Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia

Função sexual e fatores associados à disfunção sexual em mulheres no climatério

DOI: 10.1590/S0100-720320140004985 - volume 36 - Novembro 2014

Isabela Franco Cavalcanti, Polyana da Nóbrega Farias, Lucas Ithamar, Vilma Maria da Silva, Andrea Lemos

Abstract



Purpose
: To evaluate the sexual function and factors associated with sexual dysfunction in climacteric women.

Methods
: A cross-sectional study was conducted on 173 women aged 35 to 65 years old, with a steady partner during the last 6 months, who are literate, without cognitive impairment, and with sexual activity for at least 6 months. The instrument used to assess sexual performance was the Sexual Quotient, female version. The association between sexual dysfunction and sociodemographic data, personal, obstetric and sexual history was determined by Pearson's χ test and strength of association by the odds ratio (OR) with a 95% confidence interval (95%CI).

Results
: In this study, 46.2% of the women reported sexual dysfunction. There was a decrease in the chance of sexual dysfunction for the age group between 35 and 49 years old (OR=0.3; 95%CI 0.2–0.6) and for women who felt comfortable talking about sex (OR=0.5; 95%CI 0.2–0.8). However, the presence of osteoporosis (OR=3.3; 95%CI 1.5–7.6), urinary incontinence (OR=2.0; 95%CI 1.1–3.7), and surgical corrections of the pelvic floor (OR=2.2; 95%CI 1.1–4.5) increased this chance.

Conclusion
S: The frequency of sexual dysfunction in women aged 35 to 65 years old was 46.2% and factors such as osteoporosis, urinary incontinence and surgical corrections of the pelvic floor increased the chance of sexual dysfunction.

Full Text

Introdução

As queixas sexuais podem ocorrer durante toda a vida reprodutiva, mas na fase do climatério as mulheres tornam-se mais vulneráveis à disfunção sexual em consequência da interação de um conjunto complexo de fatores, tais como o hipoestrogenismo fisiológico e as dificuldades nos aspectos emocional e social característicos dessa fase1–3. Além desses fatores, a função sexual prévia da mulher, na idade reprodutiva, também é considerada um fator crucial para a função sexual no climatério4.

No Brasil, a prevalência de disfunção sexual chega a atingir 49% das mulheres com 18 anos ou mais5 e 67% daquelas na meia-idade (40 a 65 anos)6. Além disso, 60% das brasileiras referem ter diminuição da atividade sexual após a menopausa7.

Atualmente, existem no Brasil cerca de 30 milhões de mulheres entre 35 e 65 anos, o que significa que 32% da população feminina estão na faixa etária em que ocorre o climatério e, com o aumento da expectativa de vida mundial, essa porcentagem tende a aumentar8. Como a sexualidade é um dos pilares para o envelhecimento sadio e com qualidade de vida, é fundamental o conhecimento dos fatores que podem interferir na vida sexual durante essa fase.

No entanto, são escassos os estudos que avaliam a sexualidade das brasileiras no climatério2,6,7,9. Isso se deve, provavelmente, às questões culturais envolvendo o tema. Embora exista uma maior quantidade de estudos internacionais quanto à sexualidade de mulheres no climatério, não há consenso na literatura sobre os fatores que influenciam a vida sexual nessa fase da vida da mulher6,10–12.

Baseado no exposto, esta pesquisa buscou avaliar a função sexual e os fatores associados à disfunção sexual em mulheres atendidas no ambulatório de climatério de um hospital-escola em Pernambuco, Brasil.

 

Métodos

Trata-se de um estudo de corte transversal realizado em um hospital-escola no Recife, Pernambuco, Brasil. A amostra foi calculada por meio do programa Epi-Info, versão 3.4.3- 2007. Utilizou-se a frequência do evento (disfunção sexual) de 49%5, com erro absoluto de 10% e nível de confiança de 99%, totalizando um número de 166 mulheres. Adicionou-se 5% de perdas, o que resultou em uma amostra final de 173 mulheres.

As voluntárias foram recrutadas de forma sequencial, por conveniência, enquanto aguardavam a consulta no ambulatório de climatério, de maio de 2012 a novembro de 2013. Antes da inclusão, elas foram esclarecidas quanto aos objetivos, riscos e benefícios da pesquisa e aquelas que desejaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Foram considerados como critérios de inclusão mulheres com idades entre 35 e 65 anos e com parceiro fixo nos últimos 6 meses, e de exclusão, comprometimento cognitivo que impossibilitasse a compreensão das questões, analfabetismo e abstinência sexual nos últimos 6 meses.

Para a coleta dos dados, foram utilizados dois instrumentos: o primeiro foi um formulário desenvolvido especificamente para esta pesquisa, no qual constavam dados sociodemográficos (idade, ocupação, estado civil, religião e escolaridade); antecedentes pessoais (comorbidades, etilismo, tabagismo, terapia de reposição hormonal e cirurgias ginecológicas); antecedentes obstétricos (parto vaginal, história do uso de fórceps e de episiotomia) e história sexual (coitarca, sentir-se à vontade para falar sobre sexo, masturbação, uso de preservativo e satisfação com a vida sexual). O segundo instrumento foi o Quociente Sexual, versão feminina (QS-F)7.

O QS-F é um questionário composto por dez perguntas autorresponsivas, desenvolvido e validado especificamente para a população feminina brasileira, pelo Programa de Estudos em Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Ele avalia as diversas fases do ciclo da resposta sexual, além de outros domínios: desejo e interesse sexual, preliminares, excitação pessoal e sintonia com o parceiro, conforto, orgasmo e satisfação, permitindo identificar disfunções específicas e dificuldades sexuais7.

Cada questão do QS-F é respondida em uma escala gradual de zero a cinco, com zero indicando "nunca" e cinco, "sempre". O escore é obtido pela soma dos pontos de todas as questões multiplicada por 2, resultando em uma pontuação que varia entre 0 e 100, com valores maiores informando melhor desempenho/satisfação sexual. Entretanto, a questão sete deve ser transformada antes desse cálculo, por estar no sentido reverso, obedecendo à seguinte forma: Q7 reversa=5–Q7, conforme indicado por Abdo et al.5. É estabelecido um escore menor ou igual a 60 como ponto de corte para diagnosticar a presença de disfunção sexual feminina5.

A análise dos dados foi realizada com o uso do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 18 para Windows. Para a caracterização da amostra, calcularam-se a média, o desvio padrão (DP) e o intervalo de confiança para as variáveis idade e escore do QS-F. Foi aplicado o teste Kolmogorov-Smirnov a fim de verificar se as variáveis contínuas apresentavam distribuição normal. Na análise descritiva, os dados foram expostos em tabelas de distribuição das frequências absoluta e relativa. Para verificar a presença de associação entre a variável dependente do estudo (disfunção sexual) e as independentes (dados sociodemográficos, antecedentes pessoais e obstétricos e história sexual), foi utilizado o χ2 de Pearson. Para analisar a força da associação, utilizou-se o odds ratio (OR) com intervalo de confiança de 95% (IC95%).

Esta investigação foi desenvolvida conforme as recomendações da Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde13, que dispõe sobre as pesquisas envolvendo seres humanos, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, sob n° de CAAE 00714912.8.0000.5208.

 

Resultados

Das 338 usuárias abordadas, 5 não aceitaram participar da pesquisa, permanecendo 333 voluntárias. Dessas, 109 foram inelegíveis (faixa etária diferente de 35 a 65 anos ou ausência de parceiro fixo nos últimos 6 meses) e 51 foram elegíveis, mas não recrutadas (comprometimento cognitivo, analfabetismo ou abstinência sexual nos últimos 6 meses), restando somente 173 mulheres para o estudo.

A média de idade das 173 voluntárias avaliadas foi de 49,9 anos (DP=8,5; IC95% 48,6–51,1) e do escore do QS-F foi de 61,6 pontos (DP=23,0; IC95% 58,1–65,0).

A maioria das mulheres incluídas era dona de casa (60,7% contra 39,3% que tinham trabalho assalariado); casada ou vivia em união estável (85,5% contra 14,5% solteiras ou com outro estado civil); católica (52,6% contra 41% evangélicas, 3,5% espíritas e 2,9% pertencentes a outras religiões) e tinha até 9 anos de estudo (67,6% contra 32,4% com 10 ou mais anos de estudo).

Do total, 73,9% tinham pelo menos uma comorbidade, sendo a hipertensão arterial (43,9%), a incontinência urinária (41%) e a osteoporose (19%) as de maiores prevalências.

Das 128 voluntárias que afirmaram terem comorbidades, 31,2% alegaram que essas doenças influenciavam negativamente suas vidas sexuais.

Quanto aos hábitos de vida, nenhuma das mulheres referiu fazer uso diário de álcool e 9 (5,2%) relataram serem tabagistas. No que se refere à história sexual, a média de idade da coitarca foi de 19,3 anos (DP=4,4), 13,8% das voluntárias mencionaram masturbar-se e 68,7% alegaram nunca terem usado preservativo, seja feminino ou masculino, nas relações sexuais. Além disso, 34,6% das participantes relataram estarem insatisfeitas com a vida sexual.

Da amostra total, 80 mulheres (46,2%) apresentaram disfunção sexual segundo o escore do QS-F. Ainda de acordo com o escore desse quociente, 4% delas exibiram padrão de desempenho sexual de nulo a ruim, 17,9% de ruim a desfavorável, 24,3% de desfavorável a regular, 30,1% de regular a bom e 23,7% de bom à excelente.

Ao dicotomizar a amostra em dois subgrupos quanto à presença ou ausência de disfunção sexual, baseada nos escores do QS-F, foram realizadas associações com as variáveis independentes. Em relação aos dados sociodemográficos, houve diminuição da chance de disfunção sexual para a faixa etária entre 35 e 49 anos (OR=0,3; IC95% 0,2–0,6), porém não houve associação do estado civil e da escolaridade à disfunção sexual (Tabela 1).

 

Tabela 1
Associação entre a presença da disfunção sexual, mensurada pelo escore do Quociente Sexual Feminino, e os dados sociodemográficos de mulheres no climatério na faixa etária entre 35 e 65 anos

Dados sociodemográficos QS-F Valor p* OR IC95%
CDS n (%) SDS n (%)
Faixa etária        
  35 a 49 anos 28 (32,9) 57 (67,1) 0,001** 0,3 0,2–0,6
  50 a 65 anos 52 (59,1) 36 (40,9)      
Estado civil        
  Casada ou em união estável 72 (48,6) 76 (51,4) 0,1 2,0 0,8–4,9
  Solteira ou outro 8 (32,0) 17 (68,0)      
Escolaridade        
  Até 9 anos de estudo 57 (48,7) 60 (51,3) 0,3 1,4 0,7–2,6
  ≥10 anos de estudo 23 (41,1) 33 (58,9)      

QS-F: Quociente Sexual Feminino; CDS: com disfunção sexual; SDS: sem disfunção sexual; OR: odds ratio; IC95%: intervalo de confiança de 95%.

*

χ2 de Pearson;

**

p<0,05;

Quanto aos antecedentes pessoais, houve associação da presença de osteoporose (OR=3,3; IC95% 1,5–7,6), incontinência urinária (OR=2,0; IC95% 1,1–3,7) e correções cirúrgicas do assoalho pélvico (OR=2,2; IC95% 1,1–4,5) à disfunção sexual. Hipertensão arterial, depressão, diabetes melito, influência das comorbidades na função sexual, uso de terapia de reposição hormonal por seis ou mais meses, histerectomia e ooforectomia não apresentaram tal associação (Tabela 2).

 

Tabela 2
Associação entre a presença da disfunção sexual, mensurada pelo escore do Quociente Sexual Feminino, e os antecedentes pessoais de mulheres no climatério na faixa etária entre 35 e 65 anos

Antecedentes pessoais QS-F Valor p* OR IC95%
CDS n (%) SDS n (%)
Hipertensão arterial 41 (53,9) 35 (46,1) 0,07 1,7 0,9–3,2
Depressão 13 (52,0) 12 (48,2) 0,5 1,3 0,6–3,1
Diabetes melito 11 (45,8) 13 (54,2) 1,0 1,0 0,4–2,3
Osteoporose 23 (69,7) 10 (30,3) 0,003** 3,3 1,5–7,6
Incontinência urinária 40 (56,3) 31 (43,7) 0,03** 2,0 1,1–3,7
Influência das comorbidades na função sexual# 25 (62,5) 15 (37,5) 0,1 1,8 0,8–3,9
TRH (≥6 meses) 10 (47,6) 11 (52,4) 0,9 1,1 0,4–2,6
Histerectomia 26 (49,1) 27 (50,9) 0,6 1,2 0,6–2,2
Ooforectomia 18 (60,0) 12 (40,0) 0,1 1,9 0,9–4,4
Correções cirúrgicas do assoalho pélvico 25 (61,0) 16 (39,0) 0,03** 2,2 1,1–4,5

QS-F: Quociente Sexual Feminino; CDS: com disfunção sexual; SDS: sem disfunção sexual; OR: odds ratio; IC95%: intervalo de confiança de 95%; TRH: terapia de reposição hormonal.

*

χ2 de Pearson;

**

p<0,05;

#

n=128, referente às voluntárias com comorbidades;

Em relação aos antecedentes obstétricos, não houve associação entre as variáveis parto vaginal, uso de fórceps, episiotomia e disfunção sexual (Tabela 3).

 

Tabela 3
Associação entre a presença da disfunção sexual, mensurada pelo escore do Quociente Sexual Feminino, e os antecedentes obstétricos de mulheres no climatério na faixa etária entre 35 e 65 anos

Dados sociodemográficos QS-F Valor p* OR IC95%
CDS n (%) SDS n (%)
Parto vaginal        
  Nenhum 22 (47,8) 24 (52,2) 0,8 1,1 0,5–2,1
  Um ou mais partos 58 (45,7) 69 (54,3)      
História de uso de fórceps        
  Sim 11 (61,1) 7 (38,9) 0,2 2,0 0,7–5,5
  Não 69 (44,5) 89 (55,5)      
História de episiotomia        
  Sim 50 (45,9) 59 (54,1) 0,9 1,0 0,5–1,8
  Não 30 (46,9) 34 (53,1)      

QS-F: Quociente Sexual Feminino; CDS: com disfunção sexual; SDS: sem disfunção sexual; OR: odds ratio; IC95%: intervalo de confiança de 95%.

*

χ2 de Pearson;

Quanto à história sexual, sentir-se à vontade para falar sobre sexo esteve presente em 33 (37,1%) mulheres com disfunção sexual e em 56 (62,9%) sem (p=0,01), e houve diminuição da chance de disfunção sexual para as mulheres que apresentavam este comportamento (OR=0,5; IC95% 0,2–0,8).

 

Discussão

No presente estudo, 46,2% das mulheres no climatério apresentaram disfunção sexual. Esse valor foi bem próximo aos 49% encontrados em um estudo nacional, com uma amostra de 1.219 mulheres de 18 anos ou mais5. No entanto, foi inferior aos 67% detectados em outra investigação realizada no Brasil com 370 mulheres de 40 a 65 anos, faixa etária bastante semelhante à desta pesquisa, mas que utilizou um instrumento de coleta distinto, o Female Sexual Function Index (FSFI)2, o que pode ter contribuído para essa diferença nos resultados.

Um dado interessante observado no atual estudo foi que a frequência de disfunção sexual detectada pelo QS-F foi maior do que a insatisfação sexual relatada pelas mulheres. Isso gera um questionamento sobre a real capacidade de avaliação da disfunção sexual a partir de tal quociente e sobre a possibilidade de questões culturais terem interferido na resposta dessas mulheres.

Esse resultado paradoxal também foi apontado em outros estudos14–17, o que implica reflexões sobre questões diagnósticas mais precisas de disfunção sexual. Alguns estudos concordam que um problema sexual somente deve ser considerado como disfunção sexual quando causar aflição da mulher, incômodo refletido, portanto, na insatisfação com a vida sexual4,18.

Nesta pesquisa, mulheres mais jovens (35 a 49 anos) apresentaram 70% menos chance de terem disfunção sexual. Diversos estudos realizados com mulheres de faixa etária próxima à da atual pesquisa e utilizando outros instrumentos de avaliação da função sexual mostraram que a idade mais elevada, maior que 48 anos15, igual ou maior que 509 e igual ou maior que 556,14, estava associada à disfunção sexual. Ainda, estudos realizados na Espanha19, na China20, na Rússia21, no Equador10 e na Turquia22,23 também confirmaram o achado de que a idade mais avançada associa-se à disfunção sexual.

Em relação ao estado civil, não houve associação de tal variável à disfunção sexual. Todavia, não há consenso na literatura. Estudos mostram que mulheres casadas apresentaram mais chances de terem disfunção sexual10,14,23,24, enquanto outro evidenciou que as divorciadas ou separadas tiveram maior frequência de disfunção6.

Quanto à escolaridade, esperar-se-ia que o menor nível educacional estivesse associado à disfunção sexual, como revelam alguns estudos5,20; no entanto, os achados não mostraram tal associação. Essa diferença poderia ser explicada pelo fato de não existir uma padronização do que é considerada baixa escolaridade.

Em relação às comorbidades, não houve associação da hipertensão arterial, depressão e diabetes melito à disfunção sexual. Resultados discordantes são encontrados na literatura9,22,25–27, mostrando que essas doenças estariam associadas aos piores escores de sexualidade. Tais resultados discrepantes podem ser atribuídos às diferenças metodológicas encontradas quanto ao tipo de questionário empregado (Short Personal Experiences Questionnaire9 e FSFI20,22,25–27), à característica da população incluída (escolaridade mínima de 11 anos9, mulheres chinesas20,27, mais de 20 anos22, 20 a 60 anos27, sem outras morbidades27, tipo de diabetes26,27) e ao tipo de análise utilizada (regressão logística20,27).

A osteoporose aumentou em três vezes a chance de a mulher ter disfunção sexual. Estudo de corte transversal realizado na Espanha com mulheres na pós-menopausa portadoras de osteoporose evidenciou que essa comorbidade piorou a qualidade de vida. Tal estudo observou ainda que as mulheres utilizando moduladores seletivos dos receptores de estrógeno, tipo de terapia medicamentosa para a osteoporose, apresentaram menor impacto da osteoporose na qualidade de vida, particularmente no domínio físico, avaliado pelo SF-12v2 Health Survey e no domínio sexualidade, avaliado a partir da Cervantes Scale. Esse dado confirma o achado da atual pesquisa, o que mostra a influência da osteoporose sobre a sexualidade feminina28.

A incontinência urinária elevou, em duas vezes, a chance de disfunção sexual na presente pesquisa. O resultado é semelhante ao de um estudo brasileiro com mulheres de 40 a 65 anos, no qual a incontinência urinária associou-se aos piores escores de sexualidade9, assim como se aproxima de um estudo latino-americano, em que problemas urinários aumentaram, em uma vez e meia, a chance de uma mulher apresentar disfunção sexual14. Essa associação pode ser um reflexo de anseios e apreensões quanto à possibilidade da perda urinária durante a relação sexual29.

O uso de terapia de reposição hormonal por seis meses ou mais não se associou à disfunção sexual na atual pesquisa. Apesar de vários estudos mostrarem melhora da função sexual com o uso da terapia de reposição hormonal30–33, uma recente revisão sistemática da Biblioteca Cochrane34, envolvendo 27 estudos com 16.393 mulheres, não apontou melhora da função sexual no subgrupo de mulheres com mais de 5 anos de finalização da menstruação, independente dos sintomas da menopausa. A revisão apresenta uma melhora de magnitude pequena ou moderada, apenas quando a terapia de reposição hormonal é utilizada em mulheres com sintomas de menopausa ou pós-menopausa nos cinco primeiros anos de amenorreia34.

Além disso, há também na literatura um estudo envolvendo 11 países da América Latina com 7.243 mulheres (40 a 59 anos) que aponta um aumento, em uma vez e meia, da chance de disfunção sexual com essa terapia14. Portanto, é possível que outros fatores possam interferir em tais resultados, como a dosagem e o tempo de uso da medicação, bem como a gravidade dos sintomas. Mulheres em uso da terapia de reposição hormonal podem estar representando os casos mais graves de sintomas na menopausa. Apesar dessa intervenção, o resultado pode não refletir diretamente na melhora da disfunção sexual. Vale ainda destacar que, na amostra do presente estudo, poucas mulheres faziam uso de tal terapia, o que pode também ter interferido nos resultados.

Quanto às cirurgias do assoalho pélvico, não houve associação da histerectomia e ooforectomia à disfunção sexual. Mais uma vez, há um dissenso na literatura pesquisada quanto a uma possível relação de causalidade entre essas variáveis6,14. Já as correções cirúrgicas do assoalho pélvico relacionaram-se à disfunção. Mulheres com histórico desse procedimento apresentaram duas vezes mais chances de terem disfunção sexual. Esse resultado é similar a uma pesquisa realizada com 33 mulheres, na qual 73% delas mostraram piora da função sexual após 6 meses de cirurgia para correção de prolapso35.

Em relação à história obstétrica, não houve associação com o parto vaginal, uso do fórceps e da episiotomia com a disfunção. No entanto, é importante destacar que os vários estudos que mostraram associação entre essas variáveis36–39 apresentaram resultados a curto prazo, diferentemente da proposta do presente estudo, o qual incluiu a faixa etária do climatério, portanto em um período de tempo mais longo do parto.

Ademais, quanto à história sexual, as mulheres que se sentiam à vontade para falar sobre sexo tiveram metade de chances de apresentarem disfunção sexual. Apesar de não terem sido encontrados estudos que avaliassem tal associação (Medline – 1966–2013, Lilacs – 1986–2013), pode-se inferir que isso se deve ao fato dessas mulheres serem mais desinibidas, o que as levam a terem um maior diálogo sobre o assunto, gerando um melhor entendimento e conhecimento sobre sua sexualidade, facilitando, dessa forma, sua busca pela satisfação sexual.

É relevante ressaltar como limitação da presente pesquisa que, por não terem sido avaliadas as possíveis disfunções sexuais dos parceiros das voluntárias, a pre-valência de disfunção sexual feminina pode não ter sido fidedigna à realidade desse grupo, visto que a presença de problemas sexuais masculinos pode afetar a vida sexual das mulheres, fazendo-as acreditarem serem as disfuncionais.

Além disso, a exclusão das mulheres analfabetas, que ocorreu pelo fato de se acreditar que o auxílio de uma pessoa alfabetizada na leitura do quociente e na marcação das respostas pudesse interferir nas respostas dessas mulheres, pode ser considerada também como uma limitação deste estudo, uma vez que essa população poderia ter agregado importante contribuição aos resultados da pesquisa.

Por fim, é importante que estudos posteriores ampliem os fatores que possam estar associados à disfunção sexual em mulheres no climatério, possibilitando a construção de um modelo hierárquico com aplicação de uma regressão logística para averiguar tais fatores em uma análise multivariada.


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