Parvovirose
Wednesday, 16 August 2017 14:21
INTRODUÇÃO
A parvovirose é uma infecção de distribuição mundial e comum, principalmente na infância, e suas manifestações costumam ser brandas em adultos imunocompetentes. Entretanto, a infecção aguda durante a gestação pode levar a acometimento fetal grave, com risco de hidropsia e óbito fetal.
PARVOVÍRUS B19
As parvoviroses foram descobertas em 1975 e o único subtipo associado a doença em humanos é o B19. Ele consiste em um vírus de DNA fita simples com tropismo celular por linhagens de rápida divisão celular, como as da medula óssea, podendo acarretar aplasia no curso final da infecção (normalmente apresenta-se como anemia transitória auto-limitada).
EPIDEMIOLOGIA
Entre 30 e 60% da população geral tem anticorpos detectáveis contra o parvovírus B19. A incidência de infecção aguda em gestantes é de 3,3 a 3,8%, com certa variação de acordo com a ocupação de cada gestante, sendo maior entre professoras escolares, por exemplo. A transmissão pode ocorrer por via aérea, através de secreções (ex: saliva), hematogênica (ex: hemotransfusão) e transplacentária.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
A viremia pelo parvovírus B19 se inicia em média 6 dias após a exposição e dura cerca de 1 semana em indivíduos imunocompetentes. A detecção do vírus no sangue ou em secreções é possível desde 5 a 10 dias da exposição. Após o início do exantema, o indivíduo deixa de ser contagioso.
Infecção assintomática é comum. Em crianças, o parvovírus B 19 é o agente causador do eritema infeccioso, doença comum e auto-limitada caracterizada por febre, eritema malar (face esbofeteada) e exantema em tronco e extremidades, de aspecto rendilhado.
Outra manifestação clínica é o acometimento articular, causando artralgias e artrites, geralmente auto-limitadas.
A aplasia eritrocitária também pode ocorrer, principalmente em indivíduos com anomalias hematológicas de base, como anemia falciforme ou talassemia.
Nos imunocomprometidos pode haver infecção crônica da medula óssea.
A maioria das infecções agudas durante a gestação não apresentam manifestações adversas para o feto; porém, em casos raros, podem acarretar hidropsia fetal e até óbito intra-uterino, sendo concentrados nos casos de infecção durante a primeira metade da gestação. Não há evidências de sequelas no desenvolvimento neuropsicomotor a longo prazo nas crianças que não sofreram hidropsia intra-útero.
Hidropsia fetal
O efeito citotóxico do parvovírus B19 sobre os eritrócitos pode acarretar anemia fetal e hidropsia decorrente da anemia, ainda que seja uma intercorrência rara. Resolução espontânea do quadro ocorre em cerca de 34% das gestações, entretanto a resolução espontânea é rara nos quadros de hidropsia severa. Níveis fetais de hemoglobina inferiores a 2g/dL estão associados ao desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva. O vírus também pode infectar células do miocárdio, contribuindo para o agravamento do quadro. Trombocitopenia também pode ser observada em cerca de 37% dos fetos com hidropsia, e, portanto, a determinação do nível de plaquetas deve ser feita quando algum procedimento fetal estiver em andamento, possibilitando uma eventual transfusão de plaquetas.
DIAGNÓSTICO NA GESTAÇÃO
O diagnóstico da infecção aguda na gestação depende principalmente da detecção de anticorpos IgM e IgG , com método ELISA. Anticorpos IgM podem ser detectados 10 após exposição ao vírus e podem persistir detectáveis por 3 meses ou mais. Já os anticorpos IgG tornam-se detectáveis dias após a positivação dos IgM e permanecem positivos por anos.
Em casos de alta suspeita de exposição e anticorpos IgM negativos, pode-se recorrer a métodos de detecção do DNA viral por PCR em amostra de líquido amniótico. Outra opção é a pesquisa de anticorpos IgM no sangue fetal.
MANEJO APÓS EXPOSIÇÃO
Diante de uma gestante com exposição recente ao vírus ou com sintomas compatíveis com a infecção aguda, deve-se solicitar a pesquisa de IgM e IgG séricos.
Possíveis resultados:
- IgM negativo e IgG positivo> indica imunidade materna e, portanto, não há risco de infecção fetal
- IgM positivo> indica infecção aguda e o aconselhamento da gestante dependerá da fase da gestação, antes de 20 semanas (risco maior de perda fetal e hidropsia, ainda que sejam raros) ou após 20 semanas de gestação (avaliação com ultrassonografia seriada semanal a partir de 22 semanas para vigilância de sinais de hidropsia)
- IgM negativo e IgG negativo> indica gestante suscetível e o aconselhamento deve ser de evitar contato com pessoas com sintomas que possam sugerir infecção por parvovírus B19 e também lavar bem mãos e evitar compartilhar alimentos e bebidas. Se a paciente for suscetível e tiver história recente de possível exposição ao vírus, deve-se proceder a investigação, pois há risco de infecção aguda com IgM negativo
MANEJO DAS REPERCUSSÕES FETAIS
Hidropsia leve a moderada é bem tolerada pelo feto e pode se resolver espontaneamente. Diante de casos de hidropsia severa, seja por sinais ultrassonográficos como edema cutâneo, ascite, derrame pleural e pericárdico, seja por um valor elevado do pico de velocidade sistólica do Doppler da artéria cerebral média (indicativo indireto de anemia fetal) é que se torna necessário a determinação do nível de hemoglobina fetal, através de coleta percutânea da veia umbilical. Deve-se também determinar o nível de plaquetas, pois caso a anemia severa seja confirmada e a transfusão intra-uterina indicada, pode ser necessário tranfusão de plaquetas se houver trombocitopenia, a fim de evitar hemorragia. A transfusão intra-uterina é realizada entre 18 e 35 semanas de gestação, e tem impacto em melhora de sobrevida.
O parto deve ocorrer em centro terciário, com equipe completa de obstetras, neonatologistas e enfermagem com experiência em casos graves. A grande maioria dos recém-nascidos hidrópicos necessita de suporte ventilatório e ventilação invasiva após o nascimento. Pode ser necessário realizar paracentese e toracocentese para esvaziamento dos derrames cavitários antes ou logo após o parto, a fim de facilitar o suporte neonatal imediato.
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