DOI: S0100-7203(12)03400209 - volume 34 - Fevereiro 2012
Ana Carolina Japur de Sá Rosa-e-Silva, Mariani Mendes Madisson, Marcos Felipe Silva De-Sá, Rosana Maria Reis, Julio Cesar Rosa-e-Silva, Lucia Alves Silva Lara
Introdução
A prolactina é um hormônio proteico produzido pela adeno-hipófise, cuja ação está relacionada ao estímulo do desenvolvimento da mama e à produção do leite, exercendo também um papel importante na função reprodutiva feminina. O fenômeno de maturação do folículo e dos oócitos, bem como a ação fisiológica do corpo lúteo, são dependentes da prolactina que também é responsável por manter o número adequado de receptores do hormônio luteinizante (LH) e estradiol1-2. O valor máximo da prolactina, considerado normal para mulheres adultas na fase folicular, varia de 15 até 30 ng/mL e alguns autores consideram que um valor igual ou superior ao dobro da faixa superior da normalidade poderia ser considerado como francamente anormal3.
A hiperprolactinemia interrompe a pulsatilidade do hormônio liberador das gonadotrofinas e, por consequência, influencia negativamente a liberação do LH e FSH, com prejuízo para a esteroidogênese4. Isto resulta em alterações dos ciclos menstruais e infertilidade por anovulação.
O excesso de prolactina pode resultar de disfunções hipotalâmicas ou de tumores hipofisários. Entretanto, muitas vezes é secundário ao uso de alguns medicamentos e pode ainda ser fisiológico em situações como amamentação e a gestação. Entre outros sintomas, a galactorreia está presente em aproximadamente 50% das mulheres portadoras de hiperprolactinemia5-6.
A prolactina é um hormônio bastante heterogêneo e, do ponto de vista de peso molecular, existem três formas principais em circulação: monômero de 23 kDa (small prolactin), dímero de 45 kDa (big prolactin) e macroprolactina de peso molecular entre 150 e 175 kDa (big-big prolactin)7. A hiperprolactinemia, gerada às custas de prolactina de baixo peso molecular (fração small), tem sido denominada pela maioria dos autores de hiperprolactinemia verdadeira8.
Em condições normais ou em pacientes com hiperprolactinemia sintomática, predomina-se em circulação a forma monomérica ou livre, que é a forma ativa do hormônio. A macroprolactina é constituída, na maioria dos casos, por uma associação entre uma molécula de prolactina e uma de IgG, o que leva a uma meia-vida mais longa e a uma atividade biológica menor9.
Em pacientes com hiperprolactinemia (valores superiores a 25 ng/dL), o método mais empregado para a pesquisa da existência de quantidades significativas de macroprolactina é o estudo de recuperação pós-precipitação do soro com polietilenoglicol (PEG). Valores recuperados menores que 30% são considerados positivos para macroprolactinemia10, os maiores que 65% são considerados como microprolactinemia e entre 30 e 65% são considerados indeterminados (hiperprolactinemia intermediária)10-12. As causas da presença de amostras com valores intermediários devem-se a fatores como: o predomínio da forma dimérica, que apresenta precipitação não-uniforme; a variação do coeficiente de precipitação do teste; a variação das formas monoméricas e das formas de alto peso molecular, entre outros12.
Entre as pacientes com hiperprolactinemia, a frequência de casos com predomínio de macroprolactina é de 23%8-13 ou mais. A importância deste fenômeno se deve ao fato de que estas formas têm menor atividade biológica e estão associadas a casos assintomáticos ou oligossintomáticos14, e à presença de estudos de imagem do sistema nervoso central normais. Desta maneira, em especial em pacientes cujo quadro clínico não seja característico, a pesquisa de macroprolactinemia é fundamental15.
Apesar da pouca informação referente à hiperprolactinemia às custas da macroprolactina, o quadro clínico frustro secundário à baixa atividade de tais moléculas faz com que seu tratamento seja muitas vezes desnecessário. Segundo o guideline para tratamento de prolactinomas da Pituitary Society4, as indicações formais de tratamento das hiperprolactinemias se restringem aos casos de pacientes sintomáticos, a macroprolactinomas ou a microprolactinomas assintomáticos com progressão do crescimento. Sendo assim, casos de hiperprolactinemia não-associados a tumor raramente terão indicação de tratamento, já que, na maioria das vezes, são assintomáticos. Não há muita discussão com relação à conduta diante de casos de macroprolactinemia assintomáticos. No entanto, a conduta para os casos com hiperprolactinemia indeterminada, com sintomas que geram pouco desconforto, ou assintomática é, ainda, sujeita a controvérsias, sendo possível que a paciente opte por tratar, ou não, dependendo do desconforto produzido pela doença. Há lacunas no conhecimento quanto à relevância clínica da doença, seja em relação ao comportamento do tumor ou quanto à evolução do quadro. Dessa maneira, este estudo visa caracterizar as pacientes com valores indeterminados de hiperprolactinemia (recuperação entre 30 e 65%) (PRLi) ou macroprolactinemia (PRLm), quanto às características clínicas, tais como intensidade e variação dos sintomas e presença, ou não, de tumores no sistema nervoso central.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal, retrospectivo, de levantamento de prontuários, no qual foram incluídas pacientes em seguimento no Ambulatório de Ginecologia Endócrina do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). As pacientes apresentavam diagnóstico de hiperprolactinemia, mas eram assintomáticas ou apresentavam sintomas clínicos leves (galactorreia somente à expressão da mama e oligomenorreia). Este estudo teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.
Foram incluídas mulheres em idade reprodutiva, com níveis de prolactina sérica superiores a 25 ng/dL, submetidas à investigação para macroprolactinemia com o uso do pós-teste de PEG16,17. Onze mulheres com diagnóstico de macroprolactinemia e 13 com valores indeterminados de hiperprolactinemia foram incluídas. Foram considerados para a análise os registros dos dados relativos à idade, à paridade, ao índice de massa corporal (IMC), à presença de galactorreia, à infertilidade e à presença de tumor do sistema nervoso central. Nos dois grupos (PRLm e PRLi), as dosagens de PRL foram obtidas pelo método da imunoquimioluminescência, utilizando-se kits comerciais específicos da IMMULITE DPC MED LAB, Los Angeles, USA DPC (Immulite® 2000 immunoassay analyzer, Diagnostic Products Corporation, Los Angeles, CA, USA).
Nas pacientes com valores de prolactina sérica superiores a 25 ng/dL, procedeu-se ao tratamento da amostra de soro com solução salina de PEG, a qual não precipita a forma monomérica, mas precipita a macroprolactina possibilitando que esta seja removida. Esta técnica consiste em realizar, inicialmente, a dosagem da prolactina total no soro. A seguir, acrescenta-se o polímero polietilenoglicol à amostra testada. Esta composição é misturada em agitador tipo vórtex durante um minuto e, a seguir, centrifugada por cinco minutos, o que leva à precipitação da macroprolactina. Empregando a mesma técnica para a dosagem inicial da PRL, novamente os níveis são dosados à prolactina no sobrenadante recuperado, que representa a prolactina livre ou sua fração de small12.
O cálculo da porcentagem de macroprolactina (PRLm) é dado pela fórmula: PRLm (%)=(PRLm x 2/PRL total)x100. A recuperação da prolactina menor do que 30% significa que há o predomínio de formas de alto peso molecular, sendo considerados positivos para macroprolactinemia (PRLm), valores maiores que 65% significam que a amostra tem predomínio de formas monoméricas (microprolactinemia ou hiperprolactinemia verdadeira) e valores de recuperação entre 30 e 65% são classificados como indeterminados (PRLi). Foram excluídas as mulheres portadoras de hipotireoidismo, acromegalia, insuficiência renal crônica, hepatopatias, condições estas associadas ao incremento da prolactina sérica. Foram também excluídas as usuárias de derivados de haloperidol, fenotiazinas, risperidona, sulpirida e verapamil, os quais exercem efeito antagonista ou reduzem a reserva de dopamina, a qual inibe a secreção de prolactina18. Os resultados foram analisados utilizando-se o programa GraphPad Prism, versão 5.00 (GraphPad Software; Inc-2007). Os dados antropométricos foram expressos em média e desvio padrão e, para a comparação entre os grupos quanto à presença de tumor no sistema nervoso central, galactorreia e infertilidade, utilizou-se o teste t de Student. Valores de p<0.05 foram considerados significantes.
Resultados
Não houve diferença quanto à idade, ao IMC e à paridade entre pacientes com PRLm e aquelas com PRLi (Tabela 1).
Na avaliação dos sintomas, houve maior prevalência de galactorreia entre pacientes com hiperprolactinemia intermediária (p=0,01); mas não houve diferença significante com relação à ocorrência de infertilidade ou de ciclos menstruais irregulares (Figura 1).
Quanto à etiologia, 16,7% das pacientes com macroprolactinemia eram portadoras de tumor, enquanto que 77,8% das pacientes do grupo com hiperprolactinemia indeterminada apresentavam tumor hipofisário (p=0,04), como pode ser observado na Figura 2. Dentre as pacientes com PRLm e PRLi, nove não realizaram exame de imagem do sistema nervoso central por apresentarem níveis pouco elevados de prolactina, sendo cinco pacientes com PRLm e quatro com PRLi.
Discussão
No presente estudo, observou-se maior prevalência de galactorreia entre pacientes com hiperprolactinemia indeterminada quando comparadas àquelas com quadro definido de macroprolactinemia. Há relato de que esse sintoma está presente em 4% das mulheres portadoras da forma intermediária e em 19% das mulheres portadoras da forma monomérica8. Entretanto, a galactorreia associada a distúrbios menstruais é mais prevalente na forma monomérica19. Aproximadamente 40% das mulheres, com sintomas clínicos de hiperprolactinemia e níveis alterados de prolactina, apresentam nódulos na hipófise20.
Em uma porcentagem expressiva dos casos de hiperprolactinemia está presente a forma macro, biologicamente menos ativa, passível de recuperação pós-precipitação do soro com polietilenoglicol. Essa técnica é capaz de caracterizar o tipo de hiperprolactinemia em mais de 85% dos casos analisados, a um custo muito baixo, evitando-se encaminhamentos desnecessários de pacientes para estudos de imagens11. Nos casos restantes, fica o diagnóstico de hiperprolactinemia intermediária e persiste a dúvida sobre suas repercussões e a necessidade, ou não, do tratamento.
Neste estudo, chama a atenção a alta prevalência de tumores no grupo de mulheres com hiperprolactinemia indeterminada (77,8%), quando comparadas àquelas portadoras de macropolactinemia (16,7%). Altas incidências de tumor também foram descritas por Hauache et al.21, 75% das pacientes com hiperprolactinemia verdadeira e 11% das PRLm apresentavam alterações nos exames de imagem do sistema nervoso central. Entretanto, há outros relatos na literatura que mostram associações menos frequentes entre a presença de tumor e a PRLm. Toldy et al.8 encontraram que o microadenoma estava presente em 9,8% das portadoras de macroprolactinemia e em 31,8% das mulheres com hiperprolactinemia verdadeira. Vilar et al.19, em outro estudo, encontraram uma associação de 11% entre a presença de macroprolactinemia e de microadenoma hipofisário. No entanto, não existem dados na literatura sobre a associação entre hiperprolactinemia indeterminada e a frequência de tumores no sistema nervoso central.
A PRLm responde por um terço ou mais dos casos de hiperprolactinemia8,19,22. Já é reconhecido que, nos casos em que há predomínio da macroprolactina, os sintomas são menos comuns (44%) quando comparados àquelas mulheres portadoras da forma monomérica (88,5%)19, e nem sempre que estão associados aos níveis da macroprolactina podem refletir a presença de comorbidades22. A relação da gravidade dos sintomas clínicos com a prolactina monomérica bem como as diretrizes para o tratamento destes casos já estão bem estabelecidos4. Entretanto, ainda faltam evidências na literatura, o significado, o quadro clínico e o manuseio da forma indeterminada da hiperprolactinemia (recuperação >30% e <65%), que está presente em 10 a 12% dos casos10,11.
Em relação à função reprodutiva, o presente estudo não detectou diferença relevante entre os grupos quanto à ocorrência de ciclos menstruais irregulares e relatos de infertilidade. Este achado confirma o de outros autores19. Os distúrbios menstruais estão mais associados à forma monomérica19, bem como a infertilidade associada à hiperprolactinemia, que está presente em 17% das mulheres portadoras de macroprolactinemia e em 44% das portadoras da forma monomérica8.
A rotina de screening para macroprolactinemia deveria ser realizada para os casos de pacientes com quadro de hiperprolactinemia, o que, além de prevenir contra a mobilização inadequada de recursos com exames laboratoriais e de imagens23, define o tratamento adequado evitando condutas desnecessárias. Ademais, os achados do presente estudo estão em conformidade com aqueles encontrados por outros autores24, os quais também sugerem que, em mulheres com macroprolactinemia, os estudos de imagem deveriam ser realizados somente se houver sintomas clínicos associados.
Devido ao fato de que pacientes com hiperprolactinemia intermediária apresentam-se mais sintomáticas, especificamente com relação à presença de galactorreia, e com maior incidência de tumores de hipófise do que pacientes com macroprolactinemia, acredita-se que seja mais prudente que a condução terapêutica deste casos siga os preceitos clínicos semelhantes aos das pacientes com hiperprolactinemia verdadeira, inclusive no que diz respeito à investigação dos tumores do sistema nervoso central. Porém, devido à limitação deste estudo pelo número reduzido de casos, são necessárias mais pesquisas com casuísticas maiores para comprovar esses achados, os quais poderão nortear a elaboração de protocolos específicos para estas pacientes.
No presente estudo, evidenciou-se que a hiperprolactinemia intermediária está associada a uma maior incidência de galactorreia e de tumor no sistema nervoso central.
Conflito de interesses: não há.
Recebido 23/12/2011
Aceito com modificações 16/01/2012
Trabalho realizado no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil.