DOI: 10.1590/So100-720320140005051 - volume 36 - Dezembro 2014
Tânia Lunardi-Maia, Fabiana Schuelter-Trevisol, Dayani Galato
O uso de medicamentos na gestação sempre representa um desafio, pois pode implicar em dano tanto para a gestante quanto para o feto, e esse risco é potencialmente aumentado no primeiro trimestre gestacional1.
A deficiência de ferro na gravidez ocorre principalmente pela ingestão insuficiente na dieta devido à maior necessidade desse nutriente nesse período. Como resultado clínico ocorre a anemia, com frequência de 30% entre as gestantes2. Apesar da alta incidência da anemia ferropriva gestacional, existem poucos estudos que avaliam os efeitos da administração de sulfato ferroso, mas o seu uso melhora os índices hematológicos3.
Em 2002, o Ministério da Saúde criou o Programa Nacional de Suplementação de Ferro e desenvolveu o Manual Técnico de Atenção ao Pré-natal de Baixo Risco2, que orienta a administração preventiva de ácido fólico desde o período pré-gestacional e o uso de sulfato ferroso desde o início da gravidez. Durante a primeira consulta pré-natal deve ocorrer a prescrição desses medicamentos pelos profissionais da atenção básica, com objetivo de prevenir as anormalidades congênitas do tubo neural e a anemia durante a gravidez. A dose diária recomendada de ácido fólico é de 5 mg durante 60 a 90 dias e a suplementação de sulfato ferroso é feita com 40 mg diários após o diagnóstico da gravidez2.
Além do uso dos medicamentos orientados pelos protocolos citados anteriormente, outros medicamentos também são comumente utilizados durante a gravidez, em especial para o manejo dos sintomas comuns durante a gestação4. A utilização de medicamentos durante gravidez se integra a alguns problemas de saúde maternos, dentre os quais se destaca o diabetes mellitus, diabetes gestacional, hipertensão arterial sistêmica, cardiopatias, asma, toxoplasmose, sífilis, hipertireoidismo, alterações nos sistemas renal, hepático e ginecológico e ansiedade5–11.
As taxas de exposição a medicamentos de risco durante a gravidez variam de acordo com o período gestacional analisado e a forma de coleta de dados adotada nas pesquisas, sendo estimada entre 28 e 96,9%6,12. Para avaliação dos riscos do uso de medicamentos na gestação foram estabelecidos critérios, a partir de 1979, pela agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA)13. Essa classificação tem sido amplamente utilizada em todo o mundo. Segundo ela, cada fármaco é listado dentre cinco categorias com base na ausência ou presença de dados sobre a segurança de seu uso durante a gestação, conforme o tipo de estudo e os resultados obtidos13.
Apesar das exigências preconizadas antes do lançamento de qualquer medicamento no mercado farmacêutico restringindo o estudo em gestantes, eles são consumidos por esse estrato da população, podendo causar problemas de insegurança à gestante ou seu feto. No Brasil, essas informações devem estar descritas na bula dos medicamentos e registradas na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)14, a qual também categoriza os medicamentos pela indicação de uso nesse período.
Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi avaliar a segurança dos medicamentos no primeiro trimestre de gravidez com ênfase na avaliação da segurança dos medicamentos e na adoção de ácido fólico e sulfato ferroso por gestantes atendidas nas Unidades Básicas de Saúde do Município de Braço do Norte, Santa Catarina.
Trata-se de um estudo transversal aninhado a uma coorte de gestantes. A pesquisa foi realizada nas estratégias de saúde da família do Município de Braço do Norte, Sul de Santa Catarina. Constituíram a população desta pesquisa todas as gestantes acompanhadas nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) do Sistema Único de Saúde (SUS), que iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre de gestação (até a 14asemana, definidas pela data da última menstruação, referida pela própria gestante). O estudo foi desenvolvido entre abril de 2012 e junho de 2013.
Para o cálculo de amostra adotou-se o número de gestantes atendidas pelo serviço no ano de 2011, nesse caso, 191 gestantes. Considerando uma exposição de 50% a medicamentos de risco, um erro amostral de 5% e um nível de confiança de 95%, a amostra mínima calculada para o estudo foi de 191 gestantes, sendo acrescentados 10% à amostra para eventuais perdas. Todas as gestantes que aceitaram participar da pesquisa foram arroladas consecutivamente no estudo até que se completasse a amostra.
Foi adotada a classificação de risco do FDA13para a análise dos medicamentos contraindicados na gravidez, sendo considerados D os medicamentos com evidências positivas de risco fetal humano, porém os benefícios potenciais para a mulher grávida podem, eventualmente, justificar seu risco; e X os medicamentos contraindicados na gravidez, pois estudos em animais e em mulheres grávidas demonstraram clara evidência de risco fetal. O risco para o feto supera qualquer benefício possível para a gestante, o que contraindica o uso13. Os medicamentos também foram classificados segundo a exposição em usar, não usar (considerado contraindicado), usar com cautela e não classificado, segundo a ANVISA14.
Para descrever o uso de medicamentos durante a gravidez utilizou-se a classificação anatômica terapêutica e química do inglês Anatomical Therapeutic Chemical (ATC), recomendado pela Organização Mundial da Saúde15.
A adequabilidade do uso de medicamentos durante a gestação foi definida da seguinte foram: Grupo adequado: gestantes expostas ao uso dos medicamentos do protocolo do Ministério da Saúde2 e que não foram expostas a nenhum medicamento contraindicado pela ANVISA ou pelo FDA (D e X); Grupo inadequado: gestantes que não utilizaram ácido fólico e sulfato ferroso ou que usaram pelo menos um medicamento contraindicado pelo FDA ou ANVISA.
Os dados foram coletados por enfermeiros capacitados pela equipe de pesquisa. Seguiu-se um roteiro estruturado durante as entrevistas individuais e análise documental do cartão da gestante e do prontuário do paciente. Foram coletadas informações sobre variáveis socioeconômicas e clínicas, incluindo aspectos que envolveram a saúde da mulher nas gestações anteriores, quando era o caso, e dados da gestação atual, como vacinas e uso de medicamentos no período. Após a coleta, as informações foram inseridos no programa EpiData, versão 3.1 (EpiData Association, Odense, Denmark). A análise estatística foi realizada empregando-se os programas EpiInfo, versão 6.0 (Centers for Disease Control), e Statistical Product and Service Solutions (SPSS for Windows versão 19; Chicago, IL, USA).
As variáveis quantitativas foram apresentadas em medida de tendência central e dispersão, as variáveis qualitativas apresentadas em números absolutos e proporções. Para identificação dos fatores associados ao uso de medicamentos inadequados durante a gestação utilizou-se o teste do χ2 e o teste exato de Fisher, quando adequado. As variáveis qualitativas foram recategorizadas quando necessário, o mesmo ocorreu com as quantitativas, sendo essas categorizadas pela mediana ou com base em recomendações da literatura. Adotou-se o nível de significância de 5% (p<0,05).
O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina, e aprovado em 20 de janeiro de 2012 sob o código número 11.667.4.01 III.
Foram incluídas no estudo 212 gestantes com idade na primeira consulta entre 13 e 41 anos, sendo a média de idade 24,9 anos, com desvio padrão (DP) de 6,3 anos. Do total da amostra, 81,6% relatavam ter relação estável com o pai da criança. A média de escolaridade foi de 8,7 (DP=2,7) anos de estudo. A média da renda familiar mensal referida foi de R$ 1.457,89. Com relação ao histórico obstétrico, a idade gestacional durante a primeira consulta de pré-natal variou de 3 a 14 semanas (média=8,0 semanas; DP = 2,9). O número de gestações, incluindo a atual, variou de 1 a 8 gestações (média=2,0; DP=1,3) e 46,2% estavam na primeira gestação. Outras informações sobre as características sociodemográficas e clínicas da amostra encontram-se na Tabela 1. Na Tabela 2 é apresentado o perfil geral de uso de medicamentos e a classificação de segurança segundo o FDA e quanto à adequabilidade de uso segundo a ANVISA e na Tabela 3 é possível identificar os principais grupos anatômicos de medicamentos utilizados pelas gestantes no primeiro trimestre gestacional.
Tabela 1
Características sociodemográficas e clínicas das gestantes incluídas no estudo (n=212)
Variável | n (%) | IC95% | |
---|---|---|---|
Idade em anos * | |||
13–24 | 111 (52,4) | ||
>24 | 101 (47,6) | ||
Escolaridade em anos completos de estudo ** | |||
<5 | 16 (7,5) | 4,7–11,9 | |
≥5 | 196 (92,5) | 88,9–95,3 | |
Etnia | |||
Branca | 180 (84,9) | 79,5–89,1 | |
Não branca | 32 (15,1) | 10,9–25,8 | |
Ocupação | |||
Com renda | 146 (68,9) | 62,4–74,7 | |
Sem renda | 66 (31,1) | 25,3–37,6 | |
Renda familiar em reais | |||
≤1.244 | 107 (50,5) | 43,8–57,1 | |
>1.244 | 105 (49,5) | 42,9–56,2 | |
Planejamento da gestação | |||
Sim | 70 (33,0) | 27,0–39,6 | |
Não | 142 (67,0) | 60,4–73,0 | |
Idade gestacional na primeira consulta em semanas * | |||
3–8 | 116 (54,7) | 48,0–61,3 | |
>8 | 96 (45,3) | 38,7–52,0 | |
Número de abortos anteriores referidos * | |||
Nenhum | 182 (85,8) | 80,5–89,9 | |
≥1 | 30 (14,2) | 10,1–19,5 | |
Gestação atual de alto risco *** | |||
Sim | 25 (11,8) | 8,1–16,8 | |
Não | 187 (88,2) | 83,2–91,9 |
IC95%: intervalo de confiança de 95%;
*
variáveis categorizadas pela mediana;
**
valor definido pela recomendação e risco do Ministério da Saúde;
***
apresentar hipertensão arterial, diabetes, descolamento de placenta, placenta prévia, hepatite B, obesidade, toxoplasmose, colelitíase e papilomavírus humano.
Tabela 2
Distribuição do consumo de medicamentos antes do diagnóstico da gestação e após o início do pré-natal (n=212)
Distribuição do consumo de medicamentos | Primeiro trimestre | ||
---|---|---|---|
Antes do diagnóstico gestacional | Após o início do pré-natal | ||
n (%) | n (%) | ||
Número de gestantes em uso de medicamentos (n=212) | 99 (46,7) | 207 (97,6) | |
Número de medicamentos por gestante – média | 0,7 (1,0) | 4,2 (1,9) | |
Número de medicamentos prescritos | 52 (35,1) | 799 (90,8) | |
Número de medicamentos em uso por automedicação | 96 (64,9) | 82 (9,2) | |
Risco do uso de medicamentos na gravidez segundo o Food and Drug | |||
Administration | |||
A | 7 (4,7) | 330 (37,5) | |
B | 49 (33,1) | 208 (23,6) | |
C | 49 (33,1) | 296 (33,6) | |
D | 33 (22,3) | 33 (3,7) | |
X | 1 (0,7) | 1 (0,1) | |
Não classificados | 9 (6,1) | 13 (1,5) | |
Risco do uso de medicamentos na gravidez segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária | |||
Usar | 66 (44,6) | 718 (81,5) | |
Não usar | 54 (36,5) | 92 (10,4) | |
Cautela | 19 (12,8) | 53 (6,1) | |
Sem informação | 9 (6,1) | 18 (2,0) | |
Total de medicamentos avaliados | 148 (100,0) | 881 (100,0) |
Tabela 3
Distribuição do consumo de medicamentos no primeiro trimestre de gravidez de acordo com o primeiro nível da Anatomical Therapeutic Chemical, grupo anatômico
Medicamentos segundo grupo Anatomical Therapeutic Chemical | Primeiro trimestre | |
---|---|---|
Antes do diagnóstico | Após o início do pré-natal | |
n (%) | n (%) | |
A – Trato alimentar e metabolismo | 24 (16,2) | 149 (16,9) |
B – Sangue e órgãos hematopoiéticos | 7 (4,7) | 328 (37,2) |
C – Sistema cardiovascular | 6 (4,0) | 6 (0,7) |
D – Dermatológico | 2 (1,4) | 4 (0,4) |
G – Sistema geniturinário e hormônios sexuais | 24 (16,2) | 28 (3,2) |
H – Preparações para o sistema hormonal * | 1 (0,7) | 1 (0,1) |
J – Anti-infecciosos de uso sistêmico | 19 (12,8) | 240 (27,2) |
M – Sistema musculoesquelético | 11 (7,4) | 14 (1,6) |
N – Sistema nervoso | 47 (31,8) | 99 (11,2) |
P – Produtos antiparasitários, inseticidas e repelentes | 2 (1,4) | 2 (0,3) |
R – Sistema respiratório | 3 (2,0) | 8 (0,9) |
Não classificados | 2 (1,4) | 2 (0,3) |
Total de medicamentos utilizados | 148 (100,0) | 881 (100,0) |
*
excluindo hormônios sexuais e insulinas.
O consumo de medicamentos referido por gestantes antes do diagnóstico da gravidez variou de zero a cinco, sendo que após o diagnóstico variou de zero a nove. Os principais medicamentos referidos pelas gestantes em uso na época do diagnóstico da gravidez foram os anticoncepcionais orais, como levonorgestrel associado ao etinilestradiol (citados por 23 gestantes), o paracetamol (18) nas queixas de dor, principalmente as pélvicas ou lombares; e a butilescopolamina (9) para cólicas.
Por outro lado, após o início do pré-natal foi utilizado, em ordem de frequência, o sulfato ferroso e o ácido fólico, seguidos pelo uso do paracetamol, butilescopolamina, dimenidrinato mais cloridrato de piridoxina e metoclopramida. Esses últimos adotados para tratamento dos sintomas associados a náusea e vômitos. Dos medicamentos anti-infecciosos utilizados após o diagnóstico da gravidez, 61 se referiam à vacina contra a influenza, 112 à vacina antitetânica e 18 à vacina contra a hepatite B.
Quanto à composição da variável exposição aos medicamentos inadequados durante a gravidez, é importante destacar que no momento do diagnóstico da gravidez apenas 3 pacientes (1,4%) estavam em uso de sulfato ferroso e 4 (1,9%) em uso de ácido fólico. Relacionado à exposição aos medicamentos inadequados durante o primeiro trimestre de gravidez, segundo a ANVISA, 49,5% utilizaram medicamentos contraindicados, com intervalo de confiança de 95% (IC95%) 42,9–56,2; 15,1% (IC95% 10,9–20,5) usaram pelo menos um medicamento de risco D e X (FDA); 22,6% (IC95% 17,5–28,7) não consumiram ácido fólico e 25,0% (IC95% 19,7–31,2) não utilizaram o sulfato ferroso; a ausência da adoção do protocolo de uso do Ministério da Saúde ocorreu em 32,5% das gestantes estudadas (IC95% 26,6–39,1). O percentual de uso de medicamentos inadequados foi de 67,9% (IC95% 61,4–73,8).
Nenhuma variável materna (idade, escolaridade, ocupação, estado conjugal, história familiar de doença crônica, antecedentes pessoais) e da gestação (estar em gestação de risco, ter histórico de aborto ou planejamento da gestação atual) esteve associada à variável "uso adequado de medicamentos" ou com as variáveis que a compõe (usar medicamento de risco segundo o FDA, medicamentos contraindicados segundo a ANVISA, ou não adotar o protocolo de uso do acido fólico e do sulfato ferroso do Ministério da Saúde durante a gestação).
O primeiro trimestre de gestação é um período crítico para a exposição aos medicamentos16–18 devido à formação de basicamente todas as estruturas anatômicas e fisiológicas do feto, o que pode provocar malformações e aborto19. Apesar disso, o uso de medicamentos é frequente20–22, inclusive de medicamentos de risco segundo o FDA ou contraindicados segundo a ANVISA. Boa parte desses medicamentos de risco foi representada por hormônios sexuais. Dessa forma, possivelmente a maior parte das gestações não planejadas foram ocasionadas pela falha do método contraceptivo, gerada provavelmente pelo uso incorreto dos anticoncepcionais orais. O percentual de efetividade no uso dos anticoncepcionais orais é calculado por percentual de mulheres em uso, e segundo a Organização Mundial da Saúde22, a eficácia da pílula é de 99,8% para mulheres que utilizam os contraceptivos corretamente. Os riscos do uso dos anticoncepcionais na gestação estão associados à exposição aos hormônios neles contidos, o que pode afetar o desenvolvimento genital do feto23. A adoção do protocolo de sulfato ferroso e ácido fólico constitui uma rotina das unidades de saúde do município, instituída pelas secretarias de saúde para assegurar padrões adequados de maturação e desenvolvimento fetal, contudo, 32,5% das gestantes não utilizaram esses suplementos durante o primeiro trimestre de gestação, apesar da ampla recomendação desses suplementos minerais e antianêmicos durante a gravidez4. É também no início da assistência ao pré-natal que as mulheres são orientadas a utilizar alguns medicamentos "se necessário". Alguns profissionais fornecem prescrições medicamentosas para o manejo dos sinais e sintomas comuns à gestação, o que permite à mulher maior acesso aos medicamentos. Essas prescrições "se necessário" são importantes, pois garantem uma seleção segura de medicamentos, caso a gestante identifique a necessidade do manejo dos sinais e sintomas comuns da gravidez. Contudo, mesmo nessa situação as gestantes devem ser orientadas quanto ao uso correto dos medicamentos. Dentre os medicamentos geralmente prescritos dessa forma no presente estudo estão paracetamol e escopolamina associada com paracetamol4.
Observou-se que as gestantes acompanhadas nesta pesquisa são jovens, de baixa escolaridade e de baixa renda, tal perfil se assemelha a outros estudos nacionais24–26 e internacionais27–29. Poucos estudos investigaram a exposição aos medicamentos utilizados antes do diagnóstico gestacional. Basgül et al.30 descreveram um perfil de uso semelhante ao identificado no presente estudo. Em relação ao perfil de uso após o diagnóstico da gravidez, os achados são semelhantes a outros estudos9,23.
Quanto às categorias de risco do uso de medicamentos segundo o FDA, o maior consumo foi das classes A, B e C. Elas são representadas por medicamentos para distúrbios do funcionamento gastrointestinal e preparações antianêmicas17. A classe A é a mais utilizada na gravidez, conforme evidenciado em uma revisão sistemática realizada por Daw et al.31 que apresentou maior consumo dessa classe em alguns países como França e Alemanha.
Houve exposição importante no primeiro trimestre gestacional a medicamentos de risco com prevalência semelhante à encontrada por Gagne et al.32, sendo representada especialmente pelo uso de anticoncepcionais orais19, por mulheres que não planejaram a gestação, como já citado anteriormente. Após o início do pré-natal houve redução na utilização de medicamentos de risco D e X, contudo, algumas gestantes continuaram expostas a essas categorias de medicamentos. Em algumas situações o uso se manteve por seleção inapropriada do medicamento por parte da paciente ou do médico e em outras pela avaliação do custo benefício, como o caso de uma gestante com epilepsia. Portanto, a situação de saúde da gestante pode requerer o uso de medicamentos classificados como inseguros para esse estado fisiológico19,24,33.
De forma semelhante ao consumo de medicamentos de risco segundo o FDA, observou-se uso mais frequente de medicamentos contraindicados segundo a ANVISA no diagnóstico da gravidez em relação ao início do pré-natal, o que vem reforçar a importância do início precoce do pré-natal2. O uso dos medicamentos contraindicados na gestação expõe a gestante e o feto a riscos que podem levar a malformações em qualquer momento da gestação. Sabe-se que as malformações ocorrem em 2 a 4% dos nascimentos, mas estima-se que 15% das malformações resultem em aborto34. No entanto, algumas perdas fetais, por acontecerem no início do período gestacional, podem passar despercebidas pela mulher. Essa situação de sub-diagnóstico pode mascarar o problema do uso dos medicamentos inseguros, em especial no período investigado. Dessa forma, destaca-se a importância da adoção de medidas de farmacovigilância6 para esclarecer a questão de insegurança dos medicamentos durante a gravidez.
Quando avaliada a exposição conjunta a todos os medicamentos inadequados, ou seja, os de risco D e X13, os contraindicados (ANVISA) e a não adoção do protocolo do uso de acido fólico e sulfato ferroso na gravidez, evidencia-se a exposição de três quartos das gestantes a pelo menos um dos critérios avaliados. Contudo, mesmo com essa alta exposição, não foi observada associação entre o uso inadequado de medicamentos e o perfil da gestante e da gravidez. Por outro lado, destaca-se que possivelmente o uso inadequado é mais frequente quando não há o planejamento da gravidez.
Apesar de haver a difusão da prática conservadora na prescrição de medicamentos durante o período gestacional, neste estudo evidenciou-se que antes do diagnóstico da gestação, um terço dos medicamentos consumidos foi por automedicação. Muitas vezes esses medicamentos por auto-medicação estão sendo utilizados, inclusive para o manejo dos primeiros sintomas da gestação, pelo desconhecimento do diagnóstico da gravidez. Nesse caso, pode haver riscos, pois alguns medicamentos que reduzem os sintomas da gestação podem não ser seguros e causar efeitos adversos, como ocorreu no passado com a talidomida17. Relativo à imunoprofilaxia, o Ministério da Saúde orienta que todas as gestantes estejam imunizadas contra o tétano e a hepatite B2,34,35. Naquelas gestantes em que o calendário vacinal não está atualizado, recomenda-se atualizar34,35. Observou-se que há uma ação marcante no sentido de cumprir o calendário vacinal durante a gravidez, entretanto, algumas entrevistadas receberam a vacina contra hepatite B no primeiro trimestre de gravidez, o que não é recomendado, de acordo com o Parecer Técnico n° 04/201035. As vacinas podem beneficiar a criança pela transferência de anticorpos via transplacentária e também após o nascimento pelo aleitamento materno, porém, são poucos os estudos que aferem a segurança das vacinas na gestação devido às questões éticas na realização dos mesmos35. Esses dados demonstram a necessidade de intervenção junto ao município para reduzir os possíveis danos que o uso desse medicamento no momento inadequado da gravidez possa causar.
Por fim, esses dados são importantes por confirmar as recomendações de cuidado do Ministério da Saúde, uma vez que essa instituição recomenda aos serviços de atenção básica maior atenção com as gestantes de baixa escolaridade e também aquelas com gestação de risco34.
Como limitações, reconhece-se o próprio desenho do estudo transversal, que foi aninhado a uma coorte prospectiva, e o fato de não terem sido excluídas gestantes que iniciaram o pré-natal após 14 semanas. Outra possível limitação trata-se do uso de medicamento ser autorreferido, contudo, essas limitações não desmerecem os achados desta pesquisa em relação ao perfil de uso de medicamentos nessa população.
Todas as gestantes foram expostas a medicamentos durante o primeiro trimestre de gestação, e, entre eles, medicamentos considerados de risco para o feto segundo o FDA e a ANVISA, como os anticoncepcionais e os que atuam no sistema geniturinário. Antes do diagnóstico da gravidez houve maior uso de medicamentos por automedicação. Quando ao uso de ácido fólico e sulfato ferroso, evidenciou-se que um terço das gestantes não utilizaram esses suplementos durante o primeiro trimestre de gestação. É necessária a retomada e atualização dos profissionais quanto às prescrições dos protocolos e métodos contraceptivos para evitar uso incorreto e gravidez não planejada. Essa ação torna-se pertinente frente aos dados de gestações não planejadas e exposição dos fetos aos anticoncepcionais identificados neste estudo.