yoshida O. Genetic evidence supporting the fecal-perineal-urethral hypothesis in cystitis caused by Escherichia coli. J Urol. 1997;157(3):1127–9.
  10. Badran YA, El-Kashef TA, Abdelaziz AS, Ali MA. Impact of genital hygiene and sexual activity on urinary tract infection during pregnancy. Urol Ann [Internet]. 2015;7(4):478–81. 11.
  11. Hill JB, Sheffield JS, Mcintire DD, Jr GDW. Acute pyelonephritis in pregnancy. Am Fam Physician. 1990;42(4):1069.
  12. Minardi D, d’Anzeo G, Cantoro D, Conti A, Muzzonigro G. Urinary tract infections in women: etiology and treatment options. Int J Gen Med 2011;4:333–43.
  13. Haylen BT, Lee J, Husselbee S, Law M, Zhou J. Recurrent urinary tract infections in women with symptoms of pelvic floor dysfunction. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct. 2009;20(7):837–42.
  14. Raz R, Gennesin Y, Wasser J, Stoler Z, Rosenfeld S, Rottensterich E, et al. Recurrent Urinary Tract Infections in Postmenopausal Women. 2000; 30:152–6.
  15. Chew LFS. Recurrent cystitis in nonpregnant women. West J Med. 1999;170(5):274–7.
  16. Pagano MJ, Barbalat Y, Theofanides MC, Edokpolo L, James MB, Cooper KL. Diagnostic Yield of Cystoscopy in the Evaluation of Recurrent Urinary Tract Infection in Women. Neurourol Urodyn. 2017;36(3):692–6.