DOI: S0100-72032015000100016 - volume 37 - Janeiro 2015
Marcelo Luis Steiner, Lúcia Helena Azevedo, Camila López Bonacordi, Andrea Zaccaro de Barros, Rodolfo Strufaldi, César Eduardo Fernandes
O climatério é um período no qual ocorrem importantes modificações biológicas, psicológicas e sociais e que tem como marco principal a menopausa. A cessação da função ovariana determina deficiência estrogênica que altera o risco cardiovascular e a incidência das dislipidemias1.
Estudos demonstram que os níveis séricos de colesterol total, LDL e triglicerídeos variam de 7 a 19%, em média, da pré para a pós-menopausa2 , 3. Além disso, o hipoestrogenismo modifica o perfil metabólico, favorecendo novo padrão de distribuição de gordura corporal, com substituição do estoque da região glúteo-femoral para a abdominal, levando à obesidade central e resistência à insulina, e aumentando o risco de síndrome metabólica (SM) e hipertensão arterial sistêmica (HAS)4-6. O hipoestrogenismo associado à obesidade aumenta as citocinas inflamatórias, que contribuem para o desenvolvimento de aterosclerose e diabetes melitus tipo 27.
A associação entre adipocinas e níveis de estrogênio em mulheres na pré e pós-menopausa tem sido estudada. Observou-se que as concentrações de leptina sérica foram significativamente menores após a menopausa, resultando na diminuição da regulação do gasto energético e no aumento do consumo alimentar8. Nos primeiros anos da pós-menopausa há decréscimo da taxa metabólica de repouso (TMR) maior do que na senilidade, provavelmente por conta da diminuição dos hormônios ovarianos. Entre os diversos mecanismos envolvidos destacam-se as mudanças na ação sobre o substrato energético, no repouso e durante o exercício, na regulação do metabolismo de carboidratos e lipídios, e a participação no processo de síntese de proteínas9. Há também alterações no consumo, com excesso de ingestão de alimentos energéticos e ingestão elevada de proteínas, associados à deficiência de micronutrientes como as vitaminas A e C, ferro e cálcio10.
Devido à inadequação da distribuição entre os macronutrientes e a inadequação da dieta em relação às necessidades energéticas reduzidas, há aumento da gordura corporal em até 20% após a menopausa11. A avaliação das características antropométricas e do estado nutricional, assim como a investigação dos hábitos alimentares, é uma ferramenta fundamental para propor estratégias de controle das comorbidades nos diferentes grupos populacionais.
Diversos estudos foram conduzidos para caracterizar os fatores de risco de obesidade e cardiovascular nas mulheres na pós-menopausa5 , 12. Entretanto, o impacto no risco de cada um destes fatores ainda não está claramente definido e gera controversas.
Estudo realizado em mulheres do Rio de Janeiro concluiu que a associação entre obesidade e menopausa não estava relacionada à idade e atividade física (AF)13. De forma distinta, uma pesquisa de base populacional com 456 mulheres na pós-menopausa concluiu que idade superior a 65 anos era fator de risco para obesidade abdominal14.
Dentre os diferentes fatores de risco contribuintes para a obesidade de mulheres, cujo impacto ainda não está totalmente esclarecido, está o hábito alimentar. Assim, o objetivo deste trabalho é avaliar o hábito alimentar e o estado nutricional de mulheres na pós-menopausa e compará-los com o perfil antropométrico, faixa etária e tempo de menopausa.
Foram convidadas a participar deste estudo mulheres na pós-menopausa atendidas no Ambulatório de Climatério do Centro de Assistência Integral à Saúde da Mulher (CAISM) da Faculdade de Medicina do ABC, situado em São Bernardo do Campo, estado de São Paulo, no período de junho a agosto de 2011. Incluíram-se na pesquisa somente as pacientes que preencheram os critérios de elegibilidade. O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde e Bem Estar da Mulher (ISBEM) e todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Como critérios de inclusão foram considerados: mulheres com idade entre 40 e 65 anos e ausência de menstruações há pelo menos um ano ou hormônio folículo estimulante (FSH) igual ou superior a 40 mUI/mL. Já como critérios de exclusão, foram levados em conta a presença de neoplasias malignas, intolerâncias alimentares (doença celíaca, intolerância à lactose ou à proteína do leite), síndrome da má-absorção ou síndrome do cólon irritável, gastrite ou úlceras gástricas, gastroplastia ou cirurgias dissabsortivas, alteração na tireoide (hipo ou hipertireoidismo) e distúrbios psiquiátricos.
A coleta de dados foi realizada no mesmo momento em que a paciente aceitava participar do estudo, e as entrevistas padronizadas e realizadas por uma única nutricionista, com o emprego de questionário estruturado contendo dados socioeconômicos, clínicos, antropométricos e alimentares. O inquérito alimentar utilizado é validado para a população adulta15 e foi adaptado para a população local por meio da aplicação prévia em 30 mulheres para determinação dos itens de maior frequência.
Avaliou-se o nível de atividade física (NAF) seguindo os parâmetros de Cuppari16, que o classifica em quatro níveis: sedentário; atividade leve (caminhadas); atividade moderada (ginástica aeróbia, corrida, natação); e atividade intensa (ciclismo, pular corda, jogar tênis). O NAF é utilizado para a determinação do gasto energético diário ou Estimated Energy Requirement (EER).
As variáveis bioquímicas foram obtidas pela revisão de prontuários. Incluíram-se para o estudo as informações dos últimos seis meses da data de revisão. Valores de glicemia, colesterol total, HDL colesterol, LDL colesterol e triglicérides foram avaliados. Considerou-se diabetes melitus a presença de níveis glicêmicos de jejum superiores a 126 mg/dL ou uso de medicação para diabetes (metformina, sulfonilureias - glibenclamida e glicazida - e insulina).
As alterações no perfil lipídico foram classificadas como hipercolesterolemia quando o colesterol total (CT) foi ≥200 mg/dL, hipertrigliceridemia quando triglicéride ≥150 mg/dL, baixos níveis de HDL-colesterol (HDL-C) quando <40 mg/dL e alto nível de LDL-colesterol (LDL-C) quando ≥130 mg/dL. Vale ressaltar que, como tais variáveis foram retiradas de prontuários, não foi possível a descrição individualizada dos kits utilizados para as medições.
As aferições antropométricas foram obtidas com as pacientes descalças, portando o mínimo de roupa, em posição ereta. Mediu-se o peso em quilogramas em balança de plataforma, digital, marca Filizola, modelo PS 180, com precisão de 0,1 kg; a estatura em centímetros, determinada em um estadiômetro vertical de madeira, com precisão de 0,1 cm; a circunferência abdominal (CA) em centímetros, aferida na menor curvatura, localizada entre as costelas e a crista ilíaca5; e o Índice de Massa Corporal (IMC) a partir das medidas de peso e altura [IMC=peso (kg)/altura (m2)]5.
Para a análise antropométrica do estado nutricional, foram utilizados parâmetros de IMC e CA. Em relação ao IMC, valores entre 18,5 e 25,0 correspondem à faixa de eutrofia, de 25 a 30 ao sobrepeso, e maiores que 30 à obesidade. Quanto à CA, foi considerada normal quando ≤88 cm e aumentada quando >88 cm5.
Na avaliação do consumo alimentar utilizou-se o recordatório alimentar de 24 horas e o Questionário de Frequência do Consumo Alimentar (QFCA)11 validado para a população adulta. O QFCA possui como opções de frequência: uma vez ao dia, duas a três vezes ao dia, duas a quatro vezes por semana.
O cálculo do consumo alimentar foi realizado com o software Virtual Nutri Plus(r) 17 e tabelas de apoio18 , 19. Foram calculadas as ingestas absolutas dos macronutrientes (carboidratos, proteínas, gordura total, gordura saturada), alguns micronutrientes (vitaminas A e C, cálcio, ferro, zinco e sódio), colesterol, fibras dietéticas e valor energético total.
Para a estimativa das necessidades nutricionais consideraram-se as equações específicas para a faixa etária do estudo, gênero e estado nutricional das voluntárias (EER)19 , 20, a saber: eutróficas - 354,00 - (6,91 x idade [anos] + AF* x peso [kg] + 726,00 x altura [m]); Sobrepeso/obesidade - 354,00 - (7,31 x idade [anos] + AF* x 10,9 x peso [kg] + 660,7 x altura [m]).
O coeficiente para AF de eutróficas é 1,00 para sedentárias, 1,12 para leve, 1,27 para moderada e 1,45 para intensa. Já o coeficiente de sobrepeso/obesidade é 1,00 para sedentárias, 1,16 para leve, 1,27 para moderada e 1,44 para intensa.
O cálculo da adequação do consumo de calorias foi estabelecido com base no peso corporal, conforme metodologia proposta pelo Institute of Medicine (IOM)21. A adequação do consumo dos macronutrientes teve como base os intervalos de distribuição aceitáveis (Acceptable Macronutrient Distribuition Range - AMDR), de acordo com o IOM21. Para o consumo de álcool, referido em doses, adotou-se uma dose diária como máximo para mulheres (14 g de álcool), o que equivale a uma taça de vinho ou uma unidade de cerveja (350 mL)22.
Na avaliação dos resultados, a idade foi dividida por faixa etária em <60 ou ≥60 anos, e o tempo de menopausa em ≤5, >5, ≤10 ou >10 anos.
As medidas qualitativas da amostra foram descritas por meio de frequência absoluta e porcentagem, e as quantitativas por média e desvio-padrão.
O IMC foi considerado tanto medida quantitativa, quando se utilizou sua média no grupo avaliado, quanto qualitativa, quando categorizado em eutrófico, sobrepeso e obesidade. Da mesma forma, a CA foi analisada por sua média nos grupos verificados e pela categorização em ≤88 e >88 cm.
As médias do IMC e CA na relação com a faixa etária foram avaliadas pelo teste t de Student e por análise de variância (ANOVA) na relação com tempo de menopausa. Na avaliação das categorias do IMC e da CA, em relação à faixa etária e tempo de menopausa, utilizou-se o Teste do χ2.
O consumo alimentar foi avaliado de acordo com as categorias do IMC por meio da ANOVA e da CA pelo teste t de Student, enquanto o seu comportamento nos diferentes grupos de tempo de menopausa por ANOVA e nas faixas etárias pelo teste t de Student.
Para a comparação de dois grupos com medidas sem distribuição normal utilizaram-se os testes de Mann Whitney e de Kruskal-Wallis.
Os resultados estatisticamente significantes na ANOVA foram submetidos a comparações múltiplas pelo teste de Bonferroni para definição da relação significante intragrupo. Os dados obtidos foram organizados em planilhas eletrônicas por meio do software Microsoft Excel(r) 2007 (Microsoft Corporation(r), San Diego, EUA). Para a análise estatística dos dados utilizou-se o software WinSTAT(r), versão 2007.1 (R. Fitch Software, Alemanha). Em todos os testes foi levado em consideração o nível de significância com valor p<5% (p<0,05).
Foram convidadas a participar da pesquisa 179 mulheres, das quais 2 se recusaram a assinar o TCLE e 29 não preenchiam os critérios de elegibilidade. Os dados basais referentes às 148 mulheres incluídas são demonstrados na Tabela 1.
Tabela 1.
Dados basais em relação à idade, idade da menopausa, ao tempo de menopausa, Índice de Massa Corporal, circunferência abdominal, glicemia, perfil lipídico, triglicérides, tipo de menopausa, uso de terapêutica hormonal, escolaridade, estado civil, tabagismo e nível de atividade física da população estudada (n=148)
Variável (anos) | Média±DP |
---|---|
Idade | 57,4±5,2 |
Idade da menopausa | 48,2±4,7 |
Tempo de menopausa | 9,2±5,8 |
Índice de Massa Corporal (kg/m2) | 29,0±5,6 |
Circunferência abdominal (cm) | 95,7±12,9 |
Glicemia de jejum (mg/dL) | 96,4± 21,1 |
Colesterol total (mg/dL) | 205,5±37,3 |
LDL-colesterol (mg/dL) | 124,4±30,2 |
HDL-colesterol (mg/dL) | 51,8±10,9 |
Triglicérides (mg/dL) | 141,0±73,7 |
Variável | n (%) |
Tipo de menopausa | |
Espontânea | 123 (83,1) |
Cirúrgica | 25 (16,9) |
Terapêutica hormonal | |
Sim | 51 (34,5) |
Não | 97 (65,5) |
Escolaridade | |
Ensino fundamental | 94 (63,5) |
Ensino médio | 43 (29,0) |
Ensino superior | 11 (7,4) |
Estado civil | |
Relacionamento estável | 83 (56,1) |
Solteira | 18 (12,2) |
Divorciada | 27 (18,2) |
Viúva | 20 (13,5) |
Tabagismo | |
Sim | 20 (13,5) |
Não | 128 (86,5) |
Nível de atividade física | |
Sedentário | 105 (70,9) |
Leve | 42 (28,4) |
Moderado | 1 (0,7) |
DP: desvio-padrão.
Na análise dos indicadores do estado nutricional, constatou-se que a média de IMC foi 29,0±5,6 kg/m2, estando a obesidade presente em 40,5% das mulheres, o sobrepeso em 33,1% e a eutrofia em 25,7%. Na avaliação do IMC por grupo etário, na idade inferior a 60 anos 24,2% das mulheres apresentavam-se eutróficas, 32,6% com sobrepeso e 43,2% com obesidade, enquanto nas com mais de 60 anos houve distribuição mais homogênea (30,2, 34,0 e 35,8%, respectivamente).
A CA média na população total foi 95,7±12,9 cm. Nas mulheres com menos de 60 anos, a média da CA foi de 96,3±13,2 cm, sendo 76,8% aumentada e 23,2% normal. Na população igual ou acima de 60 anos, estes valores foram 71,7 e 28,3% respectivamente.
Considerando os indicadores nutricionais, na análise comparativa dos IMC e CA em relação ao tempo de pós-menopausa, não foi encontrada diferença significante entre os grupos. No grupo com menor tempo de menopausa encontraram-se 16,7% das mulheres eutróficas, 35,4% com sobrepeso e 47,9% com obesidade. Nos grupos entre 5 e 10 anos e maior que 10 anos, a distribuição se mostrou mais homogênea entre eutrofia (31,4 e 30,6%), sobrepeso (31,4 e 32,7%) e obesidade (37,2 e 36,7%). Quanto à CA, 81,2% das mulheres do grupo com 5 anos ou menos registrou medidas anormais. No grupo entre 5 e 10 anos, este valor foi reduzido para 70,6% e no grupo com mais de 10 anos, para 73,5%.
O consumo médio calórico diário na população estudada foi de 1.406,3±476,5 kcal, com média de 20,4±8,1 kcal/kg. A média da adequação calórica na população total foi 79,1%, sem diferença entre os grupos etários (Tabela 2). Em relação aos macronutrientes, o consumo médio de proteína, carboidrato e lipídio em percentuais na amostra total foi de 18,0, 53,8 e 27,6%, respectivamente. Não houve diferença entre os grupos por faixa etária (Tabela 2).
Tabela 2.
Médias e desvios-padrão do consumo alimentar (calorias, proteínas, carboidratos, lipídeos, colesterol, fibras, cálcio, ferro, sódio, vitaminas A e C) na população total e nos grupos segundo faixa etária (n=148)
Variável | Total Média±DP |
Grupo etário | Valor p | |
---|---|---|---|---|
<60 n=95 Média±DP |
≥60 n=53 Média±DP |
|||
Calorias (kcal) | 1.406,3±476,5 | 1.434,4±498,0 | 1.356,1±435,3 | 0,34 |
Calorias (kcal/kg) | 20,5±8,1 | 20,7±8,6 | 20,0±7,2 | 0,61 |
Adequação calórica (%) | 79,1±27,5 | 79,2±29,3 | 79,0±24,3 | 0,96 |
Proteína (%) | 18,1±5,9 | 18,5±6,2 | 17,4±5,5 | 0,29 |
Proteína (g/kg) | 0,9±0,4 | 0,9±0,4 | 0,8±0,4 | 0,46a |
Carboidratos (%) | 53,9±9,3 | 53,6±9,3 | 54,4±9,3 | 0,59 |
Lipídeos (%) | 27,7±7,9 | 27,4±7,7 | 28,2±8,1 | 0,71 |
Colesterol (mg) | 167,5±90,6 | 178,3±93,0 | 148,1±83,5 | 0,04*a |
Fibra (g) | 13,6±7,1 | 13,7±7,0 | 13,4±7,3 | 0,59a |
Cálcio (mg) | 469,1±260,5 | 450,5±246,4 | 502,2±283,5 | 0,25 |
Ferro (mg) | 10,2±4,3 | 10,6±4,3 | 9,4±4,3 | 0,12 |
Sódio (mg) | 1.854,2±976,5 | 1.863,1±837,7 | 1.838,2±833,4 | 0,84 |
Vitamina A (mcg) | 582,4±940,6 | 622,2±957,3 | 511,1±914,7 | 0,17 |
Vitamina C (mg) | 92,1±103,1 | 84,0±91,8 | 106,4±120,4 | 0,69 |
DP: desvio-padrão; Teste t de Student; aU-Teste de Mann-Whitney;
*
Estatisticamente significante: p<0,05.
Em relação à recomendação para consumo de proteínas, este se mostrou adequado em 93% da população em estudo. Para carboidratos e lipídeos, os valores foram 75 e 65%, respectivamente. Apenas 4% apresentaram consumo deficiente de proteínas, 10% consumo excessivo de carboidrato e 18%, de lipídios.
A ingestão média de colesterol diário na população total foi de 167,5 mg, sendo 178,3 mg para grupo com menos de 60 anos e 148,1 mg para aqueles de idade igual ou superior a 60 anos com diferença estatisticamente significante entre os dois. O valor encontrado para o consumo médio de fibra foi 13,6 g. Já para os micronutrientes, a média ingerida na amostra total para Cálcio foi 469,1 mg, Ferro 10,2 mg, Zinco 6,4 mg, Sódio 1.854,2 mg, Vitamina A 582,4 mcg, e vitamina C 92,1 mg. Não houve diferença significante entre os diferentes grupos etários para as variáveis acima citadas (Tabela 2).
Considerando o consumo calórico e de macronutrientes, não houve diferença significativa entre os grupos quanto ao tempo de pós-menopausa. O valor médio encontrado para o consumo de carboidratos foi 53,0% para mulheres com menos de 5 anos de pós-menopausa, 53,5% entre 5 e 10 anos e 55,0% com mais de 10 anos, enquanto para os lipídios foi 26,9, 29,8 e 26,3%, respectivamente. Não foram encontradas diferenças significantes entre os grupos. Houve tendência para aumento do consumo de lipídios entre 5 e 10 anos com redução após 10 anos, porém não significante (p=0,06). A média do consumo proteico foi de 19,6% para o grupo com 5 anos ou menos, 16,8% entre 5 e 10 anos e 17,9% no grupo com mais de 10 anos de menopausa com diferença estatística entre os 3 grupos (p=0,048). Entretanto, na comparação grupo a grupo, aqueles que se mostraram diferentes foram os dois primeiros (p<0,05) (Tabela 3).
Tabela 3.
Médias e desvios-padrão do consumo alimentar (calorias, calorias/kg de peso, percentual de adequação calórica, percentuais de carboidratos, lipídeos e proteínas) na população segundo tempo de pós-menopausa (n=148)
Variável | Tempo de menopausa (anos) | Valor p | ||
---|---|---|---|---|
≤5 n=48 Média±DP |
>5 e ≤10 n=51 Média±DP |
>10 n=49 Média±DP |
||
Calorias (kcal) | 1.373,9±487,8 | 1.410,3±465,2 | 1.433,9±485,0 | 0,8 |
Calorias (kcal/kg) | 19,5±7,6 | 20,9±8,5 | 21,0±8,3 | 0,5 |
Adequação calórica (%) | 75,4±27,4 | 79,8±27,4 | 82,0±27,8 | 0,4 |
Carboidrato (%) | 53,0±9,0 | 53,5±9,3 | 55,1±9,7 | 0,5 |
Lipídio (%) | 26,9±7,6 | 29,8±7,9a | 26,3±7,7a | 0,06 |
Proteína (%) | 19,6±5,8a | 16,8±5,8a | 17,9±6,0 | 0,04* |
Proteína (g/kg) | 0,9±0,4 | 0,9±0,4 | 0,9±0,4 | 0,6b |
DP: desvio-padrão; aComparação múltipla de Bonferroni entre os grupos <0,05.
Avaliando o consumo alimentar e o estado nutricional por categorias de IMC, a ingestão calórica de mulheres eutróficas foi de 26,4 kcal/kg, com sobrepeso de 20,5 kcal/kg, e 16,4 kcal/kg para mulheres obesas, com diferença estatística entre os grupos (p<0,001). Encontrou-se adequação calórica de 87,5, 79,9 e 71,9%, respectivamente, também com significância estatística (p=0,02). Na comparação grupo a grupo, foi visualizado resultado significantemente diferente entre o de eutróficas, o grupo com sobrepeso e eutróficas com obesas (p<0,05) (Tabela 4). O consumo de carboidratos e lipídeos foi semelhante nos três grupos. Em relação ao consumo de proteínas, foi encontrada relação inversa e estatisticamente significante (p<0,001) ao estado nutricional em que mulheres eutróficas consumiram 1,2 g/kg de proteína e as com sobrepeso ou obesidade, 0,9 g/kg e 0,7 g/kg, respectivamente (Tabela 4).
Tabela 4.
Médias do consumo alimentar (calorias, percentual de adequação calórica, carboidratos, lipídeos e proteínas) na população segundo classificação do Estado Nutricional pelo Índice de Massa Corpórea e por circunferência abdominal (n=148)
Variável | Categoria de IMC | Circunferência abdominal | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
IMC<25 n=38 Média±DP |
25≤IMC>30 n=49 Média±DP |
IMC≥30,0 n=60 Média±DP |
Valor p | ≤88 cm n=37 Média±DP |
>88 cm n=111 Média±DP |
Valor p | |
Calorias (kcal/kg) | 26,6±8,4 | 20,5±7,4 | 16,4±5,7 | <0,001a | 26,2±8,8 | 18,6±7,0 | <0,001 |
Adequação calórica (%) | 87,9±26,1 | 79,9±29,4 | 72,0±25,0 | 0,020 | 88,8±27,6 | 75,9±26,9 | 0,010 |
Carboidrato (%) | 55,2±8,6 | 52,9±9,4 | 53,8±9,7 | 0,520 | 57,2±9,0 | 52,8±9,2 | 0,010 |
Lipídio (%) | 26,2±7,5 | 28,9±8,0 | 27,6±7,9 | 0,280 | 26,0±8,2 | 28,2±7,7 | 0,130 |
Proteína (%) | 18,0±5,8 | 17,6±5,8 | 18,6±6,2 | 0,690 | 16,3±4,9 | 18,7±6,1 | 0,030 |
Proteína (g/kg) | 1,2±0,5 | 0,9±0,4 | 0,7±0,3 | <0,001b | 1,1±0,4 | 0,8±0,4 | 0,006c |
IMC: Índice de Massa Corpórea; DP: desvio-padrão; Teste de variância ANOVA; aComparação Múltipla de Bonferroni - eutrofia versus sobrepeso e obesidade <0,05.
Levando em conta a distribuição da gordura corporal, valores para o consumo calórico e de proteínas apresentaram diferenças estatisticamente significantes (p<0,001 e p=0,006, respectivamente). Observou-se maior ingestão calórica no grupo com CA até 88,0 cm (26,1 kcal/kg) e relação inversa entre o consumo de proteína (g/kg) e a CA, sendo 1,1 g/kg para mulheres normais e 0,8 g/kg para as com CA>88 cm (Tabela 4).
Os percentuais de consumo de carboidratos e de proteínas e de adequação calórica também mostraram diferenças significantes entre os dois grupos. O com CA<88 cm, tem-se maior percentual de adequação calórica, maior ingestão de carboidratos e menor ingestão de proteínas quando comparado ao com CA>88 cm.
A população deste estudo é caracterizada por encontrar-se próxima aos 10 anos de pós-menopausa, ser composta por mulheres com sobrepeso (IMC acima de 25 kg/m2) e com obesidade central (CA>88 cm). Tais características são compatíveis com os resultados da maioria dos estudos brasileiros de base populacional nesta fase da vida da mulher. Em pesquisa realizada por Lins e Sichieri13, 40% das mulheres entre 20 e 59 anos residentes no Rio de Janeiro mostraram-se com sobrepeso ou obesidade, havendo prevalência maior para as que se encontram na pós-menopausa. Estudo de Gravena et al.14 com 456 mulheres na pós-menopausa mostrou prevalência de sobrepeso de 72,6% e obesidade central de 63,6%.
Mulheres na pós-menopausa tendem a acumular mais gordura no abdome23. O aumento de tecido adiposo na região abdominal é considerado fator de risco para doenças cardiovasculares, diabetes, dislipidemias e síndrome metabólica24. Estudos têm sido consistentes em apontar a CA como a melhor medida antropométrica correlacionada à quantidade de tecido adiposo visceral, representando risco diferenciado quando comparada com outras formas de distribuição de gordura corporal25. Entretanto, avaliação do estado nutricional por meio de indicadores antropométricos muitas vezes apresenta distorções quando comparada com a análise da gordura corporal, principalmente em pessoas com mais idade e de diferentes sexos5 , 6 , 26.
Considera-se adequado o consumo alimentar entre 80 e 120% da necessidade energética total, calculada de acordo com peso, altura, idade, estado nutricional e AF11. A média de ingestão calórica neste estudo foi 1.406,3 kcal e 20,5 kcal/kg/dia, com percentual de adequação de 79,1%, valor este abaixo do recomendado. Consumo semelhante foi verificado em uma coorte nos Estados Unidos com mais de 161 mil mulheres na pós-menopausa entre 50 e 79 anos com média de 1.600 kcal23. O baixo consumo encontrado na população estudada também pode se relacionar à subnotificação da ingestão alimentar, especialmente em indivíduos com excesso de peso27. A ingestão alimentar foi inadequada nas duas faixas etárias analisadas e, em relação ao tempo de menopausa, apenas no grupo de mulheres com mais de 10 anos mostrou-se apropriada (82,3%), porém não houve diferença na comparação com os demais.
A análise da amostra de acordo com o IMC e a CA rendeu resultados interessantes. O consumo de caloria e o percentual de adequação calórica foram significativamente superiores no grupo eutróficas quando comparados com os demais grupos, o mesmo ocorrendo com as mulheres sem obesidade central em relação as com CA aumentada. Existe relação inversa e paradoxal entre consumo e obesidade. Uma das explicações relaciona-se à redução da taxa metabólica basal (TMB). Esta, quando não acompanhada pela diminuição do consumo alimentar ou aumento do dispêndio energético com as atividades diárias ou exercícios, promove desequilíbrio entre consumo e gasto e resulta em quadro de sobrepeso ou obesidade. TMB é o mínimo que um indivíduo necessita para manter as funções vitais do organismo em estado de repouso pós-absortivo, em situação de termoneutralidade25. Em comparação à idade fértil, mulheres na pós-menopausa apresentam redução de aproximadamente 100 kcal/dia28. Uma metanálise mostrou que a TMB parece ser proporcional ao tecido metabolicamente ativo, ocorrendo aumento de 50 kcal/dia para cada quilograma de massa magra adquirida29.
Considerando os macronutrientes, este estudo mostra que o consumo médio de carboidratos, proteínas e lipídios mantiveram-se dentro da faixa de recomendação. Não houve diferença entre os grupos de idade ou tempo de pós-menopausa. Entretanto, vale ressaltar que a ingestão de fibras (13,6 g) foi inferior à recomendação dos 21 a 25 g diários, sugerindo alto consumo de carboidratos simples e refinados pela população incluída neste estudo. De acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar 2008-2009 realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a inadequação para o consumo de fibras dentre as mulheres é de 75% entre 19 e 69 anos e de 61% acima dos 60 anos30.
O consumo médio de proteínas na população estudada foi de 18% e está dentro da recomendação de 10 a 35%31. Estudos observacionais mostraram mesma adequação de proteína em mulheres na pós-menopausa20 , 21. Quanto aos lipídios, o consumo médio encontrou-se dentro da faixa de recomendação de 20 a 35%31 e não variou de acordo com a idade ou com o tempo de menopausa. Ressalta-se que mesmo a gordura sendo determinante primária de obesidade, a literatura demonstra que o percentual de energia proveniente das gorduras tem-se reduzido de forma expressiva nos últimos anos apesar do aumento da prevalência da obesidade32, sugerindo que a gordura seja somente um dos vários determinantes do desequilíbrio energético entre dispêndio e consumo28.
O consumo de Ferro foi adequado para a população em estudo, decorrente provavelmente do consumo proteico elevado na dieta, uma vez que as principais fontes de ferro dietético advêm de certos alimentos proteicos (carnes em geral).
Outros estudos mostram que é comum o consumo excessivo de Ferro em mulheres na menopausa33. Para os demais micronutrientes foi notado consumo baixo de zinco (6,44 mg) em relação à recomendação de 8 mg diários, mas adequado para Vitamina A e Vitamina C. O consumo médio de Cálcio foi 469 mg/dia, inferior ao recomendado (1.200 mg/dia) na pós-menopausa.
Ao se estratificar o grupo estudado em relação ao IMC, a ingestão calórica de mulheres na faixa de normalidade foi maior do que nas com sobrepeso e obesidade. Para carboidratos, lipídios e proteínas, expressos em percentuais, não houve diferença significativa.
Especificamente sobre o consumo de proteínas, encontrou-se relação inversa e significante ao estado nutricional: mulheres eutróficas consumiram mais proteína que as com sobrepeso ou obesidade. Hebert et al.34avaliaram mais de 160.000 mulheres americanas entre 50 e 79 anos por meio de questionário de frequência dietética e registraram resultado semelhante. Já Gordon et al.35 submeteram por 20 semanas, 24 mulheres obesas e na pós-menopausa a dietas hipocalóricas, divididas em grupos com dieta hiper ou hipoproteica. Demonstraram que não houve diferença entre eles em relação à perda de peso, porém o grupo com consumo maior de proteína perdeu menos massa magra35.
A avaliação do consumo alimentar e do impacto dos componentes da dieta é de fundamental importância para o planejamento de intervenções em promoção de saúde. A investigação da relação entre adequação/inadequação de nutrientes torna-se ferramenta essencial para o controle de comorbidades em mulheres na pós-menopausa. Entretanto, é importante ressaltar que a ampla faixa de idade das mulheres incluídas no estudo tende a ser uma fonte de dispersão dos resultados, aumentando a heterogeneidade da amostra e podendo comprometer a análise efetuada devido ao número de sujeitos em cada grupo (<60 e ≥60 anos).
Concluímos com este estudo que mulheres na pós-menopausa eutróficas e sem obesidade central apresentam consumo alimentar de maior valor calórico e com melhor adequação de calorias. A ingestão de proteína mostrou ter relação inversa ao IMC e à CA. Ressalta-se, então, a necessidade de ajustes nutricionais e avaliações constantes no período do climatério a fim de minimizar os riscos de agravos à saúde da mulher presentes nesta fase.
Agradecimentos
Agradecemos ao Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher de São Bernardo do Campo, no estado de São Paulo.