Drogas Ilícitas durante a gravidez

Friday, 30 November 2018 15:19

O uso de drogas ilícitas aumentou em vários países do mundo, bem como no Brasil.1,2,3 Nos Estados unidos, 5% das gestantes relataram ter usado droga ilícita, sendo o uso da canabis  o mais comum, seguido da cocaína.4 O uso de álcool e drogas por mulheres grávidas pode resultar em significativa morbidade e mortalidade materna, fetal e neonatal. Em geral, as mulheres grávidas drogaditas são menos propensas a procurar cuidado pré-natal e têm taxas mais elevadas de HIV, hepatite e outras infecções sexualmente transmissíveis.4,5 A pesquisa para o uso de drogas deve fazer parte do cuidado obstétrico.6 A estratégia pesquisar, rápida intervenção e encaminhamento para tratamento é a abordagem ideal7.

Os principais CID 10 são: F14(transtornos devidos ao uso da cocaína,  F19(transtornos devidos ao uso de múltiplas drogas e outras substâncias psicoativas), T40.0(ópio), Z71.5 (aconselhamento e supervisão para abuso de drogas).

CANABIS

O princípio ativo da maconha é o delta-9-tetrahidrocanabinol, substância que atravessa com facilidade a barreira placentária.8,910 A utilização de canabis pelas mães leva a uma redução significativa, tanto no início como na duração da amamentação11.Em relação aos resultados do uso da maconha sobre o feto, há dificuldade para sua identificação precisa, pois há uma alta prevalência de pacientes que a usam concomitantemente a outras drogas, incluindo álcool e cigarro8. Foi verificado o aumento do risco de diversas malformações em mulheres que fizeram uso de maconha durante o pré-natal12. Entretanto esta foi uma casuística pequena e houve o uso concomitante frequente de cocaína e metanfetamina. Outros autores não relatam aumento das malformações em fetos expostos a canabis8. O resultado mais comum ligado à exposição à canabis no útero é a diminuição do peso ao nascer13. Em relação aos efeitos tardios para as crianças, foram relatados transtornos cognitivos e emocionais.14,15,16

COCAÍNA

A cocaína se consome mais frequentemente em sua forma solúvel (cloridrato de cocaína) ou em sua forma alcaloide, que em seu estado sólido, é conhecido como crack. O consumo conjunto de cocaína e álcool dão lugar a um metabólito, o cocaetileno. Este prolonga a sensação de euforia, produz maior depressão miocárdica e aumenta a vida média em 2,5 vezes em relação ao uso somente da cocaína.1,17 O uso de cocaína na gravidez está associado a convulsões, ruptura prematura das membranas e descolamento prematuro da placenta18. Pode levar ainda a pré-eclâmpsia grave, aborto espontâneo, parto prematuro e complicações no parto19. Estas gestantes devem receber cuidados médicos e psicológicos adequados, incluindo o tratamento de dependência, para reduzir esses riscos17. Os fetos expostos ao uso da cocaína durante a gravidez são frequentemente prematuros, têm baixo peso ao nascer, circunferência cefálica menor e menor estatura quando comparados a recém-nascidos não expostos.17,20

ESTIMULANTES

As anfetaminas causam euforia, aumento de energia e supressão do apetite.21 No entanto, a exposição a anfetamina durante os períodos do pós-parto precoce e tardio interrompem a interação mãe-bebê e encurta a duração da amamentação.22

“Ecstasy” (MDMA)

O que habitualmente se conhece com o nome de “ecstasy” é um derivado da molécula de anfetamina1. A exposição à metanfetamina durante a gravidez foi associada à morbidade e mortalidade materna e neonatal: aumento de duas a quatro vezes no risco de restrição do crescimento fetal21, 23 , pré-eclâmpsia, descolamento prematuro da placenta, parto prematuro, morte fetal, morte neonatal e morte infantil.24

OPIÁCEOS (Heroína)

Os tipos de opiáceos mais importantes são: morfina, codeína, meperidina, metadona, heroína e oxicodona1. O uso de opióides na gravidez aumentou drasticamente nos últimos anos, em paralelo com a epidemia observada na população em geral, levando a um aumento da mortalidade materna6. Os opiáceos, como a heroína, raramente causam anomalias congênitas25, mas como atravessam a barreira placentária podem levar à síndrome da abstinência fetal, cujos sintomas são: irritabilidade, choro excessivo, nervosismo, vômitos e diarreia26. Há uma maior incidência de parto prematuro em usuárias de opióides, principalmente quando associado ao uso concomitante de tabaco.27,28 Para mulheres grávidas usuárias de opiáceos, a farmacoterapia com agonistas opióides é a terapia recomendada.29,30

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES FINAIS

O uso de drogas ilícitas ocorre em 5-8 % das gestantes. Todas as gestantes devem ser inquiridas do uso do álcool, tabaco e de drogas ilícitas e/ou com prescrição. A maconha é a droga mais utilizada, seguida da cocaína.  O abuso de substâncias na gravidez pode levar a uma série de efeitos deletérios sobre a interação mãe-bebê. Tais efeitos variam com base na droga, época de exposição e extensão de uso. A conscientização das mulheres das graves consequências do abuso de substâncias no período periconcepcional, na gestação e pós-parto deve fazer parte da assistência primária à saúde.


AUTORA: Dra Venina Isabel Poço Viana Leme de Barros

Títulos: Mestre e Doutora em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Membro da Comissão Nacional de Pré-natal da Febrasgo.

Médica Assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

1 Gainza I, Nogué S, Martínez Velasco C, Hoffman RS, Burillo-Putze G, Dueñas A, et al. Intoxicación por drogas. An Sist Sanit Navar. 2003;26(SUPPL. 1):99–128.

 

2 WHO (World Health Organization). Management of substance abuse. Alcohol [Internet]. 2010]. Available from: http://www.who.int/substance_abuse/facts/alcohol/en/index.html, acessado em 16/01/2018

 

3 Carlini EA (supervisão). VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio das Redes Pública e Privada de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras – 2010. Senad. 2010.

 

4 Wong S, Ordean A, Kahan M. Substance use in pregnancy. Soc Obstet Gynaecol Canada. 2011;33(4):367–84.

 

5 Bartu, A., Sharp, J., Ludlow, J., and Doherty, D.A. (2006). Postnatal home visiting for illicit drug-using mothers and their infants: a randomised controlled trial. Aust. N Z J. Obstet. Gynaecol. 46, 419–426.

 

6 American College of Obstetricians and Gynecologists. Opioid Use and Opioid Use Disorder in Pregnancy. Committee Opinion No. 711. Obstet Gynecol. 2017;(130):81–94.

 

7 SAMHSA- HRSA. Center for integrated health solution. https://www.integration.samhsa.gov/clinical-practice/SBIRT. Acessado em 22/01/2018.

 

8 Gunn JKL, Rosales CB, Center KE, Nuñez A V., Gibson SJ, Ehiri JE. The effects of prenatal cannabis exposure on fetal development and pregnancy outcomes: A protocol. BMJ Open. 2015;5(3):1–6.

 

9 SAMHSA. (2011). Results from the 2010 National Survey on Drug Use and Health: Summary of National Findings.

 

10 Barbosa TD, Miranda MP, Nunes GF e, Schutte TS, Santos K, Monteiro DLM. Manifestações do uso de maconha e opiáceos durante a gravidez. Femina. 2011;39(8):403–7.

 

11 Bartu, A., Sharp, J., Ludlow, J., and Doherty, D.A. (2006). Postnatal home visiting for illicit drug-using mothers and their infants: a randomised controlled trial. Aust. N Z J. Obstet. Gynaecol. 46, 419–426.

 

12 Forrester MB, Merz RD. Risk of selected birth defects with prenatal illicit drug use, Hawaii, 1986-2002. J Toxicol Environ Heal - Part A Curr Issues. 2007;70(1):7–18.

 

13 Fergusson DM, Horwood LJ, Northstone K. Maternal use of cannabis and pregnancy outcome. BJOG 2002;109:21–7.

 

14 Fried PA, Watkinson B. Differential effects on facets of attention in adolescents prenatally exposed to cigarettes and marihuana. Neurotox Teratol. 2001;23(5):421-30.

 

15 Richardson GA, Ryan C, Willford J, Day NL, Goldschmidt L. Prenatal alcohol and marijuana exposure: effects on neuropsychological outcomes at 10 years. Neurotoxicol Teratol. 2002;24(3):309-20.

 

16 American College of Obstetricians and Gynecologists. (ACOG) Committee Opinion No 637. Marijuana use during pregnancy and lactation. 2015.

 

17 National Institute on Drug Abuse (NIDA). Cocaine. 2016;(May):1–38. https://www.drugabuse.gov/publications/research-reports/cocaine/what-are-effects-maternal-cocaine-use. acessado em 17/01/2018.

 

18 Wendell AD. Overview and epidemiology of substance abuse in pregnancy. Clin Obstet Gynecol. 2013;56(1):91-96. doi:10.1097/GRF.0b013e31827feeb9

 

19 Cain MA, Bornick P, Whiteman V. The maternal, fetal, and neonatal effects of cocaine exposure in pregnancy. Clin Obstet Gynecol. 2013;56(1):124- 132. doi:10.1097/GRF.0b013e31827ae167.

 

20 Gouin K, Murphy K, Shah PS, Knowledge Synthesis group on Determinants of Low Birth Weight and Preterm Births. Effects of cocaine use during pregnancy on low birthweight and preterm birth: systematic review and metaanalyses. Am J Obstet Gynecol 2011; 204:340.e1

 

21 Smith LM, LaGasse LL, Derauf C, et al. The infant development, environment, and lifestyle study: effects of prenatal methamphetamine exposure, polydrug exposure, and poverty on intrauterine growth. Pediatrics 2006; 118:1149.

 

22 Piccirillo M, Alpert JE, Cohen DJ, Shaywitz BA. Amphetamine and maternal behavior: Dose response relationships. Psychopharmacology (Berl). 1980;70(2):195–9.

 

23 Nguyen D, Smith LM, Lagasse LL, et al. Intrauterine growth of infants exposed to prenatal methamphetamine: results from the infant development, environment, and lifestyle study. J Pediatr 2010; 157:337.

 

24 Gorman MC, Orme KS, Nguyen NT, et al. Outcomes in pregnancies complicated by methamphetamine use. Am J Obstet Gynecol 2014; 211:429.

 

25 Yazdy MM, Mitchell AA, Tinker SC, Parker SE, Werler MM. Periconceptional use of opioids and the risk of neural tube defects. Obstet Gynecol 2013;122:838–44.

 

26 Kaltenbach K, Holbrook AM, Coyle MG, Heil SH, Salisbury AL, Stine SM, et al. Predicting treatment for neonatal abstinence syndrome in infants born to women maintained on opioid agonist medication. Addiction. 2012;107 Suppl(0 1):45–52.

27 Fajemirokun-Odudeyi O, Sinha C, Tutty S, Pairaudeau P, Armstrong D, Phillips T, et al. Pregnancy outcome in women who use opiates. Euro J Obstet Gynecol Reprod Bio. 2006;126(2):170-5.

 

28 Maghsoudlou S, Cnattingius S, Montgomery S, Aarabi M, Semnani S, Wikström A-K, et al. Opium use during pregnancy and risk of preterm delivery: A population-based cohort study. PLoS One. 2017;12(4):1–11.

 

29 Jones HE, Terplan M, Meyer M. Medically assisted withdrawal (detoxification): considering the mother–infant dyad. J Addict Med 2017;11:90–2.

 

30 Saia KA, Schiff D, Wachman EM, Mehta P, Vilkins A, Sia M, et al. Caring for pregnant women with opioid use disorder in the USA: expanding and improving treatment.Curr Obstet Gynecol Rep 2016;5:257–63

 


Mais conteúdos

NOTA A RESPEITO DA MODIFICAÇÃO NA CNRM

NOTA A RESPEITO DA MODIFICAÇÃO NA CNRM

A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e ...
Dia do Obstetra: formação e atualização constante para cuidar da mulher em momentos especiais

Dia do Obstetra: formação e atualização constante para cuidar da mulher em momentos especiais

Data é oportuna para reconhecer o papel desse médico especialista ...
Ministério da Saúde lança iniciativa para expandir o acesso a especialistas no SUS

Ministério da Saúde lança iniciativa para expandir o acesso a especialistas no SUS

Novo modo vai permitir ao paciente um diagnóstico mais á...

Para otimizar sua experiência durante a navegação, fazemos uso de cookies. Ao continuar no site consideramos que você está de acordo com a nossa Política de Privacidade.

Aceitar e continuar no site