DOI: S0100-7203(13)03500900003 - volume 35 - Setembro 2013
Daniel Lorber Rolnik, Roberto Eduardo Bittar, Mário Henrique Burlacchini de Carvalho, Marcelo Zugaib, Rossana Pulcineli Vieira Francisco
Introdução
A prematuridade, definida como nascimento em idade gestacional inferior a 37 semanas completas (ou 259 dias), constitui a principal causa de morbidade e mortalidade neonatal em todo o mundo. Suas complicações são responsáveis por grande número de óbitos e sequelas tanto em países desenvolvidos quanto naqueles em desenvolvimento1,2. Em todo o mundo, cerca de 15 milhões de crianças nascem prematuras anualmente3,4, e estima-se que, a cada ano, cerca de um milhão de mortes ocorram em todo o mundo em decorrência de complicações da prematuridade4,5. Em estudo realizado em 2008 nos Estados Unidos da América (EUA), Goldenberg et al.6 demonstraram que, naquele país, a incidência da prematuridade é de aproximadamente 12%.
Em ampla avaliação realizada com dados sobre óbitos de crianças menores que cinco anos de idade, de 186 países, entre os anos de 1970 e 2009, os autores observaram que a prematuridade e suas complicações são responsáveis por aproximadamente um terço dos óbitos neonatais, constituindo grave problema de saúde pública7.
Além disso, a prematuridade associa-se a elevados custos financeiros, e quanto menor o peso ao nascer, maiores os custos. Em 2005, nos EUA, os custos da prematuridade atingiram US$ 26 bilhões, com gasto médio de US$ 52 mil por recém-nascido6,8.
Cerca de 75% dos partos prematuros são espontâneos, ao passo que um quarto dos nascimentos prematuros decorrem da interrupção eletiva da gestação antes da 37ª semana devido a intercorrências clínicas maternas e/ou fetais9,10. Em um centro de referência do estado de São Paulo para acompanhamento de gestações de alto risco, metade dos nascimentos abaixo da 37ª semana decorrem da prematuridade eletiva10,11.
A fisiopatologia do parto prematuro é complexa e multifatorial, o que torna a prevenção primária limitada12. O antecedente de parto prematuro espontâneo em gestação anterior tem sido considerado por muitos autores como o principal e mais importante fator de risco clínico, visto que cerca de 25% das pacientes que tiveram parto prematuro apresentarão recorrência da prematuridade11. Contudo, é fundamental ressaltar que a maioria das gestantes que tiveram filho prematuro em gestação anterior terá parto a termo.
Assim, a prevenção secundária consiste na pesquisa de indicadores de maior risco, tais como colo curto e alteração de marcadores bioquímicos13, com o objetivo não só de identificar os casos que evoluirão para parto prematuro, como também de excluir o risco quando ele não existe. Na década de 1980, alguns autores14-20 passaram a sugerir que a medida ultrassonográfica do comprimento do colo uterino apresentava relação direta com o parto prematuro. de Carvalho et al.21, em 2005, avaliaram 1.958 gestantes entre a 21ª e a 24ª semana, e observaram que a média do comprimento do colo é menor nas pacientes com antecedente de parto prematuro (30,1 mm) do que naquelas sem este antecedente (35,8 mm), e que pacientes com comprimento cervical menor que 20 mm apresentavam elevado risco de parto prematuro. Entretanto, o valor de corte é variável nos diferentes estudos.
No que se refere aos marcadores bioquímicos, duas destas substâncias têm sido muito estudadas nos últimos anos e se destacaram por apresentarem altos valores preditivos negativos, além de razoáveis sensibilidades, especificidades e valores preditivos positivos: o teste qualitativo para proteína-1 fosforilada ligada ao fator de crescimento insulina-símile (phIGFBP-1 (do inglês phosphorylated insulin-like growth factor binding protein 1) e o teste da fibronectina fetal.
A phIGFBP-1 é uma proteína produzida pela decídua humana22-24 que normalmente não é detectada na secreção endocervical entre a 24ª e a 34ª semana de gestação e, se estiver presente neste intervalo, denota maior risco para parto prematuro11,25-28.
A hipótese do presente estudo é a de que exista correlação entre os resultados da avaliação do colo uterino e do teste para phIGFBP-1, e que a utilização de ambos em associação possa predizer a ocorrência de parto prematuro com maior sensibilidade. Há, ainda, a necessidade de determinação do melhor momento para a realização destes exames.
O objetivo primário deste estudo foi averiguar a utilidade da medida do comprimento do colo e do teste para phIGFBP-1, isoladamente e em conjunto, para a predição do parto prematuro antes da 37ª e da 34ª semana. Foram objetivos secundários: determinar o melhor valor de corte da medida do comprimento do colo para a predição do parto prematuro em diferentes idades gestacionais, verificar se o teste positivo para phIGFBP-1 apresenta relação com o encurtamento progressivo do colo uterino, e determinar o melhor momento para a realização de cada um dos exames em gestações de alto risco, além da melhor forma de combiná-los.
Métodos
Realizou-se estudo observacional analítico longitudinal, do tipo coorte, com análise secundária dos dados de 114 gestantes com antecedente de parto(s) prematuro(s) espontâneo(s), que foram acompanhadas no pré-natal no Setor de Baixo Peso Fetal (BPF) da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), no período compreendido entre abril de 2003 e março de 2008.
Foram selecionados prontuários de gestantes que haviam sido submetidas, na ocasião de seu acompanhamento pré-natal e de forma seriada, à ultrassonografia transvaginal para medida do comprimento do colo e ao teste para detecção qualitativa de proteína-1 fosforilada ligada ao fator de crescimento insulina-símile na secreção endocervical, a intervalos de três semanas, a partir da 24ª e da 34ª semana de gestação, totalizando quatro momentos transversais de avaliação, com 24ª, 27ª, 30ª e 33ª semana (denominados, respectivamente, M1, M2, M3 e M4).
Foram utilizados como critérios de inclusão: gestação tópica e única, com idade gestacional confiável, ausência de malformações fetais, antecedente de parto prematuro espontâneo, ausência de sinais de trabalho de parto até 24ª semana, e início do pré-natal até 20ª semana. Foram excluídas as pacientes que tiveram parto prematuro eletivo, que utilizaram progesterona natural para prevenção de parto prematuro, aquelas submetidas a tocólise seguida de parto a termo, e as submetidas a menos do que três das quatro avaliações.
O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPPesq) do HC-FMUSP, e por se tratar de análise secundária e retrospectiva de dados, não houve a necessidade de termo de consentimento.
Todas as gestantes foram submetidas a pesquisa de infecções vaginais que pudessem levar a resultados falsos-positivos do teste para phIGFBP-1 antes da 24ª semana, por meio de bacterioscopia do conteúdo vaginal, imunofluorescência para Chlamydia trachomatis e cultura para Neisseria sp. na secreção cervical. Foi realizado tratamento quando houve necessidade e conforme o agente infeccioso.
O teste rápido para phIGFBP-1 foi realizado na 24ª semana no momento da consulta pré-natal, antes do exame de toque vaginal, e seguido de exame de ultrassonografia transvaginal para medida do comprimento cervical, realizado por operador diferente e que desconhecia o resultado do teste. Os exames foram repetidos a cada três semanas, até a 34ª semana.
Os valores de corte do comprimento do colo uterino em diferentes idades gestacionais foram definidos em análise por curva de características operacionais (ROC), adotando-se o valor de maior sensibilidade e maior especificidade. As variáveis demográficas e os resultados dos testes em cada momento foram analisados entre si e contra o desfecho de parto prematuro e de parto com 34 semanas ou menos. As variáveis categóricas foram analisadas por meio dos testes do qui-quadrado e exato de Fischer, enquanto as contínuas foram submetidas ao teste não paramétrico de Mann-Whitney U e à análise de variância de medidas repetidas (ANOVA). Para as diferenças de médias, utilizou-se o teste t de Student. Adotou-se nível de significância estatística de 5%.
Resultados
Do total de 114 pacientes elegíveis para o estudo, 13 foram excluídas (quatro pacientes tiveram parto prematuro realizado de forma eletiva devido a complicações maternas e/ou fetais, quatro foram submetidas a menos que três avaliações, duas pacientes foram submetidas a tocólise devido a trabalho de parto prematuro e evoluíram para parto a termo, e três tiveram diagnóstico de malformação fetal). Desta forma, foram analisados os dados de 101 gestantes, das quais 76 (75,2%) tiveram parto a termo e 25 (24,8%) evoluíram para parto prematuro espontâneo.
A idade gestacional média da ocorrência do parto foi de 37,5±2,1 semanas, e a média de idade da população estudada foi de 27,7±4,91 anos.
Não houve diferença significativa (p=0,05) entre as médias de idade das gestantes que tiveram parto a termo (28,2±4,8 anos) e daquelas que tiveram parto antes da 37ª semana (26,0±5,0 anos). Não houve relação entre a raça ou o número de partos prematuros anteriores e a ocorrência de parto prematuro.
Ao todo, 30 gestantes (29,7%) apresentaram teste positivo para phIGFBP-1 em ao menos um dos quatro momentos de avaliação, enquanto 71 delas (70,3%) não apresentaram nenhum teste positivo. O achado de ao menos um teste alterado nas quatro avaliações relacionou-se com o nascimento antes da 37ª semana e com o parto em idade gestacional inferior ou igual a 34 semanas, e o maior número de exames alterados por gestante relacionou-se à maior probabilidade de parto prematuro (p<0,001).
O teste positivo para phIGFBP-1 relacionou-se ao nascimento antes da 37ª semana na segunda, terceira e quarta avaliações, mas não houve relação entre o primeiro teste e a ocorrência de parto prematuro. A Figura 1 demonstra que o comprimento cervical médio apresentou decaimento linear efetivo com o avançar da gestação tanto em gestantes que tiveram todos os testes negativos quanto naquelas que tiveram um teste positivo ou mais. Entretanto, as linhas foram paralelas e, no segundo grupo, o comprimento cervical médio foi menor em todas as idades gestacionais.
Quanto à medida do comprimento do colo, os valores de corte para predição de parto prematuro foram de 22, 21, 20 e 16 mm na 24ª, 27ª, 30ª e 33ª semana, respectivamente. A medida do comprimento cervical esteve sempre relacionada à ocorrência de parto prematuro, com área sob a curva acima de 0,8 em todos os momentos (Figura 1).
Ambos os testes foram capazes de predizer de forma independente o parto prematuro com 27, 30 e 33 semanas, mas com 24 semanas apenas a medida do comprimento do colo foi útil para predizer o parto prematuro. A sensibilidade, a especificidade e os valores preditivos para predição de parto prematuro estão demonstrados na Tabela 1. A associação foi considerada positiva quando ao menos um dos testes estivesse alterado, e negativa quando ambos estivessem normais.
A utilização em conjunto da medida do colo uterino na 24ª semana e do teste para phIGFBP-1 na 27ª semana elevou a sensibilidade de 72%, quando utilizada apenas a medida do colo uterino, para 95,4%, e o valor preditivo negativo foi de 89,7 para 98,2%. O risco relativo e as taxas de ocorrência de parto prematuro para diferentes combinações dos testes estão demonstrados na Tabela 2.
A probabilidade de ocorrência de parto prematuro para diferentes valores de comprimento cervical está representada na Figura 2 e pode ser calculada pela fórmula P=1/1+e-(EQ), onde e é a base do logaritmo neperiano e EQ é a equação obtida pela regressão logística em cada momento avaliado. Para a associação da medida do comprimento cervical na 24ª e do teste bioquímico na 27ª semana, a equação foi 2,8+[(1,428 x phIGFBP-1)-(0,178xColo)], devendo a variável "phIGFBP-1" ser substituída por 0 quando o teste for negativo, e por 1 quando o teste for positivo, e a variável "Colo" pela medida do comprimento cervical em milímetros. Observa-se que as curvas se distanciaram, principalmente quando o colo uterino esteve entre 10 e 30 mm, e portanto a maior utilidade do teste bioquímico foi evidenciada nesta faixa de comprimento cervical.
Discussão
Até o presente momento, a medida do comprimento do colo uterino tem sido descrita como o melhor método preditivo disponível. Na falta de um marcador ideal, a associação de testes preditivos se mostra de maior sensibilidade e superior à utilização de marcador único, particularmente em gestantes com risco elevado.
Este trabalho confirmou que a avaliação ultrassonográfica do comprimento do colo uterino constitui bom marcador de risco em pacientes com antecedente de parto prematuro, com área sob a curva ROC acima de 0,8 em todas as idades gestacionais avaliadas. Ocorre encurtamento fisiológico do colo à medida que a gestação avança, razão pela qual devem ser utilizados diferentes valores de corte em idades gestacionais distintas. Entretanto, a sensibilidade e a acurácia semelhantes da medida do comprimento cervical nos diferentes momentos avaliados sugerem que o exame deve ser feito precocemente, e que a repetição sequencial não traz benefícios em relação ao exame único. Da mesma forma, Dilek et al.29 evidenciaram que a acurácia de uma única medida do comprimento cervical na 24ª semana é a mesma de quando realizadas múltiplas medidas e é avaliado o encurtamento progressivo do colo uterino. O melhor valor de corte para a avaliação da medida ultrassonográfica do comprimento do colo uterino com 24 semanas, neste estudo, foi de 22 mm, o qual apresentou 72% de sensibilidade e taxa aceitável de falso-positivo (15,3%). Entretanto, outros autores adotaram valores distintos. Embora a utilização do valor de corte de 25 mm seja a mais frequentemente encontrada na literatura, na amostra estudada a utilização deste limite acarretaria taxas de falso-positivo tão altas quanto 33% para parto antes da 37ª semana e 39% para parto na 34ª semana ou menos. Valores mais restritivos, como 15 mm, teriam baixa sensibilidade (24%). Paternoster et al.30, num estudo que incluiu 210 gestantes com contrações uterinas documentadas, sugerem que o melhor valor de corte para a medida do comprimento do colo uterino naquela população foi de 26 mm e, assim como neste trabalho, evidenciam que a medida do comprimento do colo mostra maior poder de predição do que a presença de teste positivo para phIGBP-1 isolada.
Assim como demonstrado previamente por Bittar et al.11 e por Khambay et al.31 em gestantes de alto risco, neste trabalho o teste para phIGFBP-1 não foi capaz de predizer a ocorrência de parto prematuro quando realizado na 24ª semana, mas apresenta bons resultados quando realizado com 27, 30 e 33 semanas de gestação. Em revisão sistemática, Honest et al.32 demonstram ser o teste para phIGFBP-1 útil para a predição do parto prematuro tanto em gestantes sintomáticas quanto naquelas assintomáticas e de alto risco. Outro benefício da associação foi o alto valor preditivo negativo (93,7%), em estando ambos os testes normais, dado que permite tranquilizar gestantes que apresentem esses resultados e evitar a instituição de medidas terapêuticas desnecessárias.
Embora a avaliação do colo uterino tenha apresentado maior sensibilidade (72%) do que o teste bioquímico, sua utilização isolada não foi capaz de detectar 28% das gestantes que evoluíram para parto prematuro, de forma que o desempenho da associação dos testes é bastante mais sensível. Os achados sugerem que este modelo de avaliação possa ser utilizado de forma rotineira no pré-natal de gestantes com antecedente de parto prematuro, assim como para indicar redução ou modificação das atividades laborais nas gestantes de maior risco, além de facilitar a detecção precoce de eventual trabalho de parto prematuro e permitir a instituição precoce de medidas de prevenção terciária comprovadamente benéficas, como a tocólise e a administração de corticosteroides. Embora todas as gestantes com antecedente de parto prematuro devam utilizar progesterona, de acordo com as recomendações do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG)33, é possível que a redução da carga de trabalho nos casos com testes preditivos alterados reduza ainda mais o risco de prematuridade.
A maioria dos estudos que avaliaram a utilização conjunta destes dois marcadores o fez em gestantes sintomáticas, e os resultados foram semelhantes. Brik et al.34, por exemplo, avaliaram 276 gestantes sintomáticas e demonstraram que os dois testes foram capazes de predizer parto antes da 32ª semana, antes da 34ª semana, nos sete dias que se seguiram e nos 14 dias subsequentes, e que o intervalo entre a admissão e o nascimento foi menor quando os dois exames estavam alterados.
Em estudo de metanálise e revisão sistemática realizado recentemente, Conde-Agudelo et al.35 não conseguiram demonstrar redução das taxas de parto prematuro com a pesquisa de marcadores bioquímicos no sangue materno ou nas secreções genitais, entre os quais a phIGFBP-1. Entretanto, faz-se mister ressaltar que os estudos incluídos foram heterogêneos, e que não se fez distinção entre estudos que tenham incluído medidas preventivas como utilização de progesterona natural ou redução da carga de trabalho e aqueles que não o tenham feito. Cabe reiterar que a utilidade clínica de qualquer marcador só pode ser medida à luz dos resultados perinatais após possíveis intervenções terapêuticas.
As principais limitações deste trabalho foram a ausência de um Grupo Controle composto por gestantes normais e a análise retrospectiva dos dados. Entretanto, cabe ressaltar que os estudos envolvendo a associação de marcadores preditivos apenas em gestantes com antecedente de parto prematuro são escassos na literatura, e que é de grande importância a tentativa de predizer a recorrência da prematuridade nesta população de alto risco.
Este estudo demonstrou que a associação de um marcador biofísico (comprimento cervical) com um marcador bioquímico (teste para phIGFBP-1) foi capaz de predizer com alta sensibilidade a ocorrência de parto prematuro, e que na presença de ambos os testes normais o risco de ocorrência de parto prematuro é baixo. Mais estudos são necessários para determinar a melhor forma de avaliar o risco em gestantes com antecedente de parto prematuro, e as medidas terapêuticas mais eficazes para evitar a recorrência e as complicações da prematuridade.
Recebido: 10/09/2013
Aceito com modificações: 30/09/2013
Conflito de interesses: não há.
Trabalho realizado na Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil.