Quase 15 mil crianças menores de 14 anos vivem algum tipo de violência sexual
Adultização traz risco para a saúde mental e sexual das crianças
“Adultização é a percepção equivocada de que uma criança é mais velha e madura do que sua idade ou estágio atual de desenvolvimento. Esse processo ocorre quando adultos interpretam de forma distorcida a fase do desenvolvimento neuropsíquico da criança projetando nela suas expectativas derivadas de sua própria experiência adulta”, explica Dra. Lucia Alves da Silva Lara, Ginecologista e Sexologista, vice-presidente da Comissão Especializada de Sexologia da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia - FEBRASGO.
Segundo a médica, a adultização é frequentemente observada em famílias com vulnerabilidade socioeconômica – mas não restrita a elas - nas quais as crianças são inseridas em funções destinadas primariamente aos adultos. “O desenvolvimento precoce dessas habilidades pode promover maior autonomia para a criança, mas a expõe a uma sobrecarga emocional que ultrapassa os limites do que seria esperado para a infância. Isso pode levar a um aumento do risco para transtornos ansiosos e depressivos, favorece a sensação de desamparo e, na vida adulta, pode interferir nas suas relações interpessoais”, complementa.
A adultização também ocorre no nível sexual onde crianças são inseridas em conteúdos sexuais adultos e disponibilizadas na mídia, o que aumenta o risco de violência sexual principalmente em populações mais vulneráveis.
“De acordo com os últimos dados do Sistema de Agressões e Notificação, o SINAM, cerca de 14 mil meninas (abaixo de 14 anos) são mães vítimas estupro, todo ano, no Brasil. Na faixa entre 15 anos até 19 anos esse número de vítimas chega a 22 mil, totalizando um total de 27 mil adolescentes por ano. Sem dúvida, essa exposição criminosa de adolescentes através das mídias digitais contribui para o aumento de gravidez nessa faixa etária”, conta Dr. Olímpio Barbosa de Moraes Filho, ginecologista da diretoria da FEBRASGO e membro da Comissão Especializada em Violência Sexual e Interrupção Gestacional Prevista em Lei da mesma entidade.
Os especialistas da FEBRASGO explicam que, dentre os possíveis crimes que podem ser facilitados pela adultização de crianças está a sextorsão ou extorsão sexual. Esta prática consiste em imposição de chantagem sexual pelo agressor, exigindo que a vítima exiba ou compartilhe, virtualmente, imagens suas de cunho sexual, que serão utilizadas para controlá-la, o que configura o “abuso sexual baseado em imagens (ASBI)”.
O ASBI refere-se à captação, criação ou compartilhamento não consensual de imagens que revelam a intimidade corporal ou sexual de uma pessoa, por meio de fotos ou vídeos. A sextorsão é uma forma de ASBI, bem como a coerção para o sexting, que envolve pressionar, ameaçar ou coagir alguém a compartilhar suas imagens íntimas, o deepfake que envolve usar a inteligência artificial para criar imagens sexualizadas falsas ou digitalmente alteradas e o cyberflashing que é o envio não solicitado e indesejado de imagens sexualmente explícitas.
Predadores sexuais também utilizam sites e aplicativos de encontros on-line, além de plataformas de redes sociais, para realizar o ataque a pessoas emocionalmente vulneráveis simulando encontros românticos que são na verdade, fraudulentos. “Em um estudo com 1.385 adolescentes que foram vítimas de sextorsão, a maioria era menor de idade e foram vítimas de seus parceiros românticos. O fornecimento de imagens pelos adolescentes foram algumas vezes espontâneo, mas a maioria foi coagida a compartilhar as imagens sob ameaças de agressões físicas e intimidação que durou meses”, aponta Dra. Lucia Lara.
Ela reforça que a educação sexual é fundamental para discutir com adolescentes sobre sexualidade, saúde sexual e riscos cibernéticos da exposição de imagens do corpo. “O ginecologista e obstetra precisa conhecer o comportamento sexual das adolescentes e obter conhecimento a respeito. Para isso, é necessário que as perguntas a respeito das práticas sexuais não denotem valor moral ou julgamento”, comenta Dra. Lucia Lara.
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