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Entenda o que é a Lei Geral de Proteção de Dados e como ela afeta a rotina médica

Instituída para regulamentar a maneira pela qual os dados pessoais são utilizados por pessoas ou empresas, a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei no. 13.709/18) ainda gera dúvidas quanto às formas de execução e tratamento de informações pessoais de caráter médico. Para facilitar que profissionais e empresas alinhem condutas de acordo com as diretrizes desse dispositivo legal, a Dra. Maria Celeste Osório Wender, Diretora de Defesa e Valorização Profissional da Febrasgo, e a Dra. Lia Cruz Vaz da Costa Damásio Membro da Comissão Nacional de Defesa e Valorização Profissional, prepararam detalhado artigo, veiculado na revista Femina, que ajuda a elucidar as principais dificuldades em torno do tema. Confira, a seguir, uma versão compacta desse conteúdo. 

 

A LGPD objetiva regulamentar o uso, a proteção e a transferência de dados pessoais no território brasileiro. Isto é, criar um ambiente de segurança jurídica por meio da padronização de normas e práticas para a proteção, de forma igualitária, de dados pessoais no país. A lei possibilita a hospitais, médicoslaboratórios, centros de diagnóstico, planos e seguros de saúde e demais empresas e profissionais da área da saúde o tratamento de dados pessoais (toda e qualquer atividade que utilize dado pessoal na execução da sua operação, seja ela coleta, processamento, utilização, reprodução, classificação, arquivamento e outras ações) desde que o processo se enquadre em uma das bases legais no artigo 7º e descritas a seguir. Por dados pessoais, entende-se as informações permitem identificar, de modo direta ou indireto, um indivíduo que esteja vivo (tais como nome, RG, CPF, gênero, data e local de nascimento, telefone, endereço residencial, retrato em fotografia, prontuário de saúde etc).  

 

Infrações à LGPD podem ocasionar advertências e multas de até 2% do faturamento anual da organização, no limite de R$ 50 milhões de reais por infração; suspensão do exercício da atividade de tratamento dos dados pessoais a que se refere à infração; e proibição parcial ou total do exercício de atividades relacionadas a tratamento de dados. 

 

Bases Legais e Consentimento 

São 10 as bases legais que permitem o tratamento de dados pessoais: 1. Consentimento informado do paciente, que é o titular dos dados pessoais; 2. Cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo profissional ou serviço de saúde; 3Execução de políticas públicas; 4. Realização de estudos por órgãos de pesquisa, garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais; 5. Execução de contrato; 6. Exercício de direito em processo judicial, administrativo ou arbitral; 7. Proteção da vida; 8. Tutela da saúde; 9. No legítimo interesse do controlador e; 10. Para proteção do crédito. 

 

Para o tratamento de dados pessoais é necessário ainda que a base legal encontrada atenda aos seguintes requisitos, sem exceção de nenhum deles: finalidade, adequação, necessidade (limitação do tratamento ao mínimo necessário para a realização de suas finalidades), livre acesso aos titulares, qualidade dos dados, transparência, segurançaprevenção de danos, não discriminação, qualidade dos dados (garantia, aos titulares, de exatidão, clareza, relevância e atualização dos dados, de acordo com a necessidade e para o cumprimento da finalidade de seu tratamento; responsabilização e prestação de contas). 

 

O consentimento previsto no inciso I do art. 7º da Lei deverá ser fornecido por escrito ou por outro meio que demonstre a manifestação de vontade do titular. Dono do dado pessoal, o titular tem a prerrogativa de autorizar, negar ou reconsiderar o uso de suas informações. O consentimento pode ser manifestado por escrito ou por qualquer outro meio que demonstre, de forma clara e inequívoca, que suas informações podem ser usadas por empresas e órgãos públicos. 

 

Além dos dados pessoais, outras informações cujo tratamento incorre na observância da LGPD. São os chamados dados sensíveis. Estes seriam as informações sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opiniãpolítica, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural e outros. Há maiores restrições no uso e coleta de dados sensíveis. 

 

Os dados sensíveis também podem ser tratados se tiverem o consentimento explícito da pessoa e uma finalidade definida; e, sem consentimento do titular, quando for indispensável em situações ligadas: a uma obrigação legal; a políticas públicas; a estudos via órgão de pesquisa; a um direito, em contrato ou processo; à preservação da vida e da integridade física de uma pessoa; à tutela de procedimentos feitos por profissionais das áreas da saúde ou sanitária; à prevenção de fraudes contra o titular. 

 

Vale ressaltar, ainda que os dados relativos à saúde são dados sensíveis que exigem um tratamento mais cauteloso, devendo o consentimento obtido do titular dos dados, além de conter toda a informação possível, ser específico sobre a finalidade do tratamento. Aqui o foco da lei é evitar que o titular dos dados seja vítima de algum tipo de discriminação em decorrência de uma doença grave ou transmissível, por exemplo. 

 

Dados anonimizados e pseudonimizados 

anonimizaçãé a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis no momento do tratamento, por meio dos quais um dado perde a possibilidade de associação, direta ou indireta, a um indivíduo. Dados pseudonimizados são aqueles dados que também passaram por etapas de tratamento, no qual se permitiu trocar o conjunto de dados originais (por exemplo, o e-mail do titular dos dados ou o próprio nome) por um pseudônimo. neste caso, é possível identificar a pessoa titular do dado, sujeitando-se à LGPD. 

 

Implicações da LGPD na área da saúde 

É relevante que toda empresa e profissional que atue no setor de atendimento a saúde, observe, quando da implementação dos programas de conformidade, as normas aplicáveis ao seu ramo de atuação, e de que forma que elas se comunicam com as exigências da Lei Geral de Proteção de Dados. 

Citam-se alguns exemplos do impacto da LGPD na área da saúde: 

  • Os dados pessoais de um paciente somente poderão ser coletados, armazenados eprocessados em sistemas de informação em saúde com seu expresso consentimento livre e esclarecido (inclusive dados retroativos, ou seja, todos os pacientes já armazenados nos sistemas, ou seus responsáveis, terão que ser solicitados novamente);
  • Os pacientes terão o direito de saber para que, quando e por quem os seus dados foram utilizados, e poderão restringir o direito de acesso a quem desejarem (inclusive grupos de usuários dos sistemas).
  • Os dados pessoais terão que ser anonimizados e deverão ser criptografados;
  • Todas as transmissões entre sistemas terão que sercriptografadas;
  • Deve-se ter cautela com a adequação e oexcesso de segurança, que poderia prejudicar uma tendência fundamental para os prontuários eletrônicos, queé a interoperabilidade (troca de informações) entre sistemas heterogêneos e também a elaboração de dados agregados, como no DATASUS ou levar a situações esdrúxulas, como um paciente necessitando cuidados emergenciais não poder ser atendido em virtude dos seus dados estarem com acesso vetado, o que reforça a necessidade de atenção e individualização na adequação de cada serviço às regras da LGPD. 

Posicionamento Febrasgo sobre o Projeto de Lei no 5.435 de 2020, que dispõe sobre o Estatuto da Gestante

A  Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia - FEBRASGO vem a público manifestar-se contrária ao Projeto de Lei no 5.435, de autoria do Senador Eduardo Girão (PODEMOS/CE), que dispõe sobre o “Estatuto da Gestante”, Com o intuito de defender a vida de forma absoluta desde a concepção, ele claramente viola direitos humanos de mulheres e meninas no âmbito da saúde sexual e reprodutiva.

É surpreendente que o referido Projeto de Lei, em trâmite no Senado Federal, está pautado para ser analisado e votado sem que tenha sido debatido com especialistas e todos profissionais que prestam assistência e acolhem as mulheres brasileiras nos serviços de saúde. Ao mesmo tempo, a análise jurídica e social do Projeto de Lei no5.435/2020, identifica violações de princípios e direitos de diferentes naturezas, as quais têm consequências nefastas, gerando injustiças e, portanto, incompatíveis com o Estado Democrático de Direito.

Faz-se oportuno que possamos opinar sobre aspectos de alguns artigos contidos no texto do referido Projeto de Lei:

Art. 1o Esta lei dispõe sobre a proteção e direitos da gestante, pondo a salvo a vida da criança por nascer desde a concepção. Neste artigo fica claro os indícios de que o projeto não possui o objetivo de garantir os direitos da mulher gestante, pois não considera as situações de saúde em que a manutenção da gravidez põe em risco a vida da gestante. 

Art. 4o É assegurado à gestante o atendimento através do Sistema Único de Saúde – SUS.

  • 3° O SUS promoverá políticas de apoio e acompanhamento da gestante vítima de violência para auxílio quanto à salvaguarda da vida e saúde da gestante e da criança por nascer.

Nesse trecho do PL, fica evidente a intenção de impor a manutenção da gravidez decorrente de estupro pelo Estado brasileiro. Aqui, devemos evocar que forçar uma vítima de estupro a manter uma gravidez decorrente de violência sofrida é considerado um tratamento degradante e torturante pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (UM, 2013; arts. 45, 49 e 50) e, portanto, incompatível com a Constituição Brasileira (art. 5o).

Art. 8o É vedado a particulares causarem danos à criança por nascer em razão de ato ou decisão de qualquer de seus genitores.

Este artigo do PL criminaliza o aborto em todas as circunstâncias, inclusive nos casos previstos no Código Penal desde 1940 (gravidez em decorrência de estupro e risco à vida da gestante), já que proíbe médicos de atuarem na interrupção da gravidez, independentemente do consentimento da mulher.

Art. 10o O genitor possui o direito à informação e cuidado quando da concepção com vistas ao exercício da paternidade, sendo vedado à gestante, negar ou omitir tal informação ao genitor, sob pena de responsabilidade. 

Neste artigo, a autoria do PL transparece a concepção de que a mulher grávida é apenas um “receptáculo” para o embrião/feto em desenvolvimento, sem direitos e autonomia sobre seu próprio corpo. Há clara violação de direitos fundamentais da mulher garantidos pela Constituição Federal de 1988 (art. 5o), como direito à intimidade e à privacidade.

Art. 11º Na hipótese de a gestante vítima de estupro não dispor de meios econômicos suficientes para cuidar da vida, da saúde, do desenvolvimento e da educação da criança, o Estado arcará com os custos respectivos de um salário-mínimo até a idade de 18 anos da criança, ou até que se efetive o pagamento da pensão alimentícia por parte do genitor ou outro responsável financeiro especificado em Lei, ou venha a ser adotada a criança, se assim for a vontade da gestante, conforme regulamento.

Este artigo revela-se ainda mais cruel, novamente deixando evidente a intenção de impor a manutenção da gravidez decorrente de estupro pelo Estado brasileiro. Além de induzir uma vítima de estupro a manter uma gravidez decorrente de violência, sugere que um auxílio financeiro poderia contornar dificuldades, quando sabemos que as repercussões deste fato são em número e severidade muito maiores do que as econômicas.

Causa-nos muita preocupação que iniciativas como essa no âmbito do legislativo brasileiro estejam na contramão do que já foi acordado em Tratados e Conferências internacionais da ONU relacionadas ao tema e a garantia dos Direitos Humanos de brasileiras e brasileiros. Neste sentido, a FEBRASGO vem a público se manifestar contra o PL 5435/2020. A FEBRASGO considera que a sua aprovação representaria um  retrocesso dos direitos humanos fundamentais e das mulheres no país.

Referências

 

Texto inicial do PL 5435/2020:  https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8911162&ts=1616615444408&disposition=inline

 

Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos 

Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Brasília, 2005. 

 

MacMahan J. The Ethics of killing: problems at the margins of life. Oxford: Oxford University Press, 2002. 

United Nations. Human Rights Council. Report of the Special Rapporteur on torture and other cruel, inhuman or degradating treatment or punishment, Juan E. Méndez. Geneva, 2013.

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