USO DE IMPLANTES HORMONAIS E CÂNCER DE MAMA
Nota Conjunta Oficial da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) Clique aqui e confira o material.
Recentemente, foi publicado o artigo “Incidence of Invasive Breast Cancer in Women Treated with Testosterone Implants: Dayton Prospective Cohort Study, 15-Year Update”, que avaliou a incidência de câncer de mama invasivo em usuárias de implantes de testosterona ou de implantes de testosterona combinados com um inibidor da aromatase (Anastrozol). Os autores concluíram que a terapia com testosterona ou com implantes de testosterona e Anastrozol reduziu a incidência de câncer de mama em 47%.
Especialistas da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) avaliaram esse artigo e consideram que diversas imprecisões metodológicas comprometem a confiabilidade desses achados. A seguir, destacamos os principais pontos que impedem a incorporação desses dados à prática clínica.
- Ausência de Grupo Controle: O estudo comparou a incidência de câncer de mama em usuárias de implantes de testosterona com dados populacionais do SEER (Surveillance, Epidemiology, and End Results), sem incluir um grupo controle composto por não usuárias das mesmas terapias. Essa ausência representa uma grave imprecisão metodológica, que pode gerar viés de seleção e limitar a generalização dos achados.
- Falta de Controle para Fatores de Risco: Os autores afirmaram que as participantes não apresentavam risco aumentado ou reduzido de câncer de mama, sem demonstrar como esse risco foi calculado. Além disso, o IMC médio do grupo estudado foi de 26 kg/m², muito abaixo da média americana, o que compromete comparações com outros bancos de dados. Ressalta-se que o IMC elevado é um fator de risco conhecido para câncer de mama.
- Uso de Anastrozol como Fator Confundidor: No estudo, dois grupos foram avaliados, um de usuárias apenas de testosterona e outro de usuárias de testosterona associada ao Anastrozol, um inibidor da aromatase conhecido por reduzir o risco de câncer de mama. Entretanto, a análise estatística foi conduzida considerando ambos os grupos em conjunto, impossibilitando conclusões robustas sobre a relação entre o uso de testosterona e o risco de câncer de mama.
- Viés de Seleção e Amostragem Não Representativa: O estudo apresenta um viés de seleção, pois todas as pacientes foram tratadas em um único centro especializado na inserção de implantes hormonais, coordenado pela autora principal do estudo. Além disso:
- Os critérios de inclusão foram baseados em sintomas subjetivos de “deficiência hormonal”, sem esclarecimento sobre quais seriam esses sintomas.
- O estudo excluiu pacientes diagnosticadas com câncer até 240 dias após o primeiro implante e aquelas que ficaram mais de 240 dias sem receber um novo implante. Essa exclusão pode distorcer os resultados, eliminando casos que contrariariam a hipótese dos autores.
- Não foram detalhadas outras possíveis complicações associadas ao uso de hormônios.
- Falta de Informações sobre a Dose de Testosterona Utilizada: Não há informação sobre a dose de testosterona administrada. Os autores mencionam que as doses foram ajustadas com base na resposta aos sintomas e efeitos colaterais, mas não especificam quais sintomas foram considerados nem as doses utilizadas.
Diante dessas graves deficiências metodológicas, este estudo não permite concluir que o uso de testosterona esteja associado à redução do risco de câncer de mama.
Os achados não justificam qualquer alteração na prática clínica atual. Para testar essa hipótese de forma adequada, seria necessário um ensaio clínico randomizado que atenda aos critérios estabelecidos pelas boas práticas em pesquisa clínica.
A FEBRASGO, a SBEM, a SBM, a Comissão Nacional de Mastologia e a Comissão Nacional de Imaginologia Mamária consideram temerária e prejudicial à saúde da população a disseminação de informações distorcidas sobre o tema. Reforçamos a importância da adesão a evidências científicas sólidas e às recomendações de sociedades médicas reconhecidas, evitando a adoção de práticas clínicas baseadas em estudos com limitações metodológicas e potenciais vieses.
Rio de Janeiro, 06 de fevereiro de 2025
Maria Celeste Osório Wender
(CNEs de Mastologia e Imagenologia Mamária)
Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO)
Neuton Dornelas Gomes
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)
Augusto Tufi Hassan
Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM)