DOI: S0100-7203(13)03501200002 - volume 35 - Dezembro 2013
Martha Nast, Andressa de Oliveira, Fernanda Rauber, Márcia Regina Vitolo
Introdução
A gravidez e o pós-parto caracterizam-se por período de risco para o desenvolvimento de excesso de peso em mulheres1-4. Durante a gestação, muitas mulheres ganham mais peso do que o recomendado5, o que pode alterar substanciamente seu estado nutricional futuro6. Embora a relação da gestação e risco de obesidade tenha sido foco de diversos estudos, os resultados ainda são controversos e limitados para a população de mulheres brasileiras7.
No Brasil, estudos mostraram prevalências de até 52% de mulheres com ganho de peso gestacional excessivo8-10. Uma revisão sistemática mostrou que, além das consequências como o excesso de peso ao nascer e macrossomia infantil, o ganho de peso gestacional superior ao recomendado está associado à retenção de peso materno, definida como a diferença entre o peso pré-gestacional e o peso em determinado momento após o parto5, no curto, médio e longo prazo11. Estudos prospectivos mostraram que mais de 65% das mulheres não retornam ao peso pré-gestacional em até um ano após o parto12,13. No Brasil, dados de duas coortes de mulheres mostraram que 30% apresentaram valores de retenção de peso 2 meses após o parto em torno de 5 kg14 e 19,2% retiveram 7,5 kg ou mais 9 meses após o parto6. Outros fatores como o índice de massa corpórea pré-gestacional e características socioeconômicas também têm sido associados à retenção de peso após o parto15; contudo, ainda há uma grande lacuna na discussão dos seus determinantes.
O objetivo deste estudo foi avaliar a retenção de peso 6 e 12 meses após o parto e seus fatores associados entre mulheres que realizaram o pré-natal em Unidades de Saúde da cidade de Porto Alegre.
Métodos
Análise de dados de mulheres que participaram de um ensaio de campo randomizado por conglomerados realizado no período de abril de 2008 a março de 2010, com puérperas atendidas em 20 Unidades de Saúde (US) do município de Porto Alegre, (RS), Brasil.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), com parecer de número 545/07, pelo Comitê de Ética da Prefeitura Municipal de Porto Alegre e pelas 20 US participantes. A pesquisa foi conduzida de acordo com a Declaração de Helsinque, revisada em 2008, e registrada no ClinicalTrials.gov, sob o identificador NCT0063545.
De abril a dezembro de 2008, entrevistadores compareceram às US para identificação de gestantes que estivessem no último trimestre de gestação. As gestantes foram informadas sobre os procedimentos do estudo e as que concordaram em participar assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Nesse momento, as gestantes responderam a um questionário contendo dados referentes a idade, escolaridade, ocupação, paridade e renda familiar total. O peso pré-gestacional foi referido pela gestante, e o peso gestacional foi obtido da carteira de acompanhamento do pré-natal. Obtiveram-se a data provável do parto, o endereço e o contato telefônico da gestante para posterior visita domiciliar. As gestantes diagnosticadas como HIV positivas não foram consideradas elegíveis para o estudo.
Seis e 12 meses após o parto, realizou-se visita domiciliar às mulheres participantes para coleta dos dados antropométricos. As participantes foram pesadas descalças e vestidas com roupas leves com balança digital (Techline®), com precisão de 100 g. A estatura foi obtida na visita realizada seis meses após o parto, utilizando-se um estadiômetro portátil (Seca®), com precisão de 0,1 cm, fixado em parede lisa, com a participante em posição ereta e com os calcanhares encostados na parede.
As mulheres foram avaliadas segundo o Índice de Massa Corpórea (IMC), sendo classificadas como baixo peso (<18,5 kg/m2), eutrofia (18,5 - 24,9 kg/m2), sobrepeso (25 - 29,9 kg/m2) e obesidade (≥30 kg/m2). As recomendações adotadas pelo Instituto de Medicina5 e pela Organização Mundial da Saúde (OMS)16 foram utilizadas para a avaliação durante o período pré-gestacional e 6 e 12 meses após o parto, respectivamente, e a Curva de Atalah17 foi utilizada para a avaliação durante a gestação.
O ganho de peso gestacional foi avaliado de acordo com o IMC pré-gestacional5 sendo considerado excessivo valor superior a 16, 11,5 e 9,1 kg para as participantes eutróficas, com sobrepeso e obesidade, respectivamente.
A retenção de peso pós-parto foi calculada a partir da subtração do peso pré-gestacional referido pelas gestantes no primeiro momento da coleta de dados e o peso foi aferido após o parto. Para que a avaliação fosse verossímil, as participantes que não apresentaram diferença positiva entre o peso pré-gestacional e o peso após o parto foram excluídas das análises relacionadas à retenção de peso.
O banco de dados foi duplamente digitado no programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 11.0 (Statistical Package for Social Sciences Inc., Chicago, Estados Unidos), por 2 estudantes de graduação treinados. A validação dos dados foi feita com o programa Epi Info, versão 6.4 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos) e as análises estatísticas foram realizadas na versão 16.0 do programa SPSS.
As variáveis foram descritas como percentuais ou médias e desvios-padrão. A prevalência de excesso de peso (sobrepeso e obesidade) pré-gestacional e 12 meses após o parto foi analisada pelo teste de McNemar. A retenção de peso após o parto foi avaliada pela diferença entre o peso pré-gestacional e o peso aferido 6 e 12 meses após o parto. O ganho de peso gestacional e a retenção de peso 6 e 12 meses após o parto segundo o IMC pré-gestacional (eutrofia, sobrepeso e obesidade) foram avaliados pela análise de variância (ANOVA) e as comparações múltiplas de Bonferroni. Para avaliar os fatores associados com a retenção de peso 12 meses após o parto, foi utilizada a regressão linear múltipla. Para todos os testes, foi adotado nível de significância de p<0,05.
O valor amostral diferiu em cada análise dependendo da disponibilidade dos dados.
Resultados
Das 715 gestantes entrevistadas no último trimestre, 633 e 545 foram avaliadas 6 e 12 meses após o parto, respectivamente. Os motivos das perdas durante o seguimento foram recusa em participar do estudo (n=62), mudança de endereço (n=100) e morte ou doença da mãe e/ou da criança (n=8). As mulheres classificadas como baixo peso pré-gestacional (n=33) e/ou aquelas que reduziram ou mantiveram o peso pré-gestacional 12 meses após o parto (n=27) foram excluídas das análises de ganho de peso gestacional e retenção de peso após o parto.
A maioria das mulheres era branca (55,3%), possuía ensino fundamental completo (52,4%), não exercia atividade remunerada (66,7%) e era multípara (55,5%). A média de idade foi de 25,4±6,6 anos e 28,5% eram adolescentes (idade < 20 anos). A renda familiar mensal de 81,9% das mulheres foi < 3 salários mínimos (equivalente a R$ 450,00 na época da coleta de dados) e a média de renda mensal per capita foi de R$ 320,32±277,31.
A distribuição das mulheres de acordo com a classificação do IMC pré-gestacional, gestacional, 6 meses e 12 meses após o parto está descrita na Tabela 1. A prevalência de excesso de peso 12 meses após o parto foi superior ao excesso de peso no período pré-gestacional (52,9 versus 36,7%; p<0,001).
A média de ganho de peso gestacional das mulheres estudadas foi de 11,6±5,7 kg. Considerando-se o IMC pré-gestacional, as mulheres eutróficas (11,8±5,5 kg) e com sobrepeso (12,0±5,9 kg) apresentaram média de ganho de peso gestacional superior, comparadas àquelas com obesidade (9,8±6,3 kg; p=0,02). A prevalência de mulheres com ganho de peso gestacional superior ao valor máximo recomendado de acordo com o IMC pré-gestacional foi de 46,5% (n=59) entre aquelas com sobrepeso, 45,9% (n=34) entre aquelas com obesidade e 17,6% (n=61) entre as eutróficas.
Seis meses após o parto, 76,4% das mulheres retiveram peso, e a média foi de 7,4±6,1 kg. Doze meses após o parto, 72,7% das mulheres retiveram peso, sendo que 30,7% retiveram ≥10 kg, e a média foi de 8,5±6,8 kg. Considerando-se o IMC pré-gestacional, a retenção de peso 6 meses (8,7±7,0 kg; p=0,03) e 12 meses (9,9±7,7 kg, p=0,03) após o parto foi superior nas mulheres com sobrepeso, comparadas às mulheres eutróficas (6,9±5,7 e 7,6±6,2 kg 6 e 12 meses após o parto, respectivamente).
Após a análise de regressão linear, observou-se que a maior retenção de peso 12 meses após o parto foi associada ao maior IMC pré-gestacional, maior ganho de peso gestacional e à gestação na adolescência, como descrito na Tabela 2.
Discussão
Os resultados do presente estudo mostraram que aproximadamente 50% das mulheres com sobrepeso ou obesidade apresentaram ganho de peso gestacional superior ao recomendado pelo Instituto de Medicina5 e que mais de 70% retiveram peso até 12 meses após o parto - sendo que 30% retiveram 10 kg ou mais, aumentando, assim, a prevalência de mulheres com excesso de peso após a gestação. Os fatores associados à retenção de peso foram IMC pré-gestacional, ganho de peso gestacional e idade.
O maior IMC pré-gestacional foi fator de risco para a retenção de peso após o parto entre as mulheres estudadas, consolidando evidências que mostram que o risco de reter peso após o parto aumenta entre mulheres que iniciam a gestação com sobrepeso ou obesidade15,18-20. Porém, houve ainda redução do percentual de mulheres eutróficas no período após o parto, o que pode ser explicado pela provável insuficiência de vigilância no controle do ganho de peso gestacional entre essas mulheres, uma vez que elas não fazem parte do grupo de risco no início da gestação. Mulheres que extrapolam as recomendações para ganho de peso durante a gestação se expõem a maiores riscos de desenvolverem excesso de peso ou obesidade tanto no curto quanto no longo prazo12,21-23.
Assim, o ganho de peso gestacional excessivo mostrou-se preditor para maior retenção de peso após o parto, corroborando outros estudos1,21,23,24. Estudo prospectivo realizado para avaliar o efeito do ganho de peso gestacional em longo prazo mostrou que o ganho de peso gestacional excessivo aumentou o risco de desenvolver sobrepeso ou obesidade em até duas décadas após a gestação22. Mannan et al.21, por meio da avaliação de uma série de meta-análises para investigar a associação de ganho de peso gestacional com a retenção de peso em até 21 anos após o parto, encontraram que o ganho de peso gestacional excessivo tem maior influência na retenção de peso após o parto do que na situação oposta de pouco ganho de peso e manutenção dessa condição no pós-parto. Essa situação de facilitação para aumento nas reservas de gordura é promovida pelos mecanismos fisiológicos que ocorrem na gestação como o maior acúmulo de triglicerídeos para garantir reserva imediata de energia para o feto em períodos de jejum prolongado25.
Estudo recente mostrou que 50% das mulheres apresentavam excesso de peso durante a gestação e, quando questionadas sobre seu estado nutricional, a maioria considerava seu peso normal e apenas 24% identificou-se com excesso de peso26. É possível, portanto, que o aumento da prevalência da obesidade esteja mudando a percepção do que é considerado adequado pela população. Outro aspecto interessante do estudo foi que as gestantes consideravam a ingestão de alimentos orgânicos, sucos de frutas e não se alimentar após as 20 horas comportamentos adequados para o controle do ganho de peso26.
Outro fator de risco para retenção de peso após o parto foi ser adolescente, isto é, mulheres com idade menor ou igual a 20 anos, corroborando outros 2 estudos prospectivos realizados com mulheres brasileiras6 e americanas12. Gigante et al.27, em estudo realizado com adolescentes de uma coorte de nascimento de base populacional do sul do Brasil, mostraram que a gestação durante a adolescência foi associada ao aumento da prevalência de obesidade na vida adulta. Informações específicas e atuais sobre gestação entre adolescentes ainda se mostram limitadas, sendo necessários mais estudos nessa área.
O presente estudo não encontrou associação entre o aleitamento materno exclusivo e retenção de peso 12 meses após o parto. Estudos mostram resultados controversos quanto à influência da amamentação na retenção de peso após o parto1,20,28-31 e sugerem que a amamentação por si só não previne a retenção de peso após o parto24, mas pode ser um dos fatores que contribui para a perda de peso pós-parto24,32.
Quanto às limitações deste estudo, destaca-se que o peso pré-gestacional foi referido pelas participantes, de tal forma que o valor pode ter sido subestimado6,33. Entretanto, um estudo mostrou que a avaliação do estado nutricional por meio do peso pré-gestacional referido pode ser um indicador confiável quando há aferição precisa da estatura - como realizado no presente estudo -, devido à redução no erro no cálculo do IMC34. Outra limitação diz repeito à extrapolação dos resultados para outros grupos de melhor condição socioeconômica, já que os dados deste estudo foram obtidos de grupo populacional de menor poder aquisitivo.
Intervenções nutricionais durante a gestação podem ajudar na prevenção do ganho de peso gestacional excessivo e na redução da retenção de peso após o parto35. Estudo em nosso meio mostrou que a intervenção nutricional durante a gestação reduziu a velocidade de ganho de peso para gestantes com excesso de peso, porém não foi efetiva para prevenir o ganho de peso excessivo entre eutróficas. Além disso, os autores do mesmo estudo enfatizaram que a intervenção deve iniciar antes da 20ª semana gestacional36. Conclui-se, desta forma, que é necessária a adequada assistência pré-natal para minimizar os efeitos adversos do ganho de peso excessivo durante a gestação na saúde da mulher.
Agradecimentos
Ao Ministério da Saúde (termo de portaria: 577/200) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (PPSUS/2006/1537-7).
Recebido: 08/10/2013
Aceito com modificações: 28/11/2013
Conflito de interesses: nada a declarar.