Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia

Electronic Medical Record for Prenatal Care of Diabetic Women

DOI: 10.1055/s-0035-1570109 - volume 38 - Janeiro 2016

Alina Coutinho Rodrigues Feitosa, Amado Nizarala de Ávila

Abstract

Objective
To present and validate a multifunctional electronic medical record (EMR) for outpatient care to women with endocrine disorders in pregnancy and to compare health information data fill rate to conventional medical records.

Methods
We developed an EMR named Ambulatory of Endocrine Diseases in Pregnancy (AMBEG) for systematic registration of health information The AMBEG was used for obstetric and endocrine care in a sample of pregnant women admitted to the maternity reference in high-risk pregnancies in Bahia from January 2010 to December 2013. We randomly selected 100 patients accompanied with AMBEG and 100 patients monitored with conventional consultation and compared the health information data fill rate of the electronic consultation to that performed using conventional medical records.

Results
1461 consultations were held, of which 253, 963 and 245 were first, follow-up and puerperium consultations, respectively. Most patients were pregnant women with diabetes (77.2%) and 60.1% were women with pre-gestational diabetes. The AMBEG satisfactorily replaced the conventional medical record. The percentage of registered information was significantly higher in the AMBEG: clinical symptoms (87% versus 100, p < 0.01), uterine height (89 versus 75%, p = 0.01), total weight gain (91 versus 40%, p < 0.01) and specific diabetes data (diet, insulin regimen, glycemic control and management of hypoglycemia) revealed a significant difference (p < 0.01). The ability to export data to worksheets greatly facilitated and accelerated the statistical analysis of the data.

Conclusion
s AMBEG is a useful tool in clinical care for women with endocrine diseases during pregnancy. The fill rate of clinical information was superior to that registered in conventional medical records.

Full Text

Introdução

A presença de diabetes mellitus na gestação está associada a elevado risco de complicações. 1É uma condição que consome recursos de saúde 2e atenção especializada. A prevalência do diabetes pré-gestacional e do gestacional tem aumentando nos últimos anos e pode ser justificada pela epidemia de obesidade 3 4, aumento da idade materna 4e pelo recente e sensível critério para diagnóstico do diabetes gestacional. 5A fim de reduzir a chance de maus desfechos, gestantes portadoras de diabetes devem ter assegurada a sua assistência pré-natal em centros de referência especializados e, preferencialmente, terem acompanhamento multidisciplinar. Intervenções dietéticas, mudanças no estilo de vida, monitoração das glicemias, manutenção dos alvos glicêmicos rigorosos, pré-natal com vigilância específica e controle do peso são indispensáveis para otimizar as metas de tratamento e os desfechos materno-fetais6, entretanto exigem, do médico e da equipe de saúde, sistematização do atendimento, seguimento das diretrizes e rigor na avaliação e conduta.

Tecnologias de informação e comunicação em saúde (TICS) tem o potencial de otimizar a eficiência e efetividade dos profissionais de saúde. 7Dentre as TICS, o prontuário eletrônico do paciente (PEP) é a principal ferramenta. Outro recurso utilíssimo, embora com menos funcionalidades, é o registro eletrônico de saúde (RES), que é um repositório de informação a respeito da saúde de indivíduos, processável eletronicamente e que permite armazenamento e compartilhamento de informações. No RES a informação é mais disponível e atualizada, os dados têm maior legibilidade, acurácia e exatidão e, por meio de sistemas de alerta e apoio à decisão terapêutica associados ao RES, a possibilidade de erro é potencialmente reduzida, aumentando a segurança para o paciente. 7

O uso do RES em portadores de diabetes está associado a melhores taxas de intensificação de tratamento, monitoração, seguimento e otimiza o controle glicêmico e lipídico. 8O PEP e o RES, tornam-se então, hipoteticamente, ferramentas atraentes para o atendimento da gestante portadora de diabetes onde a otimização clínica, com objetivo de normoglicemia, assegura melhor desfecho materno-fetal. Entretanto não há, ao nosso conhecimento, RES brasileiro validado para atendimento desta população específica.

O objetivo do presente estudo é apresentar um registro eletrônico de saúde desenvolvido para atendimento de portadoras de endocrinopatias na gestação, com ênfase em diabetes, e os resultados do acompanhamento de gestantes no período de três anos, comparando a taxa de preenchimento das informações do prontuário eletrônico ao convencional.

 

Métodos

O presente trabalho reporta o desenvolvimento e a validação de um aplicativo de banco de dados para atendimento de gestantes portadoras de diabetes no pré-natal e um estudo do tipo caso-controle para comparar o atendimento médico por meio do prontuário eletrônico ao convencional.

Foi desenvolvido um aplicativo do banco de dados do Microsoft Access®, denominado Ambulatório de Endocrinopatias na Gestação eletrônico (AMBEG), para o registro eletrônico sistematizado de informações de saúde para o atendimento médico obstétrico e endocrinológico. Após o desenvolvimento e teste, o AMBEG foi utilizado para o atendimento clínico de uma amostra populacional consecutiva de pacientes acompanhadas ao ambulatório de endocrinopatias na gestação da Maternidade Professor José Maria de Magalhães Netto (MPJMMN) durante o período de janeiro de 2010 a dezembro de 2013. A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa local.

Para o desenvolvimento do AMBEG utilizou-se o aplicativo Microsoft Access®, que é um sistema de gerenciamento de banco de dados da Microsoft que permite o desenvolvimento rápido de aplicações que envolvem modelagem, estrutura de dados e interface a ser utilizada pelos usuários. É capaz de utilizar dados armazenados emaccess/Jet, Microsoft SQL Server, Oracle e quaisquer dados compatíveis com Open Database Connectivity . Os campos de dados, formato de distribuição, construção dos formulários foram criados a partir da organização habitual dos prontuários no atendimento convencional, sequenciando a ordem de entradas dos campos de acordo com a entrevista médica. Com o foco no acompanhamento do diabetes, foram acrescidos campos que garantissem a entrada de dados sobre todos os aspectos relevantes do acompanhamento clínico como: dieta, tratamento, automonitoração, uso de insulinas e hipoglicemias. Foram criadas telas para atendimento à primeira consulta, acompanhamento evolutivo da paciente (“retorno”), registro de dados laboratoriais, ultrassonografia obstétrica e dados de puerpério da portadora de patologias endocrinológicas na gestação. O AMBEG seguiu as orientações e inclui todos os itens obrigatórios do prontuário eletrônico definidos pela resolução do CFM n. 1.638/2002. 9

Os usuários do AMBEG foram o médico endocrinologista e os médicos residentes de obstetrícia e endocrinologia que cumpriam estágio regular no ambulatório de endocrinopatias na gestação. Os médicos usuários eram ensinados a utilizar o AMBEG através de demonstração breve de cerca de dez minutos e treinados durante um atendimento. O aplicativo é autoexplicativo e tem campos com mensagens, caixas de listas e máscaras que controlam a entrada de dados. Ao final da consulta, o atendimento era impresso, assinado e arquivado.

A avaliação do desempenho do aplicativo foi feita por meio da comparação da taxa de preenchimento de dados do atendimento no prontuário preenchido a mão, denominado “atendimento convencional“ com a do preenchimento no prontuário eletrônico, denominado “atendimento eletrônico”. Consideramos a diferença da taxa de preenchimento do dado “queixas clínicas” como o desfecho principal para o cálculo do tamanho amostral. Estimando-se uma diferença média na taxa de preenchimento de 15%, com o poder de 80% e o nível de significância de 5%, o tamanho da amostra calculado para cada grupo foi de 99 indivíduos. Por meio de números aleatórios gerados em Microsoft Excel® foram selecionados 100 prontuários preenchidos por atendimento convencional e 100, por atendimento eletrônico.

As informações registradas no atendimento do primeiro retorno foram utilizadas para comparar a taxa de preenchimento de informações entre os dois tipos de atendimento. Foram escolhidas variáveis consideradas pelos autores como essenciais e representativas do atendimento à portadora de diabetes na gestação e categorizados em nove domínios de dados: 1. Dados sobre queixas: descrição de presença ou negação de queixas clínicas ou obstétricas; 2. Datação da gestação: descrição da idade gestacional; 3. Exame físico: descrição da pressão arterial, altura do fundo uterino, peso materno e ganho total de peso; 4. Aspectos nutricionais: descrição do uso de adoçante artificial e descrição de aderência ou não à dieta; 5. Uso de medicações: descrição de hipoglicemiantes orais e de suplementos maternos; 6. Dados sobre insulinoterapia: informação sobre o uso de insulina e esquema de insulinização; 7. Dados de automonitoração: registro de percentuais de glicemia acima, dentro e fora da meta; 8. Dados sobre hipoglicemias: descrição sobre história de hipoglicemia no período interconsulta e sobre reconhecimento e tratamento de hipoglicemias; descrição sobre o uso ou não do cartão do diabético; 9. Dados sobre conduta: informações sobre alteração ou não da conduta. Era considerada informação “presente” quando o campo estava preenchido e “ausente” quando não houvesse informações.

Todos os dados inseridos nos campos da entrevista médica eram, por comando simples, exportados para planilhas de Excel, que possibilitavam a análise estatística.

A análise estatística foi feita com programa SPSS v. 20.0 para WindowsTM. Os dados dos registros eletrônicos foram expressos como média e desvio-padrão ou mediana e variação e as variáveis categóricas, como valor absoluto e percentual. Variáveis com dados dicotômicos foram comparadas utilizando-se o teste do qui-quadrado ou pelo exato de Fisher.

 

Resultados

O AMBEG foi desenvolvido com uma tela primária, para direcionamento da navegação por meio de botões de cadastro de egressas, acesso à primeira consulta e retornos e o fechamento da ferramenta ( Figs. 1 2 3 4 5 6 7 8).

 

Fig. 1
Tela inicial.

Fig. 2
Tela de primeira consulta (demonstração parcial).

Fig. 3
Tela de primeira consulta, parte específica para as diabéticas (demonstração parcial).

Fig. 4
(a) Tela de retorno à consulta (demonstração parcial). (b) Tela de retorno à consulta, avaliação específica da diabética gestante, incluindo a conduta (demonstração parcial).

Fig. 5
Tela de retorno à consulta – avaliação específica para diabetes.

Fig. 6
Tela para exames laboratoriais e de imagem (tireoide).

Fig. 7
Tela para exame de ultrassonografia obstétrica.

Fig. 8
Tela para atendimento no puerpério (demonstração parcial).

A anamnese completa e exame físico foram registrados nos campos da tela “primeira consulta” e as abas na borda superior davam acesso às telas de “retorno”, “puerpério”, “lab e imagem” e “USG”, onde eram inseridos, a cada consulta, respectivamente, dados sobre a evolução durante a gravidez, do puerpério, exames laboratoriais, de imagem e ultrassonografia obstétrica. Em todas as telas de atendimento existiram campos alfa numéricos, que permitem escrita livre; campos numéricos, para variáveis contínuas como peso, altura, pressão arterial, altura do fundo uterino, batimentos fetais, idade gestacional, etc.; campos apoiados por listas permitem entradas categóricas predeterminadas e campos numéricos com cálculos automáticos, para otimizar e agilizar o atendimento como o cálculo da idade gestacional (IG) e data prevista do parto pela data da última menstruação (DUM) e a primeira ultrassonografia; ganho de peso total e semanal, índice de massa corpórea (IMC), dose total diária (DTD) de insulina e dose por quilo de peso, intervalo de tempo entre consultas, etc.

Os usuários do AMBEG foram os médicos endocrinologistas e residentes de endocrinologia e obstetrícia, sendo que, estes últimos, faziam estágio regular no ambulatório de endocrinopatias na gestação por período de dois meses. A maioria dos médicos que utilizaram o AMBEG relataram estar muito satisfeitos com o uso e a impressão foi que o AMBEG era de fácil manejo, capaz de organizar a sequência de atendimento e minimizar falhas. Os cálculos automáticos no AMBEG auxiliaram e agilizaram o atendimento, segundo os usuários (dados não mostrados).

Durante o período de utilização, a necessidade de suporte técnico foi mínima e não ocasionou nenhum prejuízo ao atendimento.

Por meio do aplicativo eletrônico 319 pacientes foram atendidas. Considerando-se primeiras consultas e consultas de retorno e puerpério, um total de 1460 atendimentos foram realizados no período avaliado, sendo 252 primeiras consultas, 963 “retornos” e 245 avaliações em puerpério. Sessenta e sete pacientes foram registradas pela primeira vez na tela “Retorno”, mas eram primeira consulta. Haviam sido admitidas e feita a primeira consulta na internação, em prontuário preenchido a mão.

Dados sobre a primeira consulta estão sumarizados na Tabela 1n = 246). A média de idade materna foi de 32 ± 10 anos e idade gestacional de 25 ± 7,8 semanas. O principal motivo de encaminhamento ao endocrinologista foi o diabetes (77,2%), seguido de patologias tireoidianas. O diabetes pré-gestacional foi o principal tipo de diabetes encaminhado correspondendo a 60,1% dos casos ( Tabela 1).

 

Tabela 1
Dados clínicos das gestantes na primeira consulta (expressos em média e desvio-padrão, valor absoluto e percentual)

Variáveis Todas ( n = 252)**n = 246 Somente DM ( n = 193)**n = 183
Idade (anos) 32 ± 10 32 ± 10
IG (semanas) 25 ± 7,8 25,5 ± 7,9
Diagnóstico ao encaminhamento* DMP n = 107 (43,5%); DMGn = 83 (33,7%); Tir n = 45 (18,3%); Obes n = 3 (1,2%); Hipn = 1 (0,4%); Outros† n = 7 (2,9%) DM1 n = 25 (13,7%)DM2n = 65 (46,4%%)DMG n = 73 (39,9%)
Peso pré-gestacional (kg) 72,4 ± 16,8 73,6 ± 16,7
IMC pré-gestacional (kg/m2) 28,5 ± 6,1 28,9 ± 6,0
Peso na PC (kg) 79,8 ± 16,8 81 ± 16,3
Ganho de peso até PC (kg) 7,7 ± 7,9 7,5 ± 6,7
Glicemia capilar na PC (mg/dl) 138 ± 65,5 146 ± 68,5

Abreviações: DM, diabetes mellitus; DM1 diabetes mellitus tipo 1; DM2 diabetes mellitus tipo 2; DMG diabetes gestacional; DMP diabetes mellitus pré-gestacional; Hip doenças hipotálamo hipofisárias; IG, idade gestacional; IMC, índice de massa corpórea; Obes, obesidade; PC, primeira consulta; Tir, doenças tireoidianas; †outras patologias endocrinológicas

*patologia que motivou o encaminhamento ao ambulatório de endocrinopatias na gestação.

**no grupo Todas , n = 6 estavam sem a identificação da patologia à primeira consulta; no grupoSomente DM , em 10 não havia a definição do tipo de diabetes.

A comparação da frequência de registro de informações nos nove domínios de dados entre os dois tipos de atendimento está demonstrada na Tabela 2. A frequência do registro de dados foi significativamente maior no atendimento por prontuário eletrônico que pelo convencional nos campos de Queixas (100 versus 87%,p < 0,01), altura do fundo uterino (89versus 75%, p = 0,01), ganho total de peso (91versus 40%, p < 0,01) e questões especificas para as portadoras de diabetes: dieta (81,5 versus 8,4%,p < 0,01), esquema de insulina (70,4versus 41%, p < 0,01), controle glicêmico (63versus 15,7%, p < 0,01), história de hipoglicemias (72,8 versus 33,7%, p < 0,01), reconhecimento (72,8 versus 33,7%, p < 0,01) e tratamento de hipoglicemias (72,8 versus 33,7%,p < 0,01) e se porta consigo o cartão de diabetes (72,8versus 30,1%, p < 0,01).

 

Tabela 2
Frequência de preenchimento dos dados clínicos conforme tipo de prontuário ( n = 200)

Variável P. eletrônico ( n = 100) P. convencional ( n = 100)  
  % % p
Queixas 100 87 < 0,01
Datação da gestação 91 83 0,09
Pressão arterial 93 92 0,79
Altura do fundo uterino 89 75 0,01
Peso materno 96 92 0,23
Ganho total de peso 91 40 < 0,01
Glicemia capilar na consulta 80 77 0,61
Conduta 95 97 0,47
Portadoras de diabetes mellitus (n = 164) % ( n = 81) % ( n = 83) p
Adoçante 81,5 63,9 0,01
Dieta para diabetes 81,5 8,4 < 0,01
Hipoglicemiantes orais 84 73,5 0,10
Uso de insulina 88,9 80,7 0,15
Esquema de insulina 70,4 41 < 0,01
Controle glicêmico (percentuais dentro do alvo) 63 15,7 < 0,01
História de hipoglicemias 72,8 33,7 < 0,01
Reconhece hipoglicemias 72,8 33,7 < 0,01
Sabe tratar hipoglicemias 72,8 33,7 < 0,01
Tem o cartão da diabética? 72,8 30,1 < 0,01

Discussão

O uso da informação clínica eletrônica tem o potencial de melhorar a qualidade e a eficiência do cuidado médico. 10 11No presente trabalho apresentamos um RES, o AMBEG, que foi desenvolvido para o atendimento a portadoras de endocrinopatias na gestação, com ênfase em diabetes. Neste trabalho também relatamos a experiência com três anos de assistência clínica endocrinológica utilizando o AMBEG e o desempenho do novo aplicativo comparado ao prontuário convencional.

Nos últimos anos tem havido especial interesse e investimento em tecnologias de informação e comunicação em saúde em várias partes do mundo. 10No Brasil, o PEP/RES vem sendo utilizado com crescente frequência e resolução do CFM regulamenta o seu uso. 7Evidências se avolumam sobre a importância dos PEP nos cuidados clínicos 10 11e melhoria da qualidade da assistência ambulatorial. 12em diabetes, o uso de prontuários eletrônicos tem o potencial de contribuir nos cuidados e prevenção de morbidades, 13auxiliando na solicitação de exames de rastreamento 14e recomendações específicas sobre medicações como insulinas. Na assistência ao diabetes fora do período gestacional, o uso do PEP completo e certificado está associado a melhoria nas taxas de intensificação do tratamento, seguimento, monitoramento, controle lipídico e glicêmico, 8a menos visitas às emergências e internações. 15Entretanto poucas pesquisas tem sido conduzidas sobre registros eletrônicos de saúde no campo dos cuidados pré- e perinatais na portadora de diabetes 16e desconhecemos publicações brasileiras sobre o assunto. No presente estudo um RES foi criado e testado para assistência específica à portadora de doença endócrina na gestação com ênfase em diabetes, minimizando esta lacuna de conhecimento. Os dados obtidos dos atendimentos por meio do prontuário eletrônico demonstraram que a principal doença motivadora do encaminhamento obstétrico ao endocrinologista foi o diabetes, refletindo a frequência, impacto da doença na gestação e a procura por serviço de atendimento especializado. A população avaliada demonstrou ser de elevado risco pois a maioria eram portadoras de diabetes prévio à gestação.

Os médicos que utilizaram o AMBEG aprenderam rapidamente como operar o RES. Relataram estar satisfeitos com as funcionalidades, referiram ser de fácil manejo e capaz de organizar a sequência de atendimento, minimizando falhas. Reportaram também que os cálculos automáticos foram úteis e agilizaram o atendimento. Ainda que ginecologistas e obstetras revelem elevada satisfação com os sistemas eletrônicos para atendimento ao paciente 17, idade mais avançada do médico, sexo masculino e atendimento clínico solitário foram barreiras para a implementação de prontuários eletrônicos. O RES do presente estudo teve elevada aceitação e fácil implementação possivelmente por serem os usuários médicos com pouco tempo de formação.

O presente trabalho também demonstrou a facilidade no acesso às informações coletadas, armazenamento e análise dos dados clínicos registrados eletronicamente. O registro clínico em prontuários preenchido a mão impõe dificuldades no acesso e levantamento de dados, limitando avaliações de qualidade de atendimento, consultas e pesquisas médicas. O registro eletrônico no AMBEG possibilitou a exportação rápida de informações com a criação de bancos de dados. Os campos estruturados permitiram consulta rápida e análise, fornecendo informações para pesquisas e levantamentos epidemiológicos. A utilização de dados de prontuários eletrônicos para dar suporte a pesquisas clínicas é uma tendência mundial e iniciativas, como o projetoEletronic Health Records for Clinical Research18, procuram desenvolver inventário de dados necessários para dar suporte a pesquisas por meio de PEP. Nosso estudo demonstra a utilidade do RES para pesquisas e levantamentos epidemiológicos.

A frequência do registro de dados clínicos considerados relevantes na consulta foi significativamente maior no atendimento feito com o AMBEG em relação ao atendimento convencional, em papel. A estruturação dos campos de dados de consulta, a legibilidade, praticidade e os cálculos automáticos provavelmente auxiliaram na organização do atendimento e na lembrança do questionamento dos dados da consulta. Estas funcionalidades e os resultados do presente estudo segue a direção atual dos conhecimentos que demonstram a utilidade do registro eletrônico em melhorar a qualidade do registro clínico. 19Em contrapartida a falta de documentação de informações do pré-natal resulta em impacto negativo nos escores de adequação dos cuidados pré-natais 20e possivelmente o fato de haver melhor documentação de dados poderia resultar em melhoria na qualidade de assistência.

Apresentaram-se como limitações do trabalho, o tipo do PEP e a ausência de avaliação dos desfechos materno-fetais. O AMBEG é um PEP básico, que funciona como um registro eletrônico de saúde. Os PEP completos 21oferecem outras funcionalidades consideradas importantes para o manejo clínico. 22Entretanto, o AMBEG é um aplicativo transitório e em evolução. A ele poderão ser, posteriormente, integradas funcionalidades avançadas como a interoperacionalidade com outros sistemas (laboratório, imagem, prontuários de outras unidades), inserção de ordem de cuidados médicos eletrônica (prescrição, requisição de exames), incorporação delinks com informações médicas para educação continuada e sistemas de alertas e avisos que funcionam como apoio a decisão diagnóstica e terapêutica. Adicionalmente, o registro de informações foi significativamente mais frequente na consulta realizado com o AMBEG, entretanto não avaliamos o impacto do uso na qualidade da assistência pré-natal e perinatal da gestante portadora de diabetes. Acreditamos que a sistematização do atendimento e o preenchimento mais completo dos dados relevantes da consulta possam se associar a redução de eventos maternos e fetais, o que poderá ser investigado em outros estudos. A informação sobre o tempo de atendimento não foi registrada para permitir a comparação, portanto não podemos assegurar se o prontuário eletrônico reduz o tempo de consulta, mas esta funcionalidade também pode ser agregada ao aplicativo possibilitando avaliações futuras.

Como pontos fortes do trabalho destacamos a originalidade do RES e ausência de publicações sobre o assunto na literatura brasileira. Diante das dificuldades de assistência em saúde no Brasil, da crescente prevalência do diabetes na gestação com suas complicações e da necessidade de padronização de atendimento e da conduta para otimizar as metas em saúde, demonstramos a utilização de uma ferramenta de baixo custo com suporte técnico mínimo capaz de aumentar a frequência do registro de dados clínicos no pré-natal de portadoras de diabetes na gestação. A maior frequência de registro de dados clínicos sobre hipoglicemias merece destaque pois estas informações representam atenção dedicada à segurança para a binômio materno-fetal o que poderia reduzir morbidades. O AMBEG tem o potencial de melhorar a assistência pré-natal de alto risco, incorporar tecnologias para otimizar os desfechos clínicos através da facilitação de aderência aos protocolos clínicos e assistenciais, oferecer mais segurança à paciente, além de proporcionar fonte de dados para levantamentos epidemiológicos e tratamento estatístico úteis para programas de atenção especializada ao diabetes na gestação e pesquisa clínica.

O registro eletrônico AMBEG é uma ferramenta de baixo custo, com necessidade de mínimo suporte técnico e fácil utilização que aumentou a frequência de registro de informações da consulta e padronizou o atendimento clínico a mulheres portadoras de endocrinopatias na gestação, com ênfase no diabetes. O potencial de expansão da ferramenta é amplo com perspectiva de melhora no atendimento por meio de tecnologia incorporada como alertas e interoperacionalidade com outros sistemas ambulatoriais e hospitalares. Recomenda-se mais estudos para avaliar o impacto a utilização da ferramenta nos desfechos clínicos.


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