Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia

Oncologic Gynecology as the Area of Activity

DOI: 10.1055/s-0035-1570106 - volume 38 - Janeiro 2016

Agnaldo Lopes da Silva, Jesus Paula Carvalho

Abstract


Full Text

Importância do Câncer Ginecológico no Brasil

O câncer ginecológico tem uma alta incidência e é causa relevante de morbidade e óbitos no Brasil e no mundo. O Instituto Nacional do Câncer (INCA) estima a ocorrência de aproximadamente 30.000 novos casos por ano de câncer de colo uterino, corpo e ovário no Brasil. 1Esses tumores são responsáveis por pelo menos 10% de todas as neoplasias malignas nas mulheres brasileiras, exceto o câncer de pele não melanoma ( Tabela 1). A abordagem do câncer ginecológico é complexa e ampla compreendendo ações preventivas, diagnósticas e terapêuticas que podem ser realizadas por médicos generalistas, ginecologistas e obstetras e outros especialistas. Porém existem ações e procedimentos de alta complexidade que demandam conhecimentos e treinamentos específicos, que só podem ser assimilados através de programas de treinamento em situações e em Instituições que dispõem de recursos para fornecer estes treinamentos. Dessa forma, é fundamental que ginecologistas e obstetras possam se qualificar para prestar assistência em Ginecologia Oncológica de Alta Complexidade.

 

Tabela 1
Incidência dos cânceres ginecológicos no Brasil – Estimativa 2014

Localização 1a Casos Novos %
Colo do útero 15.590 5,7
Corpo do útero 5.900 2,2
Ovário 5.680 2,1
Total 27.170 10
Fonte: INCA 1

Histórico e Definições da Ginecologia Oncológica no Mundo

European Society of Gynecologic Oncology (ESGO) define o Ginecologista Oncológico como um especialista em Ginecologia e Obstetrícia com treinamento e capacidade para: avaliar e abordar de forma abrangente pacientes com câncer ginecológico ou de mama. Na União Europeia, o ginecologista habitualmente conduz o tratamento para câncer de mama, com exceção da Dinamarca, Finlândia, Irlanda, Holanda e Reino Unido; conduzir tratamento clínico e/ou cirúrgico das neoplasias malignas do trato genital feminino e mama (procedimentos cirúrgicos complexos abdominais) e praticar Ginecologia Oncológica em uma instituição em que estejam disponíveis todas as modalidades para tratamento oncológico, incluindo ainda procedimentos diagnósticos, terapêuticos e seguimento das pacientes.

A Ginecologia Oncológica é uma especialidade reconhecida nos Estados Unidos desde 1969 o que resultou em uma melhora significativa dos resultados nas mulheres com câncer ginecológico. 2Esse profissional deve conduzir tratamento clínico e/ou cirúrgico das neoplasias malignas do trato genital feminino e praticar Ginecologia Oncológica em um contexto multidisciplinar. A sua formação deve ser direcionada para o câncer ginecológico, com conhecimentos específicos sobre a fisiopatologia, biologia tumoral, patologia, radioterapia, quimioterapia e cuidados paliativos. Esse profissional necessita um treinamento direcionado para aquisição de habilidades cirúrgicas avançadas.

A duração da formação em Ginecologia Oncológica é de três anos nos Estados Unidos e Reino Unido e de quatro anos na Alemanha. Segundo a ESGO, a duração da formação de subespecialidade deve incluir um mínimo de dois anos em um programa aprovado e deve incluir atividades clínicas e de pesquisa nas seguintes áreas: treinamento cirúrgico em unidade de oncologia, treinamento de Cirurgia Geral, Urologia, Radioterapia, Oncologia Clínica, Patologia e Citopatologia, Psico-oncologia e Biologia Tumoral. Exige ainda um número mínimo de cirurgias para obtenção do título na subespecialidade: 30 casos de cirurgia para câncer de endométrio, ovário ou tuba uterina; quinze casos de histerectomia radical; cinco casos de cirurgias para outras malignidades e pelo menos cinco casos de vulvectomia com linfadenectomia.

 

Ginecologia Oncológica no Programa de Residência Médica de Ginecologia e Obstetrícia no Brasil

O treinamento em Ginecologia Oncológica é exigente, demanda tempo, recursos e dedicação em centros especializados. Novas tecnologias são incorporadas constantemente e novos paradigmas são incorporados aos protocolos de maneira cada vez mais rápida. O tempo de treinamento é muito maior do que as poucas semanas de treinamento específicos inseridas nos programas de residência médica em Obstetrícia e Ginecologia, que se mostram insuficientes para que os egressos possam prestar uma assistência adequada às mulheres com câncer ginecológico.

A inexistência de uma área de atuação em Ginecologia Oncológica de Alta Complexidade impossibilita a criação de programas de residência específicos nesta área com um a dois anos de duração. Com exceção da Ginecologia e Obstetrícia, todas as áreas básicas, incluindo a Clínica Médica, Cirurgia Geral e Pediatria, estão representadas na Cancerologia com a suas respectivas subespecialidades. A residência médica é a melhor forma de treinamento em especialidades, principalmente em áreas com vários níveis de complexidade e combinação de conhecimentos clínicos e cirúrgicos. Este é precisamente o caso da Ginecologia Oncológica de Alta Complexidade. A residência médica pode propiciar uma uniformidade na formação dos profissionais e consequentemente melhores resultados para as pacientes.

 

Ginecologia Oncológica como Área de Atuação

A Ginecologia Oncológica é uma especialidade reconhecida em praticamente todos os países que apresentam uma assistência médica de qualidade, com exceção do Brasil, México e Rússia. De forma geral as três áreas de atuação mais reconhecidas são a Ginecologia Oncológica, seguida pela Medicina Fetal, Reprodução Humana e Uroginecologia. A Tabela 2mostra as subespecialidades reconhecidas nos EUA, Alemanha e Reino Unido, países com um padrão de Medicina de alto nível. No Brasil a situação é bem divergente, a Associação Médica Brasileira (AMB) reconhece como áreas de atuação em Ginecologia e Obstetrícia a Densitometria Óssea, Endoscopia Ginecológica, Mamografia, Medicina Fetal, Reprodução Humana, Sexologia e Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia. O objetivo de se criar áreas de atuação consiste na necessidade de formação complementar em áreas complexas cuja curva de aprendizado não se conclui durante a residência médica em áreas básicas. As áreas de atuação quase sempre podem ser exercidas por mais de uma especialidade. No caso da Ginecologia Oncológica, considera-se a cancerologia cirúrgica uma especialidade afim para essa área de atuação.

 

Tabela 2
Áreas de atuação reconhecidas nos EUA, Alemanha, Reino Unido e Brasil

Áreas de atuação EUA Alemanha Reino Unido Brasil
Ginecologia oncológica (GO)  
Medicina materno-fetal
Medicina reprodutiva
Uroginecologia  
Densitometria óssea      
Endoscopia Ginecológica      
Mamografia      
Sexologia      
Ultrassonografia em GO      

A Ginecologia Oncológica tem vários níveis de complexidade durante o processo de diagnóstico e tratamento. 3 4Houve uma melhora significativa dos resultados, incluindo sobrevida, nas pacientes com câncer de colo uterino, endométrio, vulva e principalmente câncer de ovário, tratadas por um ginecologista oncológico. 3 5 6 7 8Tem ocorrido um movimento na última década pela centralização do tratamento do câncer em centros especializados. Isto vem a partir do reconhecimento de que o atendimento multidisciplinar, incluindo o acesso às avaliações do ginecologista oncológico, radioterapêuta e oncologista clínico, pode melhorar os resultados dos pacientes. 3 4 9 10

 

Considerações Finais

Ressaltamos a necessidade de garantir que o médico ginecologista e obstetra, mantenha a sua atuação no rastreamento das neoplasias e condução do tratamento dos casos de menor complexidade. A Tabela 3mostra um sumário das razões para criação da área de atuação em Ginecologia Oncológica. Após reconhecimento da área de atuação em Ginecologia serão definidos os critérios para certificação, assim como a adoção de regras transitórias para os profissionais que já atuam nessa área. A criação da área de atuação vai possibilitar oferecer anos adicionais de residência médica em Ginecologia e Obstetrícia com atuação em Ginecologia Oncológica de Alta Complexidade. Longe de ser uma atitude excludente, a Ginecologia Oncológica de Alta Complexidade pretende promover os mecanismos para que ginecologista e obstetras de todo o pais adquiram qualificação adequada para atuar em toda a cadeia de eventos que envolve a prevenção, o diagnóstico e o tratamento do câncer ginecológico, inclusive os procedimentos de alta complexidade.

 

Tabela 3
Razões para criação da área de atuação em Ginecologia Oncológica

1 O câncer ginecológico é muito prevalente: atinge aproximadamente 30.000 brasileiras a cada ano (10% de todas as neoplasias malignas no sexo feminino);
2 A abordagem do câncer ginecológico é complexa e requer um profissional capacitado, com conhecimentos específicos sobre a fisiopatologia, biologia tumoral, patologia, radioterapia e quimioterapia; além de habilidades cirúrgicas avançadas;
3 A Ginecologia Oncológica consiste em uma área de atuação extremamente consolidada há mais de 45 anos, sendo reconhecida em praticamente todos os grandes países. As áreas de atuação em Ginecologia e Obstetrícia reconhecidas pela Associação Médica Brasileira (AMB) são absolutamente discrepantes com os outros países e não inclui a Ginecologia Oncológica;
4 O treinamento durante a residência médica em Obstetrícia e Ginecologia é insuficiente para prestar uma assistência adequada às mulheres com câncer ginecológico. O não reconhecimento da Ginecologia Oncológica representa uma enorme barreira para a formação complementar desses profissionais;
5 Mulheres com câncer ginecológico assistidas por um Ginecologista Oncológico apresentam melhor prognóstico.

References

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2 Averette HE, Wrennick A, Angioli R. History of gynecologic oncology subspecialty. Surg Clin North Am. 2001;81(4):747-751


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7 Reade C, Elit L. Trends in gynecologic cancer care in North America. Obstet Gynecol Clin North Am. 2012;39(2):107-129


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9 . . SEER Cancer Statistics Review, 1975-2011. 2013;:-


10 Geomini PM, Kruitwagen RF, Bremer GL, Massuger L, Mol BW. Should we centralise care for the patient suspected of having ovarian malignancy?. Gynecol Oncol. 2011;122(1):95-99