DOI: S0100-7203(12)03400107 - volume 34 - Janeiro 2012
Carlos Augusto Alencar Júnior, Elana Couto de Alencar, Douglas Pinheiro Brilhante, Marina Diógenes Teixeira, Francisco Edson de Lucena Feitosa
Introdução
A placenta prévia (PP) vem se tornando cada vez mais frequente, paralelamente ao crescente índice de cesarianas, um de seus principais fatores predisponentes1-5.
As taxas de morbidade e mortalidade perinatal associadas à PP tem diminuído nas últimas décadas em virtude da introdução da conduta obstétrica conservadora, o uso liberal da cesárea e a melhoria dos cuidados neonatais. Estas taxas estão diretamente associadas com a frequência de partos prematuros6-10.
O impacto da conduta conservadora em ambiente hospitalar versus ambulatorial foi pouco estudado11. O único estudo randomizado sobre o tema não mostrou diferença sobre os resultados maternos e perinatais e, em virtude do pequeno número de casos (53), uma recomendação mais consistente não pode ser dada12.
Em 1991, na Maternidade Escola Assis Chateaubriand da Universidade Federal do Ceará (UFC), 101 casos de placenta prévia foram analisados. A pesquisa, publicada em 1993, não evidenciou mortes maternas. Os resultados perinatais, no entanto, foram extremamente pobres, com mortalidade de 22,8% (23/101)13. Estes resultados provocaram modificações importantes na rotina de vigilância das pacientes com placenta prévia em nosso serviço. Neste estudo, foram comparados os resultados maternos e perinatais de 108 casos de placenta prévia ocorridos nos últimos anos com os 101 casos acontecidos há quase 15 anos, após as mudanças de rotina instituídas.
Métodos
Para avaliar as mudanças de prognóstico materno e perinatal em pacientes com placenta prévia, um estudo retrospectivo foi realizado analisando 108 casos da doença, em pacientes hospitalizadas na Maternidade Escola Assis Chateaubriand da UFC, no período de primeiro de janeiro de 2006 a 31 de dezembro de 2010. Os resultados atuais foram comparados com os obtidos em 1991, quando ocorreram 101 casos desta complicação na mesma instituição.
O diagnóstico da doença foi baseado nos achados clínicos e foi confirmado por ultrassonografia transvaginal e pelo exame da placenta no momento do nascimento. As seguintes informações sobre a mãe e a gravidez foram coletadas: idade, paridade, idade gestacional no momento do parto, via de parto, morbidade, mortalidade e tempo de internação. Os resultados perinatais investigados foram: escores de Apgar ao primeiro e quinto minutos, peso ao nascimento, adequação do peso ao nascer, tempo de hospitalização, morbidade e mortalidade (fetal, neonatal e perinatal). A mortalidade perinatal foi calculada pela soma dos óbitos fetais e neonatais, dividida pelo número total de conceptos.
Entre as duas séries, houve possibilidade de comparação de resultados entre os seguintes dados maternos: idade, paridade, idade gestacional no momento do parto, via de parto, morbidade e tempo de hospitalização. Para os perinatais houve possibilidade de comparação entre os escores de Apgar ao primeiro e quinto minutos, peso ao nascimento, adequação do peso ao nascer, tempo de internação e mortalidade (fetal neonatal e perinatal). A análise estatística dos dados foi efetuada utilizando-se os testes do χ2 e exato de Fisher, de acordo com o tamanho da amostra. Os resultados foram considerados estatisticamente significativos quando p<0,05. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFC.
Resultados
Em 1991, ocorreram 8.900 partos na Maternidade Escola Assis Chateaubriand. A placenta prévia foi constatada em 1,13% dos casos (101/8.900). No presente estudo, durante o período analisado, houve 24.726 partos. A placenta prévia foi detectada em 0,4% dos casos (108/24.726). A frequência desta complicação foi diferente entre as duas séries.
Nenhuma morte materna foi observada nos dois períodos. Para os dados maternos, houve diferença significativa em relação à idade, paridade e tempo de internamento. Para a idadem observou-se que, em 1991, 58,0% dos casos ocorreram em mulheres com 30 ou mais anos. No presente estudo, verificou-se a inversão desse percentual, no qual 59,2% das pacientes tinham menos de 30 anos (Tabela 1).
Para a paridade, houve diferença significativa entre as duas séries. Em 1991, 46 pacientes (45,5%) tinham 4 ou mais filhos, 24 (23,8%) tinham 2 ou 3 e 31 (30,7%) tinham 1 filho ou estavam em sua primeira gravidez. Na presente série, apenas 24 (22,2%) tinham 4 ou mais filhos, 57 (52,7%) tinham 2 ou 3 e 27 (25,0%) estavam em sua primeira gravidez ou tinham 1 filho (Tabela 1).
O tempo de internamento materno também foi diferente entre as séries (Tabela 1). Em 1991, apenas seis pacientes (5,9%) permaneceram hospitalizadas por mais de dez dias. Na pesquisa atual, 37 pacientes (34,3%) ficaram hospitalizadas por igual período. A admissão até 5 dias foi encontrada para 72 mulheres (71,3%) na série antiga. No presente estudo, apenas 44 (40,7%) ficaram hospitalizadas por período similar. Entre seis e dez dias, observou-se percentual muito semelhante entre os grupos (22,8% em 1991, e 25,0%, de 2006 a 2010).
Não houve diferença entre as em relação à idade gestacional no parto, via de parto e morbidade materna (Tabela 1).
A distribuição das vias de parto foi semelhante entre os períodos (Tabela 1). Em 1991, houve cinco casos de acretismo e quatro, na pesquisa atual. A atonia uterina foi constatada em cinco casos nos últimos anos e em apenas um caso, em 1991.
Os resultados perinatais foram comparados (Tabela 2), observando-se diferença para os escores de Apgar ao primeiro e quinto minutos, tempo de internamento e mortalidade (fetal, neonatal e perinatal).
Em 1991, 38 (38,0%) recém-nascidos tiveram escores de Apgar ao primeiro minuto iguais ou superiores a sete. No estudo atual, 73 (67,6%) neonatos apresentaram índices iguais ou superiores a 7. Com índices entre um e seis, foram 54 (54,0%) recém-nascidos, em 1991, e 33 (30,5%), nos últimos anos (Tabela 2).
Em relação ao índice de Apgar ao quinto minuto, verificou-se que, em 1991, 77 (77,0%) recém-nascidos tiveram índices maiores ou iguais a 7. No presente estudo, 101 (93,5%) neonatos tiveram índices semelhantes. Foram observados índices entre 1 e 6 em 15 (15,0%) recém-nascidos, em 1991, e apenas em 4 (3,7%), nos últimos anos (Tabela 2).
O tempo de internamento hospitalar neonatal também foi diferente (Tabela 2). Em 1991, 18 recém-nascidos (19,4%) permaneceram no hospital por mais de dez dias. Na presente série, o número de neonatos internados por igual período aumentou (37 34,9%). O inverso ocorreu para a internação até cinco dias, em 1991, para 60 recém-nascidos (64,5%), diminuindo para 50 (47,1%) de 2006 a 2010. Entre seis e dez dias de hospitalização, observou-se percentual semelhante (16,1 versus 17,9%).
Os resultados da análise das mortalidades fetal, neonatal e perinatal também foram diferentes (Tabela 2). Em 1991, ocorreram oito (8,0%) óbitos fetais, sendo que todos eles ocorreram após o internamento materno. De 2006 a 2010, existiram apenas dois natimortos, com o óbito fetal já diagnosticado no momento da hospitalização da gestante (1,9%). A mortalidade neonatal, em 1991, foi de 16,1%, com 15 mortes entre 93 nascidos vivos. Na presente série, o percentual de óbitos neonatais foi de apenas 3,8% (4/106) (p=0,002). Como esperado, a mortalidade perinatal também foi diferente. Em 1991, ocorreram 23 (22,8%) óbitos fetais ou neonatais entre 101 pacientes; de 2006 a 2010, foram seis (5,6%) óbitos fetais ou neonatais entre 108 pacientes.
Os resultados não foram diferentes em relação ao peso ao nascer e adequação do peso ao nascimento (Tabela 2).
Discussão
Em 1993, publicamos um artigo intitulado "O sombrio prognóstico perinatal da inserção baixa da placenta" que incluiu 101 casos de placenta prévia ocorridos na Maternidade Escola Assis Chateaubriand, no ano de 1991. O título se justificou pelo elevado percentual de mortes perinatais (22,8%) evidenciados na pesquisa13.
Naquele período, mesmo em pacientes portadoras de placenta prévia centro-total ou centro-parcial, após cessar o sangramento transvaginal, as pacientes recebiam alta e eram orientadas a retornar ao acompanhamento pré-natal na Maternidade Escola ou no seu local de origem. Esta conduta dificultava a avaliação da vitalidade fetal e permitia que as pacientes retornassem posteriormente com sangramentos significativos e piora do prognóstico perinatal.
A avaliação daqueles 101 casos, com resultados perinatais desfavoráveis, mostrou-nos a necessidade de mudança nas condutas do serviço, especialmente em relação à manutenção da paciente internada e aumento da vigilância da vitalidade fetal. Embora o acompanhamento externo possa ser apropriado e de menor custo12, para ser implantado é necessário que a paciente esteja estável, assintomática, tenha acesso rápido ao hospital (em cinco a dez minutos) e disponibilidade de vigilância familiar e de transporte 24 horas por dia12,14. A população atendida na Maternidade Escola não apresenta, em sua grande maioria, estas condições. Além disso, o internamento prolongado também pode ser justificado pelo sangramento provocado pela patologia ser imprevisível.
Atualmente, as pacientes portadoras de placenta prévia centro-total ou parcial são mantidas internadas até a resolução da gestação, independentemente da existência de sangramento vaginal. A vigilância da vitalidade fetal, através da cardiotocografia, é feita diariamente, na presença de sangramento vaginal, ou a cada dois a três dias após interrupção da perda sanguínea. Nas pacientes com placenta prévia marginal ou lateral, após cessar o sangramento, estando a paciente estável, a alta é dada. No entanto, mesmo nestes casos, fazem exceção a essa conduta, as gestantes que são do interior do Estado e as que não têm condições de retorno rápido ao hospital, em caso de novo sangramento.
A manutenção da hospitalização, entretanto, tem implicações importantes do ponto de vista psicológico, social, doméstico, além de incrementar custos12. Desta maneira, para justificar o aumento da permanência hospitalar, é necessário que se evidencie melhora nos resultados maternos e/ou perinatais.
Inicialmente, chamou-nos a atenção a diferença significativa de incidência da patologia entre as duas séries. Em 1991, a alteração esteve presente em 1,13% dos partos, enquanto que, na série atual, o percentual foi de 0,43% dos partos, mais próxima à referida na literatura1-3,15 e semelhante à encontrada recentemente entre 185.476 partos16. Esse resultado talvez possa ser explicado pelas modificações ocorridas na assistência médica em nossa cidade entre o primeiro estudo e o atual. Em 1991, a Maternidade Escola era um dos três hospitais com condições de acompanhamento de gestantes com a patologia, incrementando, portanto, nossa incidência. Atualmente, embora permaneça como um dos hospitais de referência, outros se somaram à rede assistencial. Este fato é demonstrável pela diminuição de partos, inclusive de risco elevado, ocorridos em nosso hospital nos últimos anos. Caso a tendência de partos fosse mantida, teríamos, no período da segunda pesquisa, 44.500 partos (cinco vezes 8.900), em vez de 24.726 partos.
A avaliação dos dados maternos evidenciou diferença significativa em relação à idade, paridade e duração do internamento. As pacientes da série atual foram mais jovens e tiveram menos filhos que as grávidas da série de 1991. As razões para a maior prevalência da patologia em pacientes com menor número de filhos e idade talvez esteja relacionada à diminuição global de grávidas com maior paridade e idade, provocando aumento relativo de gestantes jovens e com menor paridade. Infelizmente, esta hipótese não pode ser confirmada, uma vez que os dados da população global na série de 1991 não estão disponíveis para comparação com a série atual. A comparação com a literatura atual mostra que, na análise de 132 casos da patologia ocorridos no período de 2007 a 2009, que inclui nosso último intervalo analisado, os autores encontraram 72,7% de gestantes em sua primeira gravidez ou que tinham tido um parto, percentual muito superior aos 25% observados em nossa série de 2006 a 201017. Em relação à idade materna, entre os 771 casos da alteração ocorridos entre 1988 e 2009, 33,5% tinham idade até 30 anos16, percentual bem inferior aos 59,2% observados entre as grávidas da série de 2006 a 2010. Vale ressaltar, entretanto, que o período incluído foi muito longo, abrangendo os nossos dois períodos analisados.
Para justificar o internamento materno prolongado, é necessário que se evidencie melhoria dos resultados maternos e perinatais. No entanto, os resultados maternos analisados não foram diferentes. Nas duas séries, não existiram óbitos maternos e a morbidade materna não foi significativamente diminuída. Os percentuais de cesáreas foram semelhantes; embora elevados, são inferiores ao observado em trabalho recente, em que 93,9% das grávidas foram submetidas à cesariana17.
Outro dado não modificado foi a idade gestacional no momento do parto. No ano de 1991, 58% dos partos foram prematuros. Entre 2006 e 2010, este percentual foi ainda maior, chegando a 61,1%. Portanto, apesar do incremento do tempo de internamento, não se conseguiu aumentar proporcionalmente a idade gestacional no momento da resolução da gravidez. Lamentavelmente, não é possível estratificar, por faixas, a idade gestacional dos partos antes de 37 semanas, já que os dados da série de 1991 não estão disponíveis. Vale ressaltar que os percentuais obtidos, nas duas séries, embora elevados, situam-se dentro dos limites para prematuridade referidos na literatura, que vão de 40 a 66%1,12,16,18-20. Em recente pesquisa, a idade gestacional média foi somente de 34,6 semanas17.
Em relação aos dados perinatais, no entanto, o prolongamento do internamento materno pode ter modificado alguns dos nossos resultados. Os percentuais de índices da Apgar iguais ou superiores a sete, tanto ao primeiro (67,6%) quanto ao quinto minutos (93,5%), foram significativamente maiores na série atual. Nossos percentuais situam-se muito próximos aos obtidos em análise de 305 casos de placenta prévia, quando se verificou 77,7% de índices superiores a seis ao primeiro minuto e 95,0% ao quinto minuto1. A melhoria dos índices pode denotar que a resolução da gestação tenha sido realizada em momento mais adequado, sem caráter de urgência. Além disso, não houve óbitos fetais em nossa instituição. Os dois casos ocorridos na série atual já chegaram à Maternidade Escola com os fetos mortos. Todas as crianças que chegaram vivas nasceram vivas.
A mortalidade perinatal, embora drasticamente reduzida (22,8 versus 5,6%), ainda é superior aos 2,3% encontrados na avaliação dos 305 casos de placenta prévia anteriormente mencionado1. A diminuição da mortalidade pode não ter sido influenciada somente pelo prolongamento do internamento materno. Como já referido, não houve modificação da idade gestacional ao nascimento. Além disso, o peso ao nascimento e a adequação do peso à idade gestacional também não foram significativamente diferentes entre as duas séries.
Talvez a melhoria dos resultados perinatais seja decorrente mais dos avanços tecnológicos e de cuidados neonatais alcançados nos últimos anos. A favor dessa hipótese, destaca-se o internamento mais prolongado dos neonatos. Como não existiram mudanças em relação aos partos de termo, peso dos neonatos e adequação do peso à idade gestacional, supõe-se que as gestações estudadas podem ter sido resolvidas mais precocemente, embora em melhores condições, resultando em neonatos mais prematuros, explicando o internamento mais prolongado. Além disso, neonatos que morreriam precocemente, no início da década de 90, podem ter sido salvos pelas melhorias evidenciadas nos últimos anos pela Neonatologia, incrementando, novamente, o internamento.
Outro fator que atualmente influencia na melhoria dos resultados perinatais é a utilização rotineira da corticoterapia antenatal nas gestantes com placenta prévia com idade gestacional entre 24 e 34 semanas21. Infelizmente, embora faça parte da rotina atual, por não ser prática obstétrica sistematizada em 1991, não é passível de avaliação entre a série atual e a anterior.
Finalmente, com base em nossos dados, podemos afirmar que, em nossa instituição, os resultados perinatais, em pacientes com placenta prévia, foram significativamente melhorados entre o ano de 1991 e os anos de 2006 e 2010. Não podemos afirmar, entretanto, ter sido esta melhora decorrente do maior tempo de internamento materno e incremento da vigilância da vitalidade fetal. Acreditamos, no entanto, que estas condutas podem ter permitido melhor controle da paciente e de seu concepto, reduzindo óbitos fetais e permitindo que a resolução da gestação tenha sido realizada de forma mais eletiva, sem caráter de urgência.
Recebido 13/10/2011
Aceito com modificações 13/12/2011
Maternidade Escola Assis Chateaubriand Fortaleza (CE), Brasil.