COMUNICAÇÃO FEBRASGO – COMISSÃO NACIONAL DE VIOLÊNCIA SEXUAL E INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO PREVISTA EM LEI

Wednesday, 30 October 2019 15:00
A Lei n.º 10.778/2003 estabelece a notificação compulsória no território nacional, dos casos de violência contra a mulher que forem atendidos em serviços de saúde públicos ou privados, ou seja, institui a comunicação interna da violência para fins epidemiológicos. Tal notificação tem caráter sigiloso e veda a identificação da vítima de violência fora do âmbito dos serviços de saúde, com exceção dos casos de “risco à comunidade ou à vítima, a juízo da autoridade sanitária e com conhecimento prévio da vítima ou do seu responsável” (artigo 3º, parágrafo único).

O Projeto de Lei n.º 2.538, de 2019 (n.º 61/17 no Senado Federal), pretendia alterar a Lei n.º 10.778/2003, ampliando a notificação compulsória para os “casos em que houver indícios ou confirmação de violência contra a mulher” com comunicação à autoridade policial”. Referido Projeto de Lei foi vetado pela Presidência da República, conforme Mensagem n.º 495, em 9/10/2019, publicada no DOU de 10/10/2019.

Cabe ao Estado assegurar o direito da pessoa de viver com dignidade e de acordo com suas próprias convicções, o que compreende, no que diz respeito à mulher, proporcionar o pleno exercício dos direitos sexuais e reprodutivos, como também o direito à vida, livre de violências. Nesse mister, cumpre ao Estado promover políticas de promoção de direitos, de prevenção das violências e de condutas discriminatórias, de assistência às vítimas de violência e de responsabilização dos agressores.

A saúde, um dos atributos da personalidade do indivíduo, é concebida em sentido amplo como um estado de completo bem-estar físico, mental e social (Constituição Federal, artigo 196). Assim, o direito à saúde, como direito social e fundamental, impõe ao Estado Brasileiro a obrigação de assegurar a todos(as) o acesso ao mais elevado padrão.

O acesso universal e igualitário à saúde é norma constitucional e o abortamento é uma questão de saúde pública. O atendimento à saúde da pessoa vítima de violência sexual é prioritário. Precede e independe de qualquer procedimento policial e judicial.

A mulher vítima de violência sexual tem direito à integral assistência médica e à plena garantia da sua saúde sexual e reprodutiva. O acesso ao abortamento legal, como um direito humano sexual e reprodutivo, é uma questão de saúde pública e o Estado brasileiro deve garanti-lo de forma segura (adequada e acessível, ao tratamento humano e à devida orientação) às mulheres que engravidam em decorrência de violência sexual, de acordo com as recomendações do Comitê para Assuntos Éticos da Reprodução Humana e Saúde da Mulher da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO).

A interrupção da gestação decorrente de violência sexual se insere na esfera de autonomia pessoal da mulher. Reduzir a liberdade das mulheres vítimas de violência sexual impacta significativamente na vida concreta das mulheres, especialmente das mais vulnerabilizadas.

A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza (Capítulo I, Inciso I, do Código de Ética Médica, Resolução CFM nº 1.931, de 17/09/2009).

Aos profissionais da Ginecologia e Obstetrícia, no que consiste a sua qualificação médica, clínica ou cirúrgica, compete os cuidados com a saúde sexual e reprodutiva da mulher. No que tange à violência sexual, cabe-lhes examinar, orientar e prescrever medicamentos à vítima de violência sexual, bem como agir com imparcialidade e manter sigilo profissional, excetuando-se o dever de notificar compulsoriamente a violência para fins epidemiológicos (Lei nº 10.778/2003 e Código Penal, artigo 269) e de comunicar eventual acidente de trabalho com fins previdenciários (Consolidação das Leis do Trabalho, art. 169, e Lei nº 8.213/1991, art. 21, IV, e art. 22, § 2º). Em caso de violência sexual contra crianças e adolescentes, da qual tomou conhecimento no exercício de sua atividade profissional, deve o(a) médico(a) comunicar aos pais da vítima de estupro (Código de Ética Médica, artigo 74) e à autoridade competente (conselho tutelar, autoridade policial, promotor de Justiça ou juiz da Infância e Juventude).

O Projeto de Lei n.º 2.538, de 2019 (n.º 61/17 no Senado Federal) confunde notificação compulsória (comunicação interna) e denúncia (comunicação externa), ofende a autonomia e o direito à privacidade da paciente, em que pese as posições divergentes sobre a gravidade da ofensa e a relevância do bem jurídico tutelado.

 Na prática, diante da incipiente estrutura do Sistema de Justiça e de mecanismos acessíveis e efetivos de enfrentamento às diversas formas de violência de gênero, além da violação ao direito à liberdade/privacidade, a comunicação externa poderia potencializar o sofrimento das mulheres em situação de violência, que deixariam de acessar seu direito humano fundamental à saúde, receando serem compelidas a enfrentar o sistema de justiça. Ressalte-se que a violência de gênero é um fenômeno complexo, multicausal, multidimensional, multifacetado, que demanda um conjunto igualmente complexo e articulado de medidas e políticas públicas de prevenção, punição e erradicação da violência.

Isto posto, a FEBRASGO, através da sua Comissão Nacional Especializada de Violência Sexual e Interrupção da Gestação Prevista em Lei, através deste documento, e considerando as observações acima descritas, manifesta-se completamente favorável à posição da Presidência da República, que vetou o Projeto de Lei n.º 2.538, de 2019 (n.º 61/17 no Senado Federal), assegurando às mulheres a autonomia e o direito à privacidade.

CNE DE DE VIOLÊNCIA SEXUAL E INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO PREVISTA EM LEI

DIRETORIA DA FEBRASGO


Mais conteúdos

Febrasgo participa de reunião da ANS sobre boas práticas no cuidado do câncer de mama

Febrasgo participa de reunião da ANS sobre boas práticas no cuidado do câncer de mama

A Febrasgo participou, na tarde desta segunda-feira (25/03), de uma reuniã...
Síndrome de Down: diagnóstico pode ser realizado durante a gestação

Síndrome de Down: diagnóstico pode ser realizado durante a gestação

Ultrassonografia permite avaliar o risco da condição com base ...
Mulheres negras são as mais afetadas por eclâmpsia e mortalidade materna

Mulheres negras são as mais afetadas por eclâmpsia e mortalidade materna

Ginecologistas alertam que a falta de acesso adequado aos tratamentos é ...
-->

© Copyright 2025 - Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. All rights reserved.

Para otimizar sua experiência durante a navegação, fazemos uso de cookies. Ao continuar no site consideramos que você está de acordo com a nossa Política de Privacidade.

Aceitar e continuar no site