DOI: S0100-7203(12)03400408 - volume 34 - Abril 2012
Eduardo Camelo de Castro, Rodopiano de Souza Florêncio, Gercino Monteiro Filho, Waldemar Naves do Amaral
Introdução
A reserva ovariana é o pool de folículos ovarianos disponíveis para recrutamento. Representa o potencial funcional do ovário por meio da quantidade e da qualidade dos oócitos1. A diminuição da reserva ovariana é um processo de declínio da fecundidade associado tanto à depleção folicular dos ovários, quanto à piora da qualidade oocitária2. Provavelmente, há um consumo folicular mais acelerado entre as tabagistas3,4 e em pacientes submetidas a cirurgias ginecológico-ovarianas5. O uso de quimioterápicos pode destruir um número importante de folículos primordiais ovarianos6. A endometriose pode, também, reduzir artificialmente a contagem de folículos antrais (CFA)7.
A reserva ovariana pode variar de forma significativa entre mulheres de mesma idade8. Sugere-se, portanto, que apenas a idade não prediga, de forma confiável, a capacidade reprodutiva9. Por isso, métodos clínicos que avaliam essa função têm sido estudados. Destacam-se, entre eles, a CFA10 e os níveis de hormônio antimüleriano (HAM)11.
A correlação entre a CFA histológica e o número de folículos primordiais remanescentes, nos ovários das pacientes, tem sido constatada há vários anos7,12,13. Nesses anos, vários estudos verificaram, também, uma diminuição no número de folículos primordiais e antrais com o aumento da idade14; mas, somente com o aperfeiçoamento dos aparelhos de ultrassonografia, foi possível mostrar a correlação entre a CFA pela ultrassonografia e a idade15,16. Desde 2002, vem mostrando-se uma forte correlação entre a CFA menores e a CFA maiores17. Por isso, mesmo que tenha sido encontrada uma correlação maior da idade com os folículos antrais com diâmetro de 2 a 6 mm do que com a CFA total18, a padronização de recomendações práticas para a realização desse exame é a contagem dos folículos com diâmetro menor do que 10 mm7. A CFA tem sido avaliada também como preditora de resposta para os tratamentos com indução da ovulação4, podendo ter correlação com a quantidade de ciclos cancelados nas más respondedoras9, com o número de oócitos aspirados e com a probabilidade de gravidez química19. Vários estudos demonstraram a reprodutibilidade das CFA. A CFA é adequada quando feita em duas oportunidades pelo mesmo observador ou por dois observadores diferentes. A CFA apresentou nítida correlação positiva com as concentrações do HAM20,21 e esses foram os dois parâmetros de maior poder preditivo de sucesso no tratamento de reprodução assistida22,23. Uma metanálise, com 11 estudos, concluiu que a combinação de múltiplas variáveis (HAM, inibina B, hormônio folículoestimulante (FSH), CFA e outras), para diagnóstico de má respondedora, é comparável ao CFA isoladamente. Assim, se a opção for por um único exame, esse seria a CFA24. O baixo custo da avaliação com a CFA25, a necessidade de estabelecimento de nomogramas que correlacionem marcadores da reserva ovariana com a idade26 e a presença de estudos sugerindo diferenças étnicas nas curvas de declínio da CFA com a idade27 justificam a realização deste estudo em uma população brasileira.
O objetivo deste estudo foi construir um nomograma correlacionando a idade com diferentes valores dos percentis da CFA, em uma população brasileira de pacientes inférteis.
Métodos
Foi realizado um estudo clínico transversal de todas as pacientes atendidas, pelos autores, no Centro de Reprodução Assistida Fêmina (Goiânia, GO), no período de 1º de março de 2010 a 1º de outubro de 2011. Este estudo foi aprovado pelo Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFG.
As pacientes foram submetidas à ultrassonografia transvaginal na fase folicular precoce, do 2º ao 4º dias do ciclo menstrual. As ultrassonografias foram realizadas apenas pelos médicos pesquisadores, com equipamento Voluson da marca GE com transdutores transvaginais de 7,5 MHz. Todas as medidas dos folículos antrais foram feitas no modo bidimensional. O diâmetro máximo longitudinal e o diâmetro perpendicular foram obtidos com o modo convencional 2D. O tamanho dos folículos foi considerado como a média dessas duas medidas. Os folículos menores ou iguais a 10 mm de diâmetro foram considerados antrais. Foram avaliados os ovários direito e esquerdo e realizada a somatória das duas contagens. O número total dos folículos antrais foi utilizado para o cálculo. Essas medidas já são feitas de modo rotineiro para avaliação da reserva ovariana da mulher.
O protocolo foi preenchido com a idade da paciente, causa da infertilidade, a contagem ultrassonográfica dos folículos antrais ovarianos, histórico de endocrinopatias, tabagismo, galactosemia e presença de cistos ovarianos durante a CFA. Nesse momento, também foram avaliados os critérios de inclusão e exclusão discriminados abaixo.
Foram incluídas as pacientes com idade entre 21 e 45 anos, com ciclos regulares de 21 a 35 dias, com dois ovários íntegros, sem evidência de doenças endócrinas e que assinaram o informe de consentimento. Foram excluídas as pacientes tabagistas, portadoras de galactosemia, com antecedente de cirurgias ginecológico-ovarianas, tratamento com quimioterapia ou radioterapia, portadoras de cistos ou folículos ovarianos medindo mais do que 10 mm ou com insuficiência hepática.
O programa Microsoft® Excel 2007 foi usado para tabulação dos dados e a análise estatística foi realizada pelo programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS®) for Windows®, versão 15.0. Com o intuito de se verificar a correlação da CFA com a idade das pacientes, foram utilizados os percentis 5, 25, 50, 75 e 95. Através desses percentis, foi feita uma regressão linear que possibilitasse perceber o efeito da idade sobre a CFA. Foi utilizado como nível de significância o valor de 5% (p<0,05).
Resultados
Foram incluídas 172 pacientes no estudo e a média de idade foi de 32,7 anos. Dentre as causas de infertilidade, os fatores masculino e tubário foram as principais etiologias, contribuindo com 65% dos casos. O fator uterino, esterilidade sem causa aparente e síndrome de anticorpo antifosfolipídio também compuseram a casuística.
Setenta e seis por cento (76%) das pacientes eram nulíparas, 19% já tinham tido partos anteriores e 4% tinham antecedentes de um ou dois abortamentos.
O melhor modelo matemático encontrado para expressar o comportamento da CFA, em relação à idade, em todos os percentis, foi a regressão linear. Observou-se significativa associação entre as variáveis estudadas, isso permitiu estabelecer um modelo de curva de referência a partir dos percentis 5, 25, 50, 75 e 95. Foi realizado um agrupamento das amostras nas faixas etárias mais baixas e mais altas.
A Figura 1 mostra a correlação dos percentis da CFA com a idade. Em todos os percentis, a CFA apresentou uma redução constante com o aumento da idade. A análise de regressão mostrou que, em todos os percentis, houve correlação linear, negativa e forte entre a CFA e a idade das pacientes. Os percentis que apresentaram as correlações mais altas foram o 25 (r=-0,9; p<0,001), o 50 (r=-0,9; p<0,001) e o 75 (r=-0,9; p<0,001). A relação entre a idade e a AFC não foi significativamente melhorada por uma análise de regressão não linear.
Discussão
Nota-se, nos resultados, a predominância dos fatores masculino e tubário de infertilidade. Isso ocorreu por que houve a preocupação em excluir as pacientes com causas não fisiológicas de alteração da reserva ovariana. Muitos estudos disponíveis não excluem mulheres com probabilidade maior de consumo folicular acelerado e incluem tabagistas, portadoras de galactosemia e aquelas que foram submetidas a cirurgias ginecológico-ovarianas28.
Um padrão bifásico de redução da CFA com a idade foi descrito em populações de mulheres saudáveis na Holanda29. Um estudo de 2004 verificou um padrão linear de diminuição da CFA até os 43 anos30. O padrão de queda linear convencional da CFA foi confirmado em vários outros estudos e populações que investigaram a correlação da CFA com a idade10,27,31-33.
No ano de 2011, foram publicados os primeiros nomogramas que correlacionaram a CFA com a idade. Um dos estudos foi realizado na Itália, com desenho transversal, e incluiu 362 pacientes saudáveis com ciclos menstruais regulares. Este trabalho excluiu as mulheres com fatores de risco para diminuição acelerada da reserva ovariana. Os autores encontraram uma correlação linear e negativa entre a CFA e a idade em todos os percentis26. Esses resultados confirmam o nomograma estabelecido pela casuística deste trabalho brasileiro. Outro trabalho canadense, com 1.880 mulheres inférteis e sem ovário policístico, observou uma correlação linear e alta para o percentil 50 e uma correlação alta e bifásica para os outros percentis. O estudo discute a possibilidade de que as curvas encontradas apenas representem uma distribuição normal da diminuição da CFA16.
Esses nomogramas contribuem, de forma significativa, com a avaliação do efeito da idade na CFA. A identificação de uma paciente jovem com resultado abaixo dos percentis inferiores pode sugerir um sinal de alerta para a sua fertilidade futura. A mudança de percentil, de uma mesma paciente, em duas contagens feitas, em dois momentos distintos e distantes, também pode ter um significado clínico. Essa informação pode ser o primeiro passo para o manejo e aconselhamento das pacientes.
Outros nomogramas comumente utilizados, tais como as curvas de crescimento fetal e de peso ao nascer são baseadas em dados transversais. A despeito disso, estudos longitudinais são necessários para validar todos esses nomogramas construídos por meio de estudos transversais.
Este estudo foi realizado com pacientes inférteis e isso pode limitar a aplicação do nomograma para uma população de pacientes férteis. Outra cautela que deve ser observada é que o nomograma foi construído com paciente que apresentavam ciclos regulares e dois ovários íntegros. Também, foram excluídas as pacientes com fatores de risco para diminuição acelerada da reserva ovariana e as portadoras de endocrinopatias.
Concluímos que o nomograma correlacionando a idade com os diferentes valores dos percentis da CFA em mulheres inférteis sem endocrinopatias apresentou um padrão linear de redução da CFA com a idade, em todos os percentis. Esse nomograma pode ser uma referência para o clínico; no entanto, uma validação futura com dados longitudinais ainda é necessária.
Recebido: 22/11/2011
Aceito com modificações: 14/02/2012
Conflito de interesses: não há.