DOI: S0100-7203(12)03400305 - volume 34 - Março 2012
Heleodoro Corrêa Pinto, Lutero Koch Jung, Eliana Wendland, Simone da Cunha Heineck
Introdução
A gestação ectópica é definida como a gestação que ocorre fora da cavidade uterina¹. Em 97% dos casos está localizada na tuba uterina e, dessas, aproximadamente 55% ocorrem na região da ampola, 25% no istmo, 17% na fímbria e 3% na cavidade abdominal, ovário e cérvice². A incidência global da prenhez ectópica tem aumentado ao longo do tempo, associado ao aumento da incidência de doença inflamatória pélvica³. No Reino Unido, estima-se uma incidência de 11,1 a cada 1000 gestações; nos Estados Unidos são descritos cerca de 100.000 casos por ano4,5. No Brasil, a mortalidade materna por gestação ectópica insere-se entre as causas hemorrágicas e não há dados sobre sua prevalência no país6. Em estudo realizado num hospital público de São Paulo, a prevalência de gestações ectópicas submetidas à laparotomia se manteve estável durante os 6 anos levantados, respondendo por 11,2% do total de laparotomias realizadas em mulheres no período estudado6. É uma condição que, quando retardado seu diagnóstico, apresenta grande morbidade e mortalidade no primeiro trimestre da gestação7, evoluindo com sangramento, choque e morte.
Qualquer mulher em idade fértil pode desenvolver uma gestação ectópica. Entretanto, considera-se como de alto risco pacientes com gestação ectópica prévia, história de cirurgia pélvica prévia incluindo ligadura tubária, história de doença sexualmente transmissível, concepção resultante de reprodução assistida, uso prolongado de dispositivo intrauterino, tabagismo, múltiplos parceiros sexuais e história de exposição ao dietilbestrol5,8.
Geralmente as pacientes apresentam-se com dor abdominal, atraso menstrual e sangramento vaginal não compatível com menstruação5. O uso de medidas seriadas de gonadotrofina coriônica humana (HCG), porção beta e ultrassonografia facilitam o diagnóstico inicial5,8. Um aumento irregular do β-HCG (<66% em 48 h) e/ou um β-HCG quantitativo maior que 1500 mIU/mL sem imagem ecográfica intrauterina de gestação, mas com uma imagem complexa em anexo, sugerem diagnóstico de prenhez ectópica5.
A conduta expectante é uma das opções de tratamento, com bons resultados em 47 a 82% dos casos, em pacientes com níveis de β-HCG menores que 1000 mUI/mL e com massa ectópica menor que 4 cm, sem batimentos cardíacos, e que concordem com a forma expectante2.
Em pacientes hemodinamicamente estáveis, com imagem menor que 4 cm e com quadro clínico compatível com gestação ectópica íntegra, β-HCG menor que 5000 mIU/mL e sem atividade cardíaca fetal, pode-se optar por tratamento medicamentoso, e deve ser a primeira escolha para as pacientes desejosas de uma futura gestação, uma vez que preserva a tuba uterina, mantendo a capacidade reprodutiva9-11. O metotrexato é uma droga antagonista do ácido fólico que compete com os receptores dihidrofólico ácido redutase, que converte o dihidrofolato em tetrahidrofolato. Na ausência do tetrahidofolato a síntese de DNA é impossibilitada, impedindo a replicação celular2,12.
Em pacientes hemodinamicamente instáveis, a laparotomia é o tratamento indicado, sendo a salpingectomia indicada nas pacientes com prole constituída, nos casos de lesão tubárea irreparável, nas tentativas de salpingostomia com sangramento persistente, quando ocorre recidiva de gravidez ectópica na mesma tuba e quando os títulos de β-HCG são muito elevados9. Diversos estudos compararam a eficácia da salpingectomia ou da salpingostomia em relação ao futuro reprodutivo13,14, não existindo consenso sobre qual seria o procedimento mais adequado15.
Quando a imagem ultrassonográfica da trompa é maior do que 5 cm no diâmetro transverso ou quando existem sinais clínicos compatíveis com gestação ectópica rota, mas em presença de estabilidade hemodinâmica, indica-se o tratamento cirúrgico laparoscópico9,16.
O tratamento da gestação ectópica por via vaginal foi usado pela primeira vez em 1896 quando Huward Kelly descreveu dez casos17. A colpotomia, assim como a laparoscopia, é uma técnica menos invasiva do que a laparotomia; ambas apresentam menor perda sanguínea, menor dor no pós-operatório, menor tempo de internação e retorno mais rápido às atividades rotineiras18,19.
O objetivo do presente estudo foi descrever uma série de casos de gestação ectópica tratadas com a técnica cirúrgica por via vaginal (colpotomia) em um hospital público de Porto Alegre.
Métodos
Foram analisados, retrospectivamente, através de revisão de prontuário, todos os procedimentos realizados via colpotomia no período de fevereiro de 2007 a agosto de 2008, no Hospital Fêmina de Porto Alegre, referência em atendimento de urgência ginecológica no estado do Rio Grande do Sul. Foram incluídos todos os casos internados por um dos autores (HCP), internados com suspeita clínico-laboratorial de gestação ectópica, que não preenchiam critérios para tratamento medicamentoso com metotrexato A colpotomia foi a técnica escolhida tendo em vista a experiência com cirurgia vaginal e por ser a via cirúrgica de preferência dos membros da equipe. Os prontuários foram revisados para a coleta de informações referentes à idade, paridade, raça, tempo cirúrgico, complicações no pós-operatório e medicação analgésica utilizada no pós-operatório.
As pacientes foram submetidas à colpotomia sob anestesia condutiva, após jejum de 8 horas para sólidos e 6 horas para líquidos, tendo sido desconsiderado nos casos de urgência. O procedimento foi realizado com as pacientes em posição ginecológica forçada, com coxas flexionadas com aproximadamente 45º a 60º em relação ao abdômen, para melhor exposição da pelve. Foi realizada sondagem vesical de demora e utilizada a válvula de peso longa, apoiando-a na parede vaginal posterior.
O afastamento da parede vesical anterior e a exposição do colo uterino foram feitos usando-se a válvula de Breiski, sendo o lábio posterior do colo fixado e tracionado na sequência. A incisão foi realizada na transição da mucosa vaginal posterior e colo uterino, utilizando-se eletrocautério monopolar com 40 W de potência, com posterior dissecção da parede vaginal.
Após a abertura do peritônio parietal a mesa cirúrgica foi inclinada anteriormente para propiciar o escoamento do sangue livre na cavidade. Algumas vezes, a trompa afetada apresentou-se espontaneamente. Quando isso não ocorreu, ela foi identificada usando-se gaze montada e pinça de Babcock e a tuba foi clampeada com pinça de Satinsky e realizada a salpingectomia parcial da extremidade proximal à massa. Sempre que possível, a tuba foi mantida, utilizando-se a técnica de salpingostomia conforme a técnica laparotômica, através da borda antimesentérica. Após lavagem da cavidade pélvica com soro fisiológico a cavidade foi fechada com fio absorvível em pontos separados e em uma única camada.
O projeto deste trabalho foi aprovado pelo Comitê de ética em Pesquisa do Hospital Nossa Senhora da Conceição GHC (nº 081/08).
Resultados
No período analisado, foram submetidas ao procedimento vaginal 21 pacientes, das quais 18 foram incluídas no trabalho. Dois prontuários não foram localizados. Uma paciente operada não apresentava gestação ectópica, mas sim cisto ovariano. Características demográficas e obstétricas podem ser observadas na Tabela 1.
Todos os casos apresentavam gestação ectópica tubária rota e todas as pacientes foram submetidas à salpingectomia parcial. Oito casos apresentaram gestação ectópica à direita e dez casos à esquerda. O tempo cirúrgico variou de 30 a 120 minutos (média 64,5 minutos), sendo contabilizado do momento de entrada da paciente na sala até o horário da saída da sala cirúrgica. Nenhuma paciente apresentou infecção pós-operatória. Dezessete pacientes receberam alta em até 48 horas (94,4%) e uma paciente permaneceu 72 horas. A medicação utilizada no período pós-operatório foi semelhante em todos os casos, sendo utilizados anti-inflamatórios não esteroides, dipirona, paracetamol e meperidina conforme necessidade. A dieta foi reintroduzida 8 horas após o término da cirurgia, conforme rotina do Hospital. Após a alta hospitalar, a paciente retornou para consulta médica em 30 dias para revisão cirúrgica e conhecimento do resultado do exame anatomopatológico.
Discussão
A videolaparoscopia é o tratamento cirúrgico de escolha nos casos de gestação ectópica, sendo que, nos países desenvolvidos, 80% dos casos são tratados por essa via9,11,20. A laparoscopia permite o diagnóstico da patologia e o tratamento no mesmo tempo cirúrgico, proporcionando uma redução significativa nos índices de complicações referentes ao atraso no diagnóstico, somadas às vantagens de uma abordagem minimamente invasiva20,21. Além disso, a laparoscopia é considerada a via preferencial por apresentar inúmeras vantagens, como menor tempo de internação, retorno mais rápido às atividades e custos mais baixos devido ao menor tempo de hospitalização9,22. No entanto, a instalação do instrumental laparoscópico tem um alto custo e requer treinamento especializado20,21. Em muitos hospitais brasileiros, existe dificuldade para a realização da laparoscopia, seja por limitação da equipe ou do instrumental endoscópico6.
O tratamento da gestação ectópica usando-se a abordagem vaginal pela colpotomia tem sido preterido como segunda ou terceira opção cirúrgica, mesmo havendo relatos de experiências que evidenciam ser um método seguro, rápido e efetivo23. A via vaginal tem sido usada na abordagem de diversas outras lesões pélvicas, como abscesso tubovariano e ligadura tubária, e histerectomia. Os benefícios em relação à abordagem laparoscópica e laparotômica já foram relatados em recente revisão da Cochrane24. Vantagens significativas foram comprovadas em relação à via abdominal, como retorno mais rápido às atividades, menor tempo de internação e pós-operatório menos doloroso23,24. A via vaginal ainda evita incisões abdominais, apresentando, portanto, melhor resultado cosmético para a paciente17. O instrumental cirúrgico básico para a realização desse procedimento é encontrado rotineiramente em todos os hospitais. Isso faz da abordagem vaginal uma técnica facilmente reprodutível, ao contrário da laparoscopia, cujo instrumental não está disponível em todos os hospitais brasileiros, além de requerer maior treinamento cirúrgico.
O presente estudo possui limitação por ser um relato de um número relativamente pequeno de casos e por não ter acompanhamento a longo prazo. Além disso, não houve comparação desses casos com as demais pacientes tratadas por outra via cirúrgica (laparotomia ou laparoscopia). No entanto, os resultados observados em relação à cirurgia vaginal foram muito bons, com tempo reduzido de internação e ausência de complicações importantes. Conforme os prontuários analisados, nenhuma das 18 pacientes necessitou de reinternação. O período máximo para alta hospitalar próximo a 48 horas (94,4% das pacientes) é semelhante à cirurgia laparoscópica. Pouca medicação no período pós-operatório foi necessária, confirmando ser um procedimento minimamente invasivo, de baixa lesão de tecidos e com pequeno custo ao sistema de saúde.
O tratamento da gestação ectópica via colpotomia, já instituído, mas talvez esquecido ao longo do tempo, pode ser utilizado nessas situações, quando a videolaparoscopia não está disponível, oferecendo uma melhor recuperação às pacientes, quando comparado à laparotomia. Existe a necessidade da realização de estudos prospectivos, para comparar as diferentes técnicas cirúrgicas no tratamento desta patologia, com tempo maior de seguimento23.
Recebido 28/09/2011
Aceito com modificações 27/01/2012
Trabalho realizado no Hospital Fêmina Grupo Hospitalar Conceição GHC Porto Alegre (RS), Brasil.