DOI: S0100-72032015000400152 - volume 37 - Abril 2015
Jeffrey Frederico Lui, Luiz Francisco Cintra Baccaro, Tatiane Fernandes, Délio Marques Conde, Lúcia Costa-Paiva, Aarão Mendes Pinto
A menopausa é a interrupção permanente da menstruação. Pode ocorrer naturalmente ou de forma artificial, após procedimentos clínicos ou cirúrgicos que levem à parada da produção hormonal ovariana. Apesar de existir influência do eixo hipotálamo hipofisário, a menopausa natural é basicamente um evento ovariano, secundária à atresia fisiológica dos folículos primordiais, ocorrendo geralmente entre 40 e 55 anos1. Dados recentes têm relacionado idade de ocorrência da menopausa e taxas de mortalidade2. Mulheres com menor idade à menopausa apresentam maior taxa de mortalidade por causas gerais e por algumas causas específicas como doenças cardiovasculares3. Aquelas com menopausa em idade mais tardia apresentam maior taxa de mortalidade por neoplasias malignas ginecológicas hormônio-dependentes2. Além da influência direta da epidemiologia da menopausa sobre as taxas de mortalidade, o período climatérico costuma se apresentar com uma variedade de sintomas que afetam a qualidade de vida1 , 4. Dentre eles, destacam-se os vasomotores, como fogachos e sudorese, a atrofia genital e os transtornos psicológicos. Estes sintomas podem provocar prejuízo pessoal e implicação social de grande importância5 - 7.
Atualmente, existem poucos estudos de base populacional, nacionais ou latino-americanos, sobre a epidemiologia do climatério e da menopausa. A maioria dos dados disponíveis origina-se de países desenvolvidos da América do Norte e Europa. No Brasil, foi realizado um inquérito de base populacional com mulheres climatéricas na cidade de Campinas (SP) há mais de 15 anos8 - 10. A escassez de trabalhos populacionais recentes demanda uma melhor avaliação das mulheres brasileiras. Com o objetivo de conhecer a média de idade da menopausa e os fatores associados à maior intensidade de sintomas climatéricos foi realizado estudo de base populacional na região metropolitana da cidade de Campinas, na região sudeste do Brasil.
Foi conduzido um estudo descritivo exploratório, do tipo "corte transversal" entre setembro de 2012 e junho de 2013 com o objetivo de conhecer a média de idade da menopausa e os fatores associados à maior intensidade de sintomas climatéricos. Foram incluídas no estudo mulheres brasileiras natas com idade entre 45 e 60 anos, residentes na Região Metropolitana de Campinas. A incapacidade em responder a entrevista devido a qualquer motivo, como doenças e incompatibilidade de horários, foram considerados critérios de exclusão.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, a população da Região Metropolitana de Campinas era de 2.798.477 pessoas, sendo 1.423.748 mulheres. Destas, 257.434 na faixa etária entre 45 e 60 anos11. Para o cálculo do tamanho amostral considerou-se uma prevalência de mulheres com sintomatologia geral do climatério na cidade de Campinas (sintoma referência: fogacho) de 70%10. Considerou-se uma diferença máxima desejada entre a proporção amostral e população de 3,5%, um erro tipo I (alfa) de 5% e uma taxa de recusa de 20%. Assim, estabeleceu-se um tamanho amostral de 820 mulheres a serem convidadas a participar do estudo12. A Região Metropolitana de Campinas (RMC) é composta por 19 municípios. Através de lista fornecida pelo IBGE, contendo os setores censitários numerados e claramente definidos, foram sorteados 92 setores, utilizando-se amostragem aleatória simples, equiprobabilística. Para o sorteio, foram excluídos os setores rurais, semirrurais e industriais. Foram listados os setores censitários urbanos contendo no mínimo 10 mulheres com idade entre 45 e 60 anos. Os setores em que não havia um mínimo de 10 mulheres nessa faixa etária foram agrupados com os setores vizinhos, de numeração posterior. Após o sorteio dos 92 setores, foi realizada seleção aleatória de duas quadras por setor e verificado o número de mulheres com idade entre 45 e 60 anos. Dessas, foram sorteadas 10 mulheres que foram entrevistadas. Auxiliares de pesquisa treinadas, guiadas por mapas e portando fichas de itinerário dirigiram-se até as residências e realizaram o convite para que as mulheres participassem do estudo. A entrevista pôde ser realizada no mesmo momento ou por telefone. Um total de 820 mulheres foram convidadas a participar do estudo, sendo que 71 recusaram-se. Com isso, a amostra final foi constituída por 749 mulheres. Todas assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido previamente à realização da entrevista. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas do Departamento de Tocoginecologia, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), protocolo número 030/2011.
A variável dependente foi a intensidade dos sintomas da menopausa, dicotomizada em leve e intensa de acordo com a mediana do escore total do Menopause Rating Scale (MRS). O MRS é um questionário para avaliação dos sintomas da menopausa que já foi formalmente validado e traduzido para a Língua Portuguesa13, consistindo de onze questões abrangendo três domínios de sintomas: psicológico, somático e urogenital. Para cada questão, as mulheres podem escolher entre cinco possibilidades de resposta, graduadas de forma crescente quanto à intensidade dos sintomas. O escore total pode variar de zero (ausência de sintomas) a 44 (sintomatologia máxima). Este instrumento foi pré-testado pessoalmente ou por telefone em pacientes voluntárias do Ambulatório de Menopausa do Hospital da Mulher da Unicamp.
O questionário utilizado como instrumento para coleta dos dados foi estruturado em quatro seções: avaliação sociodemográfica, hábitos, problemas e autopercepção de saúde. Foi elaborado com base em um questionário brasileiro pré-existente (Critérios de Classificação Econômica do Brasil)14. As variáveis independentes foram as características sociodemográficas: idade (anos); escolaridade (anos que frequentou instituições de ensino); estado marital (com ou sem companheiro/a); cor da pele (branca/não branca); realizar trabalho remunerado (sim/não); renda familiar mensal (em reais); outras fontes de rendas (sim/não); e estrato socioeconômico (A/B, C, D/E). Quanto aos hábitos e problemas de saúde consideramos: tabagismo (fumante atual, ex-fumante e não fumante); consumo de álcool (uma ou mais doses por semana, menos de uma dose por semana); prática de exercícios físicos ≥2 vezes por semana (sim/não). Para os problemas e percepção de saúde: estatura (metros); peso (quilogramas); índice de massa corporal (<20; 20-24,9; 25-29,9; >30); circunferência abdominal (centímetros); hipertensão arterial sistêmica (sim/não); diabetes mellitus (sim/não); dislipidemia (sim/não); infarto do miocárdio (sim/não); acidente vascular cerebral (sim/não); trombose venosa profunda ou embolia pulmonar (sim/não); osteoporose ou osteopenia (sim/não); problemas osteoarticulares (sim/não); asma ou bronquite (sim/não); tuberculose (sim/não); depressão, ansiedade ou outros transtornos psiquiátricos (sim/não); câncer (sim/não). Nos antecedentes gineco-obstétricos analisamos: número de gestações (0, 1, 2, ≥3); número de partos normais (0, 1, 2, ≥3); número de cesáreas (0, 1, 2, ≥3); número de abortos (0, 1, ≥2); número de filhos vivos (0, 1, 2, ≥3); número de parceiros sexuais durante toda a vida (até 1, ≥2); histerectomia prévia (sim/não); ooforectomia bilateral (sim/não); perineoplastia (sim/não); estado menopausal (pré-menopausa se ciclos menstruais regulares; perimenopausa se ciclos menstruais irregulares ou amenorreia há menos de um ano; pós-menopausa se amenorreia há mais de um ano); e a autopercepção de saúde (ruim/péssima, regular, boa/excelente). A análise dos dados foi feita a partir da distribuição de frequências das características das mulheres estudadas. Em seguida, realizou-se análise bivariada para testar a associação entre a variável dependente (sintomas do climatério) e as variáveis independentes através do teste do χ2. Por fim, foi construído um modelo múltiplo de regressão de Poisson, para avaliar quais variáveis estavam independentemente associadas ao escore mais elevado do MRS. Para a regressão de Poisson, as razões de prevalência (RP) e respectivos IC95% foram calculados para as variáveis significativas através do critério de seleção de variáveis backward. O nível de significância estatística foi estabelecido em 5% e o plano de amostragem por conglomerados (setores censitários) foi considerado nas análises bivariada e múltipla. Os softwares Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20 e Stata versão 7 foram utilizados como ferramentas para a análise estatística.
A avaliação foi realizada com 749 mulheres que responderam à entrevista. A média etária foi de 52,5 (±4,4) anos. Com relação ao estado menopausal, 16% encontravam-se na pré-menopausa, 16% na perimenopausa e 68% na pós-menopausa. A média etária de ocorrência da menopausa foi de 46,5 (±5,8) anos. As principais características clínicas e sociodemográficas (Tabela 1).
Tabela 1 -
Características clínicas e sociodemográficas (n=749)
Característica | Total | % |
---|---|---|
Idade (anos) | ||
45–49 | 228 | 30,4 |
50–54 | 242 | 32,3 |
55–60 | 279 | 37,2 |
Escolaridade (anos) | ||
1–4 | 250 | 33,4 |
5–8 | 194 | 25,9 |
9–11 | 218 | 29,1 |
≥12 | 86 | 11,5 |
Realiza trabalho remunerado | ||
Sim | 387 | 51,7 |
Renda familiar mensal | ||
<R$ 2.500,00 | 304 | 47,3 |
Estado marital | ||
Com companheiro | 552 | 73,7 |
Cor da pele | ||
Branca | 514 | 68,6 |
Não branca | 235 | 31,4 |
Tabagismo | ||
Tabagista | 125 | 16,7 |
Ex-Tabagista | 203 | 27,1 |
Não tabagista | 421 | 56,2 |
Consumo de álcool (1 ou mais dias/semana) | ||
Sim | 93 | 12,4 |
Atividade física (2 ou mais vezes/semana) | ||
Sim | 252 | 33,6 |
IMC | ||
<25 | 235 | 33,8 |
≥25 | 461 | 66,2 |
A variável dependente foi a intensidade dos sintomas do climatério. A média do escore total do MRS foi 9,8 (±7,9) e a mediana foi oito. Quanto às características sociodemográficas, a análise bivariada mostrou associação entre sintomas da menopausa e cor da pele não branca (p<0,01), sedentarismo (p<0,01), estar na pós menopausa (p<0,01), maior número de gravidezes (p=0,01), maior número de partos normais (p=0,04), maior número de abortos (p=0,01), maior número de parceiros sexuais durante a vida (p=0,01), idade na menopausa ≤48 anos (p<0,01) e tempo desde a menopausa >6 anos (p=0,03) (Tabela 2). Quanto aos problemas de saúde, apresentar dislipidemia (p<0,01), osteoporose (p<0,01), problemas osteoarticulares (p<0,01), asma/bronquite (p=0,01), depressão/ansiedade (p<0,01), autopercepção do estado de saúde ruim ou péssimo (p<0,01), ter antecedente de histerectomia (p<0,01), ooforectomia bilateral (p<0,01) e perineoplastia (p<0,01) se associaram a maior intensidade de sintomas da menopausa na análise bivariada (Tabela 2).
Tabela 2 -
Sintomas menopausais de acordo com características da população (apenas valores significativos - valores em porcentagens)
Característica | Valor do MRS | Valor p* | |
---|---|---|---|
≤8 | >8 | ||
Cor da pele | |||
Não branca | 46,8 | 53,2 | <0,01 |
Atividade física (2 ou mais vezes/semana) | |||
Não | 51,3 | 48,7 | <0,01 |
Dislipidemia | |||
Sim | 43,6 | 56,4 | <0,01 |
Osteoporose | |||
Sim | 36,4 | 63,6 | <0,01 |
Problemas osteoarticulares | |||
Sim | 34,2 | 65,8 | <0,01 |
Asma ou bronquite | |||
Sim | 41,0 | 59,0 | 0,01 |
Depressão ou Ansiedade | |||
Sim | 34,2 | 65,8 | <0,01 |
Autopercepção do estado de saúde | |||
Ruim ou Péssima | 9,1 | 90,9 | <0,01 |
Estado menopausal | |||
Pós-menopausa | 52,0 | 48,0 | <0,01 |
Número total de gestações | |||
≥3 | 49,0 | 50,5 | 0,02 |
Número de partos normais | |||
≥3 | 48,1 | 51,9 | 0,04 |
Número de abortos | |||
1 | 44,8 | 55,1 | 0,01 |
Número de parceiros durante toda a vida | |||
≥2 | 49,3 | 50,7 | 0,01 |
Histerectomia prévia | |||
Sim | 40,0 | 60,0 | <0,01 |
Ooforectomia bilateral prévia | |||
Sim | 31,4 | 68,6 | <0,01 |
Perineoplastia prévia | |||
Sim | 40,7 | 59,3 | <0,01 |
Idade na menopausa** | |||
≤48 anos | 44,2 | 55,8 | <0,01 |
Tempo de menopausa*** | |||
>6 anos | 47,9 | 52,1 | 0,04 |
*Teste do ?2. considerando os setores censitários como unidades primárias de amostragem; **Apenas população na pós-menopausa; ***Apenas população na pós-menopausa e com tempo de menopausa acima de um ano; MRS: Menopause Rating Scale
A análise pela regressão múltipla de Poisson evidenciou associação entre intensidade dos sintomas climatéricos e apresentar depressão/ansiedade (RP=1,8; IC95% 1,5-2,2; p<0,01), doenças osteoarticulares (RP=1,5; IC95% 1,2-1,7; p<0,01), autopercepção do estado geral de saúde regular, ruim ou péssimo (RP=1,4; IC95% 1,2-1,7; p<0,01), antecedente de algum aborto (RP=1,3; IC95% 1,1-1,5; p<0,01), tratamento para menopausa atual ou prévio (RP=1,2; IC95% 1,1-1,4; p<0,01), estar na perimenopausa ou pós-menopausa (RP=1,4; IC95% 1,1-1,8; p=0,01), número de partos normais >1 (RP=1,2; IC95% 1,02-1,4; p=0,02) e asma (RP=1,2; IC95% 1,01-1,4; p=0,03). Apresentar maior idade (RP=0,96; IC95% 0,96-0,97; p<0,01) foram associados à intensidade de sintomas da menopausa (Tabela 3).
Tabela 3 -
Variáveis associadas aos valores totais de Menopause Rating Scale>8 (Análise múltipla por regressão de Poisson)
Variável* | RP | IC95% p/ RP | Valor p |
---|---|---|---|
Idade (anos) | 0,96 | 0,96–0,97 | <0,01 |
Depressão ou ansiedade (Sim) | 1,84 | 1,51–2,24 | <0,01 |
Problemas ósteo-articulares (Sim) | 1,47 | 1,24–1,75 | <0,01 |
Estado geral da saúde (Regular, ruim, péssima) | 1,45 | 1,21–1,73 | <0,01 |
Número de abortos (≥1) | 1,27 | 1,10–1,47 | <0,01 |
Estado menopausal (Peri ou pós-menopausa) | 1,44 | 1,13–1,83 | <0,01 |
Asma ou bronquite (Sim) | 1,21 | 1,02–1,45 | 0,03 |
Número de partos normais (>1) | 1,18 | 1,01–1,37 | 0,04 |
*Análise considerando os setores censitários como unidades primárias de amostragem IC95%: índice de confiança de 95%; RP: razões de prevalência.
O objetivo deste estudo foi o de conhecer a média de idade de ocorrência da menopausa e os fatores associados à maior intensidade dos sintomas climatéricos em mulheres com idade entre 45 e 60 anos residentes na região metropolitana de Campinas. A média etária de ocorrência do último sangramento menstrual foi 46,5±5,8 anos. Este valor é baixo quando comparado aos relatados por estudos conduzidos em populações semelhantes. Em 2003, estudo com população residente na mesma região do país encontrou média de idade à menopausa de 51,2 anos10. Em 2006, um grande estudo com mulheres latino-americanas saudáveis encontrou mediana de idade à menopausa de 48,6 anos15 e em 2008, estudo conduzido na região nordeste do Brasil obteve uma média de idade à menopausa de 48 anos16. Quando a menopausa ocorre em uma idade inferior às médias relatadas, pode ser um sinal de envelhecimento prematuro17 e está associada a uma maior taxa de mortalidade de causa geral2 , 3 , 18. Estudo recente mostrou que mulheres com idade à menopausa inferior a 46,6 anos apresentam risco 16% maior de morte por qualquer causa2. Além disso, a mortalidade específica por causas coronarianas, respiratórias, geniturinárias e externas também pode ser maior nessas mulheres3. Uma possível explicação para maior mortalidade seria a deterioração precoce de células vasculares endoteliais, células de músculo liso e do miocárdio que apresentam receptores sensíveis à ação do estrogênio3 , 19.
O escore total médio do MRS foi 9,8 (±7,9). Os valores dos escores médios do questionário MRS podem ser muito discrepantes, variando de acordo com o país ou a cultura da população estudada. Algumas populações apresentam baixa intensidade de sintomas menopausais. Em 2007, estudo realizado no Equador relatou escore total médio do MRS de 6,4 (±3,6)20 e na Nigéria, em 2009, o valor total médio foi de 6,4 (±5,8)21. Outras populações, porém, apresentam escores do MRS bem mais elevados. Em 2008, estudo com mulheres chilenas encontrou valor total médio do MRS de 16,2±8,522. Recentemente, um estudo com mulheres turcas entre 40 e 65 anos, identificou média do escore total do MRS de 20,1 (±9,2)23. No Brasil, mulheres entre 35 e 65 anos residentes na região oriental amazônica apresentaram valor total médio do MRS de 15,6 (±8,8)24. No presente estudo, o escore total médio do MRS se assemelha ao encontrado em um grande estudo multicêntrico latino-americano que identificou valores médios de 11,3 (±8,5 pontos)25. Possivelmente, a média etária relativamente alta das mulheres e o fato de uma grande parcela delas encontrarem-se na pós-menopausa (68%) contribuiu para o escore baixo. Além disso, fatores socioeconômicos e educacionais, como menor renda familiar e menor escolaridade, podem ter influenciado a percepção dos sintomas menopausais e as queixas das mulheres climatéricas26.
A relação entre o estado menopausal e os sintomas climatéricos vem sendo investigada nos últimos anos. Em 2005, um grande estudo de coorte norte-americano27 identificou uma pequena incidência de fogachos na pré-menopausa, com aumento gradual dos sintomas vasomotores durante a perimenopausa precoce e um pico de incidência na perimenopausa tardia. Após a menopausa, a tendência é de que os fogachos tenham sua intensidade diminuída27. No presente estudo, a associação encontrada entre estado menopausal e intensidade dos sintomas climatéricos foi semelhante. Observou-se uma maior intensidade de sintomas nas mulheres na peri e pós-menopausa, porém sintomas menos intensos ocorreram em mulheres mais velhas. Em 2011, Blumel et al.28investigaram a prevalência, a duração e o impacto dos sintomas menopausais na qualidade de vida de mulheres latino-americanas. Foi identificado um pico de sintomas vasomotores em mulheres na pós-menopausa precoce, com uma queda na prevalência durante a pós-menopausa tardia. Entretanto, mais da metade das mulheres ainda apresentavam sintomas vasomotores após 10 a 15 anos do último fluxo menstrual. Foi relatada também uma maior taxa de sintomas vasomotores em mulheres usuárias de terapia hormonal, quando o esperado seria uma relação inversa devido aos efeitos do estrogênio sobre os fogachos28. No presente estudo, também foi encontrada uma maior intensidade de sintomas vasomotores em mulheres usuárias de TH atualmente ou no passado. Possivelmente, ou a terapia hormonal utilizada não vem sendo eficaz, seja por dosagem inadequada seja por baixa adesão ao tratamento, ou as mulheres usuárias de TH experimentam sintomas menopausais de uma forma mais severa do que as não usuárias, independente do uso ou não de algum tipo de terapia.
A associação entre maior número de gestações e intensidade de sintomas climatéricos já foi relatada previamente. Mulheres chilenas com três filhos ou mais22 e nigerianas com maior número de gestações21 apresentaram maior intensidade de sintomas. Recentemente, estudo com mulheres equatorianas de meia-idade também relacionou maior número de gestações com maior intensidade de sintomas da menopausa29. Possivelmente, mulheres de maior paridade ainda são responsáveis pelo cuidado com crianças. Durante a transição menopausal, este tipo de responsabilidade pode ter uma influência negativa, levando a uma pior percepção dos sintomas30. No presente estudo, os sintomas também foram mais intensos em mulheres portadoras de doenças crônicas, como asma e doenças osteoarticulares, de maneira semelhante à encontrada em outras populações31 , 32. Acredita-se que devido ao maior acesso a serviços de saúde, as mulheres com doenças crônicas têm mais informação a respeito da menopausa e maior facilidade na identificação dos seus sintomas, o que pode justificar sua maior intensidade.
A transição menopausal, especialmente a perimenopausa precoce, é um período da vida que torna as mulheres mais propensas à irritabilidade, nervosismo e frequentes alterações no humor33. A presença de sintomas vasomotores, além de fatores, como encarar o envelhecimento, mudanças na composição corporal e a síndrome do ninho vazio, podem interferir negativamente34. Durante a perimenopausa e pós-menopausa precoce, as mulheres têm um risco de 2 a 4 vezes maior de apresentar um episódio depressivo superior35. No presente estudo, observou-se associação entre maior intensidade de sintomas climatéricos e apresentar depressão/ansiedade, e também associação com autopercepção de estado de saúde ruim ou péssima. Essa relação pode ser causada tanto pelo efeito prejudicial de um pior estado psicológico sobre os sintomas da menopausa quanto pelo efeito negativo que os sintomas climatéricos trazem ao humor e à autopercepção de saúde individual.
No Brasil, há uma carência de dados epidemiológicos sobre menopausa e sintomas climatéricos. Acredita-se que a iniciativa de um estudo de base populacional sobre este tema é de grande importância para uma melhor compreensão de como as mulheres enfrentam essa fase da vida e quais são os fatores que se associam a uma pior percepção dos sintomas. Entretanto, este estudo apresenta limitações que não podem ser ignoradas. Como todo estudo de corte-transversal, não pode estabelecer relações de causa e efeito. Além disso, não há um ponto de corte pré-estabelecido no escore do MRS para classificação da intensidade dos sintomas menopausais. No presente estudo, como em muitos outros, essa classificação foi realizada através da mediana do escore total. As variáveis foram baseadas no autorrelato das pacientes e incertezas diagnósticas podem ter ocorrido, porém, como se trata de um estudo de base populacional, acredita-se que isto não invalida a importância dos resultados obtidos.
A idade de ocorrência da menopausa no presente estudo foi menor do que a relatada por estudos prévios. Este é um fato relevante em decorrência dos efeitos deletérios que uma privação estrogênica precoce pode causar. Novos estudos serão necessários para comprovar se há mesmo uma tendência de diminuição da idade de ocorrência do último sangramento menstrual nesta população. A intensidade dos sintomas climatéricos esteve relacionada a um amplo conjunto de fatores, destacando-se a presença de doenças crônicas, ter tido um maior número de gestações, uso de terapia hormonal e ter autopercepção de pior estado de saúde. Uma melhor compreensão desses fatores pode auxiliar na tentativa de reduzir o impacto dos sintomas na qualidade de vida, além de definir grupos de mulheres que necessitam maior atenção à saúde de forma multidisciplinar.
Este trabalho foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 2011/14526-9