DOI: 10.1590/S0100-720320140005024 - volume 36 - Novembro 2014
Jean Carl Silva, Augusto Radünz do Amaral, Bruna da Silva Ferreira, João Francisco Petry, Mariana Ribeiro e Silva, Pâmella Caroline Krelling
A obesidade é definida como uma síndrome metabólica crônica e multifatorial oriunda de um desequilíbrio entre alimentação e gasto calórico. É característico desse distúrbio o aumento do número e tamanho das células adiposas no organismo1,2. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS)3, o número de obesos no mundo em 2005 era de 400 milhões, espera-se para 2015 um valor estimado de 700 milhões. No Brasil, o excesso de peso atingia, até 2011, cerca de 48,5% da população, segundo levantamento da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL)4. Quando associado à gravidez, tal problema é enfrentado em 25 a 30% das gestações no Brasil, conforme levantamentos realizados nas principais capitais brasileiras5.
Há uma notória dificuldade nas diretrizes sobre manejo terapêutico das gestantes de alto risco, quanto à definição de obesidade no período gravídico. Alguns autores sugerem como parâmetro o índice de massa corpórea (IMC) pré-gestacional, enquanto outros utilizam o peso corporal em relação ao ideal6–8. Embora essa dificuldade esteja com frequência presente, diversos estudos têm buscado verificar a associação entre o excesso de peso materno durante a gestação e as consequências sobre a mãe e o feto. Poucos desses estudos, entretanto, têm quantificado a influência que o excesso de peso materno exerce na gestante e no feto.
Por esse motivo, o objetivo deste estudo foi avaliar e quantificar a influência do excesso de peso materno durante a gestação, de acordo com o IMC pré-gestacional, na gestação, no parto e nos desfechos neonatais.
Foi realizado um estudo de corte transversal com puérperas internadas na Maternidade Darcy Vargas (Joinville, Santa Catarina) entre os meses de maio e junho de 2013. Os dias de coleta foram aleatórios e sistematizados, de modo a reduzir as chances de viés de seleção. As informações foram obtidas por entrevistas e pelo acesso aos prontuários das pacientes, após leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Foram incluídas todas as gestantes internadas na maternidade nos dias designados para coleta, com idade igual ou superior a 18 anos e que tiveram feto único. Aquelas que apresentaram dados incompletos ou com IMC inferior a 18,5 kg/m2 foram excluídas.
As medidas antropométricas foram calculadas para cada mulher. O IMC (kg/m2) pré-gestacional foi classificado a partir dos critérios da OMS como de baixo peso (<18,5), normal (18,5–24,9), sobrepeso (25,0–29,9) e obesidade (≥30,0). Para este estudo, considerou-se hemorragia de grande porte como qualquer sangramento excessivo durante o parto que necessitou de intervenção pelo médico assistente. Foram considerados baixos escores de Apgar valores menores do que sete. Além disso, em avaliações diferentes, foram adotados dois critérios de peso para os recém-nascidos. Considerou-se macrossômicos, neonatos com peso maior que 4.000 g, e grandes para idade gestacional (GIG), recém-nascidos situados acima do percentil 90 da curva proposta por Battaglia e Lubchenco9.
As informações recuperadas foram inseridas no software Epidata versão 3.1 e exportadas para o Microsoft Office Excel 2010. Os dados foram tratados estatisticamente, por meio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21.0. Para as variáveis quantitativas, foram calculadas as médias e os desvios padrão e, para as qualitativas, as frequências absolutas e relativas. Foram construídos modelos de regressão logística multinominal de modo a examinar a influência do excesso de peso materno nos desfechos avaliados e ajustar o efeito das variáveis de confusão. Intervalos de confiança de 95% (IC95%) foram estabelecidos, sendo que eram considerados valores significativos quando p<0,05.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), sob parecer 237.243. O presente estudo foi realizado de acordo com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo seres humanos (Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde).
Dentre as 327 puérperas inicialmente entrevistadas, somente 298 apresentaram os critérios necessários para este estudo. A Tabela 1 apresenta as características epidemiológicas e clínicas das pacientes. Destas, 161 (54,1%) possuíam IMC normal, 84 (28,1%) sobrepeso e 53 (17,8%) obesidade. A etnia mais prevalente entre todos os grupos de IMC foi branca com 135 (83,8%), 74 (88,1%) e 43 (81,2%), respectivamente normal, sobrepeso e obesidade. No grupo com sobrepeso, apenas oito (9,5%) pacientes declararam-se fumantes, o maior percentual entre todos os grupos de IMC. Quanto às doenças anteriores à gestação, as pacientes obesas apresentavam com maior frequência diabetes melito tipo II (3,7%) e hipertensão arterial sistêmica (5,6%).
Tabela 1
Características gerais da amostra (epidemiologia e antecedentes)
Características gerais | IMC normal | IMC sobrepeso | IMC obesidade | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | ||
Etnia | |||||||
Branco | 135 | 1358 | 74 | 88,1 | 43 | 81,2 | |
Preto | 7 | 4,4 | 1 | 1,2 | 5 | 9,4 | |
Amarelo | 5 | 3,1 | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | |
Pardo | 12 | 7,5 | 8 | 9,5 | 5 | 9,4 | |
Indígena | 2 | 1,2 | 1 | 1,2 | 0 | 0,0 | |
Total | 161 | 100 | 84 | 100 | 53 | 100 | |
Fumante | 15 | 9,3 | 8 | 9,5 | 2 | 3,8 | |
Idade – Média±DP | 27,0±6,5 | 29,8±6,5 | 29,42±6,3 | ||||
Gesta | |||||||
Gesta 1 | 56 | 568 | 20 | 23,8 | 16 | 30,2 | |
Gesta 2 | 54 | 545 | 23 | 27,4 | 22 | 41,5 | |
Gesta 3+ | 51 | 517 | 41 | 48,8 | 15 | 28,3 | |
Total | 161 | 100 | 84 | 100 | 53 | 100 | |
Condições anteriores à gestação | |||||||
Diabetes melito tipo II | 2 | 1,2 | 0 | 0,0 | 2 | 3,7 | |
Hipertensão arterial sistêmica | 2 | 1,2 | 3 | 3,5 | 3 | 5,6 |
IMC: índice de massa corpórea; DP: desvio padrão; Gesta: número de gestações.
A Tabela 2 compara as chances de desfechos materno-fetais de acordo com os IMC das pacientes. Comparadas às gestantes com peso normal, pacientes com sobrepeso apresentaram chances maiores de cesariana, sendo a odds ratio (OR) de 2,2 e IC95% 1,3–3,9, e as obesas tiveram ainda maiores (OR=4,2; IC95% 2,1–8,1). O desenvolvimento do diabetes melito gestacional (DMG) foi mais provável em ambas as categorias com excesso de peso, nos grupos Sobrepeso (OR=2,5; IC95% 1,1–5,6) e Obesidade (OR=11,1; IC95% 5,0–24,6). A ocorrência de doença hipertensiva específica da gravidez (DHEG) foi mais prevalente nas gestantes com sobrepeso (OR=3,2; IC95% 1,2–8,1) e obesas (OR=7,5; IC95% 2,9–19,1).
Tabela 2
Desfechos materno-fetais; comparação entre os grupos de acordo com o índice de massa corpórea
Desfechos materno-fetais | Grupo IMC (kg/m2) | Valores absolutos e relativos | Odds ratio(IC95%) | |
---|---|---|---|---|
n | (%) | |||
Pré-termo | 18,5–24,9 | 12 | 7,4 | – |
25,0–29,9 | 3 | 3,5 | 0,4 (0,1–1,6) | |
≥30,0 | 2 | 3,7 | 0,5 (0,1–2,2) | |
Cesariana | 18,5–24,9 | 43 | 26,7 | – |
25,0–29,9 | 38 | 45,2 | 2,2 (1,3–3,9) | |
≥30,0 | 32 | 60,4 | 4,2 (2,1–8,1) | |
DMG | 18,5–24,9 | 12 | 7,4 | – |
25,0–29,9 | 14 | 16,6 | 2,5 (1,1–5,6) | |
≥30,0 | 25 | 47,1 | 11,1 (5,0–24,6 | |
DHEG | 18,5–24,9 | 8 | 4,9 | – |
25,0–29,9 | 12 | 14,3 | 3,2 (1,2–8,1) | |
≥30,0 | 15 | 28,3 | 7,5 (2,9–19,1) | |
HGP | 18,5–24,9 | 4 | 2,5 | – |
25,0–29,9 | 6 | 7,1 | 3,0 (0,8–11,0) | |
≥30,0 | 5 | 9,4 | 4,1 (1,1–15,8) |
IMC: índice de massa corpórea; IC95%: intervalo de confiança de 95%; DMG: diabetes melito gestacional; DHEG: doença hipertensiva específica da gravidez; HGP: hemorragia de grande porte no momento do parto.
No momento do parto, a ocorrência de hemorragia de grande porte somente apresentou valores superiores no grupo de obesas (OR=4,1; IC95% 1,1–15,8), sendo, portanto, neste estudo, característica exclusiva de gestantes com altos IMC. As comparações quanto às chances de ocorrência de recém-nascidos prematuros não foram significativas.
A Tabela 3 apresenta a razão de chances dos desfechos perinatais, conforme a categoria do IMC de cada paciente. A probabilidade de Apgar baixo no primeiro minuto foi mais elevada entre os recém-nascidos de gestantes obesas (OR=5,5; IC95% 1,2–23,7), mas não se mostrou significativa quando comparada ao grupo com sobrepeso. Entretanto, a ocorrência de recém-nascidos GIG aumentou entre as mulheres com sobrepeso (OR=2,9; IC95% 1,3–6,3) e não foi significativa no grupo com obesidade. À medida que o grupo de IMC variava de normal à obesidade, o índice de macrossomia aumentou gradativamente. Os resultados quanto à hipoglicemia neonatal, às doenças cardiorrespiratórias e à internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) não foram conclusivos.
Tabela 3
Desfechos perinatais; comparação entre os grupos de acordo com o índice de massa corpórea
Desfechos perinatais | Grupo IMC (kg/m2) | Valores absolutos e relativos | Odds ratio(IC95%) | |
---|---|---|---|---|
n | (%) | |||
Apgar-1 baixo | 18,5–24,9 | 3 | 1,8 | – |
25,0–29,9 | 3 | 3,5 | 1,9 (0,4–9,8) | |
≥30,0 | 5 | 9,4 | 5,5 (1,2–23,7) | |
PIG | 18,5–24,9 | 9 | 5,6 | – |
25,0–29,9 | 3 | 3,5 | 0,6 (0,1–2,3) | |
≥30,0 | 5 | 9,4 | 1,7 (0,5–5,5) | |
AIG | 18,5–24,9 | 139 | 86,3 | – |
25,0–29,9 | 64 | 76,1 | 0,5 (0,2–0,9) | |
≥30,0 | 40 | 75,4 | 0,5 (0,2–1,1) | |
GIG | 18,5–24,9 | 13 | 8,1 | – |
25,0–29,9 | 17 | 20,2 | 2,9 (1,3–6,3) | |
≥30,0 | 8 | 15,1 | 2,0 (0,8–5,2) | |
Hipoglicemia neonatal | 18,5–24,9 | 4 | 2,5 | – |
25,0–29,9 | 3 | 3,6 | 1,4 (0,3–6,6) | |
≥30,0 | 2 | 3,7 | 1,5 (0,2–8,6) |
IMC: índice de massa corpórea; IC95%: intervalo de confiança de 95%; Apgar-1 baixo: escore Apgar ao primeiro minuto <7; PIG: pequeno para idade gestacional (<10° percentil); AIG: adequado para idade gestacional (10–90° percentis); GIG: grande para idade gestacional (>90° percentil).
Este estudo mostrou o impacto da dicotomia obesidade e gestação sobre resultados gestacionais e perinatais. Além disso, por meio dos resultados obtidos, foi possível quantificar o risco da obesidade materna para cada desfecho individualmente, permitindo ao leitor a avaliação dos diferentes graus de influência que o excesso de peso materno exerceu em cada variável analisada.
Dentre os resultados encontrados, observou-se que a etnia mais prevalente entre todos os grupos de IMC foi branca. Essa característica se assemelha aos resultados de Sebire et al.10, no qual, em todas as categorias de IMC, a etnia branca obteve percentuais superiores. Uma razão para tal semelhança é a composição da amostra do nosso estudo, visto que a região Sul do país e, em especial a população do estado de Santa Catarina, teve uma forte colonização europeia11.
Além disso, era esperado que o grupo de obesas apresentasse maior média de idade. No entanto, os presentes resultados indicaram maior média entre as puérperas com sobrepeso, contrariando a associação positiva entre obesidade e idade avançada presente em outros estudos10–13. Também havia a expectativa de que no grupo de obesas houvesse maior frequência de doenças crônicas anteriores à gestação e, nesse caso, isso foi confirmado tanto nesse estudo como em outros10,14.
Aliyu et al.15 apresentaram em seu estudo a associação entre obesidade materna e ocorrência de parto instrumental. Adamo et al.16 também verificaram um número maior de cesarianas em pacientes com IMC superiores aos valores normais. Esses resultados convergem com os encontrados neste estudo, no qual a chance de parto normal foi reduzida em cinco vezes nas mulheres obesas.
A ocorrência de diabetes gestacional e DHEG tem sido associada diretamente ao excesso de peso da gestante10,13,17,18. Com relação ao diabetes, o aumento do número e tamanho dos adipócitos promove um agravamento da resistência à insulina, que, associado ao hormônio lactogênio placentário, favorece o desenvolvimento do DMG19.
Em nosso estudo, a relação entre obesidade materna e prematuridade não se mostrou conclusiva. Quando acessada a literatura, os estudos apresentavam dados divergentes. Houve trabalhos em que o excesso de peso reduziu as chances de prematuridade10 e outros em que houve o aumento da ocorrência de pré-termos13.
Quanto aos desfechos perinatais, o excesso de peso em nossa amostra aumentou as chances de escore Apgar baixo ao primeiro minuto e ocorrência de recém-nascidos GIG, conforme outras publicações que identificaram as mesmas associações20. Não foi possível, neste estudo, associar a obesidade materna à hipoglicemia neonatal, à ocorrência de doenças cardiovasculares e à internação em UTI neonatal, uma vez que a razão entre as probabilidades não foi significativa. Outros autores, entretanto, identificaram uma maior frequência desses desfechos em gestantes com IMC elevado10,21,22.
Em conclusão, observamos que os grupos com maiores IMC (sobrepeso e obesidade) apresentaram maiores chances de complicações no parto (cesariana e hemorragia de grande porte) e intercorrências maternas (diabetes gestacional e síndrome hipertensiva). Também mostraram maiores chances de intercorrências perinatais (escore Apgar baixo ao primeiro minuto e macrossomia). Entre os grupos, as mulheres obesas tiveram chances mais elevadas de complicações.