DOI: 10.1590/SO100-720320150005283 - volume 37 - Setembro 2015
Ana Maria Simões Brandão, Ana Patrícia Rodrigues Domingues, Etelvina Morais Ferreira Fonseca, Teresa Maria Antunes Miranda, Adriana Belo, José Paulo Achando Silva Moura
O parto pré-termo (PPT) é uma complicação da gravidez que se associa a elevadas taxas de morbilidade e mortalidade neonatal. A literatura mostra taxas de PPT entre os 6 e 10% de todos os nascimentos, sendo mais baixa na Europa (6,2%) e mais alta na América do Norte (10,6%)1 , 2.
A etiologia dos PPT ainda não se encontra completamente esclarecida, contudo vários são os estudos que apontam para uma etiologia complexa e multifatorial1 , 3 - 7. Alguns autores têm proposto sistemas para classificar o PPT a fim de compreender a sua patogênese. Alguns baseiam-se na idade gestacional (IG) à nascença - precoce (<34 semanas gestação (SG)) versus tardio (≥34 SG); outros na apresentação clínica (espontâneo/idiopático versus rotura prematura de membranas pré-termo (RPM-PT) versus indicação médica - iatrogênico); outros ainda associam as duas classificações2 , 3 , 7. A segunda classificação sugere um possível evento inicial que leva ao desenrolar de toda a sequência do trabalho de parto. Contudo, no parto pré-termo espontâneo (PPTe) o evento inicial para o trabalho de parto não é tão óbvio como nas restantes classificações, podendo mesmo não ser identificado o fator .
Independentemente do subtipo, a maioria dos PPT (60-70%) correspondem a PPT tardios.
Ao longo desses últimos anos, vários têm sido os autores a debruçar-se sobre a análise das mais variadas condições que poderão aumentar o risco desse desfecho obstétrico, entre elas o tabagismo, o consumo de bebidas alcoólicas, o elevado stress socioeconômico, os antecedentes de PPT, a existência de infecções, a magreza materna e a desnutrição1 , 3 - 6.
Um estudo que avalia essas condições apenas em situações com RPM-PT mostrou maior incidência dessa complicação em mulheres com baixos níveis de escolaridade e socioeconômicos, em fumadoras e com antecedentes de PPT8. Por outro lado, esse estudo verificou a inexistência de associação entre uma possível infecção materna e/ou fetal e a RPM-PT. No entanto, salienta que essa infecção poderá ser consequência e não causa da RPM-PT8. Um outro estudo verificou um aumento de incidência de PPT nos extremos de índice de massa corporal (IMC) antes da gravidez, sendo o PPTe mais prevalente nas mulheres com baixo IMC e a RPM-PT nas mulheres com elevado IMC6.
Já a inflamação intra-amniótica com membranas íntegras foi associada à existência de contrações com modificações cervicais, levando rapidamente a um PPTe com piores resultados neonatais, comparativamente com a RPM-PT9 - 11. Contudo, o PPTe tem sido associado a menor risco de mortalidade quando comparado com os outros subtipos. Essas diferenças poderiam justificar-se pelas complicações da gravidez presentes, mais frequentemente, nos casos iatrogênicos ou por RPM-PT2.
A implementação de corticoterapia pré-natal para maturação pulmonar fetal e a antibioterapia materna tem como objetivo uma tentativa de melhoria do desfecho neonatal3 , 7. Já a terapêutica com tocolíticos, uma intervenção obstétrica importante para retardar o trabalho de parto, ainda não tem demonstrado o seu benefício neste desfecho. No entanto, a sua aplicação reveste-se de especial importância quando se pretende atrasar o parto o tempo suficiente para completar a administração de corticoterapia pré-natal ou para efetuar uma transferência "in útero" para um hospital com cuidados neonatais mais diferenciados1.
Dado que o PPT é multifatorial e complexo, no que se refere à sua etiologia, a identificação de fatores pessoais e ambientais que possam aumentar esse risco constitui uma prioridade no sentido de serem considerados um alvo para prevenção, diagnóstico ou terapêutica, reduzindo o mau desfecho obstétrico5.
Nosso estudo tem como objetivo avaliar e comparar características maternas, obstétricas e neonatais em situações de PPT associado ou não à RPM-PT. A distinção desses dois tipos de PPT poderá permitir uma maior compreensão dos mecanismos associados a cada um deles e, dessa forma, a implementação de medidas interventivas mais específicas para cada grupo.
Estudo retrospectivo dos processos clínicos referentes a gestações de feto único, que terminaram num parto pré-termo (IG 24 semanas e 0 dias - 36 semanas e 6 dias), entre 1o de janeiro de 2003 e 31 de dezembro de 2012, no serviço de Obstetrícia A (Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Portugal). O estudo teve a aprovação da Comissão de Ética (HUC 37/10).
Os critérios de inclusão dos processos clínicos no estudo foram: ocorrência de parto associado ou não à rotura prematura de membranas pré-termo. Entendeu-se como RPM-PT como toda a perda de líquido amniótico por rotura de membranas corioamnióticas que ocorreu entre 24 semanas e 0 dias e 36 semanas e 6 dias, não associada a contrações de trabalho de parto. O seu diagnóstico foi realizado pelo exame objetivo e, em casos de dúvida, recorreu-se ao auxílio do teste de Bromotimol e/ou AmniSure(r). Como critérios de exclusão, estipulamos: processos referentes a partos motivados por doença fetal e/ou morbidade materna (iatrogênicos) (n=550) e todos os processos não disponíveis ou incompletos para consulta (n=411).
As grávidas foram divididas em dois grupos de PPT, um espontâneo sem RPM-PT e outro com RPM-PT (PPTe versus RPM-PT), os quais foram comparados em relação às variáveis: estado civil, emprego, residência, IMC, tabagismo, multiparidade, antecedentes de PPT, internamentos prévios, tipo de complicações, urocultura, avaliação do comprimento cervical, proteína C reativa (PCR), leucócitos, tipo de parto, motivo para cesariana, peso do recém-nascido à nascença, internamento na Unidade de Cuidados Intensivos de Recém-nascidos (UCIRN), morbilidade e mortalidade neonatal.
Para a análise estatística, utilizou-se o programa SPSS 21. A normalidade da distribuição dos valores das variáveis contínuas e a igualdade das suas variâncias foram testadas usando os testes Kolmogorov-Smirnov e Levene. Para as variáveis categóricas, as diferenças das proporções entre os grupos foram avaliadas recorrendo ao teste χ2, enquanto para as variáveis contínuas o teste t de Student foi usado para comparar médias dos grupos. Quando os pressupostos do teste t não foram satisfeitos, considerou-se o teste Mann-Withney para a comparação. Foi considerado valor significativo quando p<0,05.
Dos 31.885 partos ocorridos no nosso Serviço, 2.393 foram pré-termo de feto único (7,5%). Destes, foram analisados 1.432 processos, dos quais 596 (41,6%) foram espontâneos e 836 (58,4%) ocorreram após rotura RPM-PT.
Os resultados serão apresentados segundo os grupos PPTe versus RPM-PT. A idade gestacional média à data do internamento foi de 34±3 semanas para ambos os grupos.
A idade materna média foi de 29±6 versus 30±5 anos, p=0,06. Os fatores sociodemográficos e os antecedentes pessoais obstétricos estão descritos na Tabela 1. Frequentaram o pré-natal, 95,5 versus 96,2%, (p=0,6) tendo havido pelo menos um internamento prévio em 17,8 versus 8,6% (p<0,001). As complicações mais frequentes no decurso da gravidez foram: ameaça de parto pré-termo em 11,4 versus 5% (p<0,001), infecção urinária em 6,7versus 5,0% (p=0,18) e sangramentos em 4,2 versus 5,1% (p=0,4). No decurso da avaliação efetuada em internamentos ou consultas prévias, o exsudado vaginal foi positivo em 43,2 versus 33,3% (p=0,4) e o comprimento cervical médio foi de 27,4±9,2 versus 30,9±9,5 mm (p=0,04).
Tabela 1.
Fatores sociodemográficos e antecedentes pessoais/obstétricos
Características maternas | Grupo PPTe | Grupo RPM-PT |
---|---|---|
Estado civil – casadas (%) | 71,0 | 77,0 |
Trabalho remunerado (%) | 69,1 | 72,3 |
Residência rural (%) | 65,6 | 62,7 |
IMC inicial (kg/m2) | 23,3±3,64* | 24,2±4,49 |
Ganho ponderal (média) | 10,4±4,59** | 11,0±4,87 |
IMC final (kg/m2) | 27,3±4,07* | 28,5±4,60 |
Tabagismo (%) | 4,0 | 4,4 |
Multiparidade (%) | 50,7* | 40,3 |
PPT anterior (%) | 20,8* | 10,2 |
PPTe: Parto pré-termo espontâneo; RPM-PT: rotura prematura de membranas pré-termo; IMC: Índice de massa corporal; *p<0,001; **p<0,05. ?2 usado para variáveis categóricas; t de Student para variáveis contínuas.
Na Tabela 2 está representada a avaliação efetuada à data da admissão no internamento que terminou em PPT. Foi realizada corticoterapia para maturação pulmonar fetal em 28,5 (PPT) versus 32,1% (RPM-PT) (p=0,15), em uma IG média 30±3 versus 31±3 semanas, com realização de ciclo completo em 78,2 versus 82,5% (p=0,54). Conseguiu-se um prolongamento da gravidez, em dias, desde o internamento até o parto em 8,1 versus 30% das grávidas (p<0,001). Procedeu-se à indução do trabalho de parto em 0,5 versus 17,1% (PPT e RPM-PT) (p<0,001), tendo-se utilizado a dinoprostona em 33,3 versus 88,8% e a ocitocina em 66,7 versus 6,3% (p=0,02), respectivamente.
Tabela 2.
Avaliação (analítica e ecográfica) da grávida efetuada na data da admissão para internamento
PPTe | RPM-PT | |
---|---|---|
Comprimento cervical médio (mm) | 18,1±7,4* | 27,1±10,1 |
Urocultura positiva (%) | 5,9 | 7 |
Exsudado vaginal positivo (%) | 30,3 | 37,1 |
PCR média | 2,1±3,64* | 1,1±2,67 |
Leucócitos (x109) | 13,3±5,75** | 12,3±3,76 |
PPTe: Parto pré-termo espontâneo; RPM-PT: rotura prematura de membranas pré-termo; PCR: Proteína C reativa; *p<0,001; **p<0,05. ?2 usado para variáveis categóricas; t de Student para variáveis contínuas. Teste Mann-Withney quando os pressupostos do teste t não foram satisfeitos.
A IG à data do parto foi 34±3 versus 34±2 SG (p=0,02) (mínimo de 24 semanas, máximo de 36 semanas com mediana de 35 semanas) para ambos os grupos. A via do parto foi abdominal (cesariana) em 18,5 versus 31,3% dos casos (p<0,001), sendo os principais motivos para cesariana o estado fetal não tranquilizador (EFNT) (20,9 versus 31%), a não progressão da dilatação (NPD) (1,8 versus 3,9%), a indução falhada (IF) (0 versus 14,3%), a incompatibilidade feto-pélvica (IFP) (5,5 versus 3,5%), outro motivo (OM) (59,1 versus 42,7%) e indicação materna (12,7 versus 3,4%). As diferenças observadas são significativas com p<0,001. O grupo PPT está mais associado a IFP e a OM (maioritariamente por apresentação pélvica) e menos associado a EFNT e IF. O grupo RPM-PT está mais associado a NPD.
Foram descritas complicações durante o parto em 3,2 versus 2,9% (p=0,72) e no puerpério imediato (anemia, deiscência de sutura, endometrite) em 3,4 versus 6,2% (p= 0,014).
Dos resultados neonatais descritos na Tabela 3, a morbilidade neonatal global foi de 16,2 versus 12,2 % (p=0,03), tendo sido a morbilidade neurológica de 4,7 versus 2,8% (p=0,04).
Tabela 3.
Resultados neonatais: morbilidade e mortalidade
PPTe | RPM-PT | |
---|---|---|
Peso médio à nascença (gramas) | 2.470±621 | 2.420±590 |
Internamento na UCIRN (%) | 33,2 | 34,2 |
Morbilidade neonatal (%) | 16,2* | 12,2 |
Morbilidade neurológica | 4,7* | 2,8 |
Morbilidade respiratória | 8,6 | 9,2 |
Síndrome Dificuldade Respiratória | 15,8 | 12,7 |
Morbilidade gastrointestinal | 3,5 | 2,6 |
Morte precoce (%) | 1,9 | 1,6 |
Morte tardia (%) | 0,3 | 0 |
PPTe: Parto pré-termo espontâneo; RPM-PT: rotura prematura de membranas pré-termos; UCIRN: Unidade de Cuidados Intensivo Recém-nascidos; *p<0,05. ?2 usado para variáveis categóricas; t de Student para variáveis contínuas.
Apesar da avançada pesquisa e das inúmeras estratégias de prevenção dos últimos anos, a prematuridade continua a ser um problema central na Medicina perinatal, sendo responsável pela maioria dos casos de mortalidade (cerca de 70%) e morbilidade (cerca de 75%) neonatal e pós-neonatal12.
A taxa de PPT do nosso serviço (7,5%) está de acordo com a que é descrita na literatura (6-10%)1 , 2 , 6. A relação entre a percentagem de casos nos grupos PPTe (41,6%) e RPM-PT (58,4%) foi inversa àquela descrita por outros autores, que apresentam valores de 59 e 41%, respetivamente6.
Foram avaliados todos os casos de parto pré-termo (desde a 24a semana e 0 dias até a 36a semana e 6 dias de gestação), não tendo sido realizada a subdivisão destes em prematuridade precoce e tardia, o que constitui uma limitação do estudo. Esse fato poderá ter contribuído para a existência de viés nos resultados globais, uma vez que a grande maioria dos partos ocorreu na faixa da prematuridade tardia, na qual a conduta clínica e programação do parto são diferentes.
A grande maioria das mulheres, em ambos os grupos, teve consultas regulares no pré-natal. Contrariamente a um estudo de Lynch, que demonstrou que a idade materna mais jovem apresenta maior risco de PPTe6, a nossa amostra não associou esse parâmetro com nenhum dos subtipos de PPT analisados. Relativamente à multiparidade e baixo IMC, os nossos resultados foram sobreponíveis ao estudo descrito no que se refere à sua associação positiva com o PPTe.
De forma oposta a outros autores5 , 6, nosso estudo verificou que antecedentes obstétricos de parto pré-termo e um comprimento cervical foram predominantes no grupo do PPTe quando comparado com o grupo de RPM-PT. Da mesma forma, o tabagismo descrito por vários autores como fator de risco para o desencadeamento de PPT5 , 6 , 8apresentou, na nossa amostra, valores sobreponíveis em ambos os grupos, não estando associado com nenhum dos subtipos analisados. Das complicações ocorridas no decurso da gravidez, apenas a ameaça de parto pré-termo foi prevalente no grupo dos PPTe, apresentando valores médios de comprimento cervical significativamente inferiores aos do grupo RPM-PT.
A forma mais comum de infecção associada ou como causa de PPT é a via ascendente, proveniente do trato genital inferior, que poderá causar ou não RPM-PT. Alguns autores associaram a infecção vaginal por bactérias anaeróbias patogênicas (como Ureaplasma urealyticum e Mycoplasma hominis) com a presença de PPTe, RPM-PT ou corioamniotite, embora outros não tenham conseguido evidenciar essa associação13. Um estudo identificou como fatores de risco para colonização por aquelas espécies a idade materna jovem, a nuliparidade, a obesidade e o consumo de álcool, cigarros ou drogas. Esse estudo vai de encontro às características das mulheres do grupo RPM-PT da nossa amostra, pois foi nesse grupo que se verificaram mais mulheres nulíparas e com maior IMC. No entanto, não conseguimos demonstrar relação entre infecções genitourinárias com qualquer um dos grupos, uma vez que não houve diferenças significativas para os resultados dos exsudados vaginais e urocultura. A falta de associação entre esse tipo de infecções e a prematuridade também é descrita por outros autores, apesar de não estar invalidada a sua ligação com o desencadear de todo o processo que leva ao PPT8. Essa situação pode ser o reflexo da utilização de antibióticos no tratamento empírico da sintomatologia genitourinária, sem confirmação laboratorial da colonização. Nesses casos, a antibioterapia erradica as bactérias, mas poderá não ser o suficiente para travar o processo inflamatório subjacente14 , 15. Estudos demonstraram que, apesar da presença de bactérias em 80% das RPM-PT, esta por si só não é suficiente para causar PPT, tendo sido identificada em membranas fetais de grávidas a termo em trabalho de parto ou não14 , 15.
No entanto, demonstramos uma elevação significativa dos parâmetros infecciosos (PCR e leucócitos) no grupo PPTe, reforçando, dessa forma, os dados existentes na literatura5 - 7que apontam para um eventual processo inflamatório sistémico, e não localizado, como um dos potenciais fatores para o desencadear de todo o processo do trabalho de parto pré-termo espontâneo. Porém, na análise da tendência para valores de PCR mais elevados nesse grupo, é necessário ter em conta que existem poucos estudos que se debruçam sobre as alterações desse parâmetro ao longo de uma gravidez normal, não existindo valores de referência, o que constitui uma limitação do nosso estudo quanto à interpretação desses resultados. Um trabalho mais recente demonstrou uma elevação precoce da PCR até as 20 semanas, seguido por um declínio até o parto, tendo-se verificado também que esse marcador é influenciado por diversas caraterísticas maternas: mulheres com níveis escolares mais elevados, utentes de serviços de saúde públicos, multíparas ou com excesso de peso apresentaram valores mais elevados de PCR16. De fato, na nossa amostra, verificamos que o grupo dos PPTe (que apresenta valores médios de PCR significativamente mais elevados) engloba um significativo número de mulheres multíparas, relativamente às RPM-PT. Contudo, as mulheres do primeiro grupo mostraram um IMC inicial e final significativamente inferior aos das mulheres com RPM-PT, pelo que será importante realizar mais estudos para avaliar até que ponto essas caraterísticas maternas influenciam os marcadores analíticos que apontam para um estado inflamatório sistêmico e subclínico como potencial fator desencadeador de trabalho de parto espontâneo, sem RPM-PT.
Apesar de o PPTe se encontrar associado a menor risco de mortalidade neonatal, quando comparado com os outros subtipos2, a morbilidade neonatal é mais frequente. Existem estudos que correlacionam diretamente a presença de complicações perinatais, como a paralisia cerebral, a leucomalácia periventricular e a displasia broncopulmonar, com a inflamação intramniótica observada nos PPTe, com ou sem identificação direta de agentes infecciosos, mas com elevação significativa de leucócitos e PCR9 , 17. A relação da morbilidade neurológica neonatal com o grau de inflamação intra-amniótica tem sido amplamente debatida e demonstrada, e não parece ser alterada pela administração sistemática de antibióticos nessas grávidas, dado não oferecerem benefícios na ausência de RPMPT, aumentando paradoxalmente o risco de paralisia cerebral e enterocolite necrotizante neonatal18. O nosso estudo vai de encontro com esses dados da literatura, pois o grupo PPTe (com valores mais elevados de PCR e leucócitos) apresentou um desfecho neonatal mais adverso, sobretudo à custa do aumento significativo da morbilidade neurológica, quando comparado com o grupo da RPM-PT. Quanto à mortalidade, ambos os grupos mostraram resultados sobreponíveis.
A nossa avaliação englobou idades gestacionais muito díspares. A prematuridade tardia, como grupo com maior número de casos, limitou os resultados demonstrados, nomeadamente em termos de tratamento efetuado e de resultados neonatais. Os verdadeiros resultados de atuação clínica e desfecho obstétrico na prematuridade precoce ficaram assim condicionados por essa associação. Dessa forma, a avaliação de características em PPT não deverá ser feita abaixo das 37 semanas, dado que há diferenças significativas na abordagem e nas consequências se abordarmos a prematuridade abaixo das 34 SG ou abaixo das 37 SG. Embora ambos os grupos estejam englobados na definição de PPT, será importante, numa análise futura, fazer a distinção entre eles para que os resultados sejam ajustados e fiáveis.
Os mecanismos etiológicos para o desenrolar de um PPT espontâneo ou após RPM-PT são bastante complexos, e a barreira que separa ambos não é linear e objetiva. Muitas das características socioambientais, maternas e obstétricas poderão contribuir para uma melhor compreensão de todo o processo que leva ao PPT. A análise de variáveis entre ambos os grupos mostrou-nos muitas características maternas, obstétricas e neonatais que se sobrepõe, mas outras que são predominantes num ou noutro grupo, permitindo-nos diferenciar esses dois tipos de PPT e orientar-nos para o possível fator causal. Dos fatores sociodemográficos e da maioria dos antecedentes pessoais e obstétricos analisados, não se obtiveram diferenças significativas. No entanto, a magreza materna, a multiparidade com PPT anterior e a presença de comprimento cervical inferior foram predominantes no grupo PPTe. A presença significativa de marcadores infecciosos mais elevados nesse mesmo grupo permite reforçar a hipótese de um processo inflamatório intra-amniótico e sistêmico ser um dos potenciais fatores contributivos para o desencadear de todo o processo do trabalho de parto pré-termo espontâneo. Em termos de resultados perinatais, estes foram piores neste grupo, nomeadamente no desfecho neurológico.