DOI: S0100-7203(12)03400905 - volume 34 - Setembro 2012
Josiane Santos Brant Rocha, Betânia Maria Araujo Ogando, Vivianne Margareth Chaves Pereira Reis, Waldney Roberto de Matos e Ávila, André Gomes Carneiro, Ronaldo Eugénio Calcada Dias Gabriel, Maria Helena Rodrigues Moreira
Introdução
O declínio da função ovariana gerada pela depleção estrogênica promove mudanças no perfil biofísico da mulher pós-menopáusica traduzidas no aumento dos níveis de adiposidade total, na aquisição de um padrão centralizado da massa gorda1 e na redução dos componentes da massa isenta de gordura2.
O incremento da adiposidade intra-abdominal associado à presença de reduzidos níveis de atividade física gera o aparecimento do doençoma da inatividade física3, caracterizado pela presença de condições como as doenças cardiovasculares, diabetes mellitus do tipo 2, demência, doença de Alzeimer e a manifestação de certas formas de câncer. A perda da massa e da força muscular gera comprometimento funcional e incapacidade física na mulher, limitando os seus níveis de atividade física habitual e fomentando o risco de queda e fraturas associadas4. A combinação da sarcopenia com a obesidade tem um efeito ainda mais deletério sobre a saúde, refletindo na diminuição da aptidão aeróbia5, em maior risco de osteoporose e no agravamento dos parâmetros de pressão plantar6.
A atenuação dos ganhos de adiposidade e a conservação dos componentes da massa isenta de gordura por meio do exercício, associadas à implementação de outras mudanças no estilo de vida da mulher, poderão proporcionar-lhe melhor adaptação às alterações físicas e à mudança de papéis no âmbito familiar e profissional nesta fase do climatério.
Os estudos randomizados que analisam a influência de programas de atividade física estruturada na composição corporal das mulheres pós-menopáusicas ainda são escassos na literatura, revelando habitualmente amostras reduzidas7 e períodos de intervenção relativamente curtos8. A presente investigação procurou examinar os efeitos da aplicação de um programa de exercício de intensidade moderada a vigorosa durante 12 meses, sobre os níveis de adiposidade total e intra-abdominal e na condição muscular de mulheres pós-menopáusicas.
Métodos
A amostra incluiu 169 mulheres na pós-menopausa divididas de forma aleatória em grupo experimental (GE, n=91) e de controle (GC, n=78). As participantes integraram voluntariamente o Programa Menopausa em Forma9, em resposta a ações de dinamização (divulgação nos meios de comunicação social, panfletos distribuídos na comunidade) ou tendo sido encaminhadas pelo médico de família. A sua inclusão foi realizada com base na avaliação da história clínica e reprodutiva. Foram observados os seguintes critérios: ausência de menopausa precoce10; inexistência de significativa doença hepática ou renal e de hipertensão descontrolada (pressão arterial sistólica superior a 200 mmHg e/ou diastólica superior a 105 mmHg); ausência de doenças cardiovasculares (sintomas de angina de peito ou de enfarte do miocárdio) nos últimos 3 meses; não utilização de β-bloqueadores ou antiarrítmicos; e inexistência de condições musculoesqueléticas ou neuromusculares passíveis de condicionarem a prática de exercício ou que pudessem ser exacerbadas pela sua realização.
O estudo atendeu aos procedimentos da Declaração de Helsinqui11 e foi aprovado pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, tendo sido obtido de todas as participantes o consentimento informado assinado.
Durante o período de intervenção de 48 semanas, o GC aceitou manter o seu nível habitual de atividade física. Foi proporcionada a ele a inclusão num programa de exercício com supervisão especializada, após o período indicado.
A estatura (E) foi medida em posição antropométrica com o estadiômetro SECA 220 (Seca Corporation, Hamburg, Germany), sendo o resultado considerado no final da inspiração profunda12. O peso (P), a massa gorda (MG), a área de adiposidade visceral (AAV), a massa isenta de gordura (MIG) e a massa muscular esquelética (MME) foram avaliadas com uso da bioimpedância octopolar InBody 720 (Biospace, Seoul, Coreia), tendo sido cumpridas as normas de preparação definidas na literatura13. O InBody 720 usa 8 elétrodos, sendo 2 em contato com a palma (E1 e E3) e polegar (E2 e E4) de cada mão e 2 em contato com a parte anterior (E5 e E7) e calcanhar (E6 e E8) de cada pé, permitindo avaliar 4 compartimentos da massa corporal (água corporal total, proteínas, minerais e massa gorda). Cinco impedâncias segmentares (braço direito, braço esquerdo, tronco, perna direita e perna esquerda) são mediadas a 1, 5, 50, 250, 500 e 1.000 KHz. Os pontos de contato com os elétrodos são limpos previamente com um tecido eletrolítico, segundo as instruções do fabricante do equipamento. Vários estudos documentam a precisão deste equipamento na estimação da composição corporal total e segmentar14-16 menos esclarecido o seu rigor na avaliação da MG16 e da AAV17.
Os dados foram eletronicamente importados para o Excel, utilizando o software Lookin'Body 3.0 (Biospace, Seoul, Coreia). O índice de massa muscular esquelética foi calculado (IMME=MME/P×100) pela fórmula de Janssen et al.18, e a taxa metabólica basal (TMB) pela equação proposta por Cunningham19.
As medições foram realizadas pelo mesmo técnico e os erros técnicos foram verificados pela fórmula: ET=(+d2/2n)0,5, sendo d a diferença entre duas medições e n o número de elementos da amostra calculados com base na realização de medições em duplicado em dez mulheres pós-menopáusicas. Os valores obtidos foram 0,09 cm (E), 0,06 kg (P), 0,3 kg (MG), 0,9 cm2 (AAV), 0,2 kg (MIG), 0,3 kg (MME) e 7,6 kcal/dia (TMB).
Todos os elementos da amostra completaram um registro alimentar de três dias (incluindo um dia de fim de semana), sendo ele revisto e discutido com uma nutricionista. Foi utilizado o software Food Processor Plus® (version 7.0, ESHA Research, Salem, Oregon), baseado nos valores do US Department of Agriculture e adaptado para a tabela portuguesa de composição dos alimentos20. A densidade energética dos lipídios e das proteínas foi obtida pela divisão da energia (Kj) destes nutrientes pelo total de energia dos alimentos multiplicando por 100.
O GE realizou durante 12 meses 3 sessões semanais de exercício, de 60 minutos cada, sendo exigida taxa de assiduidade de pelo menos 50%. As sessões iniciavam-se com 10 minutos de aquecimento, seguidos de 20 a 25 minutos de step (2 vezes por semana, 50 a 85% da frequência cardíaca de reserva), 20 a 25 minutos de trabalho de força muscular (2 vezes por semana, 8 a 10 repetições por exercício, 2 séries) e um retorno à calma de 5 minutos. Uma vez por semana, o step e o treino de força eram substituídos por treino de flexibilidade, valorizando a aplicação de alongamentos estáticos (3 a 4 repetições / 10 a 30 segundos por alongamento). Os passos padronizados de step foram incluídos progressivamente a partir da terceira semana de treino e a intensidade aumentada a cada duas a três semanas, sendo esta monitorizada por meio da utilização de cardio-frequencímetro (Polar FS 2C Electro Oy, Kemple, Filand). Foi utilizado o nível da plataforma a 15 cm (Reebok, Lancaster, UK), uma cadência musical entre 118 e 122 batimentos por minuto e valorizadas coreografias simétricas, sendo o nível de complexidade ajustado à condição física da executante. A intensidade foi aumentada a cada duas a três semanas utilizando estratégias como a inclusão de novas coreografias, formas distintas de abordagem à plataforma de step e inserção de movimentos dos membros superiores.
O treino de força muscular foi desenvolvido com aparelhos de musculação e pesos livres, sendo contemplados 4 a 5 exercícios por sessão e efetuadas 2 séries de 8 a 12 repetições, respeitando 70 a 80% de 1RM (repetição máxima). As primeiras 4 semanas foram destinadas à instrução das participantes e adaptação aos equipamentos, sendo realizada 1 série de 15 repetições, de 40 a 50% de 1RM. O valor da carga foi reavaliado a cada 6 semanas e adaptado aos ganhos de força e às condições de saúde das executantes.
A análise estatística foi realizada com o programa SPSS 16.0 (SPSS Inc, Chicago, IL), sendo considerado um grau de significância estatística de 5%. Os dados estão expressos em média±DP, sendo os valores médios das variáveis no pré-teste e as taxas de modificação ([(pós-teste - pré-teste)/pré-teste]´100) entre os dois grupos comparados pelo teste t de Student para amostras independentes.
Resultados
Não foram registradas diferenças nos valores médios de pré-teste entre os dois grupos, com exceção para a idade (55,5±5,6 anos no GE e 58,2±7,1 anos no GC, p<0,01). A densidade energética dos lipídios foi de 30,3% no GE e 29,3% no GC (p=0,28), sendo os valores da densidade energética das proteínas, respectivamente, 18,6 e 19,7% (p=0,1).
A Tabela 1 ilustra os valores de pré-teste e pós-teste das variáveis nos dois grupos analisados. O GC revelou aumento (p<0,01) da MG (1 kg e 1,9%) e da AAV (3,9 cm2) e o agravamento da condição muscular (-1,1%, p<0,01), com implicações hostis na TMB, que passou de 1250,9 kcal/dia para 1223,0 kcal/dia após 12 meses de intervenção (p<0,01). No que se refere ao GE, apenas foram registradas diferenças com significado estatístico (p<0,01) para a estatura (155,6 cm no pré-teste e 156,2 no pós-teste).
As taxas de modificação das variáveis nos dois grupos são exibidas na Tabela 2. As diferenças entre o GE e o GC foram mais salientes para a MG relativa (-4,2%, p=0,05), AAV (-4,0, p=0,04), MIG e MME (3,1%, p<0,01). A TMB exibida no GE e no GC foi, respectivamente, de -0,3 e -3,3% (p=0,01), não tendo sido registradas diferenças com significado estatístico entre os dois grupos para o peso e a MG absoluta.
Discussão
Este estudo analisou os efeitos de um programa de exercício (step/musculação/flexibilidade) na adiposidade total e central e na condição muscular de mulheres na pós-menopausa. O protocolo de treinamento mostrou que a prática sistematizada de exercício físico (step, reforço muscular e flexibilidade) durante 12 meses promove efeitos perceptíveis sobre adiposidade e a condição muscular das mulheres nesta fase do climatério.
Os dois grupos exibiram diferenças significativas nas taxas de modificação da %MG e da AAV, tendo o GE revelado aumento mais atenuado da massa gorda relativa e ligeira redução dos níveis de adiposidade intra-abdominal. Estes resultados são importantes face aos períodos críticos para o aumento da adiposidade total e central na mulher e às implicações da obesidade para a saúde. Os valores mais elevados de %MG na mulher são atingidos entre os 50 e os 60 anos21, refletindo a influência de fatores como o aumento da ação da lipoproteína lípase nos adipócitos abdominais e glúteos e a redução da lipólise22, a diminuição da atividade física habitual23 e a elevação do consumo calórico24, entre outros. Com a menopausa, os ganhos de adiposidade visceral na mulher tornam-se similares aos exibidos pelo gênero masculino24, revelando a mulher pós-menopáusica mais de 44% de tecido adiposo visceral em comparação com a mulher pré-menopáusica25.
A acumulação da massa gorda faz-se não apenas nos depósitos de tecido adiposo, mas também em torno de alguns órgãos e tecidos magros, como é o caso do músculo esquelético, limitando a ação da insulina e a captação da glicose23. O aumento de citosinas pró-inflamatórias pelo tecido adiposo, em particular o visceral, incrementa o catabolismo das proteínas, com reflexos adversos na massa muscular e óssea da mulher.
Considerando o mesmo período de intervenção e um protocolo de exercício envolvendo treino cardiovascular e de força muscular, foram documentadas mudanças significativas na adiposidade intra-abdominal7, destacando a importância da prática de atividade física para esta população. Um estudo desenvolvido por Cho et al.26 revela que o exercício cardiovascular desenvolvido entre 40 e 75% do VO2max gera reduções significativas da adiposidade central em mulheres de meia-idade.
Ambos os grupos, em particular o GE, exibiram aumentos da %MG, sem alterações significativas da massa corporal. De acordo com a U.S. Department of Health and Human Services27, a redução do peso em cerca de 1 a 3% implicaria dispêndio energético entre 780 e 1560 MET-minutos/semana, valores mais reduzidos que os estimados para o nosso programa de exercício (765 MET-minutos/semana; step: 8,5 MET´45 minutos/semana; força muscular: 6,0 MET´45 minutos/semana; flexibilidade: 2,5 MET´45 minutos/semana), prosseguindo a proposta de Ainsworth et al.28. Para um período de intervenção similar ao do nosso estudo, outros investigadores29,30 registaram alterações benéficas da composição corporal de mulheres pós-menopáusicas, sem transformações significativas da massa corporal. A presença de média de idade superior no GC em relação ao GE e o maior comprometimento da TMB do primeiro (3,0%) contribuíram em parte para os resultados registrados em relação à adiposidade.
O GE exibiu taxa de modificação positiva da altura, com diferença de 0,4% em relação ao GC, refletindo eventualmente melhoria da postura no primeiro. A redução deste parâmetro antropométrico com a idade resulta de fatores como a curvatura da coluna vertebral e o estreitamento dos discos intervertebrais, e a sua melhoria e/ou manutenção contribui para a redução do risco de fratura da coluna vertebral das mulheres nesta fase do climatério31.
Ambos os grupos apresentaram taxas de modificações negativas para a MME e o IMME, embora menores no GE e com diferenças significativas entre eles. O treino de força tem um papel muito importante na preservação da massa magra, nomeadamente da massa muscular, e na redução dos depósitos de gordura intramuscular23. Ele melhora a massa muscular, mas, sobretudo, a força derivada da adaptação neuronal, da preservação das fibras musculares glicolíticas e do recrutamento mais eficaz das unidades motoras32. A combinação do treino de força com o exercício cardiovascular de intensidade moderada a vigorosa, tal como foi considerado no presente estudo, revela-se muito importante nas mulheres pós-menopáusicas, já que ativa a produção de enzimas oxidativas nas mitocôndrias e favorece a síntese proteica33. As diferenças de massa muscular entre os dois grupos poderão também ser explicadas, em parte, pela diferença de idades entre eles, mas não pela densidade energética das proteínas.
A presente investigação contempla aspectos importantes como a randomização do estudo, o número elevado de elementos da amostra e um período de intervenção de 12 meses. Entretanto, algumas limitações deste estudo devem ser pontuadas. Em primeiro lugar, embora a validade do InBody 720 esteja documentada em vários estudos, a precisão da sua avaliação em relação a algumas variáveis ainda permanece inconclusiva, não constituindo método de referência de avaliação da composição corporal. O estudo também teria beneficiado da apreciação dos níveis de atividade física nos dois grupos e nos dois momentos avaliativos considerados, recorrendo nomeadamente ao uso de acelerômetros.
Os resultados sugerem que o programa de exercício físico atenuou o aumento dos níveis de adiposidade total e central e a perda muscular associada à menopausa e ao envelhecimento, condições que poderão refletir numa melhor condição cardiovascular e óssea da mulher.
Conflito de interesses: não há.
Recebido 26/06/2012
Aceito com modificações 24/08/2012
Trabalho realizado no Departamento de Ciências do Desporto, Exercício e Saúde, Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano (CIDESD), Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro - Vila Real, Portugal.