Amenorréia Primária – o papel do cariótipo
Sexta, 16 Março 2018 15:26
Ana Carolina Japur de Sá Rosa-e-Silva
A amenorréia primária se caracteriza pela ausência da primeira menstruação após os 16 anos de idade, ou pela ausência de desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários até os 14 anos de idade (1). As causas podem ser anatômicas ou hormonais. No primeiro caso pode haver a ausência parcial ou total do trato genital (trompas, útero e vagina) ou ainda um útero funcionante com obstrução à saída do fluxo menstrual, como na agenesia de colo, vagina (parcial ou total) ou nos septos vaginais transversos. Nos casos obstrutivos, geralmente há dor cíclica e progressiva acompanhada de massa pélvica devido à formação de hematocolpo, hematometra e/ou hematossalpinge, em graus variados (2). No caso das alterações hormonais, o defeito pode ser cortical, hipotalâmico, hipofisário ou ainda ovariano (eixo HHO), mas por uma questão didática separaremos em defeitos de origem central (córtex, hipotálamo e hipófise) e periférica (ovários).
Como iniciar a propedêutica nestas pacientes?
As etiologias são muitas e a identificação da origem anatômica ou hormonal pode ser um bom ponto de partida. Uma anamnese e um exame físico detalhados podem muitas vezes ser suficientes para o diagnóstico. Na anamnese, a identificação de desenvolvimento de caracteres sexuais secundários dependentes de estrogênio indica um eixo funcionante. Neste caso, a primeira hipótese é de defeito anatômico, aonde, apesar da atividade hormonal, não há desenvolvimento endometrial ou o fluxo não se exterioriza. O exame físico pode reforçar esta hipótese identificando hímen imperfurado (que pode se tratar de agenesia vaginal) ou vagina curta, através da vaginometria. Se necessário, um ultrassom pélvico poderá completar a avaliação; apenas excepcionalmente será necessária a ressonância magnética em distorções mais complexas. Os diagnósticos mais frequentes nestes casos são as malformações Mullerianas, com amplo espectro de manifestações, e a Insensibilidade Androgênica Completa (IAC), onde a não atividade dos androgênios no período embrionário faz com que um indivíduo XY tenha seus genitais externos femininos e os internos ausentes; neste caso, apesar da vulva feminina normal, a vagina, o útero e as trompas estão ausentes (1).
Vale lembrar que as malformações Mullerianas frequentemente estão associadas à malformação, agenesia ou ectopia renal; por isso, uma avaliação por imagem dos rins deve ser sempre solicitada.
Na ausência do desenvolvimento das mamas, há fortes indícios de um eixo não-funcionante, podendo ser defeito central ou periférico. Esta diferenciação pode ser feita pela dosagem de FSH, que indicará defeito central caso esteja suprimido ou defeito periférico caso esteja elevado. A etiologia destes distúrbios hormonais pode ser orgânica (traumas, tumores ou malformações) ou funcional (endocrinopatia ligada a outros eixos, alterações imunológicas e estresse geralmente são as causas mais frequentes). Sendo assim, na presença de defeito central (FSH supresso), há sempre a necessidade de se descartar tumores e outras lesões orgânicas de SNC, sendo mister a realização de um exame de imagem. As causas genéticas e imunológicas são as mais frequentes nos defeitos periféricos, além das iatrogênicas, mas neste último há presença de histórico de risco, como quimio e/ou radioterapia ou cirurgia ovariana prévias (1).
Porque o cariótipo é importante?
Diante desta gama de diagnósticos, onde está o papel do cariótipo? Quando ele deve ser solicitado?
A presença de gônadas XY na cavidade abdominal, seja ela um testículo normal ou disgenético, associa-se a risco aumentado de malignização devido às altas temperaturas a que o tecido fica exposto. Sendo assim, nestes casos haverá necessidade de gonadectomia (1), e, portanto, o cariótipo é imprescindível para definição de condutas.
Basicamente temos duas situações em que o cariótipo é indispensável. No caso dos defeitos anatômicos com agenesia uterina e vaginal, a fim de se diferenciar as malformações Mullerianas dos casos de IAC. No primeiro, o cariótipo é XX e no segundo é XY. Como nas IACs o testículo é normal do ponto de vista anatômico, o risco de malignização é de 5 a 10%, porém é mais tardio e a conduta pode ser expectante, mantendo-se a gônada até o termino do desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários e crescimento estatural, pois este testículo também produzirá estrogênios que propiciarão uma puberdade fisiológica para o fenótipo feminino normal. Para estas pacientes, a gonadectomia pode ser realizada após a parada do crescimento mais dois anos, o que ocorrerá por volta dos 18 anos de idade. O cariótipo também será importante nos casos de causa hormonal de origem periférica, onde as disgenesias gonadais são a principal etiologia. A mais frequente é a Síndrome de Turner, principalmente os genótipos mosaicos, onde o 45X0-46XY ocorrerá em 5% das pacientes. A presença de XY nestes indivíduos determina a extirpação cirúrgica da gônada assim que definido o diagnóstico, visto que a malignização é mais frequente e mais precoce (1).
Considerações Finais
- Meninas com ausência de menarca após os 14 anos com pelo menos dois anos de telarca ou com mais de 16 anos sem os caracteres sexuais secundários devem ser investigadas para amenorreia primária (embora alguns autores considerem 13 e 15 anos, respectivamente, como indicativos para a investigação).
- A origem da doença pode ser anatômica ou hormonal (eixo hipotálamo-hipófise-ovariano -HHO).
- Na presença de mamas normodesenvolvidas deve-se suspeitar de alteração anatômica e complementar diagnóstico com exame de imagem da pelve.
- Nos casos de ausência completa dos caracteres sexuais secundários, a alteração provavelmente é do eixo HHO. O FSH permitirá diferenciar os casos centrais dos casos periféricos.
- Na suspeita de defeito anatômico com agenesia vaginal e nos casos de defeito hormonal de origem periférica o cariótipo é imprescindível e a presença de Y determina a necessidade de remoção cirúrgica das gônadas.

Figura 1. Fluxograma de Investigação das amenorreias primárias.
REFERÊNCIAS
- Fritz MA & Speroff L. Amenorrhea. In: Clinical Gynecological Endocrinology and Infertiliy. Philadelphia PA: Editora Lippincott Williams & Wilkins, 2011. Capítulo 11. Páginas 435-493.
- Fritz MA & Speroff L. Uterus. In: Clinical Gynecological Endocrinology and Infertiliy. Philadelphia PA: Editora Lippincott Williams & Wilkins, 2011. Capítulo 4. Páginas 121-156.
Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Endócrina da Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia – FEBRASGO