DOI: S0100-7203(13)03500800003 - volume 35 - Agosto 2013
Dixis Figueroa Pedraza, Ana Carolina Dantas Rocha, Maria Vera Lúcia Moreira Leitão Cardoso
Introdução
A assistência pré-natal compreende um conjunto de atividades com a finalidade de identificar riscos e implementar medidas que trariam maior nível de saúde para a mulher e para o concepto1. De acordo com os princípios gerais e condições para o acompanhamento pré-natal estabelecidos na Portaria GM/MS n. 5692, a primeira consulta de pré-natal deve acontecer até o 4º mês de gestação, devendo ser, no mínimo, seis consultas de acompanhamento, preferencialmente, uma no primeiro, duas no segundo e três no terceiro trimestre da gestação. Define-se ainda um conjunto de exames laboratoriais e procedimentos requeridos para o cumprimento dos objetivos da atenção qualificada e humanizada às gestantes. A atenção pré-natal tem potencial destacado como indicativo de qualidade dos serviços, pois dispõe de indicadores formais para o seu monitoramento e constitui modalidade de atenção tradicional nos serviços de atenção básica3. Entre os indicadores empregados para o estudo da adequação do cuidado pré-natal, evidenciam-se dois grupos distintos: os de utilização ou quantitativos; e os de processo ou qualitativos. A maioria das investigações se concentra no uso dos indicadores quantitativos, através de informações sobre a idade gestacional no início do pré-natal e o número de consultas de pré-natal, isoladas ou combinadas, controlados ou não para a duração da gestação. As medidas combinadas mais frequentemente escolhidas são o Índice de Kessner e o APNCUI (Adequacy Prenatal Care Utilization Index) ou Índice de Kotelchuck4. Esses índices utilizam como parâmetro um número mínimo de 9 a 13 consultas para uma gestação de 40 semanas. Segundo o Índice de Kessner, o cuidado é considerado inadequado se não houver consultas de pré-natal entre a 14ª e a 21ª semana da gestação, uma consulta ou menos entre a 22ª e 29ª, duas ou menos consultas entre a 30ª e a 31ª, três ou menos consultas entre a 32ª e a 33ª e quatro ou menos consultas a partir da 34ª semana de gestação. No Índice de Kotelchuck a inadequação do pré-natal é atribuída quando o cuidado é iniciado após o 7º mês e quando há realização de menos que 50% das consultas recomendadas5.
Apesar de importantes para avaliação da utilização dos serviços de pré-natal, os indicadores quantitativos não permitem a avaliação da qualidade da assistência6. A utilização de indicadores qualitativos na avaliação da assistência pré-natal tem sido pouco explorada, pois apresenta dificuldades ao tratar da observação do resultado em face dos serviços recebidos4,7. Nesse contexto, o peso ao nascer destaca-se como importante indicador de resultado relacionado à melhoria do bem-estar da mãe e da criança em decorrência da disponibilidade e utilização do cuidado pré-natal4.
No contexto da Estratégia Saúde da Família, destaca-se a importância das suas ações no aumento da cobertura da assistência pré-natal8. Não obstante, alerta-se sobre as desigualdades que ainda persistem no uso da assistência9 e a baixa qualidade8. Nesse sentido, destacando as várias dimensões envolvidas na realização e a qualidade da assistência pré-natal, ressalta-se: a associação entre a inadequação do uso da assistência e as variáveis indicativas de baixas condições de vida, ou seja, daquelas que refletem a persistência de desigualdade social9,10; a restrição dos estudos ao papel do perfil socioeconômico e demográfico das gestantes e/ou das características dos serviços de saúde, de maneira que outros aspectos são pouco abordados, a exemplo das condições psicossociais da gestante11.
Este estudo teve por objetivo caracterizar a assistência pré-natal no contexto de Unidades Básicas de Saúde da Família e verificar a associação de sua adequação com características maternas, socioeconômicas e do saneamento ambiental, bem como a influência deste conjunto de fatores sobre o peso ao nascer das crianças.
Métodos
O estudo foi realizado no município de Queimadas, localizado na Região Metropolitana de Campina Grande e na Mesorregião do Agreste Paraibano, com uma área de 409,196 km2. O sistema de saúde do município é constituído por 16 Unidades Básicas de Saúde da Família, sendo 11 rurais e 5 urbanas; 1 Centro de Atenção Psicossocial (CAPS); 1 Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF); 1 Centro de Saúde, no qual funcionam serviços de atendimento odontológico e exames bioquímico-laboratoriais; e 1 Unidade Mista que oferece apoio à rede de serviços de saúde.
A pesquisa do tipo transversal teve como cenário as 16 Unidades Básicas de Saúde da Família, que compõe o Sistema Único de Saúde do município, responsáveis por prestar atenção pré-natal às gestantes de baixo risco. A população elegível para o estudo foi constituída por todas as mulheres que tiveram filho durante o ano de 2009 e residentes no município no momento da coleta de dados.
Para quantificar o total de mães com nascidos vivos em 2009, foram consideradas as Declarações de Nascidos Vivos (DNVs) disponíveis na Secretaria Municipal de Saúde. A informação foi complementada por busca ativa de nascimentos junto aos agentes comunitários de saúde (ACSs) e enfermeiros. Considerando o endereço constante na DNV, foi realizado um mapeamento das mães por unidade de saúde de acordo com a área de abrangência de cada unidade. A identificação das mães que não continuavam residindo no município foi verificada através de informantes chaves (enfermeiros, ACSs, líderes comunitários).
Foram considerados como critérios de exclusão: mães que não realizaram nenhuma consulta de pré-natal em alguma das Unidades Básicas de Saúde da Família, do município, mães que engravidaram depois de parir a criança nascida em 2009, mães com idade inferior a 18 anos, mães que pariram crianças com malformações congênitas graves, nascimentos gemelares e mães de crianças falecidas. As informações anteriores foram fornecidas pelos enfermeiros e/ou coletadas em documentos oficiais (livros de registro, prontuários, fichas do SIAB). Mães com as quais não foi possível realizar contato ou visitar o domicílio após três tentativas foram consideradas perdas.
Procedimentos para a Coleta de Informação
As informações foram coletadas por entrevista com as mães nas Unidades Básicas de Saúde da Família, ou no próprio domicílio materno. O instrumento de coleta utilizado na pesquisa constou de um questionário, com questões fechadas, contendo informações demográficas, socioeconômicas, relacionadas às condições de saúde, hábitos de vida e características da gravidez e do pré-natal. Algumas informações foram obtidas de forma secundária, por consulta ao cartão da gestante (número de consultas de pré-natal, mês da primeira consulta de pré-natal, exames realizados durante a gestação) e a Caderneta de Saúde da Criança (peso ao nascer). A realização de exames durante a gravidez centrou-se na verificação de no mínimo um registro.
Foi elaborado um Manual Instrucional objetivando orientar e padronizar o preenchimento do questionário e a coleta dos dados. Outro instrumento utilizado foi a ficha controle de trabalho de campo para anotar os aceites, as recusas, as exclusões e as perdas, com a finalidade de acompanhar a cobertura da amostra do município por Unidade Básica de Saúde da Família. Foi realizado treinamento dos entrevistadores para apreciação do instrumento de coleta e realização de ajustes sugeridos conforme discussões e avaliações. O estudo piloto foi feito no Centro de Saúde da Palmeira do município de Campina Grande. Numa segunda etapa, os entrevistadores debateram as dificuldades surgidas, ocasião em que foram feitas novas adaptações no questionário, resultando, por fim, no modelo definitivo que foi aplicado.
Os dados foram digitados no programa Excel 2000, com dupla digitação dos questionários, para comparação e detecção de possíveis erros. Foi utilizado o aplicativo Validate do programa Epi-Info para verificar a consistência dos dados.
Os atributos selecionados para caracterizar a assistência pré-natal com base na literatura foram: i) indicadores de adequação do pré-natal: número de consultas realizadas no pré-natal (≥6=0; <6=1), idade gestacional na primeira consulta (<20 semanas=0; ≥20 semanas=1), índice de adequação pré-natal (adequado=0; inadequado=1); ii) exames realizados durante o pré-natal: hemoglobina (sim=0; não=1), VDRL (sim=0; não=1), glicemia de jejum (sim=0; não=1), urina tipo I (sim=0; não=1), HIV (sim=0; não=1); iii) intercorrências detectadas durante o pré-natal: infecção de urina (não=0; sim=1), diabetes gestacional (não=0; sim=1), pressão alta (não=0; sim=1), anemia (não=0; sim=1).
Considerando o Índice de Kessner, modificado por Takeda, o desfecho (índice de adequação pré-natal) foi definido como adequado sempre que as gestantes realizaram 6 ou mais consultas e iniciaram o acompanhamento pré-natal antes de 20 semanas. As demais situações, categorias de pré-natal intermediário e inadequado, foram consideradas como inadequadas.
Para analisar possíveis variáveis preditoras do índice de adequação do pré-natal, as mesmas foram agrupadas em três blocos: i) características maternas: idade (entre 20 e 34 anos=0; ≥35 anos=1; <19 anos=2); anos de estudo (≥12=0; entre 5 e 11=1 ; <5=2); cor da pele (branca=0; parda/morena=1); situação conjugal (com companheiro=0; sem companheiro=1); características socioeconômicas: local de residência (urbana=0; rural=1); renda total em salários mínimos (RT≥2 SM=0; 1 SM<RT<2 SM=1; 1/2 SM£RT<1 SM=2; RT<1/2 SM=3); benefício de programa social (sim=0; não=1); características do saneamento ambiental: abastecimento de água no domicílio (rede pública=0; carro pipa=1; poço/nascente=2); destino do lixo (coletado=0; queimado/enterrado=1; céu aberto=2). As categorias das variáveis codificadas com o valor zero foram tomadas como referência, e as codificadas com valores diferentes de zero representaram categorias de risco.
Realizou-se a regressão logística hierárquica para estimar razões de chance de pré-natal inadequado. Inicialmente, foram estimadas as razões de chance para as variáveis do bloco i (maternas), ajustadas umas pelas outras. Foi preestabelecido que as variáveis deste bloco cuja significância estatística fosse menor do que 25% (p<0,25) seriam incluídas como possíveis confundidores das variáveis de interesse dos blocos seguintes (bloco de variáveis socioeconômicas e do saneamento ambiental). Do mesmo modo, se o p para as variáveis socioeconômicas (bloco ii) fosse menor do que 0,25 estas variáveis também seriam mantidas como possíveis confundidores das variáveis de interesse do bloco iii. Foi considerada associação significante quando p<5% (p<0,05).
Um modelo de regressão linear múltipla foi empregado para estimar o efeito da adequação do pré-natal e das variáveis maternas, socioeconômicas e do saneamento ambiental sobre o peso ao nascer. As premissas de linearidade, homocedasticidade e normalidade foram checadas para cada modelo ajustado. Para a avaliação da importância de cada variável independente foi feito o teste t de Student e o critério para a entrada foi o valor de p<0,25. A comparação entre os modelos se deu pelo coeficiente de explicação - R2. Neste modelo ainda utilizou-se bootstrap para a obtenção de intervalos de confiança mais acurados. O programa estatístico utilizado foi Rv2.10.0.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, protocolada com o número 0170.0.133.000-11, como parte do projeto intitulado "Situação Alimentar, Nutricional e Atenção à Saúde Materno-Infantil na cidade de Queimadas, Paraíba". Foram contempladas todas as normas que regulamentam as pesquisas com seres humanos - Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde do Brasil.
Resultados
Segundo o registro de DNV, 407 partos de mães residentes em Queimadas foram verificados inicialmente. Por busca ativa foram identificadas 43 mães, totalizando 450 partos ocorridos durante o ano de 2009. Um total de 27 mães foi identificado como não residentes no município na ocasião da coleta de dados. Assim, 423 mães foram consideradas elegíveis. Desse total foram excluídas 90 mães, sendo 43 por não terem realizado nenhuma consulta de pré-natal em alguma das Unidades Básicas de Saúde da Família, (mães com plano de saúde); 40 por terem engravidado após o parto ocorrido em 2009; 1 por ter idade inferior a 18 anos; 2 por terem parido crianças com malformações congênitas graves; 1 por gravidez gemelar e 3 por terem suas crianças falecidas durante o primeiro ano de vida. Houve 120 perdas, 9 recusas e 6 casos foram retirados do banco de dados por ausência de informação relacionada ao número de consultas realizadas no pré-natal e/ou ao mês de início do pré-natal.
A Tabela 1 descreve a assistência pré-natal no município. Observa-se que, de um total de 199 mulheres, 164 (82,4%) tiveram 6 ou mais consultas de pré-natal e 184 (92,5%) iniciaram a assistência antes da 20ª semana de gestação. A adequação do pré-natal foi verificada em 78,4% das mulheres. Em relação aos exames realizados durante o pré-natal, verificaram-se proporções superiores a 90% para todos os casos, a exceção do HIV (68,6%). Das intercorrências analisadas, a infecção de urina (31,2%) foi a mais referida pelas mulheres, seguida da anemia (25,1%), pressão alta (18,1%) e diabetes gestacional (2,5%).
A Tabela 2 apresenta a distribuição da amostra conforme características maternas, socioeconômicas e do saneamento ambiental e sua associação com o índice de adequação pré-natal. Com relação à idade, observou-se que 5,5% das mulheres tinham entre 18 e 19 anos, enquanto aquelas com 35 anos e mais correspondiam a 18,1% do total. A baixa escolaridade (<5 anos de estudo) caracterizou 12,6% das mulheres, a maioria (71,7%) se diz parda ou morena e informa estar vivendo com um companheiro (80,9%). Mais de 60% das mulheres residiam em zona rural; 22,1% dispunham de renda total familiar inferior a meio salário mínimo; e 75,9% recebiam benefício de programa social. O abastecimento de água pela rede pública e a coleta de lixo encontrava-se disponível para um total de 125 famílias (62,8%).
As razões de chance brutas sugerem que a inadequação do pré-natal está positivamente associada (p=0,03) à idade da mãe entre 18 e 19 anos (RC 3,8; IC95% 1,0 - 13,7) e ao abastecimento de água no domicilio por meio de poço/nascente (RC 5,3; IC95% 1,1 - 28,5). A análise multivariada (RC ajustado), por sua vez, mostra que, após serem ajustadas para as variáveis do mesmo nível e dos anteriores, apenas a idade da mãe entre 18 e 19 anos manteve-se associada ao desfecho pré-natal inadequado, com uma medida de risco aumentada (RC 4,2; IC95% 1,1 - 15,8), o que mostra que seu poder explicativo não era devido a fatores de confusão.
Após análise da regressão simples, realizada para estimar o efeito da adequação do pré-natal e das variáveis maternas, socioeconômicas e do saneamento ambiental sobre o peso ao nascer das crianças, foram classificadas, para a regressão linear múltipla, as variáveis índice de adequação pré-natal, abastecimento de água e destino do lixo. No modelo final, observou-se que o abastecimento de água por poço/nascente, o lixo queimado/enterrado e o lixo a céu aberto levaram a menor peso ao nascer em 563,8 g (IC95% -1035,9 - -91,6; p=0,01), 262,0 g (IC95% -17,3 - -506,7; p=0,0360) e 951,9 g (IC95% -156,3 - -1747,3; p=0,01), respectivamente.
Discussão
No presente estudo, a proporção de mulheres com seis ou mais consultas realizadas durante o pré-natal (82,4%) foi maior quando comparada às constatadas tanto no nível nacional (80,9%)12 quanto em outros estudos brasileiros consultados6,7,13-16 que variaram de 66,216 a 79,2%6. Este dado garante que um percentual elevado de mulheres está sendo minimamente assistida durante o pré-natal, de acordo com o que preconiza o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento17, o que contribui positivamente na saúde das mulheres e de seus conceptos.
Quanto ao início do acompanhamento do pré-natal, 92,5% das mulheres realizaram sua primeira consulta antes da 20ª semana de gravidez, não havendo referência a dificuldades na atenção precoce das gestantes e retardamento nas consultas. Ressalta-se, neste contexto, a possibilidade que o início do pré-natal no tempo oportuno oferece de identificar antecipadamente gestações de risco no município estudado, possibilitando a realização do número de consultas e exames pré-natais necessários18.
A adequação do pré-natal apresentada neste estudo (78,4%) foi superior a proporções encontradas por outros pesquisadores14,19. Diante desta conjuntura, a proporção de pré-natal classificado como adequado em Queimadas pode ser dita elevada, panorama que pode estar refletindo tanto a conscientização das usuárias sobre a importância do ingresso precoce no pré-natal e do comparecimento às consultas, quanto o preparo das equipes em implementar as ações de pré-natal e sua implementação prioritária.
Embora o conceito de qualidade do cuidado seja bastante amplo, o presente estudo utilizou a frequência de alguns procedimentos como critério marcador de qualidade. Os estudos com resultados sobre a realização de exames durante o pré-natal não mostram homogeneidade nos seus achados6,7,12,14. Contudo, ainda que com valores inferiores aos evidenciados neste estudo, de uma maneira geral, os resultados mostram-se favoráveis6,12,14, o que reflete sua assimilação como prática rotineira. É conveniente destacar que estes dados foram avaliados mediante observação direta do cartão da gestante. Logo, além de sobressair a adequada solicitação e realização dos exames, ressalta-se o apropriado registro da informação. A exceção em relação aos resultados anteriores está na realização da sorologia para HIV, que precisa ter sua oferta elevada.
Dentre o conjunto de intercorrências detectadas durante a gravidez avaliadas no presente estudo, destaca-se a elevada prevalência de infecção do trato urinário (31,2%). Essa representa a terceira patologia mais comum na gestação, acometendo de 10 a 12% das grávidas20. Controlar esse problema, com maior número de consultas, por exemplo, explica-se pela importância do diagnóstico e tratamento da infecção urinária na redução do nascimento prematuro8. Além disso, esses resultados supõem considerar a cultura de urina como alternativa para o diagnóstico da infecção urinária na rotina pré-natal. O exame simples de urina é o mais utilizado para o diagnóstico de infecção urinária por ser de baixo custo, fácil acesso e realização, permanecendo como único exame disponível na rotina da grande maioria dos serviços de pré-natal. Porém, o sumário de urina analisa elementos que são apenas sinais indiretos de inflamação, enquanto a urocultura possibilita confirmar a infecção urinária através do isolamento e quantificação do patógeno em crescimento21.
Revisão da literatura22 sobre a prevalência de anemia ferropriva em gestantes brasileiras verificou que este agravo apresenta valores discordantes, variando de 3,6 a 52,3%, que se elevam com a idade gestacional. Nas mulheres de Queimadas, a anemia foi a segunda intercorrência mais referida, o que indica a necessidade da suplementação rotineira de ferro. A Organização Mundial da Saúde, considerando o aumento dosrequerimentos de ferro durante a gravidez, difíceis de serem atingidos somente pela ingestão dietética, recomenda a suplementação de 60 mg de ferro/dia durante seis meses do período gestacional23.
A hipertensão arterial e o diabetes melitus atingiu 18,1 e 2,5% das gestantes, respectivamente. Essas duas enfermidades devem ser alvo de cuidado especial, pois são responsáveis por grande parcela da morbidade e mortalidade brasileira24.
Os achados do presente estudo corroboram com a literatura no sentido de que as adolescentes costumam apresentar menores índices de adequação pré-natal13,25,26. A baixa adesão ao pré-natal durante a gestação na adolescência conforma um processo complexo mediado por diversos fatores, incluindo o próprio reconhecimento da gravidez e suas necessidades de saúde, que variam entre países e culturas27.
De modo oposto ao que vem sendo mostrado em outros estudos9,13,15, o uso adequado e intensivo do pré-natal no município de Queimadas não esteve intimamente relacionado com as características socioeconômicas das famílias, como escolaridade da mãe e a renda familiar, refutando pois a "lei da assistência inversa"13,15. Os dados encontrados não enfatizam a necessidade de abordar de modo tão contundente estas diferenças na prestação de serviços de saúde e desafiam o pressuposto de que a remoção de barreiras financeiras afins garantam um elevado nível de utilização pré-natal. A apropriada assistência pré-natal, evidenciada neste estudo, possivelmente reduziu os prejuízos que as adversidades sociais e econômicas podem impor na atenção.
Em relação ao peso ao nascer, expõe-se a falta ou a deficiência da atenção pré-natal como fator explicativo e determinante do baixo peso ao nascer28, entretanto, tal associação não foi corroborada por esta investigação. Estudo de revisão sobre o tema mostrou que o cuidado adequado, ajustado para variáveis de confusão, protege contra nascimentos de baixo peso4. Nesse sentido, é importante destacar a importância das orientações à mãe e à família desde o pré-natal no sentido de prevenir o baixo peso ao nascer17, independente de resultados empíricos, pois circunstâncias, como o fato das mães com assistência pré-natal mais desfavorável espelharem uma pior condição de escolaridade/socioeconômica e a qualidade dos serviços, podem refletir nas relações de causalidade29,30.
No presente estudo, condições inadequadas relacionadas ao destino do lixo e ao abastecimento de água acarretaram importantes reduções nas médias de peso ao nascer.
Estudos realizados no Rio de Janeiro31 e na Índia32 corroboram com este achado, pois apontaram associação estatisticamente significante entre o baixo peso ao nascer e a carência em termos de qualidade do saneamento ambiental. Os autores brasileiros, ao constatar que mulheres que vivem em condições inadequadas de moradia têm mais chances de ter um bebê com baixo peso ao nascimento se comparadas às mulheres que vivem em condições de moradia adequadas, sugerem que a desvantagem social relaciona-se com o baixo peso ao nascer, mesmo em áreas carentes onde as pessoas parecem ser expostas aos mesmos riscos31.
Ao interpretar os resultados deste estudo há necessidade de considerar pelo menos três limitações. Primeiro, as exclusões por óbitos neonatais e idade materna inferior a 18 anos, pois suas inclusões poderiam mudar os resultados das comparações. É plausível o viés de seleção se os excluídos apresentassem diferenças em relação à exposição e ao desfecho. Contudo, há que ressaltar a quantidade pequena de casos nas situações anteriores. Segundo, o uso do cartão da gestante e da Caderneta de Saúde da Criança para obter informações, pois são instrumentos preenchidos por diferentes profissionais sem a garantia da qualidade dos dados. Terceiro, a informação auto referida das intercorrências durante o pré-natal, apesar de estudos indicarem para algumas doenças a confiabilidade desses dados em relação a outros métodos diagnósticos de maior acurácia.
Conclui-se que a adequada assistência pré-natal pode amenizar a influência das desigualdades socioeconômicas relacionadas com a atenção à saúde. Ainda nessa situação, mães adolescentes apresentam maior possibilidade de pré-natal inadequado e o baixo peso ao nascer favorece-se por condições de saneamento inapropriadas (forma de abastecimento da água e destino do lixo). Sugere-se que sejam realizados treinamentos para que os profissionais de saúde da Estratégia Saúde da Família possam realizar a busca ativa de mães adolescentes e oferecer a elas uma assistência diferenciada durante o pré-natal.
Recebido 10/09/2012
Aceito com modificações 29/07/2013
Conflito de interesses: não há.
Trabalho desenvolvido na Universidade Estadual da Paraíba - UEPB - Campina Grande (PB), Brasil.