DOI: S0100-7203(13)03500800007 - volume 35 - Agosto 2013
Antônio Arildo Reginaldo de Holanda, Aline de Melo Pessoa, Julita de Campos Pipolo Holanda, Maria Helena Vieira de Melo, Técia Maria de Oliveira Maranhão
Introdução
O dispositivo intrauterino (DIU), usado por cerca de 150 milhões de mulheres de vários países, é o método contraceptivo reversível mais usado no mundo, ao qual se relacionam taxas de insucesso extremamente baixas, de menos de 1 por 100 mulheres no primeiro ano de uso1-4, com a vantagem de poder ser usado por tempo prolongado4. Atualmente é mais comum nos países em desenvolvimento, observando-se um maior número de usuárias na Ásia Oriental e a mais baixa na América do Norte2. Tais diferenças entre países e regiões podem ser explicadas por uma série de fatores em nível individual, bem como pelos programas e políticas de saúde. A subutilização do método se relaciona com um pior desempenho da saúde reprodutiva das mulheres2.
O DIU, pela eficácia e boa aceitação como método contraceptivo evidenciado pela satisfação e continuidade5-7 é, atualmente, a segunda alternativa de planejamento familiar depois da esterilização cirúrgica2,3, sendo necessário, porém, motivação das usuárias e capacitação das equipes de saúde8. Entre os sintomas atribuídos ao uso do método, o aumento do fluxo menstrual (menorragia) juntamente com o aumento das cólicas menstruais (dismenorreia) são os mais frequentes9,10 e considerados as causas principais de sua remoção9.
A ultrassonografia transvaginal tem sido considerada como o melhor método para diagnosticar inadequações na posição do DIU11,12, devendo ser indicada como exame de rotina na prevenção de falhas12. No entanto, tem sido proposto que o exame clínico é adequado para a avaliação da posição do DIU, dispensando a indicação da ultrassonografia transvaginal para essa finalidade13.
Para se considerar um DIU bem posicionado, a distância do ápice do DIU ao fundo uterino não deve ultrapassar 2,5 cm, assim como a distância do ápice ao fundo da cavidade uterina não deve ser superior a 5 mm11. A frequência de mau posicionamento encontrada foi de aproximadamente 11%11,12, cujo único fator associado foi a nuliparidade11. O DIU é considerado também mal posicionado quando uma de suas partes penetra no miométrio (incrustado) ou tem localização ectópica (além da serosa)12. Independente das distâncias mencionadas, atualmente o que é mais aceito para um DIU ser considerado com posição inadequada é a sua penetração total ou parcial na endocérvix12.
No que concerne à inserção no pós-parto, parece ser oportuna devido à motivação para contracepção e também pela dificuldade de acesso aos serviços de saúde que muitas mulheres encontram14. Apesar de não apresentar risco aumentado para complicações, um estudo mostrou taxas de expulsão maior na inserção pós-parto tardio em relação ao imediato, bem como no pós-parto normal em comparação à inserção durante cesáreas e no ciclo menstrual15. Por outro lado, um estudo randomizado não apresentou diferenças significativas de falhas quando comparados o pós-parto imediato e o tardio16.
Quanto à inserção pós-abortamento, não há consonância entre os autores. Um estudo demonstrou que se a inserção pós-aborto imediata não é inferior à mais tardia, duas a seis semanas depois, com relação à expulsão e a complicações. Esse mesmo estudo mostrou continuidade do método mais frequente após seis meses das usuárias com inserção imediata em comparação àquelas com inserção tardia (92 versus 76%)4 . Outro estudo17 revelou que a taxa de expulsão pós-aborto foi superior à inserção no ciclo menstrual.
Em revisão da literatura recente sobre o DIU não encontramos estudos comparando os três períodos de inserção quanto à adequação de sua posição. Por este motivo, e também pelas várias controvérsias existentes em relação ao método, achamos oportuno o presente estudo, que teve como objetivos avaliar mediante ultrassonografia transvaginal possíveis fatores de risco associados à má adequação da posição do DIU na cavidade uterina, sendo o principal objetivo comparar a inadequação do DIU segundo a época de inserção: pós-parto e pós-aborto em confronto com a inserção clássica, durante o ciclo menstrual.
Métodos
Este estudo, classificado como epidemiológico, individuado, observacional e transversal, foi realizado na cidade de Natal (RN), Brasil, com mulheres encaminhadas do ambulatório de Planejamento Familiar ou do plantão de obstetrícia da Maternidade Escola Januário Cicco, da UFRN, para avaliação ultrassonográfica do DIU, no Setor de Imagem, entre 15 de fevereiro e 15 de junho de 2013. A pesquisa foi conduzida de acordo com a Declaração de Helsinque revisada em 2008, sendo previamente cadastrada na Plataforma Brasil e analisada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes, da UFRN (CEP/HUOL-UFRN), recebendo parecer favorável (número 208.129). Todas as mulheres participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Foram considerados critérios de inclusão mulheres no menacme, agendadas aleatoriamente para exame na Sala 2 do Setor de Imagem, que concordaram em participar do estudo. Foram estabelecidos critérios de exclusão: a presença de um ou mais nódulos endometriais compatíveis com miomas, imagens sugestivas de pólipos endometriais, má formação uterina, bem como o diagnóstico de neoplasia maligna do trato genital. Não houve perdas, ou seja, nenhuma usuária manifestou recusa quanto à sua inclusão no estudo.
O cálculo do tamanho da amostra foi feito considerando a comparação de duas proporções18, com um poder do teste de 80% e um nível de significância de 5%. O resultado estabelecido foi de 127 mulheres para cada um dos dois grupos (DIU no ciclo menstrual e DIU no pós-abortamento/pós-parto). Entretanto, houve dificuldade de recrutar o número estabelecido para o grupo de usuárias com inserção no pós-abortamento e pós-parto, por uma particularidade do serviço no qual a pesquisa foi realizada, onde nem sempre é possível a inserção de DIU nessas ocasiões. Finalizamos a amostra, portanto, com um total de 290 mulheres, sendo que em 205 a inserção foi a convencional, e em 85 realizada no pós-abortamento e pós-parto imediatos, caracterizados quando a inserção ocorreu nos primeiros 10 minutos.
Para cada usuária selecionada foi preenchida uma ficha clínica de atendimento, compreendendo dados demográficos e clínicos. Foram estabelecidas como variáveis independentes: idade, paridade, tempo de uso, época de inserção, número de retornos ao planejamento familiar, satisfação com o método, desejo de continuidade, queixas e complicações (Tabela 1). Como variável dependente, a adequação do DIU na cavidade uterina (desfecho). Caso não houvesse consistência ou dúvidas quanto às informações, prontuários poderiam ser vistos. Em seguida, foi realizado por um dos pesquisadores o exame ultrassonográfico, em modo bidimensional, com equipamento dinâmico, utilizando sonda transvaginal, na frequência de 7,5 MHz.
A avaliação estatística consistiu em apresentação dos eventos em números absolutos, percentuais e médias para todas as descritivas e de associação, sendo empregados também os testes do χ2, com correção de Pearson, e de Fisher para a associação da variável dependente (adequação da posição do DIU) com as variáveis independentes: faixa etária, paridade, época de inserção e posição uterina na cavidade pélvica. Foi utilizado um nível de significância de 5%.
Resultados
Foram incluídas no estudo 290 mulheres cujas idades variaram entre 13 e 53 anos, com média de 29,4 anos.
O tempo médio de uso do DIU foi de 2,7 anos, sendo que 39,3% das mulheres apresentaram alguma sintomatologia associada ao método, sendo que a menorragia foi o sintoma mais frequente (44,7%). A maioria (85%) declarou-se satisfeita com o método e, entre as insatisfeitas, 60% mencionaram a decisão de descontinuar o uso. Quanto à frequência ao Planejamento Familiar para revisões periódicas, 61,4% contavam com dois ou mais comparecimentos para consultas agendadas.
Foi observado um caso de gestação intrauterina concomitante com o DIU, um caso de perfuração uterina, com migração do DIU para a cavidade pélvica, além de um caso de prenhez ectópica íntegra. A expulsão prévia foi referida por 3% das mulheres.
A faixa etária apresentada em três categorias: de 13 - 18 anos, 19 - 34 anos e 35 anos ou mais, cujos valores relativos de boa adequação do DIU foram 100, 82,4 e 89%, respectivamente (Tabela 2), não apresentou associação significativa com a má adequação da posição do DIU na cavidade uterina (p>0,05).
A Tabela 2 mostrou que a paridade, categorizada em nulípara (P-0), paucípara (P-1-2) e multípara (P-3 ou mais), com valores relativos foram bem semelhantes, 84, 85 e 84,6%, respectivamente, não foi um determinante significante para a má adequação do DIU na cavidade uterina (p>0,05).
Em relação à época de inserção confrontada com a posição intrauterina do DIU, na Tabela 3 observamos que 87,8 e 77,6% mostraram boa adequação da posição do DIU, respectivamente, para a inserção no ciclo menstrual e inserção no pós-parto/pós-abortamento, revelando significância estatística (p=0,02), indicando que as usuárias que fizeram inserção no pós-parto/pós-abortamento tiveram maior chance de má adequação da posição do DIU (OR 2,0). Entre as 66 usuárias com inserção no segundo grupo categorizado em 38 (57,6%) a inserção se deu no pós-parto e, para 28 (42,4%), no pós-abortamento.
A Tabela 3 mostrou que a posição do útero na cavidade pélvica, com duas categorizações, AVF e outras posições, apresentou taxas muito próximas de adequação do DIU para os dois grupos: 84,3 e 89%, respectivamente, não contribuindo com a inadequação da posição do DIU, não tendo, portanto, significância estatística (p>0,05).
Discussão
A média de idade encontrada, 29,4 anos, está de acordo com o esperado, ou seja, mulheres dentro do período de vida reprodutiva e jovens. Apesar de não encontrarmos dados sobre o tempo de uso médio, o tempo encontrado neste estudo, de 2,7 anos, nos permite avaliar como insatisfatório, tendo em vista que o DIU pode ter uso prolongado4. Entre as mulheres estudadas, em 85 a inserção ocorreu no pós-parto e pós-abortamento, durante plantões, onde muitas vezes a sobrecarga de atividades dificultam uma melhor interação dos profissionais com as pacientes no que tange aos esclarecimentos pertinentes ao uso do método. A literatura cita a motivação das usuárias8,14 e da equipe médica, que também deve ser capacitada8, como determinantes de uma maior adesão ao método por parte das usuárias8. A interrupção precoce do método é referida como sendo mais baixa entre as mulheres que receberam orientação sobre ele19. As condições adversas acima mencionadas, relativas ao presente estudo, poderão ter contribuído para que o tempo médio de uso encontrado tenha sido curto.
Na sintomatologia atribuída ao uso do método, referida por 39,3% das pacientes, a menorragia foi a queixa mais importante (44,7%), estando de acordo com o que é referido na literatura, onde esta queixa juntamente com a dismenorreia são citadas como os sintomas mais frequentes9.
Estudos referem que o uso do DIU aumenta significativamente a chance de uma contracepção eficaz. Os resultados deste estudo, onde 61,4% das usuárias tiveram dois ou mais agendamentos no planejamento familiar para revisões periódicas, assim como a satisfação referida por 85% das usuárias, caracterizam uma boa adesão ao método, estando em sintonia com a literatura20,21.
A análise da faixa etária não mostrou diferença entre os grupos categorizados. Dados da literatura não mencionam especificamente a má adequação relacionada à faixa etária, porém um estudo associou a idade inferior a 20 anos como o único fator associado mais frequentemente à expulsão1. Outro estudo enfatiza que a inadequação da posição do DIU, quando precocemente diagnosticada pela ultrassonografia transvaginal, previne a sua ineficácia12. Esta afirmação implica deduzir que um DIU, antes de ser expulso, poderá ter tido uma má adequação na cavidade uterina. Neste sentido, o presente estudo não estaria de acordo com a literatura, visto que não houve associação entre a faixa etária mais jovem com o desfecho (má adequação do DIU).
O comprimento, largura e volume da cavidade uterina das nulíparas, menor que a das mulheres que já pariram, não oferece segurança para que os profissionais indiquem o DIU para esse grupo de mulheres, tendo sido considerado o número de estudos ainda insuficiente para conclusões definitivas1. Entretanto, uma tendência para o uso deste método entre essas mulheres tem sido observada22-24. Outro estudo mostrou maior incidência de má adequação do DIU entre as nulíparas11. No presente estudo obtivemos percentuais semelhantes da adequação entre os três grupos categorizados.
Embora haja um número considerável de estudos na literatura mundial sobre o DIU, controvérsias ainda envolvem o uso do método1,4. O presente estudo estabeleceu como desfecho entre as variáveis analisadas a adequação da posição do DIU na cavidade uterina, a qual foi comparada com algumas outras, dentre elas, a época de inserção. O pós-parto14,15 e o pós-abortamento4,16,17,20 são considerados por alguns estudos como épocas favoráveis para a inserção, devido as pacientes se encontrarem mais motivadas14 ou em função da dificuldade de acesso aos serviços de planejamento familiar que muitas delas encontram20, sendo também uma estratégia para diminuir o número de gestações indesejadas20,21. A inserção pós-parto normal está associada a taxas de expulsão mais altas quando comparada à realizada durante cesáreas ou no ciclo menstrual15. Já a cicatriz de cesárea prévia, juntamente com dificuldade técnica de inserção e a dúvida do profissional responsável pela inserção quanto ao êxito do procedimento, forma associação à má adequação do DIU12. Já com relação ao pós-abortamento, não há unanimidade na literatura, havendo autores que referem não haver diferenças com a inserção tardia quanto à taxa de expulsão e complicações4, e outros que afirmam o contrário15. Os resultados deste estudo não estão, contudo, totalmente de acordo com a literatura, por terem revelado que a inserção no ciclo menstrual obteve melhor resultado, quando comparada à inserção nos outros períodos acima mencionados.
Também não foi encontrada relação da má adequação do DIU com a posição do útero na cavidade pélvica, mostrando que a retroversão e outras posições diferentes de anteversoflexão (AVF) não aumentaram o risco para má adequação da posição do DIU, de acordo com o que foi referido na literatura11.
Diante do exposto, o presente estudo permite concluir que a inserção durante o pós-parto e pós-abortamento apresentou piores resultados com relação à adequação do DIU, não sendo observado o mesmo em relação à faixa etária, à paridade e à posição anatômica do útero na cavidade pélvica. Acreditamos que características da assistência intrínsecas ao serviço possam ter contribuído para que os resultados do estudo tenham diferido parcialmente do que é referido na literatura.
Agradecimentos
A Ana Katherine da Silveira Gonçalves, Prof. Adjunta da UFRN, pela contribuição com referências bibliográficas; a Tatyana Maria Silva de Souza Rosendo, Prof. Assistente da UFRN, pelas valiosas sugestões e orientações na metodologia; e a Manoel Reginaldo Rocha de Holanda, médico do Ministério da Saúde - RN, pela colaboração na aplicação dos testes estatísticos.
Recebido: 18/07/2013
Aceito com modificações: 12/08/2013
Trabalho realizado na Maternidade Escola Januário Cicco da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Natal (RN), Brasil.