×

Atenção

JUser: :_load: Não foi possível carregar usuário com ID: 257

O desafio do aleitamento materno entre adolescentes

Sexta, 16 Fevereiro 2018 11:19
A despeito da redução em 32% da taxa de gravidezes em adolescentes observada nos últimos anos no estado de São Paulo, o mesmo fenômeno não tem sido observado em estatísticas que englobam o Brasil como um todo.

            É sabido que o recém-nascido de uma mãe adolescente tem chance aumentada de ser prematuro ou de baixo peso, motivos suficientes para aumentar sua morbiletalidade neonatal e pós-neonatal.

            Por outro lado, o aleitamento materno (AM) reduz a morbidade e a mortalidade infantis pela proteção que oferece à criança contra uma série de enfermidades potencialmente letais, como as doenças respiratórias, a desnutrição e as diarreias.

            Estudos mostram prevalência menor de aleitamento exclusivo entre adolescentes, quando comparadas com mães adultas.

            A literatura aponta a adolescência entre os fatores de risco para o desmame precoce. Autores relatam risco relativo entre 1,38 e 1,48 para a cessação do aleitamento exclusivo antes dos seis meses de vida, conforme preconizado pela OMS e pelo Ministério da Saúde.

            Vários são os motivos descritos para essa menor disposição da mãe adolescente em amamentar, a iniciar pela própria pouca experiência e pelo conhecimento reduzido a respeito da amamentação. Além disso, o medo da dor, da dificuldade com o ato de amamentar e do embaraço diante de uma possível exposição pública também pode se constituir em barreira a influenciar negativamente a decisão da adolescente sobre o AM. Há, ainda, referência à própria vida conjugal, atividade fora do lar e dificuldade para amamentar nos primeiros dias, como fatores associados ao desmame em adolescentes.

            Estudo clássico norte-americano mostra que pouco mais da metade das puérperas adolescentes optou espontaneamente pelo AM. Esta decisão independeu do tipo de parto, índice de Apgar, peso ao nascer, idade gestacional ou sexo do bebê. Os autores observaram, ainda, que 83% das adolescentes haviam tomado a decisão sobre amamentação antes do terceiro trimestre da gestação, o que mostra a importância fundamental da educação pré-natal precoce. Além disso, praticamente um terço delas já havia se decidido antes da gravidez, sugerindo que os programas de educação em aleitamento materno deveriam começar antes mesmo do pré-natal, idealmente, durante o ensino fundamental.

            Experiência no Reino Unido mostrou o impacto positivo de uma clínica de assistência pré-natal dedicada exclusivamente a gestantes adolescentes sobre os resultados obstétricos e neonatais. A avaliação feita doze meses após o início das atividades mostrou melhora em uma série de parâmetros, como aumento na taxa de partos vaginais, aumento da média de peso ao nascer, redução das admissões em unidade neonatal de cuidados especiais, aumento da prática de contracepção e prolongamento do tempo de aleitamento materno.

            Frente ao exposto, é importante que o profissional de saúde esteja atento a todas as oportunidades que lhe são oferecidas, seja como educador ou cuidador, para contribuir positivamente no sentido de aumentar a prática da amamentação entre as adolescentes, especialmente aquelas que se encontram grávidas pela primeira vez. Neste aspecto, é fundamental manter um diálogo não inquisidor, mas encorajador, desde o início do pré-natal, transmitindo confiança e procurando detectar os conceitos da jovem sobre a amamentação, quais os seus medos e eventuais tabus sobre o assunto e, principalmente, se ela já se decidiu a respeito.

            A existência de grupos de discussão pré ou pós-consulta facilita um esclarecimento mais detalhado. No ambulatório de pré-natal do Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, todas as grávidas adolescentes são convidadas a participar desses grupos. Os temas discutidos incluem vantagens do AM, consequências do desmame precoce, fisiologia da lactação, extração manual e conservação do leite humano, cuidados com as mamas, alimentação da gestante e da nutriz, amamentação em sala de parto, importância do alojamento conjunto, uso de drogas e contracepção durante o AM, técnicas de amamentação, dificuldades mais frequentes e legislação a respeito.

            A educação pré-natal é particularmente importante para as adolescentes que vivem em locais onde é fácil adquirir mamadeiras e fórmulas infantis, bem como, em locais onde a alta hospitalar pós-parto seja muito precoce.

            De qualquer modo, o profissional de saúde deve estar preparado para desestimular a grávida adolescente de qualquer prática que já se demonstrou ser totalmente inútil durante a gestação, como massagens nas mamas, exercícios para as papilas, expressão do colostro e aplicação de pomadas ou cremes nas papilas.

            O sucesso do aleitamento materno também dependerá de procedimentos que ajudem a adolescente por ocasião do parto, como presença de acompanhante de sua escolha, parcimônia com analgésicos e sedativos que possam interferir no comportamento do recém-nascido e, especialmente, o estímulo ao parto normal.

            Neste aspecto, importa lembrar que a realização de cesárea eletiva não impede o contato precoce e prolongado pele a pele e olho a olho entre a mãe e o bebê em boas condições, já na sala cirúrgica. Também é indefensável a separação do binômio, com a justificativa de encaminhar a puérpera saudável e desperta para a sala de “recuperação pós-anestésica”.

            Mais que a adulta, a mãe adolescente necessita de bastante atenção e apoio para amamentar com sucesso nos primeiros dias após o parto. Por isso, o incentivo ao sistema de alojamento conjunto, a assistência profissional quanto ao posicionamento correto do bebê para uma sucção adequada, a amamentação por livre demanda quanto ao horário e à duração das mamadas são fatores fundamentais para o estabelecimento do aleitamento materno exclusivo.

            Após a alta hospitalar, é muito interessante o envolvimento de familiares, como a própria mãe ou outra parenta próxima, para transmitir a confiança necessária à jovem nutriz, além da ajuda, sempre que possível, do seu marido. O importante é que ela acredite que é capaz de amamentar, que a sua criança não necessita de nada além do seu leite e que suas mamas, seja do tamanho que forem, produzirão leite adequado e em quantidade suficiente. Além disso, o encaminhamento da mãe adolescente a grupos de apoio é essencial na prevenção das principais causas de desmame, como a “insuficiência de leite”, os traumatismos papilares, o ingurgitamento mamário e a possível mastite puerperal.

            Todas as evidências científicas apontam que a forma mais eficaz de ajudar as puérperas adolescentes a estabelecer e manter o aleitamento materno é o suporte pessoal contínuo por uma pessoa com conhecimentos adequados sobre a amamentação.

            Em suma, cada qual tem sua parcela de responsabilidade diante do desafio de aumentar os índices de amamentação entre as adolescentes, seja profissional de saúde, gestor, autoridade governamental, político, ou mesmo, simples cidadão ou cidadã.

Corintio Mariani Neto
(São Paulo)

-------------------------------------------------------------------------------------------------

LEITURA RECOMENDADA

  1. Governo do Estado de São Paulo. SP reduz gravidez na adolescência em 32%. http://portal.saude.sp.gov.br/folder/geral_noticias.mmp
  2. IDB 2011 – BRASIL. Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC). http://w3.datasus.gov.br
  3. Correa MBRN, Coates V. Gravidez. In: Coates V, Françoso LA, Beznos GW - Medicina do Adolescente. São Paulo: Sarvier, 1993. p.259-62.
  4. Wambach KA, Cole C. Breastfeeding and Adolescents. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs 2000; 29(3): 282-94.
  5. Venancio SI, Monteiro CA. Individual and contextual determinants of exclusive breast-feeding in São Paulo, Brazil: a multilevel analysis. Public Health Nutrition 2006; 9(1): 40-6.
  6. Santo LC, Oliveira LD, Giugliani ER. Factors associated with low incidence of exclusive breastfeeding for the first 6 months. Birth 2007; 34(3): 212-9.
  7. Frota DAL, Marcopito LF. Amamentação entre mães adolescentes e não-adolescentes, Montes Claros, MG. Rev Saúde Pública 2004; 38(1): 85-92.
  8. Chaves RG, Lamounier JA, César CC. Factors associated with duration of breastfeeding. J Pediatr (Rio J) 2007; 83(3): 241-6.
  9. Hannon PR, Willis SK, Bishop-Townsend V, Martinez IM, Scrimshaw SC. African-American and Latina adolescent mothers´ infant feeding decisions and breastfeeding practices: a qualitative study. J Adolescent Health 2000; 26(6): 399-407.
  10. Neifert M, Gray J, Gary N, Camp B. Factors influencing breast-feeding among adolescents. J Adolesc Health Care 1988; 9(6): 470-3.
  11. WHO, Wellstart International. Promoting breast-feeding in health facilities: A short course for administrators and policy-makers. Doc. WHO/NUT/96.3 1996. p:4-6.
  12. Das S, Dhulkotia JS, Brook J, Amu O. The impact of a dedicated antenatal clinic on the obstetric and neonatal outcomes in adolescent pregnant women. J Obstet Gynaecol 2007; 27(5): 464-6.
  13. Vitiello N. O papel do obstetra no incentivo ao aleitamento materno. Femina 1986; abril: 346-53.
  14. FEBRASGO. Aleitamento materno: manual de orientação, 3a ed: Mariani Neto C. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, 2015. 162p.
  15. Enkin MW, Keirse MJNC, Neilson JP, Crowther CA, Duley L, Hodnett ED, Hofmeyr GJ. Amamentação. In: Guia para atenção efetiva na gravidez e no parto, 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. p.234-42.
  16. King, FS. Como ajudar as mães a amamentar. Tradução de Thomson Z e Gordon ON. 4ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. 189p.

Mais conteúdos

NOTA A RESPEITO DA MODIFICAÇÃO NA CNRM

NOTA A RESPEITO DA MODIFICAÇÃO NA CNRM

A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e ...
Dia do Obstetra: formação e atualização constante para cuidar da mulher em momentos especiais

Dia do Obstetra: formação e atualização constante para cuidar da mulher em momentos especiais

Data é oportuna para reconhecer o papel desse médico especialista ...
Ministério da Saúde lança iniciativa para expandir o acesso a especialistas no SUS

Ministério da Saúde lança iniciativa para expandir o acesso a especialistas no SUS

Novo modo vai permitir ao paciente um diagnóstico mais á...

Para otimizar sua experiência durante a navegação, fazemos uso de cookies. Ao continuar no site consideramos que você está de acordo com a nossa Política de Privacidade.

Aceitar e continuar no site