DOI: S0100-7203(12)03400302 - volume 34 - Março 2012
Eliane Menezes Flores Santos, Lídia Pereira de Amorim, Olívia Lúcia Nunes Costa, Nelson Oliveira, Armênio Costa Guimarães
Introdução
Gravidez e parto são processos normais na vida feminina e geralmente culminam em desfechos bem sucedidos. Apesar disso, fatores relativos à assistência inadequada, seja no pré-natal ou na condução do parto, podem culminar em óbito ou sequelas definitivas para a mãe e o concepto.
A obesidade, importante fator de risco para complicações materno-fetais, hoje é considerada um problema de saúde pública. Ocorrendo em mulheres em idade reprodutiva, pode elevar o número de resultados obstétricos e neonatais desfavoráveis, gerando hipertensão, aumento dos partos cirúrgicos, prematuridade e recém-nascidos com peso alterado1-7. É fato que eclampsia e demais quadros hipertensivos na gestação têm liderado as causas de mortalidade materna em nosso meio8. Fatores familiares, sociodemográficos e econômicos também podem contribuir para o aparecimento de doenças relativas ao ciclo gravídico-puerperal9.
O presente estudo tem por objetivo descrever, além das características dessa população, a incidência de desfechos materno-fetais adversos e a prevalência dos principais fatores de risco a eles relacionados. As informações obtidas por esses resultados podem trazer benefícios a um grande número de mulheres que buscam assistência pré-natal na rede pública.
Métodos
Trata-se de um estudo prospectivo, longitudinal, descritivo e analítico envolvendo 204 gestantes matriculadas em ambulatório de pré-natal de baixo risco, em maternidade pública, atendidas entre maio de 2007 e maio de 2008. O critério de inclusão foi o encaminhamento delas para atendimento pela autora do trabalho, até o número indicado pela estimativa do cálculo amostral10. O critério de exclusão foi a gestante ter definição de risco obstétrico. Foram investigados antecedentes pessoais de diabetes mellitus gestacional, hipertensão arterial, pré-eclâmpsia, ganho de peso em gestação anterior e ocorrência de cesáreas prévias. Na gravidez atual, obteve-se o Índice de massa corpórea (IMC) pré-gestacional e, no ingresso no estudo, por meioda fórmula de Quetelet (peso em quilogramas/quadrado da altura em metro)3 e aferição da pressão arterial, o que foi repetido a cada consulta subsequente até o parto. Considerou-se sobrepeso pré-gestacional quando o IMC inicial, e até 16 semanas de gestação, estava acima de 25 kg/m². O cálculo do ganho de peso materno foi obtido utilizando-se o IMC inicial, a partir do qual o ganho permitido (total no primeiro trimestre e semanal médio no segundo e terceiro trimestres) classificava o estado nutricional da gestante em baixo peso, adequado, sobrepeso ou obesidade11.
Foi considerada hipertensão arterial na gravidez quando a pressão arterial sistólica (PAS) esteve maior ou igual a 140 mmHg e/ou a pressão arterial diastólica (PAD) maior ou igual a 90 mmHg em pelo menos duas aferições, com intervalo superior a quatro horas e início após 20 semanas de gestação, na ausência de proteinúria anterior12; hipertensão crônica (HC), se a pressão arterial estivesse acima de 140/90, de início anterior à gestação ou antes da 20ª semana; pré-eclâmpsia leve se a elevação tem início após 20 semanas, desaparecendo em até seis semanas após o parto, podendo ou não ser acompanhada de proteinúria13; pré-eclâmpsia grave se a pressão arterial foi igual ou maior que 160/110, podendo ocorrer proteinúria e sintomas clínicos de iminência de convulsão. A pré-eclâmpsia sobreposta à hipertensão crônica cursa com piora ou aparecimento da proteinúria após 20 semanas (acima de 300 mg/24 horas)14.
O critério diagnóstico para diabetes mellitus gestacional (DMG) foi a glicemia de jejum maior ou igual a 110 mg/dL, ou glicemia igual ou maior a 140 mg/dL após duas horas do teste oral de tolerância à glicose (TOTG) com 75 g de glicose anidra. O ponto de corte para o rastreamento foi a glicemia de jejum maior ou igual a 85 mg/dL, após a 20ª semana15,16.
O tabagismo foi considerado quando houve uso independente da quantidade17,18, e etilismo se o consumo foi de pelo menos nove drinques por semana19. A proteinúria, considerada quando maior que 30 mg/dL, foi avaliada em amostra única de urina matinal obtida na primeira consulta, pelo método vermelho de pirogalol, na ausência de sintomas de infecção do trato urinário (ITU) ou atividade sexual recente.
Os exames laboratoriais realizados foram: hemograma, colesterol total, HDL-c, LDL-c, triglicérides, glicemia, teste oral de tolerância à glicose com 75 g, com ponto de corte da glicemia de jejum em 85 mg/dL, após a 20ª semana, além de testes sorológicos de rotina e proteína urinária em amostra matinal isolada.
Como a maioria dos partos aconteceu em maternidades variadas, os dados referentes aos desfechos materno-fetais (tipo do parto, número de semanas em que ocorreu, peso do recém-nascido e possíveis complicações) foram obtidos por contato telefônico.
Para a análise estatística, utilizou-se o programa SPSS versão 12, sendo descrita a frequência dos achados sociodemográficos, a prevalência dos principais fatores de risco e a incidência dos desfechos materno-fetais desfavoráveis. A análise bivariada utilizou tabelas de contingência entre preditores e respectivos desfechos, enquanto a regressão multivariada de Poisson incluiu variáveis com seis ou mais desfechos e valor p<0,1. O nível de significância foi menor que 0,05 e o intervalo de confiança 95%.
Esse projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Maternidade Climério de Oliveira e todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Resultados
Na população, a média de idade encontrada foi 26 anos, variando de 13 a 42. Houve predomínio da cor parda (59,8%) e escolaridade com 2º grau completo (51,8%). Do total, 51,0% exerciam atividade remunerada e a maioria convivia em regime de união estável.
Dentre os antecedentes familiares, houve predomínio de hipertensão (61,8%) sobre diabetes (41,2%) e, dentre os pessoais, seis (2,9%) gestantes disseram ser portadoras de hipertensão arterial crônica e uma (0,5%) de anemia falciforme. Tabagismo anterior e atual foi referido por oito (3,9%) delas e etilismo (uso de bebida alcoólica no mínimo três vezes por semana) por 46 (22,1%) (Tabela 1).
IMC pré-gestacional elevado ocorreu em 70 gestantes (34,6%) e o ganho de peso acima do esperado em 87 de 191 gestantes acompanhadas (45,5%) (Tabela 2).
Dentre os desfechos, a anemia foi encontrada em 47 (25,3%) de 186 pacientes que realizaram hematimetria e glicemia com indicação para rastreamento de DMG, e em 32 (17,5%) das 183 que fizeram glicemia de jejum, tendo seis delas (3,4%) confirmado o diagnóstico pelo teste oral de tolerância à glicose. Nove de 201 gestantes (4,5%) tiveram pré-eclâmpsia, e de 182 gestantes, oito (4,4%) tiveram partos prematuros, 73 (40,1%) cesarianos, 20 (9,8%) recém-nascidos com peso excessivo para a idade gestacional (acima do percentil 90 ao nascer) e 27 (13,8%) com peso abaixo do percentil 10 (Tabela 3).
Tanto a análise bivariada quanto a regressão multivariada de Poisson mostraram que o IMC pré-gestacional elevado associou-se significativamente com pré-eclâmpsia (p<0,003, Risco Relativo (RR) de 17,7, com Intervalo de Confiança (IC) de 95% 2,1137,5) e com parto cesariano (p<0,002, RR=1,7; IC95% 1,12,8). A escolaridade de 2º grau completo com parto cesariano pela análise bivariada (p<0,02), associação essa não confirmada pela regressão multivariada (p=0,69). A cesárea prévia com novo parto cirúrgico (p<0,001, RR=2,3; IC95% 1,33,4). O ganho de peso excessivo durante a gestação mostrou associação com recém-nascido de peso acima do percentil 90 (p<0,009, RR=4,7; IC95% 1,614,0). A anemia esteve associada tanto ao RN de peso acima do esperado (p<0,049, RR=3,4; IC95% 1,48,1) quanto ao com peso menor que o percentil 10 (p<0,010), significância não confirmada quando pela análise bivariada. Esses recém-nascidos de baixo peso para a idade gestacional, no entanto, guardaram associação com prematuridade (p<0,019, RR=2,8; IC95% 0,89,5) (Tabela 4).
Discussão
A amostra do presente estudo obtida em uma maternidade pública de ensino universitário mostra que a maioria das gestantes tinha 2º grau completo, superior à escolaridade observada em unidades da mesma região20,21. Apesar disso, a maior parte ingressou no pré-natal no segundo trimestre de gestação, com perda do principal período do acompanhamento, quando algumas medidas preventivas necessárias poderiam ser mais eficazes, principalmente em relaçãoao peso e à anemia. Vale salientar que 42,6% eram primigestas, com média de idade de 23 anos. O fator idade também justificaria o fato de que a maioria com diagnóstico de hipertensão crônica tinha de 31 a 41 anos, predispondo à hipertensão não gestacional22.
O principal fator de risco encontrado para alterações materno-fetais que resultaram em desfechos desfavoráveis esteve relacionado com o peso aumentado da gestante. Esse grupo contou com número significativo de mulheres que iniciaram a gestação com sobrepeso e ganharam acima do preconizado ao longo do pré-natal, expondo-as ao desenvolvimento de desfechos materno-fetais evitáveis e concordante com a literatura como importante fator de risco para complicações obstétricas e neonatais3,23-25, o que também é corroborado pela literatura de outros países26. É amplamente divulgado, portanto, que na gestação a obesidade é vista como cofator para diversas outras patologias que afetarão diretamente os resultados20,25,27-30. Na população geral, a obesidade pode justificar o fato de que quase metade das gestantes avaliadas tinha parentes próximos portadores de diabetes mellitus31.
Como o estudo foi realizado em região com predominante miscigenação racial, de maioria parda, observou-se 61,8% de familiares do primeiro grau portadores de hipertensão arterial, patologia prevalente na raça negra22. Pelo mesmo motivo, o achado de 6,4% de anemia falciforme entre os familiares das gestantes se aproxima dos dados encontrados no estado da Bahia por Naoum32. A incidência de 4,5% de pré-eclâmpsia é concordante com trabalho de Buga et al.33, em que a população guarda semelhança racial. A anemia ocorreu em 25,3% do grupo, apontando benefício para o diagnóstico e correção precoces da patologia34,35.
Este trabalho tem como objetivo descrever as características da população de gestantes assistidas em serviço público de pré-natal de maternidade universitária e identificar os fatores de risco associados a desfechos materno-fetais adversos.
Foram importantes os resultados, mostrando que em gestantes com peso elevado ao ingressar no pré-natal o risco de pré-eclâmpsia foi 17 vezes maior quando comparado às gestantes de IMC normal, e que as com ganho excessivo de peso ao longo da gravidez tiveram cinco vezes mais chances de partos debebês com peso acima do esperado. Por fim, há validade em priorizar o parto natural, diante do aumento da necessidade de repetição cirúrgica nas pré-cesariadas.
O estudo mostra a importância da identificação precoce dos fatores de risco e sua correção, trazendo benefícios para um dos setores da saúde pública mais abordados no momento, por meio dos programas de assistência materno-infantis. Modificar as condutas com medidas preventivas e assistenciais, na maioria das vezes com protocolos simples e pouca tecnologia, pode refletir positivamente, logrando êxito ao objetivo de preservação da saúde materno-infantil.
Agradecimentos
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) pela concessão de bolsa de mestrado para Eliane Menezes Flores Santos.
Recebido 26/09/2011
Aceito com modificações 11/01/2012