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Genitalium na prática do ginecologista: emergente e resistente.

Quinta, 01 Março 2018 17:53

            Os Micoplasmas são bactérias que vêm ocupando as publicação devido a sua importância e, sobretudo, pelo fato de que, na sua maioria, as mulheres infectadas não apresentam sintomas. Pertencem à classe dos Mollicutes e dentre as espécies desta classe, quatro apresentam maior impacto na reprodução humana. Os gêneros Ureaplasmas, com foco nas espécies urealiticum e parvum, podem ser relacionados com problemas na gestação ou mesmo impacto peri-natal (1); enquanto o gênero dos Micoplasmas, representado pelas espécies hominis e genitalium, estão mais relacionadas a distúrbios nos órgãos genitais masculinos e femininos, mas também podem repercutir em danos na gestação (1). Dentre estes, o Mycoplasma genitalium (MG) sobressai em relação a sua patogenicidade, sobretudo pela sua resistência crescente aos antibióticos discutida em estudos mais recentes (2,3). Dentre os agentes citados, este último é um dos mais implicados nas uretrites e cervicites, e em complicações de importância ginecológica, como a Infertilidade e Doença Inflamatório Pélvica (DIP). Portanto, é um agente que apresenta especial importância para os Ginecologistas e, por isso, é o foco deste artigo.

            A Chlamydia trachomatis (CT), em termos de patogenicidade, pode ser comparável ao MG, pois tem o mesmo foco, sobretudo em relação às uretrites e cervicites e suas complicações, bem como ao fato da maioria dos infectados serem assintomáticos.

            Após descobertos, tanto MG quanto CT foram estudados quanto a sua patogenia e impacto na Saúde Reprodutiva, porém a densidade de trabalhos tem se mostrado mais acentuada para o lado da Clamídia. No entanto, uma série de fatores tem levado a uma crescente preocupação em relação ao MG, com a necessidade de mais estudos a seu respeito.

            De início, o MG se diferencia da CT em relação a sua estrutura microbiológica visto que não apresenta membrana citoplasmática (4). Isto lhe confere resistência a todos os antimicrobianos que têm mecanismo de ação direcionado a essa organela. Já os mecanismos de patogenicidade são semelhantes entre essas bactérias: ambas se ligam intimamente às células para que, através de receptores, possam ser nelas incluídos (4). Assim, além de apresentarem tamanho muito reduzido (o MG é a menor bactéria existente), são parasitas intra-celulares obrigatórios (4).

            Diferente das espécies de ureaplasma e do Mycoplasma hominis, que podem compor o microbioma vaginal (5), o MG não se apresenta dessa forma. No entanto, estudo recente mostrou a presença do MG sem estar associado à patogenicidade, o que pode trazer alguma dúvida frente a este fato (6).

            A prevalência da CT, analisando a população em geral, está em torno de 10% na população jovem, enquanto o MG tem sido relatado em torno de 1 a 2% das mulheres. Contudo, em pacientes com sintomas genitais, o MG pode chegar até a 40% em termos de prevalência, situando-se como o segundo agente após a CT e eventualmente até a superando (7).  Apesar dessa diferença na prevalência da população geral, o MG tem se mostrado em ascensão e uma revisão da literatura apontou taxas progressivamente mais elevadas comparando estudos mais recentes. Enquanto Maihnart, em 2003, relatou 7% de prevalência de MG nos quadros de cervicites, o autor Gaydos, em 2009, também avaliando os agentes de cervicites, encontrou esse microorganismo em 19,3% dos casos (8).

            É importante ressaltar que um grande grupo de entidades podem estar associadas tanto à CT como ao MG, como cistites, cervicites, alterações do meio ambiente vaginal e mesmo doença inflamatória pélvica, com consequente implicação na fertilidade (9). Essas situações são de fundamental importância para conduzirmos nossas "pistas" diagnósticas em direção a esses agentes.

            Em relação ao diagnóstico, tanto para CT quanto para o MG, se aguardarmos sinais e sintomas iremos deixar de diagnosticar cerca de 70 a 80% das situações, visto que ambos se comportam de forma insidiosa, razão pela qual são denominadas agentes de "epidemias silenciosas". Portanto, o ideal seria nos basearmos no diagnóstico laboratorial com provas de biologia molecular. Este rastreamento já se encontra referendado por várias pesquisas e sociedades médicas em relação à infecção pela CT (10). Estes métodos diagnósticos são sensíveis e, no caso da CT, devem ser utilizados no rastreamento de rotina, sobretudo entre adolescentes; o que não se aplica como rotina no caso do MG. Deve-se suspeitar de MG nos quadros crônicos de cistites, cervicites ou mesmo processos pélvicos com suspeita inicial de CT, mas sem melhora com tratamento para este agente.

            Em relação ao tratamento, os estudos mostram grande diferença entre MG e CT. O MG de forma categórica tem se mostrando cada vez mais resistente a inúmeros agentes que apresentam ação na CT (3). Em termos gerais, podemos referir que a Doxiciclina apresenta resistência de 60% sendo, portanto, droga ineficaz para tratamento do MG (10). Dessa forma, quadros clínicos arrastados ou que nos levam a pensar em MG como agente envolvido têm como primeira opção de tratamento a Azitromicina (10). Porém, estudos já referem resistência de até 30% a esse medicamento (2) e, ao que parece, aumentar o tempo de administração de dose única de 1gr (esquema utilizado para tratamento de cervicite por CT) para 5 ou mesmo 7 dias não diminui esta resistência (12). No caso de resistência a azitromicina tem sido utilizado a Moxifloxacina, da qual já existe citação de resistência de mais de 5% (13).

            Estas considerações se direcionam sobretudo aos casos de pacientes com sintomas compatíveis com uretrites e cervicites, e que receberam tratamento convencional com azitromicina, doxiciclina ou mesmo antibióticos da classe das cefalosporinas e que não obtiveram resposta adequada. Nesta situação, devemos pensar na presença do MG como agente causal e em sua resistência a estes antibióticos. Assim, concluímos que o MG se trata de patógeno emergente, impactante na saúde reprodutiva, de difícil diagnóstico clínico e sobretudo com resistência crescente aos antibióticos.

            

            REFERÊNCIAS:

  1. Taylor-Robinson. D. Infections due to species of Mycoplasma and Ureaplasma: an update. Clin. Infect. Dis. 1996; 23:671–682
  2. Bissessor M, Tabrizi SN, Twin J, Abdo H, Fairley CK, Chen MY et al. Macrolide resistance and azithromycin failure in a Mycoplasma genitalium-infected cohort and response of azithromycin failures to alternative antibiotic regimens. Clin Infect Dis 2015; 60:1228 –1236.
  3. Manhart LE, Gillespie CW, Lowens MS, Khosropour CM, Colombara DV, Golden MR et al. Standard treatment regimens for nongonococcal urethritis have similar but declining cure rates: a randomized controlled trial. Clin Infect Dis 2013; 56:934 –942.
  4. Razil S., Yogev D, Naot Y. Molecular biology and pathogenicity of micoplasmas. Microbiol 1998. Mol. Biol. Rev., 62, 1094-1156.
  5. Chavan B, Links MG, Jayaprakash TP, Wagner EC, Bourque DK, Lohn Z et al. Characterization of the vaginal microbiota of healthy Canadian women through the menstrual cycle. Microbiome 2014; 2:23
  6. Falk L, Fredlund H, Jensen J. Signs and symptoms of urethritis and cervicitis among women with or without Mycoplasma genitalium or Chlamydia trachomatis infection. Sex Transm Infect 2005;81(1):73-78.
  7. Sonnenberg P, Ison CA, Clifton S, Field N, Tanton C, Soldan K et al. Epidemiology of Mycoplasma genitalium in British men and women aged 16–44 years: evidence from the third National Survey of Sexual Attitudes and Lifestyles (Natsal-3). International Journal of Epidemiology 2015;44(6):1982-1994.
  8. Sunil SGagandeep SPalash SMeera S. Mycoplasma genitalium: An emerging sexually transmitted pathogen - Indian J Med Res. 2012 Dec; 136(6):942–955
  9. Lis RRowhani-Rahbar AManhart LE. Mycoplasma genitalium infection and female reproductive tract disease: a meta-analysis. Clin Infect Dis. 2015 Aug 1;61(3):418-26.
  10. Jensen JS, Cusini M, Gomberg M, Moi H. European guideline on Mycoplasma genitalium infections. J Eur Acad Dermatol Venereol 2016, 30: 1650–1656.
  11. Mena LA, Mroczkowski TF, Nsuami M, Martin DH. A randomized comparison of azithromycin and doxycycline for the treatment of Mycoplasma genitalium-positive urethritis in men. Clin Infect Dis 2009; 48: 1649–1654.
  12. Horner P, Blee K, Adams E. Time to manage Mycoplasma genitalium as an STI: but not with azithromycin 1 g! Curr Opin Infect Dis 2014;27:68-74.
  13. Couldwell DL, Tagg KA, Jeoffreys NJ, Gilbert GL. Failure of moxifloxacin treatment in Mycoplasma genitalium infections due to macrolide and fluoroquinolone resistance. Int J STD AIDS 2013; 24: 822–828



AUTORES:

*Newton Sergio de Carvalho
#Gabriele Palú *Professor Titular de Ginecologia do DTG/UFPR#Estagiaria do Setor de Infecções em Ginecologia e Obstetrícia /HC/UFPR. Aluna do Curso de Medicina e do Programa de Iniciação Científica da UFPRDepartamento Mycoplasma de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná ( DTG/UFPR). Setor de Infecções em Ginecologia e Obstetrícia e Ambulatório de Lesões Genitais do Hospital de Clinicas da UFPR.Curitiba- Paraná