1º de maio – Dia do Trabalho: Os desafios invisíveis do retorno ao trabalho após a licença-maternidade

Wednesday, 30 April 2025 09:17

Conheça as dicas da especialista para conciliar trabalho e aleitamento materno

Como identificar sinais de ansiedade, culpa ou tristeza nesse período

 

“A licença-maternidade não é apenas um período de afastamento do trabalho, mas um momento de transformação profunda na vida da mulher. Ela passa por diversas mudanças físicas, emocionais e sociais, e o retorno ao trabalho exige uma adaptação não apenas ao ambiente profissional, mas à sua nova realidade de mãe”, diz a Dra. Maria Auxiliadora Budib, médica ginecologista e obstetra e vice-presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

Infelizmente, muitas vezes as mães são vistas de forma diferente no ambiente de trabalho após a licença maternidade. Há um estigma relacionado à ideia de que essas mulheres podem não estar tão comprometidas ou disponíveis quanto antes da licença.

Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) revelou que 48% das mulheres perdem o emprego até 12 meses após o término da licença-maternidade. “Isso tem um impacto e é uma violência velada que pode trazer consequências na saúde da mulher e na saúde social.  Estudos apontam que metade das mulheres deixa o mercado de trabalho um ano após o início da licença-maternidade, muitas vezes devido à dificuldade de conciliar as responsabilidades profissionais e familiares”, conta a Dra. Maria Auxiliadora, que ministrará aula durante o 62º Congresso Brasileiro de Ginecologia e Obstetrícia, que será realizado no Rio de Janeiro entre os dias 14 e 17 de maio. Conheça a programação aqui.

Na entrevista a seguir, a vice-presidente da Febrasgo comenta estratégias que podem ser adotadas pelas mulheres e empresas no retorno ao trabalho.

Como conciliar a amamentação com a rotina de trabalho presencial?

Dra. Maria A. Budib - É fundamental que a mãe se sinta confortável para comunicar suas necessidades ao gestor em seu retorno ao trabalho. Isso inclui explicar as demandas da amamentação e como isso pode ser conciliado no dia a dia profissional. Precisamos avançar para que esse assunto seja abordado naturalmente e criar espaços em políticas públicas; porque uma criança que é amamentada tem melhor imunidade, menor incidência de problemas de saúde e a mulher que recebe a ponte para a possibilidade de manter a amamentação, terá também menor taxa de absenteísmo e mais saúde física e mental.

 

Quais estratégias podem ser usadas para minimizar o impacto da separação entre mãe e bebê, especialmente quando o bebê ainda está em aleitamento materno exclusivo?

Dra. Maria A. Budib – Cito algumas, como:

 

  • Utilizar bombinha para retirar o leite durante o expediente e armazená-lo adequadamente.
  • Ter um local limpo, seguro e reservado na empresa para ordenha.
  • Estabelecer horários fixos para a retirada do leite ajuda a manter a produção.
  • Licença ampliada ou trabalho híbrido/flexível (quando possível) para manter o aleitamento direto por mais tempo.

 

Quando a mãe e o bebê estiverem juntos, gosto de pontuar as seguintes recomendações:

 

  • Amamentação em livre demanda.
  • Contato pele a pele sempre que possível, que pode ajudara fortalecer o vínculo mesmo após o retorno ao trabalho.
  • Introdução gradual do cuidador para que o bebê se acostume aos poucos com a nova rotina e pessoa de cuidado.
  • Manter objetos com cheiro da mãe pode trazer conforto para o bebê. A memória olfativa é real.

 

Quais dicas podem ajudar as mães a manter a produção de leite materno após o retorno ao trabalho?

Dra. Maria A. Budib – São elas:

 

  • Ordenhar regularmente, mesmo sem o bebê por perto.
  • Beber bastante água e manter uma alimentação equilibrada.
  • Evitar longos intervalos entre as ordenhas.
  • Tentar descansar sempre que possível (mesmo que difícil).
  • Manter o contato direto com o bebê fora do horário de trabalho para estimular a produção.

 

Quais são os principais impactos emocionais e psicológicos que a mãe pode sentir ao retornar ao trabalho?

Dra. Maria A. Budib - O sentimento de inadequação, como se não estivesse “100% em lugar nenhum” é o lugar de fala da mulher em seu retorno às atividades profissionais.  Ao mesmo tempo que reconhece a importância do seu trabalho, o investimento que fez em sua carreira, a diferença que também sua renda faz na vida da sua família; a maioria se sente dividida e não inteira. No Brasil, onde as políticas do cuidado da família são potencialmente femininas, onde a licença paternidade não condiz com a importância do homem na divisão de trabalho com a criança (em países desenvolvidos há opção de escolha e apoio para que as tarefas sejam compartilhadas); o retorno ou o não retorno involuntário ao trabalho contribuiu para o aparecimento de sintomas de ansiedade e depressão.

 

Como identificar sinais de ansiedade, culpa ou tristeza nesse período?

Dra. Maria A. Budib - As “pistas” são grandes. Quem observa a mulher em sua totalidade consegue ver claramente os sinais. Às vezes, a própria mulher não identifica, pois está em um momento totalmente voltado a olhar a criança (ou as crianças) e não consegue voltar o olhar para si mesma. Precisamos falar sobre “o retorno” desde o pré-natal assim como falamos de nutrição, atividade física, exames de rotina, vacina.

Destaco alguns sinais de alerta:

 

  • Choro frequente e sensação de angústia.
  • Dificuldade para dormir, mesmo com o bebê dormindo.
  • Pensamentos recorrentes de culpa ou inadequação.
  • Irritabilidade, perda de apetite ou apatia.
  • Desinteresse em atividades que antes eram prazerosas.
  • Sentimento de culpa com o bebê.

 

De que forma familiares, amigos e empresas podem apoiar a mulher nesse momento de transição?

Dra. Maria A. Budib - Nas empresas o letramento de lideranças para acolher a parentalidade é uma estratégia essencial para construir ambientes corporativos mais inclusivos e humanos. Trata-se de educar líderes e gestores sobre os desafios e necessidades de colaboradores que são pais e mães — não apenas no retorno da licença, mas em todas as fases da jornada parental. Essencial humanizar esse processo. Promover uma cultura que valorize a parentalidade sem prejuízo à carreira trará indicadores sociais, econômicos e orçamentários à própria empresa. Pais e mães que se sentem valorizados e compreendidos são talentos que a empresa retém e que com certeza contribui para o crescimento de todos.

Empatia e escuta ativa com colaboradores em licença ou em retorno é pauta inadiável. Os líderes também precisam conhecer a legislação trabalhista relacionada à parentalidade. No “dashboard” precisamos falar sobre a flexibilidade como ferramenta de gestão: horários, entregas, remoto/híbrido e sobretudo desconstruir estigmas: “mães são menos comprometidas”, e também a bandeira “pais também cuidam”.

As empresas precisam estar alertas às mães que enfrentam situações de microagressões no ambiente de trabalho após o retorno, como piadas sobre a ausência durante a licença maternidade ou pressões para “compensar” o tempo que estiveram fora. As áreas de compliance já olham para isso, mas é necessário educar sempre os colaboradores e colaboradoras para o entendimento de suas atitudes.

A família é uma grande força na rede de apoio. Cabe não julgar e não trazer “verdades” sobre como a mãe deve conduzir seu processo de retorno. Evite dar opiniões. Troque sua opinião pela ajuda que a mãe e o pai precisam. Cada ato de cuidado e apoio traz saúde a todos. Uma mãe bem cuidada, um bebê bem cuidado. Ofereça ajuda. Evite conflitos. Escute a mãe! Na jornada da obstetrícia sabemos que o curso de gestantes, preparo ao parto seguro, informações de amamentação são de grande valia. Que tal incluir desde o pré-natal um momento de diálogo sobre o retorno ao trabalho? Certeza que vai ser transformador!

 


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